I. O mecanismo de reação contra nulidades imputadas a acórdão que não admite recurso é a arguição perante o tribunal que o proferiu
II. Salvo disposição legal que especialmente o preveja, o regime de recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação proferido em recurso é o constante das normas conjugadas dos art.ºs 432.º n.º 1 al.ª b) e 400.º do CPP.
III. Não são recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça decisões que tenham admitido ou indeferido pedido de reenvio prejudicial para o TJUE.
I - Relatório:
A arguida AA foi condenada em 1.ª instância pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 80 dias de multa à razão diária de € 5,00, perfazendo o total de € 400.00,00.
Não se conformando, recorreu a arguida para o Tribunal da Relação de Coimbra.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, junto do Tribunal da Relação, na vista a que alude o art.º 416.º n.º 1 do CPP, pronunciando-se sobre o recurso interposto pela arguida emitiu o seguinte parecer: -----
“Subscrevendo a interpretação que sustentámos, de que resulta que a arguida não foi regularmente notificada da sentença, dois caminhos podem ser seguidos:
- Notificar a arguida para que esclareça se ainda assim aceita o prosseguimento do recurso, por não ter interesse em requerer novo julgamento, aproveitando-se os atos praticados;
- Declarar a nulidade da notificação da sentença realizada pela GNR na pessoa da arguida, por não respeitar o regime legal imposto por lei europeia artigos 8.º, n.º 2 e 9.º da Diretiva (UE) 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal, devendo a arguida ser pessoalmente notificada nos moldes em que o foi, mas também de que pode requerer a realização de novo julgamento, no mesmo prazo, extinguindo-se esta instância de recurso por inutilidade superveniente (art.º 277.º, al. ª e), do CPP)”.
O Tribunal da Relação, por acórdão de 9 de abril de 2025, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
O Ministério Público, inconformado, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, invocando como fundamento a desconsideração da norma imperativa do artigo 267.º, penúltimo parágrafo, do Tratado de Funcionamento da União Europeia/TFUE.
Recurso que não foi admitido por despacho de 27 de maio de 2025, que se reproduz:
“Este nosso acórdão, datado de 9.4.2025, é irrecorrível para o STJ, nos exactos e literais termos do artigo 400°, n° 1, alíneas e) e f) do CPP (a 1a instância aplicou uma pena de multa, por nós sancionada), não cabendo assim na lista típica e exaustiva do artigo 432° do CPP.
Daí que não se compreenda a expressa alusão por parte do recorrente à norma do artigo 432°, n° 1, alínea b) do CPP, sobretudo quando se olvida a expressa norma do artigo 400° para o qual tal normativo deve sempre remeter.
Quanto à invocação do artigo 433° do CPP, parece-nos que não justifica ela, por si só, a admissão deste recurso ora intentado pelo MP, sendo uma norma residual que comtempla vários casos de recurso quando o STJ funciona como 1a instância - v.g. artigos 437°, 447° ou 449° do CPP -, abrangendo ainda recursos previstos em legislação avulsa, como alguns de natureza política (cfr. recursos das decisões da Comissão Nacional de Eleições).
Também não vislumbramos no teor do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, profusamente invocado no recurso (não obstante a decisão, transitada em julgado, proferida em 6.9.2024, na qual se considerou a arguida regularmente notificada para a audiência de julgamento, o que também se reiterou no despacho judicial proferido na acta de 16.9.2024), qualquer outra norma específica que venha aditar ao elenco do artigo 432° do CPP mais alguma circunstância que admita recurso - e, ainda para mais, obrigatório - para o STJ.”
O Recorrente apresentou reclamação do despacho que não admitiu o recurso, nos termos do artigo 405.º do CPP, aduzindo os seguintes fundamentos: ------
“ (…) - No Parecer que emitimos neste processo sustentámos e demonstrámos que a arguida não fora notificada pessoalmente da data do julgamento, tendo sido depois notificada da sentença apenas com a advertência de que podia interpor recurso, omitindo-se a informação de que podia requerer novo julgamento.
- Para o efeito alegámos a não transposição pelo legislador português da Diretiva (UE) 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal (cf. 01/04/2018), e estabelecendo os artigos 8.º, n.º 2 e 9.º da Diretiva obrigações incondicionais e precisas.
