HABEAS CORPUS
RECURSO
PRAZO
PRISÃO PREVENTIVA
PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA
DECISÃO PENAL CONDENATÓRIA
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
PRISÃO ILEGAL
PROCEDÊNCIA
Sumário


I. A decisão proferida em recurso que agrave ou atenue a pena aplicada em 1ª instância é uma decisão confirmativa da condenação. Assim, o juízo confirmativo da existência de culpa formada pelo tribunal recorrido justifica a ampliação do prazo de prisão preventiva e a medida da pena determina o quantum dessa ampliação.
II. O prazo máximo de prisão preventiva é o previsto no artigo 215º, n.º 1, do CPP, que se vai elevando, de forma gradativa, consoante a fase do processo, sendo de 1 ano e 6 meses, sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.
III. No caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1ª instância e a sentença condenatória tiver sido confirmada em sede de recurso ordinário pelo Tribunal da Relação, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada (em 1ª instância) – art.º 215º, n.º 6 do CPP.
IV. Se a decisão proferida em recurso atenuar a pena aplicada na sentença recorrida, o prazo da prisão preventiva será calculado com base na pena fixada pelo tribunal superior (em relação à qual há decisão confirmativa).
V. Se a pena for agravada, esse agravamento não terá repercussão no prazo da prisão preventiva, como é o caso, e vem sendo opinião da Doutrina e jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça.
VI. O prazo máximo da prisão preventiva do requerente era de 2 anos, que se atingiu em 11 de março de 2025, pelo que é fundada a petição de habeas corpus.

Texto Integral


Acordam, em conferência, na 3ª secção do Supremo Tribunal de Justiça,

I – relatório

AA, procurado no processo de execução do Mandado de Detenção Europeu-MDE em referência, requereu habeas corpus, alegando o seguinte:

1 – (…) foi-lhe imposta a medida de coação de prisão preventiva por despacho de 11 de março de 2023 (ref.ª .......78), data em que foi validada a sua detenção, ocorrida no dia anterior, 10 de março de 2023 (ref.ª ......83).

2 – O Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal de ... - Juiz ..., proferiu acórdão, em 12 de Junho de 2024, que, (…), na parte que agora releva, decidiu nos termos seguintes:

“Pelo exposto acordam as Juízes que constituem o Tribunal Colectivo em:

1.Absolver o arguido AA do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86º, nº 1, al. d), da Lei 5/2006, de 23.02, na redacção dada pela Lei 50/2019, de 24.07, pelo qual vinha pronunciado;

2.Condenar o mesmo arguido AA pela prática em autoria material e concurso efectivo de:

2.1. um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art.º 143º, nº 1, do Código Penal, na pena, especialmente atenuada, ao abrigo do disposto no art.º 4º do Dec-Lei 401/882, de 23.09, de 8 (oito) meses de prisão;

2.2. um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos artºs 22º. 23º, 131º do Código Penal - para o qual se convola o crime de homicídio qualificado na forma tentada pelo qual vinha pronunciado, na pena especialmente atenuada, ao abrigo do disposto no art.º 4º do Dec-Lei 401/882, de 23.09, de 4 (quatro) anos de prisão;

2.3. Em cúmulo jurídico das penas parcelares atrás referidas, condenar o arguido AA na pena de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão efectiva.

2.4. Declarar, nos termos do disposto nos artºs 2º, nº 1, 3º, nº 1 e 4. 7º, nº 1, al. a) e 8º da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, o perdão de quatro meses à pena única acima aplicada ao arguido AA, sob a condição resolutiva de o mesmo arguido não praticar infração dolosa até 1.09.24, inclusive, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento da parte da pena perdoada, e, ainda, sob a condição de proceder ao pagamento, no prazo de noventa dias, da indemnização a que nestes autos é condenado a pagar ao ofendido BB.”

3 - Em recurso interposto(…), o Tribunal da Relação de Guimarães proferiu acórdão, em 25.02.2025, em que (…), decidiu nos subsecutivos termos:

“D) Mantendo a condenação do arguido AA como autor de um crime de homicídio simples, na forma tentada, e de um crime de ofensa à integridade física simples, na forma consumada, alteram as penas parcelares bem como a pena única fixada ao mesmo, as quais passam a ser:

i)De 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão pelo crime de homicídio na forma tentada;

ii)De 12 (doze) meses de prisão pelo crime de ofensa à integridade física simples;

iii)Em cúmulo jurídico na pena única de 7 (sete) anos de prisão;

iv)Declaram, nos termos do disposto nos art.ºs 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 1 e 4, 7.º, n.º 1, al. a) e 8.º da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, o perdão de 6 (seis) meses à pena única acima aplicada ao arguido AA, sob a condição resolutiva de o mesmo arguido não praticar infração dolosa até 01-09-2024, inclusive, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento da parte da pena perdoada, e, ainda, sob a condição de proceder ao pagamento, no prazo de noventa dias, da indemnização a que nestes autos é condenado a pagar ao ofendido BB. E) Em todo o mais, confirmam o acórdão recorrido. (...) Uma vez que o arguido AA está em prisão preventiva desde 13-03-2023, atento o disposto no artº 215º nº 6 do CPP, determina-se a imediata comunicação à 1ª instância do teor deste acórdão, com cópia do mesmo, ainda sem trânsito”.

4 – Sob a epígrafe «Prazos de duração máxima da prisão preventiva», o artigo 215.º do Código de Processo Penal, no prevalecente, estabelece que:

“1 - A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido:

(...)

d) Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.

2 - Os prazos referidos no número anterior são elevados, respectivamente, para (...) 2 anos, em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, ou (...)

6 - No caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1.ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada.”