(…) - O reenvio prejudicial no Tribunal da Relação é obrigatório, pois o art.º 267.º, penúltimo parágrafo, do Tratado de Funcionamento da União Europeia estatui de forma expressa e imperativa que «Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.»
- O Tribunal da Relação não podia indeferir o reenvio prejudicial, até porque o próprio Estado Português tem um procedimento de infração da União Europeia exatamente por não transposição desta Diretiva, mais a mais sem qualquer fundamentação!
- Não obstante a obrigatoriedade da questão prejudicial suscitada, por o Tribunal da Relação de Coimbra decidir em última instância, o certo é que no Acórdão se fez tábua rasa da questão prejudicial em causa, suscitada pelo Ministério Público, que tinha legitimidade para tanto.
- A omissão dessa obrigação fere o Acórdão formulado de nulidade por omissão de diligência essencial imposta por lei imperativa europeia, pois a Diretiva passou a ter efeito direto após o termo do prazo da sua transposição.
- A legislação processual penal portuguesa não regula o modo de impugnação desta omissão de reenvio obrigatório.
- Dado estarmos em face de uma nulidade, por omissão do cumprimento de uma norma legal europeia aplicável em Portugal, designadamente o art.º 267.º, penúltimo parágrafo, do TFUE, pensamos estar aberta a via à impugnação judicial do Acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça.
- Na verdade, não se trata de recurso ordinário, nem de simples reclamação.
- Trata-se de defender através de recurso para instância superior, a não observância pelo tribunal de última instância para decidir a causa, do disposto no art.º 267.º, penúltimo parágrafo, do TFUE.
- Bem vistas as coisas, temos ainda uma situação de não aplicação da referida norma legal europeia, a qual se insere num Tratado acolhido pela Constituição da República Portuguesa e, nessa medida, estamos perante a não aplicação de norma legal com previsão constitucional (art.º 8.º, n.ºs 3 e 4 da Constituição da República Portuguesa).
- Estando em causa a desaplicação de norma constante de Tratado, ato legislativo europeu
- o art.º 267.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia -, com fundamento implícito na sua irrelevância, apesar de o referido Tratado ter suporte constitucional, sendo lei interna, esse raciocínio acaba por enquadrar um entendimento da sua ilegalidade, ao recusar a sua aplicação, ilegalidade essa que deverá considerar verificado, no caso, o requisito do qual a alínea b) e c) do n.º 1 do art.º 70.º da LOTC faz depender a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
- O Tribunal da Relação de Coimbra, na verdade, neste Acórdão, interpretou o disposto no
artigo 267.º, penúltimo parágrafo, do TFUE no sentido de autorizar aquele Tribunal, apesar de ser a última instância de recurso, a não cumprir com o dever de reenvio prejudicial, sem qualquer fundamentação para tanto.
- O dissídio que o objeto do recurso interposto transmite dirige-se à própria decisão judicial que optou por não efetuar o reenvio prejudicial, mas também à suposta dimensão normativa extraída do 3.º parágrafo do artigo 267.º do TFUE, pois é inequívoco que o reenvio é obrigatório, obrigatoriedade essa não observada.
- Todavia, não sendo a lei clara a respeito do modo de impugnação, optamos por suscitar a questão junto do Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo do encaminhamento que se julgar mais adequado à situação, designadamente para o Tribunal Constitucional, o que se pretende a título subsidiário.
- Todavia, não deixa de existir uma violação de norma imperativa.”
1. O Reclamante, em sede de reclamação, defende que, face à questão prejudicial suscitada, o Tribunal da Relação devia ter determinado o reenvio da mesma ao TJUE, por entender que tal é imposto pelo artigo 267.º penúltimo parágrafo, do Tratado de Funcionamento da União Europeia.
Importa salientar que o Ministério Público, no visto a que alude o art.º 216.º do CPP, emitiu parecer pronunciando-se: -----
1.ª – pela notificação da arguida para esclarecer se aceitava o prosseguimento do procedimento com o julgamento recurso interposto;
e, subsidiariamente -----
2.ª – pela declaração da nulidade notificação pessoal da sentença à arguida, invocando que não respeitou o disposto nos artigos 8.º, n.º 2 e 9.º da Diretiva (UE) 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016.
O acórdão recorrido não se pronunciou sobre a questão principal nem sobre a questão subsidiária suscitadas pelo Ministério Público – que não era recorrente.
Se o Tribunal tivesse deferido a primeira e a arguida desse a sua concordância ao prosseguimento do recurso excluída ficava a segunda questão. O Tribunal prosseguia, como prosseguiu, com o julgamento do mérito recurso.
Se indeferisse a promovida notificação e viesse a declarar a nulidade da notificação pessoal da sentença à arguida, mandando-a repetir nos termos promovidos, por evidente se tem, que estava fora de cogitação hipotético reenvio prejudicial.
A ter havido omissão de pronúncia e sendo o acórdão da Relação proferido em recurso irrecorrível em mais um grau, deveria o reclamante, querendo reagir, ter suscitado no próprio Tribunal da Relação, essa suposta nulidade.
Não existe norma alguma, genérica ou especial, que transforme o regime de recorribilidade em mais um grau de jurisdição, de acórdão da Relação proferido em recurso.
O recurso – como o recorrente bem saberá - é tão-somente um mecanismo processual que permite submeter uma decisão judicial à reapreciação da respetiva regularidade e mérito por tribunal superior. Não é um mecanismo que lhe permita provocar e obter decisão sobre questão nova, sobre questões que a decisão recorrida, que não admitia recurso ordinário em mais um grau, não julgou ou não conheceu, ainda que lhe tivessem sido tempestiva e adequadamente suscitadas.
Para suprir omissões do poder-dever de conhecimento de questões suscitadas em recurso que sejam juridicamente relevantes para o julgamento do seu objeto, o legislador instituiu o mecanismo da arguição de nulidades do acórdão – cfr. art. 425.º n.º 4 do CPP.
Aí terminando a via de reação, no regime ordinário, contra acórdão da Relação proferido em recurso não seja se recorrível em mais um grau.
A partir do trânsito em julgado da decisão que indeferir a arguição de nulidades, os sujeitos processuais têm ao seu dispor os recursos de constitucionalidade e os recursos extraordinários. E, esgotados os meios internos podem apresentar queixa ou intentar ação contra o Estado português nas jurisdições europeias (maxime: TEDH e TJUE)
No caso, o reclamante não seguiu a via de reação que o CPP lhe facultava. Equivocou-se, recorrendo para o Supremo Tribunal de Justiça, pretendendo que supra uma omissão de conhecimento que imputa ao Tribunal recorrido, desconsiderando que sobre a questão prévia principal e sobre a questão subsidiária suscitada na vista que lhe foi aberta nos autos, não existe decisão alguma.
E, como o reclamante reconhece a sua pretensão recursiva não se integra em qualquer das previsões do disposto no artigo 432.º do CPP, que constitui a norma nuclear sobre a recorribilidade para o STJ.
No nosso sistema processual penal – e em geral – não está previsto recurso ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões que admitem ou indeferem pedido de reenvio prejudicial para o TJUE.
Pelo que, pela ausência de tal suporte, a reclamação não pode senão soçobrar.
Vejamos se outro tanto se impõe à luz do regime processual penal:
2. O critério de admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça reporta-se à pena concretamente aplicada, ou seja, a pena em que a arguida foi condenada na decisão recorrida.
A recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça dos acórdãos da Relação proferidos em recurso, está prevista, específica e autonomamente, no artigo 432.º do CPP, dispondo a alínea b) do n.º 1 que se recorre “de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º”.
E o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), determina a irrecorribilidade de “acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a oito anos”.
No caso, o acórdão da Relação, confirmou a decisão da 1.ª instância que aplicou à arguida pena de multa.
Havendo dupla conformidade, como resulta diretamente das normas adjetivas citadas, o acórdão da Relação, tirado em recurso, só admite recurso ordinário para o STJ se tiver sido aplicada aos recorrentes, pena superior a 8 anos.
Não sendo esse o caso dos autos, resulta não ser recorrível em mais um grau, o acórdão confirmatório, conforme decorre do disposto nos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), ambos do CPP.