5 – (…), conforme referido, o arguido foi condenado na 1.ª instância na pena de 4 anos de prisão pela prática de um crime de homicídio simples na forma tentada [crime especialmente violento, punível com pena máxima superior a 8 anos de prisão (artigo 1.º, alíneas j) e l), do Código de Processo Penal e 131.º e 73.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal)], tendo o Tribunal da Relação de Guimarães agravado esta pena para 6 anos e 6 meses de prisão.

6 – Neste alinho, sufragamos o entendimento da Juíza Conselheira Maria do Carmo Silva Dias quando defende que, nestas hipóteses, em que existe alteração da pena, «o prazo da prisão preventiva calcular-se-á com base na pena fixada pelo tribunal superior, se este reduzir a pena; porém, caso a pena seja agravada, esse agravamento não terá repercussão no prazo da prisão preventiva» (Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo III, 2021, Almedina, página 489. No mesmo sentido, v. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Volume I, 5.ª edição atualizada, UCP Editora, páginas 946-947).

7 – Subscrevendo o vazado em 6, nas palavras de Maia Costa: “Assim, a decisão proferida em recurso que agrave ou atenue a pena decretada em 1ª instância também é uma decisão confirmativa da condenação. Havendo alteração da pena, o prazo da prisão preventiva calcular-se-á com base na pena fixada pelo tribunal superior se este reduzir a pena; porém, caso a pena seja agravada, esse agravamento não terá repercussão no prazo da prisão preventiva.” (in Código de Processo Penal Comentado, Nota 10, pág. 896, 2014, Almedina)

8 – Por derradeiro, atente-se no escólio de Vítor Sequinho Gomes: “Porém, se atentarmos naquela que parece constituir a razão de ser do alargamento (a todos os títulos excepcional) do prazo de prisão preventiva estabelecido pela norma em análise, parece que a pena a ter em conta para o cálculo do prazo máximo de prisão preventiva será a mais curta, pois é apenas nessa medida que existem decisões concordantes dos dois tribunais.” (Vide Revista do CEJ, Jornadas sobre a revisão do Código de Processo Penal, 1.º Semestre 2008, Número 9 (Especial), sob a epígrafe “Medidas de coacção”, pág. 142)

9 – Aqui chegados, forçoso é concluir que, desde 11 de Março de 2025, se encontra aplicada ao arguido uma medida de coação fora do condicionalismo tipificado legalmente, infringindo, dessa forma, o adjectivado nos artigos 212.º, n.º 1, alínea a), 215.º, n.o 2 e 217.º, n.os 1 e 2 do CPP.

10 – Videlicet: o arguido, presentemente, mostra-se privado da liberdade de forma ilegal e injustificada, porquanto se conforma sobrepujado, para a fase do processo em pauta, o prazo de duração máxima da medida de coação de prisão preventiva.

11 – Posto isso, em conformidade com as disposições concatenadas dos artigos 27.º, n.os 1 e 3, alínea b), 28.º, n.º 4, e 31.º, todos da Constituição da República Portuguesa, e 222.º, n.os 1 e 2, alínea c), e 223.º do CPP, deve a medida de coação de prisão preventiva ser declarada ilegal e, em consequência, cessarem os respetivos efeitos.

Termina peticionando que o Supremo Tribunal de Justiça declare “ilegal a prisão preventiva e que, no consectário, se determine a cessação dos respectivos efeitos”, em suma, que se ordena a sua libertação imediata.

2. O Mº Juiz no tribunal da condenação, na informação imposta pelo art.º 223.º nº 1 do C. P. Penal, sobre as condições em que foi efetuada e se mantém a prisão preventiva do requerente elucida o seguinte:--

“1.O arguido AA foi detido à ordem destes autos em 10.03.2023.

2.Em 1º interrogatório judicial, realizado em 11. 03.2023, foi aplicada ao referido arguido a medida de coacção de prisão preventiva, medida essa que foi sucessivamente revista e mantida.

3.Em 12.06.2024 foi nesta instância proferido acórdão que, no que ao mesmo arguido concerne, decidiu:

“1. Absolver o arguido AA do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86º, nº 1, al. d), da Lei 5/2006, de 23.02, na redacção dada pela Lei 50/2019, de 24.07, pelo qual vinha pronunciado;

2. Condenar o mesmo arguido AA pela prática em autoria material e concurso efectivo de:

2.1. um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art.º 143º, nº 1, do Código Penal, na pena, especialmente atenuada, ao abrigo do disposto no art.º 4º do Dec-Lei 401/882, de 23.09, de 8 (oito) meses de prisão;

2.2. um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos artºs 22º. 23º, 131º do Código Penal - para o qual se convola o crime de homicídio qualificado na forma tentada pelo qual vinha pronunciado - na pena especialmente atenuada, ao abrigo do disposto no art.º 4º do Dec-Lei 401/882, de 23.09, de 4 (quatro) anos de prisão;

2.3. Em cúmulo jurídico das penas parcelares atrás referidas, condenar o arguido AA na pena de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão efectiva.

2.4. Declarar, nos termos do disposto nos art0s 20, n0 1, 30, n0 1 e 4. 70, n0 1, al. a) e 80 da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, o perdão de quatro meses à pena única acima aplicada ao arguido AA, sob a condição resolutiva de o mesmo arguido não praticar infração dolosa até 1.09.24, inclusive, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento da parte da pena perdoada, e, ainda, sob a condição de proceder ao pagamento, no prazo de noventa dias, da indemnização a que nestes autos é condenado a pagar ao ofendido BB.

3.Manter as medidas de coacção a que se encontra sujeito o arguido AA. incluindo a medida de prisão preventiva, até ao trânsito em julgado da presente decisão, por se manterem inalterados os pressupostos de facto e de direito que as determinaram, nos termos dos ar0s 1910, 1920, 1930, 2020, 2040, als a) e c) e 2130, n0 1, al. a) e 2, todos do CPP.

4.Determinar a recolha de amostras biológicas ao arguido AA para inserção na base de perfis de ADN, nos termos dos artigos 8.0, n.0 2 e 18.0, n.0 3 da Lei n.0 5/2008, de 12/02, a solicitar à entidade competente, que deverá observar o prescrito nos artigos 90 e 100 desse diploma legal.”

3.O arguido AA e o Ministério Público interpuseram recurso deste acórdão para o Tribunal da Relação de Guimarães, recurso esse que foi admitido por despacho proferido em 22.02.2024.

Ainda que sem directo relevo, assinale-se que o recurso do Ministério Público incidiu também quanto à parte do acórdão que absolveu o coarguido CC do crime de homicídio pelo qual vinha pronunciado e que do mesmo acórdão foram ainda interpostos recursos pelos assistentes DD e EE e pelo assistente BB, recursos esses também admitidos.

4.Oferecidas as respostas aos recursos, procedeu-se, por despacho proferido em 10.09.2024, ao reexame dos pressupostos da medida de coacção de prisão preventiva a que se encontrava sujeito o arguido AA, que se manteve, ordenou-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Guimarães, após notificadas as respostas apresentadas, remessa que foi efectuada em 12.09.2024.

5. Por despacho de 5.12.2024, procedeu-se à revisão dos pressupostos da medida de coacção de prisão preventiva, a que se encontrava sujeito o arguido AA, que foi mantida.

6. Em 25.02.2025 foi proferido Acórdão da Relação de Guimarães, comunicado a esta instância nessa data, com informação de que não tinha transitado em julgado, que, no que ao arguido AA concerne, decidiu:

“ I. Julgar totalmente improcedentes os recursos interpostos pelo assistente BB e pelo arguido AA.

(...)D) Mantendo a condenação do arguido AA como autor de um crime de homicídio simples, na forma tentada, e de um crime de ofensa à integridade física simples, na forma consumada, alteram as penas parcelares bem como a pena única fixada ao mesmo, as quais passam a ser:

i)De 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão pelo crime de homicídio na forma tentada;

ii)De 12 (doze) meses de prisão pelo crime de ofensa à integridade física simples;

iii)Em cúmulo jurídico na pena única de 7 (sete) anos de prisão;

iv)Declaram, nos termos do disposto nos artºs 2º, nº 1, 3º, nº 1 e 4. 7º, nº 1, al. a) e 8º da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, o perdão de 6 (seis) meses à pena única acima aplicada ao arguido AA, sob a condição resolutiva de o mesmo arguido não praticar infração dolosa até 01-09-2024, inclusive, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento da parte da pena perdoada, e, ainda, sob a condição de proceder ao pagamento, no prazo de noventa dias, da indemnização a que nestes autos é condenado a pagar ao ofendido BB.”

7. Por despacho de 5.03.2025, foi revista e mantida a medida de coacção aplicada ao arguido AA, transcrevendo-se, por se afigurar relevante, o seu teor:

“ O Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido nos autos, ainda não transitado em julgado, decidiu manter a condenação do arguido AA como autor de um crime de homicídio simples, na forma tentada, e de um crime de ofensa à integridade física simples, na forma consumada, e alterar as penas parcelares bem como a pena única fixada (…)

Face ao decidido pelo Tribunal da Relação de Guimarães o prazo máximo da prisão preventiva elevou-se para metade da pena fixada (cfr. artigo 215.°, n.° 6, do Código de Processo Penal), ocorrendo 11.06.2026 (a prisão preventiva teve o seu início em 11.03.2023 e tem como prazo máximo 3 anos e 3 meses).

Nos termos do art.° 213° do CP, importa oficiosamente proceder à revisão dos pressupostos da prisão preventiva a que se encontra sujeito o arguido AA,

O arguido foi sujeito à referida medida de coacção em 11.03.2023, medida essa que foi sucessivamente revista e mantida.

Continuam a verificar-se os pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação ao mesmo arguido da medida de prisão preventiva, aliás, reforçados pelo acórdão proferido em 1ª instância e pelo acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, ainda que não transitado.

Inexistem novos elementos a ponderar, não sendo necessário proceder à prévia audição do arguido. Não se encontra ultrapassado o prazo máximo de prisão preventiva.

Pelo exposto, determino que o arguido o AA continue a aguardar os ulteriores termos processuais na situação em que se encontra nos autos, ou seja, sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, nos termos dos artigos 191.º, 192.º, 193.º, 202.º n.º 1, alínea a), 204.º, alíneas a) a c), e 213.º, todos do Código de Processo Penal”.

8.Tal despacho foi notificado, além de outros, ao arguido AA, pessoalmente e na pessoa do seu Exmo Advogado, em 6.03.2025, que dele não reagiu.

9.Em 22.05.2025 foi informado pelo Tribunal da Relação de Guimarães que os autos seriam remetidos ao Supremo Tribunal de Justiça para apreciação dos recursos interpostos pelos arguidos AA e CC, anexando-se com a referida informação, os despachos proferidos pelo Exmo Sr. Juiz Desembargador: em 4.04.2025 que admitiu os recursos interpostos pelos arguidos; e em 22.05.2025, que ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça.

10.Em 26.05.2025 foi comunicado a estes autos o despacho do Exmo Senhor Juiz Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, proferido na sequência da promoção do Exmo Procurador Adjunto qu se pronunciou no sentido de ser declarada extinta a prisão preventiva a que está sujeito o arguido AA.

11.Nesta data de 28.05.2025 procedeu-se à revisão dos pressupostos da prisão preventiva a que está sujeito o arguido AA, tendo sido mantida a referida medida de coacção.

II.