3. Ainda que não houvesse dupla conformidade condenatória o acórdão da Relação, também não admitiria recurso.
Nos termos dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça dos “acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância.”.
No caso, não se verifica a exceção prevista na parte final do preceito transcrito. A arguida foi condenada em 1ª instância. E, ademais, não foi aplicada pena privativa da liberdade.
Estamos, isso sim, perante um acórdão que aplicou pena de multa, cabendo assim na previsão do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, com a consequente, inadmissibilidade do recurso interposto.
4. Ainda que aqui não possa ajuizar-se sobre o alegado reenvio prejudicial, acrescenta-se, obiter dictum, que o reclamante embora tenha atentado, parece, que as Diretivas da EU, diversamente dos Regulamentos, não são diretamente aplicáveis, carecendo de transposição para o direito interno e que apenas vinculem os Estados-Membros quanto aos objetivos nelas firmados, conferindo-lhes a liberdade de escolher os meios para atingir esses resultados, desconsiderou o que consta do seu artigo 8.º n.ºs 2 e 3, com a seguinte redação:
“2. Os Estados-Membros podem prever que um julgamento passível de resultar numa decisão sobre a culpa ou inocência de um suspeito ou de um arguido pode realizar-se na sua ausência, desde que:
a) o suspeito ou o arguido tenha atempadamente sido informado do julgamento e das consequências da não comparência; ou
b) o suspeito ou o arguido, tendo sido informado do julgamento, se faça representar por um advogado mandatado, nomeado por si ou pelo Estado.”
3. Uma decisão tomada em conformidade com o n.o 2 pode ser executada contra o suspeito ou o arguido em causa.”
No site da Comissão Europeia sobre aplicação do direito da UE consta que “os atrasos na transposição do direito da União Europeia para o direito nacional impedem os cidadãos e as empresas de aproveitarem as vantagens dele decorrentes (...)”.
O Tribunal de Justiça (Quarta Secção) por Acórdão de 19 de maio de 2022 proferido no Processo C-569/20 Processo penal contra IR (pedido de decisão prejudicial, apresentado pelo Spetsializiran nakazatelen sad), decidiu sobre o «Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria penal — Diretiva (UE) 2016/343 —Artigo 8..º— Direito de comparecer em julgamento — Informação sobre a realização do julgamento — Impossibilidade de localizar o arguido não obstante os esforços razoáveis envidados pelas autoridades competentes — Possibilidade de um julgamento e de uma condenação à revelia — Artigo 9.º — Direito a um novo julgamento ou a outra via de recurso que permita uma nova apreciação do mérito da causa»
Cooperação judiciária em matéria penal — Reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer no seu julgamento num processo penal — Diretiva 2016/343 — Direito de comparecer em julgamento — Direito a um novo julgamento — Arguido que se pôs em fuga — Impossibilidade de localizar essa pessoa e de a informar do julgamento contra ela dirigido não obstante os esforços razoáveis envidados pelas autoridades competentes — Realização do julgamento à revelia — Admissibilidade — Condição — Necessidade de assegurar à referida pessoa o direito a um novo julgamento — Possibilidade de recusar esse direito — Condições (Diretiva 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho, considerandos 38, 42 e 43 e artigos 8.° e 9.°)
Decidiu que, em resumo (com sublinhados nossos para realçar): ------
“O Tribunal recorda, antes de mais, que o artigo 8.º, n.º 4, e o artigo 9.º da Diretiva 2016/343, que se referem ao âmbito de aplicação e ao alcance do direito a um novo julgamento, devem ser considerados como tendo efeito direto. Este direito é reservado às pessoas cujo julgamento é realizado à revelia mesmo que as condições previstas no artigo 8.º , n.º 2, desta diretiva não estejam reunidas. Em contrapartida, a faculdade concedida pela Diretiva 2016/343 aos Estados-Membros de realizar, quando as condições previstas no n.º 2 do seu artigo 8.º estão reunidas, um julgamento à revelia e de executar a decisão sem prever o direito a um novo julgamento assenta no postulado de que o interessado, devidamente informado, renunciou voluntariamente e de maneira inequívoca a exercer o direito de comparecer no seu julgamento.