Conforme expressamente consignado no despacho proferido em 5.03.2025 (supra transcrito), despacho esse oportunamente notificado ao arguido, pessoalmente e na pessoa do seu Exmo Advogado, não tendo o arguido dele reagido, perfilha-se o entendimento que, tendo o Acórdão da Relação de Guimarães proferido nos autos confirmado o juízo de culpabilidade do arguido AA e mantido a condenação pela prática dos crimes de homicídio na forma tentada e de ofensas corporais simples, e tendo agravado as penas parcelares, bem como a pena única, aplicadas no acórdão proferido nesta instância, nos termos do disposto no art° 215°, n° 6 do CPP, o prazo máximo de prisão preventiva eleva-se para metade da pena aplicada no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães pela prática do crime de homicídio na forma tentada, sendo, no caso, de 3 anos e 3 meses, pelo que ocorre o seu termo em 11.06.2026.

Subjacente a tal entendimento, é a consideração que, com aquela decisão do Tribunal da Relação, existe já um suficiente grau de certeza acerca da prática do crime, da sua autoria e da existência de culpa (baseado num duplo juízo condenatório), que fundamenta a elevação do prazo de prisão preventiva a metade da pena aplicada por aquele tribunal superior.

No sentido deste entendimento, o Acórdão da Relação de Coimbra, de 23.02.2011, relatado pelo Desembargador Orlando Gonçalves (www.dgsi.pt), de cujo sumário consta:

“1. Nos termos do n.° 6 do art.215.° do CPP, introduzido pela Lei n.° 48/2007, de 29 de Agosto, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada no caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1.ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário.

2.Essa elevação do limite máximo da prisão preventiva, aplica-se não só quando tenha sido confirmada integral ou parcialmente a sentença condenatória da primeira instância, mas também quando tenha sido agravada pelo tribunal de recurso a pena fixada nessa sentença, implicando que o referente para o prazo máximo da prisão preventiva seja o da pena agravada”.

No mesmo sentido, se pronunciou Maia Gonçalves, Código Processo Penal Anotado, Almedina, 17ª edição, 2009, pág. 522.

O entendimento que se vem de referir, mereceu juízo de conformidade constitucional pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n° 603/200, de 2.12.2009, relatado pelo Conselheiro Carlos Fernando Cadillha, proferido em caso semelhante ao destes autos, no qual havia sido interposto recurso para aquele tribunal da decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, que, no âmbito de pedido de habeas corpus, considerou que há confirmação da sentença, para os efeitos previstos no artigo 215°, n.° 6, do CPP, quando o tribunal de recurso aplica uma pena igual ou superior à da sentença de primeira instância, e manteve assim o entendimento de que o prazo de prisão preventiva se ampliou para quatro anos e meio, correspondente a metade da pena aplicada em recurso.

Por se sufragar este entendimento, e se considerar que o mesmo é o que melhor corresponde à letra da lei , à intenção do legislador, e à razão de ser do disposto no art.º 215º, nº 6 do CPP - não obstante se reconhecer tratar-se de questão jurídica controversa, como se refere despacho do Exmo Juiz Conselheiro Relator proferido em 26.05.25, acima referido – é que, por despacho proferido nesta data, em sede de revisão da medida de coacção a que se encontra sujeito o arguido AA, se manteve a medida de prisão preventiva.

III. (…)

3. Teve lugar a audiência pública, nos termos dos art.ºs 223.º, n.º 3 e 435.º, ambos do C. P. Penal.

II – questão a decidir.

Se se mantém ilegalmente a prisão preventiva do requerente por se ter esgotado o respetivo prazo.

iii – fundamentação.

1. Dos elementos com que vem instruída a presente providência e a consulta eletrónica do processo principal, apuram-se os seguintes factos e dados processuais:

a. No inquérito com o NUIPC foi o aqui requerente, detido em 10 de março de 2023 e, apresentado a 1.º interrogatório judicial, o Juiz de Instrução, no dia seguinte, decretou a prisão preventiva do arguido, aqui requerente.

b. Medida coativa que, por despachos judiciais foi reexaminada e, não se alterando os pressupostos e as exigências cautelares, foi ininterruptamente mantida.

c. O Ministério Público deduziu acusação imputando ao aqui requerente os factos aí narrados e com isso o cometimento, em concurso efetivo, dos crimes de homicídio qualificado na forma tentada e de ofensa á integridade física.

d. Não foi declara a excecional complexidade do processo.

e. Realizado julgamento no Juízo central criminal de ... - juiz ..., o tribunal, por acórdão de 12 de junho de 2024, julgando a acusação parcialmente provada e procedente condenou o arguido aqui requerente pela prática, em autoria material e concurso efetivo, de: ----

- um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art.° 143°, n° 1, do Código Penal, na pena, especialmente atenuada, ao abrigo do disposto no art.° 4° do Dec-Lei 401/882, de 23.09, de 8 (oito) meses de prisão;

- um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos art°s 22°. 23°, 131° do Código Penal (para o qual se convola o crime de homicídio qualificado na forma tentada pelo qual vinha pronunciado), na pena especialmente atenuada, ao abrigo do disposto no art.° 4° do Dec-Lei 401/882, de 23.09, de 4 (quatro) anos de prisão;

- E, em cúmulo jurídico destas penas parcelares, condenou-o na pena única de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão.

f. o tribunal declarou perdoados quatro meses de prisão nessa pena única, sob condição resolutiva.

g. arguido e Ministério interpuseram recurso para a 2.ª instância.

h. O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 25.02.2025, decidiu quanto ao requerente, nos seguintes termos:

“- Mantendo a condenação do arguido AA como autor de um crime de homicídio simples, na forma tentada, e de um crime de ofensa à integridade física simples, na forma consumada, alteram as penas parcelares bem como a pena única fixada ao mesmo, as quais passam a ser:

i)De 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão pelo crime de homicídio na forma tentada;

ii)De 12 (doze) meses de prisão pelo crime de ofensa à integridade física simples;

iii) Em cúmulo jurídico na pena única de 7 (sete) anos de prisão;

iv) Declaram (…) o perdão de 6 (seis) meses à pena única acima aplicada ao arguido AA, sob condição resolutiva (…)

- Em todo o mais, confirmam o acórdão recorrido.

i. Determinando-se a imediata comunicação à 1ª instância do teor do decidido no acórdão.

j. O tribunal de 1.ª instância, por despacho de 5.03.2025, reexaminou, e porque se mantinham os pressupostos que havia fundamentado a sua aplicação, manteve o arguido em prisão preventiva, expendendo o seguinte:

O Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido nos autos, ainda não transitado em julgado, decidiu manter a condenação do arguido AA como autor de um crime de homicídio simples, na forma tentada, e de um crime de ofensa à integridade física simples, na forma consumada, e alterar as penas parcelares bem como a pena única fixada ao mesmo, as quais passam a ser:

- de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão pelo crime de homicídio na forma tentada;

ii) De 12 (doze) meses de prisão pelo crime de ofensa à integridade física simples;

E em cúmulo jurídico na pena única de 7 (sete) anos de prisão;

Mais foi decidido declarar, nos termos do disposto nos art°s 2°, n° 1, 3°, n° 1 e 4. 7°, n° 1, al. a) e 8° da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, o perdão de 6 (seis) meses à pena única acima aplicada ao arguido AA, sob a condição resolutiva de o mesmo arguido não praticar infração dolosa até 01-09-2024, inclusive, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento da parte da pena perdoada, e, ainda, sob a condição de proceder ao pagamento, no prazo de noventa dias, da indemnização a que nestes autos é condenado a pagar ao ofendido BB.

Face ao decidido pelo Tribunal da Relação de Guimarães o prazo máximo da prisão preventiva elevou-se para metade da pena fixada (cfr. artigo 215.°, n.° 6, do Código de Processo Penal), ocorrendo 11.06.2026 (a prisão preventiva teve o seu início em 11.03.2023 e tem como prazo máximo 3 anos e 3 meses).

k.Decisão notificada ao arguido ora requerente e ao seu ilustre defensor que não a impugnaram.

l. O arguido não se conformando com o acórdão da Relação que lhe agravou as penas parcelares, elevando-as, respetivamente, para 6 anos e 6 meses (pelo crime de homicídio tentado), 12 meses (pelo crime de ofensa à integridade física) e única para 7 anos de prisão, interpôs, em 31 de março de 2025, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

m. Recurso que aqui se encontra a correr termos.

n. No qual o Digno Procurador Geral Adjunto promoveu, em conclusão, como segue:

“Conforme referido, o arguido foi condenado na 1.ª instância na pena de 4 anos de prisão pela prática de um crime de homicídio simples na forma tentada [crime especialmente violento punível com pena máxima superior a 8 anos de prisão (artigo 1.º, alíneas j) e l), do Código de Processo Penal e 131.º e 73.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal)].

O Tribunal da Relação de Guimarães agravou esta pena para 6 anos e 6 meses de prisão.

Como pertinentemente observa a conselheira Maria do Carmo Silva Dias, nestas hipóteses em que existe alteração da pena, «o prazo da prisão preventiva calcular-se-á com base na pena fixada pelo tribunal superior, se este reduzir a pena; porém, caso a pena seja agravada, esse agravamento não terá repercussão no prazo da prisão preventiva» (Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo III, 2021, Almedina, página 489. No mesmo sentido v. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Volume I, 5.ª edição atualizada, UCP Editora, páginas 946-947).

À vista do que vem de ser referido, o prazo máximo da prisão preventiva é de 2 anos e foi atingido em 11 de março de 2025.

Desta forma, promovo que se determine a extinção da prisão preventiva a que se encontra sujeito o arguido AA.”

o. Concluído processo ao Colendo Conselheiro relator, pelo mesmo foi proferido, em 24 de maio de 2025, o despacho seguinte (em síntese) -

I.(…) Para que dúvidas não restem, consigna-se que resulta dos autos que ao arguido AA foi imposta a medida de coação de prisão preventiva por despacho de 11 de março de 2023 (ref.' .......78), data em que foi validada a sua detenção, ocorrida no dia anterior, 10 de março de 2023 (ref.' ......83).

(…)

II.O tribunal colectivo do Juízo Central Criminal de ... - Juiz ..., proferiu acórdão em 12 de Junho de 2024 que, relativamente ao arguido AA, na parte que agora releva, decidiu nos termos seguintes: (…)

Em recurso interposto desta decisão o Tribunal da Relação de Guimarães proferiu acórdão, em 25.02.2025, em que relativamente ao arguido AA decidiu nos seguintes termos: (…)

Recebido o recurso neste Supremo Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto exarado douta promoção nos termos seguintes: (…)

A questão suscitada (…) tem subjacentes duas outras (…), traduzindo-se a primeira num problema de competência e a segunda num problema de interpretação de lei.

Vejamos a primeira:

Nos termos do art. 414º, nº 7, do CPP, se o recurso subir nos próprios autos e houver arguidos privados da liberdade, o tribunal, antes da remessa do processo para o tribunal superior, ordena a extracção de certidão das peças processuais necessárias ao seu reexame.

Esta norma contém um comando de natureza imperativa dirigido ao juiz do processo (…) que deverá providenciar para que no tribunal recorrido fique traslado (…) para o acompanhamento da privação da liberdade, procedendo às necessárias reapreciações nos termos legalmente previstos e controlando os prazos de duração da prisão preventiva, (…)

(…) esta orientação processual é também a que melhor se coaduna com as atribuições dos tribunais superiores que têm como limite de intervenção o objecto dos recursos sujeitos à sua apreciação (…).

Vem tudo isto a traduzir-se, afinal, numa incompetência funcional do STJ para apreciar a manutenção dos pressupostos da prisão preventiva no caso concreto, (…); e nunca, seguramente, por despacho do relator, sobrepondo-se a possível entendimento diverso do colectivo e/ou do juiz do processo (…).

Dito de outro modo, não sendo o excesso de prisão preventiva reconhecido pelo juiz do processo, a questão, a colocar-se, só através da providência de habeas corpus poderia ser suscitada ante o Supremo Tribunal de Justiça.