Essa interpretação garante o respeito da finalidade da Diretiva 2016/343, que consiste em reforçar o direito a um processo equitativo no âmbito dos processos penais, de modo a aumentar a confiança dos Estados-Membros no sistema de justiça penal dos outros Estados-Membros, e a assegurar o respeito dos direitos de defesa, evitando ao mesmo tempo que uma pessoa que, embora estando informada da realização de um julgamento, tenha renunciado, de forma inequívoca, a nele comparecer, possa, depois de uma condenação à revelia, reivindicar a realização de novo julgamento e, assim, abusivamente, entravar a efetividade dos processos penais e a boa administração da justiça. No que respeita à informação relativa à realização do julgamento e às consequências de uma não comparência, o Tribunal precisa que compete ao órgão jurisdicional em causa verificar se foi emitido ao interessado um documento oficial que mencione de forma inequívoca a data e o local fixados para o julgamento e, em caso de não representação por um advogado mandatado, as consequências de uma eventual não comparência. Por outro lado, incumbe a esse órgão jurisdicional verificar se esse documento foi notificado atempadamente de modo a permitir ao interessado, se este decidir participar no julgamento, preparar utilmente a sua defesa.
No que se refere, mais especificamente, aos arguidos que se tenham posto em fuga, o Tribunal declara que a Diretiva 2016/343 se opõe a uma regulamentação nacional que afaste o direito a um novo julgamento pelo simples facto de a pessoa em causa estar em fuga e de as autoridades não terem conseguido localizá-la. Só quando resulte de indícios precisos e objetivos que a pessoa em questão, embora tenha sido informada oficialmente de que é acusada de ter cometido uma infração penal e, sabendo assim que será realizado um julgamento contra ela, atua deliberadamente de modo a evitar receber oficialmente as informações relativas à data e ao local do julgamento, é que se pode considerar que essa pessoa foi informada da realização do julgamento e que renunciou voluntariamente e de maneira não inequívoca a exercer o seu direito de nele comparecer, situação que se enquadra na hipótese referida no artigo 8.º , n.º 2, da Diretiva 2016/3433 . A existência de tais indícios precisos e objetivos pode nomeadamente ser declarada quando a referida pessoa comunicou voluntariamente uma morada errada às autoridades nacionais competentes em matéria penal ou já não esteja na morada que comunicou. Por outro lado, para determinar se a informação que foi fornecida pelo interessado foi suficiente, há que conferir especial atenção, por um lado, à diligência demonstrada pelas autoridades públicas para informarem o interessado e, por outro, à diligência por este demonstrada para receber as referidas informações. Além disso, o Tribunal precisa que essa interpretação respeita o direito a um processo equitativo, enunciado nos artigos 47.° e 48.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e no artigo 6.º da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.”
E, rememora-se, que o nosso regime processual penal estabelece que o/a arguido/a presta termo de identidade e residência do qual “deve constar que àquele foi dado conhecimento:
a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado;
b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;
c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento;
d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º.”
O/a arguido/a que prestou TIR e que, incumprindo as inerentes obrigações, muda de residência sem informar no processo, entende-se que “renunciou voluntariamente e de maneira não inequívoca a exercer o seu direito de nele comparecer” no julgamento legitimando que decorra sem a sua presença, no qual será representado pelo defensor constituído ou nomeado.
A sentença é-lhe notificada com informação expressa do direito de recorrer, quando condenatória, e do respetivo prazo, que se conta a partir dessa notificação.
Finalmente: ----
5. Do pedido de encaminhamento para o Tribunal Constitucional, formulado a título subsidiário.
Não cabe nos poderes de cognição previstos pelo artigo 405.º do CPP, relativos exclusivamente à admissibilidade ou não do recurso, satisfazer esta pretensão.
Aliás, a lei não admite o regime de subsidiariedade recursiva invocado pelo reclamante.
A pretender recorrer para o Tribunal Constitucional deverá o recorrente apresentar o respetivo requerimento no tribunal recorrido.
Com efeito, não nos cabe pronunciar sobre a admissibilidade de recursos de decisões de outros Tribunais.
6. Pelo exposto, indefere-se a reclamação, deduzida pelo Ministério Público.
Sem custas pela isenção de que goza o Ministério Público.
Notifique-se.
O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
Nuno Gonçalves