Transitemos, pois, para a segunda das questões (…) e que se prende com a determinação dos limites da prisão preventiva. O seu ponto de partida é a previsão do n° 6 do art. 215° do CPP, em cujos termos no caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1.ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada.

No caso, o Tribunal da Relação de Guimarães agravou a pena imposta pelo crime de homicídio na forma tentada para 6 anos e 6 meses de prisão.

(…) a posição apontada na douta promoção relativamente aos limites da prisão preventiva no caso de agravamento da pena pelo Tribunal da Relação é controvertida tanto na doutrina como na jurisprudência, (…).

p. O presente requerimento de habeas corpus deu entrada neste STJ em 29 de Maio de 2025.

q. O requerente está preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de ....

2. Direito

2.1. No capítulo dos Direitos Liberdades e Garantias pessoais, prevê o art.º 27º da Constituição da Republica Portuguesa-CRP, sob a epígrafe “direito à liberdade e à segurança”, que todos têm direito à liberdade e à segurança, ninguém podendo ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de (i)sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de (ii)aplicação judicial de medida de segurança.

O direito à liberdade é entendido como o direito à liberdade de movimentos, à liberdade ambulatória, à liberdade física, à livre circulação nas circunstâncias de tempo, modo e lugar que a cada cidadão aprouverem.

Constitui, assim, um direito fundamental dos cidadãos constitucionalmente garantido, ou, uma garantia constitucional do direito à liberdade individual, mas também tutelado por instrumentos jurídicos internacionais aos quais Portugal está vinculado, como a Convenção Europeia dos Direitos Humanos-CEDH- e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos-PIDCP.

O art.º 5º da CEDH, reconhece que “toda a pessoa tem direito à liberdade”, ninguém podendo ser privado da liberdade, salvo se for preso em cumprimento de condenação, decretada por tribunal competente, de acordo com o procedimento legal.

Reconhece que a pessoa privada da liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação, se a detenção for ilegal1.

E no art.º 9º do PIDCP prevê-se que, “todo o indivíduo tem direito à liberdade” pessoal. Proibindo a detenção ou prisão arbitrárias, estabelece que “ninguém poderá ser privado da sua liberdade, excepto pelos motivos fixados por lei e de acordo com os procedimentos nela estabelecidos”.

Determina, ainda, que, “toda a pessoa que seja privada de liberdade em virtude de detenção ou prisão tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, com a brevidade possível, sobre a legalidade da sua prisão e ordene a sua liberdade, se a prisão for ilegal.

Não sendo, porém, um direito absoluto, o direito a não ser detido, preso ou privado da liberdade, total ou parcialmente, o art.º 27º n.º 3 da CRP elenca os casos em que se pode ser privado da liberdade, o que consta, também, das alíneas a), b), c) d) e f) do n.º 1 do art.º 5º da CEDH, preceito, no qual se inspirou o art.º 27º da CRP2.

As condições e o tempo de prisão, são disciplinadas por lei, como previsto, ainda, pelo citado art.º 27º, n.º 3, da CRP.

Não sendo respeitadas ou sendo violadas, prevê a CRP e o CPP meios processuais de reacção a eventual detenção ou prisão ilegal.

Para além dos meios normais de reacção, (como a arguição de invalidade, reclamação ou recurso), preveem os artigos 31º da CRP e 222º do CPP, a providência de habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude por virtude de prisão ou detenção ilegais.

O artigo 31.º da Constituição da República Portuguesa-CRP, sob a epigrafe Habeas Corpus, dispõe que:

“1. Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.

2. A providência de habeas corpus pode ser requerida pelo próprio ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos.

3. O juiz decidirá no prazo de oito dias o pedido de habeas corpus em audiência contraditória.”

Consagra, pois, este preceito constitucional, o direito à providência de habeas corpus como direito fundamental contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegais.

Densificando o artigo 31.º n.º 1 da CRP, dispõe o artigo 222.º do CPP que:

“1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.

2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou,

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.”

O pedido de habeas corpus, no sentido da jurisprudência e doutrina, visa reagir contra o abuso de poder, por prisão ou detenção ilegal e constitui, não um recurso, mas uma providência extraordinária com natureza de acção autónoma e com fim cautelar, destinada a pôr termo no mais curto espaço de tempo a uma situação ilegal de privação de liberdade3. E extraordinária porque singular, com finalidade e processamento próprios4.

A providência de habeas corpus, sobretudo no que aqui mais releva, não se destina a apreciar a validade e o mérito de decisões judiciais, a apurar se foram ou não observadas as disposições da lei do processo e se ocorreram ou não irregularidades ou nulidades resultantes da sua inobservância; trata-se de matérias para as quais se encontram legalmente previstos meios próprios de intervenção no processo, onde devem ser conhecidas, de acordo com o estabelecido nos arts. 118.º a 123.º, do CPP e por via de recurso para os tribunais superiores (art.º 399.º e ss., do CPP)5.

O habeas corpus não exclui o direito ao recurso, nem é subsidiário do recurso, no sentido de apenas poder ser utilizado após se esgotarem outras formas de reação. Pode “coexistir”, com os demais meios judiciais comuns de reacção, como a arguição de invalidade, reclamação ou com o recurso6.

Não existe relação de litispendência ou de caso julgado entre o recurso e a providência de habeas corpus, como refere o artigo 219.º, n.º 2, do CPP.

Além disso, os motivos de «ilegalidade da prisão», como fundamento da providência de habeas corpus, têm de reconduzir-se à previsão das alíneas do n.º 2 do art.º 222.º do CPP, de enumeração taxativa.

Assim, o STJ apenas tem de verificar, (a)se a prisão resulta de uma decisão judicial exequível, (b)se a privação da liberdade se encontra motivada por facto que a admite e (c)se estão respeitados os respetivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial7.

E nos casos de abuso de poder, este há de ser facilmente perceptível dos elementos constantes do processo, há de tratar-se de um “erro grosseiro, patente e grave, na aplicação do direito”, em todas situações elencadas nas três alíneas do n.º 2 do art.º 222.º do CPP, entendimento que tem sido reiterado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça8.

Ainda, a concessão do habeas corpus pressupõe a actualidade da ilegalidade da prisão, reportada ao momento em que a petição é apreciada, não se admitindo, no nosso regime constitucional e legal, habeas corpus preventivo.

2.2. No caso, o requerente encontra-se a cumprir prisão preventiva decretada pelo juiz de instrução em 11 de março de 2023, por factos que a lei a permite, como sucede com o crime de homicídio ainda que na forma tentada.

Os pressupostos dessa medida de coação privativa da liberdade foram reexaminados, tempestiva e sucessivamente, pelo juiz funcionalmente competente, tendo-se decidido pela manutenção de modo que o arguido se encontra atualmente preso no Estabelecimento Prisional de ....

Alega o Requerente que: -----

- tendo sido preso preventivamente foi condenado por acórdão da 1.ª instância nas penas parcelares de 8 meses de prisão pela prática de um crime de ofensa à integridade física, 4 anos de prisão pela prática de um crime de homicídio na forma tentada e e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos e 4 meses de pisão. Pena única a que o tribunal logo perdoou 4 meses.

- em recurso, o tribunal da Relação de Guimarães agravou as referidas penas de prisão para, respetivamente, 12 meses, 6 anos e 6 meses e 7 anos (a pena única).

- recurso que foi admitido mas que ainda não foi decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça.

- ainda não existe decisão com trânsito em julgado que o tenha condenado pela prática dos referidos crimes.

- o prazo máximo da sua prisão preventiva à ordem deste processo é de 2 anos, nos termos do disposto no art.º 215.º n.º 2 e 6 do CPP. Ou seja, tanto pelo estabelecido no n.º 2 citado como também porque corresponde a metade da pena única de 4 anos em que foi condenado na 1.ª instância, tendo a Relação, em recurso, confirmado a condenação.

- ainda que a Relação tenha elevado a medida das penas parcelares e única, que agravou para 7 anos de prisão mas logo perdoando 6 meses sob condição resolutiva, todavia, a pena única que restou - 6 anos e 6 meses -, impugnada no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e ainda não confirmada não pode considerar-se para determinação do prazo previsto no art.º 215.º n.º 6 do CPP.

Remata que se encontra ilegalmente preso desde 11 de março de 2025 por ter sido então que se atingiu o prazo máximo da sua prisão preventiva á ordem deste processo (principal).

E, adianta-se, assiste-lhe razão.

Pelas seguintes razões:

2.3. Os prazos de duração máxima da prisão preventiva de um arguido à ordem de um processo estão estabelecidos no art.º 215.º do CPP que, no que para aqui releva, dispõe:

1 - A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido:

(…)

d) Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.

2 - Os prazos referidos no número anterior são elevados, respectivamente, para (…) dois anos, (…) quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, (…)

(…)

6 - No caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1.ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada.

Interpretamos que o legislador quando diz “pena que tiver sido fixada” quis identificar assim a pena estabilizada pela dupla conformidade condenatória, a pena que dois tribunais de diferente hierarquia coincidiram em aplicar ao arguido.

Se a pena aplicada em primeira instância foi modificada, por redução ou por agravamento, tem-se por evidente que somente o quantum em que as duas instâncias coincidem se verifica dupla conformidade condenatória.

Assim mesmo tem vindo a decidir uniformemente a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.

No sumário do Acórdão de 23/04/2015 proferido no Processo n.º 8/13.6MACSC.E.S1,9 relatado pela Conselheira Isabel Pais Martins, consta: ----

“IV - Tem-se entendido que há «confirmação» quando o tribunal de recurso rejeita o recurso nos termos do art. 420.º ou aplica pena igual, pena superior ou pena inferior à fixada na sentença recorrida. No caso de a relação aplicar pena superior à pena cominada na sentença recorrida, o prazo de duração máxima da prisão preventiva é o de metade da pena de prisão aplicada na 1.ª instância por só nesta medida se verificar uma verdadeira reiteração pela relação do juízo condenatório da 1.ª instância.” (realce nosso)

Fundamentando o assim exposto, explicita-se no citado acórdão: -----

2.3. Embora, como já tivemos ocasião de observar, a regra da “confirmação” em matéria de medidas de coacção não deva interpretar-se no mesmo sentido que a “dupla conforme” em matéria de recurso de sentença, pois é diferente a finalidade das duas regras. A regra da “dupla conforme” pretende evitar a interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto a regra da “confirmação” em matéria de medidas de coacção visa alargar o prazo de duração máxima das mesmas precisamente quando há recurso para o Supremo Tribunal de Justiça ou para o Tribunal Constitucional.

Por isso, tem-se entendido que há “confirmação” quando o tribunal de recurso rejeita o recurso nos termos do artigo 420.º ou aplica pena igual, pena superior ou pena inferior á fixada na sentença recorrida.

No caso de a relação aplicar pena superior à pena cominada na sentença recorrida, o prazo de duração máxima da prisão preventiva é o de metade da pena de prisão aplicada na 1.ª instância por só nesta medida se verificar uma verdadeira reiteração pela relação do juízo condenatório da 1.ª instância.”

Igualmente se decidiu no Acórdão de 19/03/2015 proferido em habeas corpus requerido no processo 5/13.1SWLSB-B.S1,10 da mesma relatora, constando respetivo sumário: ----

(…)

V - No caso da Relação aplicar pena superior à pena cominada na sentença recorrida, o prazo de duração máxima da prisão preventiva é o de ½ da pena de prisão aplicada na 1.ª instância por só nesta medida se verificar uma verdadeira reiteração pela Relação do juízo condenatório da 1.ª instância.

Também na fundamentação do acórdão de 16/12/2019 proferido no processo 81/15.2JBLSB-A.S1,11 relatado pelo Conselheiro Nuno Gonçalves, se expendeu:

A elevação do prazo máximo da prisão preventiva estabelecido no art.º 215.° n.º 6 do CPP, justifica-se, precisamente pelo duplo grau condenatório. Não tanto ou não só porque no processo se começa a estabelecer um forte grau de certeza acerca da existência do crime e da responsabilidade criminal do arguido, mas, isso sim, porque se caminha, decisivamente, no sentido de uma certa medida das consequências jurídicas para o agente do crime ou crimes cometidos. O arguido que até então poderia ter expetativas mais ou menos fundadas de poder ver alterada a facticidade provada e com isso, ser absolvido ou ver reduzido o número de crimes, ou baixar a medida das penas parcelares, com o acórdão confirmatório e o funcionamento da dupla conforme, adquiriu um estádio de quase certeza de que a medida da pena, ainda que possa ser reduzida, nunca o será em tal dimensão que permita a aplicação de pena suspensa ou que venha a ficar-se em medida muito abaixo daqueles (…) anos de prisão. (…) É, pois, a pena conjunta decretada e confirmada que está presente na mente legislativa que presidiu à elevação do prazo máximo da prisão preventiva estabelecido no art.º 215º n.º 6 do CPP.

(…) O único critério é o da pena aplicada na decisão da 1ª instância, com confirmação pela Relação.

Outro tanto defende a doutrina, com realce para os comentadores do Código de Processo Penal.

Assim, Eduardo Maia Costa12 sustenta que “Havendo alteração da pena, o prazo da prisão preventiva calcular-se-á com base na pena fixada pelo tribunal superior, se este reduzir a pena; porém, caso a pena seja agravada, esse agravamento não terá repercussão no prazo da prisão preventiva”.

No mesmo sentido se pronunciam Elisabete Ferreira e Paulo Pinto de Albuquerque13, escrevendo: “Assim, há confirmação quando o tribunal de recurso (…) aplica pena igual ou superior à pena da sentença recorrida. Em ambos os casos, o prazo máximo da prisão preventiva é o de metade da pena de prisão da sentença recorrida, pois só nessa medida se verifica uma verdadeira reiteração pelo TRP do juízo da primeira instância sobre a culpa e a gravidade da pena”.

Também assim sustenta Maria do Carmo Silva Dias14, citando ou referenciando aqueles comentadores.

Para além de Victor Sequinho Gomes, citado pelo peticionante no ponto 8 do requerimento15.

Reforça a interpretação exposta o entendimento, pacificamente estabilizado na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, decidindo uniformemente que a pena aplicada na sentença/acórdão da primeira instância é a que releva para efeitos do prazo máximo da prisão preventiva estabelecido no citado n.º 6 do art.º 215.º do CPP, quando a Relação anula a decisão condenatória recorrida.

Interpretação que o Tribunal Constitucional tem validado à luz da Constituição decidindo no acórdão n.º 404/2005, de 22-07-2005, (in DR, II Série, de 31-03-2006), “não julgar inconstitucional a norma constante do art.º 215.º, n.º 1, al. c), com referência ao n.º 3, do CPP, na interpretação que considera relevante, para efeitos de estabelecimento do prazo máximo de duração da prisão preventiva, a sentença condenatória em 1.ª instância, mesmo que em fase de recurso venha a ser anulada por decisão do Tribunal da Relação”.16

Tanto basta para se concluir que, nos termos do art.º 215.º n.ºs 1 al.ª d), 2 e 6, do CPP, o prazo máximo da prisão preventiva do requerente era de 2 anos, concretamente igual a metade da pena de 4 anos de prisão que, por concessão do perdão de penas, é o remanescente da pena única de 4 anos e 4 meses de prisão que lhe foi aplicada no acórdão condenatório da primeira instância.

Encontrando-se em prisão preventiva ininterruptamente desde 11 de março de 2023, atingiu-se em 11 de março de 2025 o prazo máximo em que podia estar preso preventivamente à ordem deste processo.

Nos termos da lei, a prisão preventiva é ilegal quando se mantiver para além do prazo legalmente estabelecido.

No caso, o arguido encontra-se atualmente em prisão preventiva ilegal por se manter para além do prazo fixado na lei.

Assim, porque a providência de habeas corpus é fundada não resta senão mandar que o arguido seja restituído imediatamente à liberdade.

3. Decisão:

Pelo exposto, no Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, acordam em audiência:

(i)Julgar que a prisão preventiva do arguido aqui requerente à ordem deste processo se mantém para além do prazo legalmente establecido e, consequentemente se mantém ilegalmente;

(ii)Deferir, porque fundado, o pedido de habeas corpus apresentado por AA.

(iii)Ordenar a libertação imediata do arguido aqui requerente.

(iv)Passem-se imediatamente mandados, remetendo-os ao estabelecimento prisional para cumprimento.

(v)Comunique ao tribunal da condenação e ao processo pendente neste Supremo Tribunal.

Sem custas.

*

Supremo Tribunal de Justiça, 4 de junho de 2025.

António Augusto Manso (relator por vencimento)

Maria Margarida Ramos Almeida (vencida conforme voto que junta)

Carlos Campos Lobo (Vencido conforme declaração junta)

Nuno Gonçalves (Presidente da Secção).

*

1-v. ac. do STJ, de 14.07.2021, proc. 2885/10.3TXLSB-AA.S1, www.dgsi.pt.

2-v. ac. do STJ, de 24.04.2024, Proc. n.º 2592.08.7PAPTM-C.S1, www.dgsi.pt.

3-v. ac. do STJ de 02.06.2021, 156/19.9T9STR-A.S1, www.dgsi.pt.)

4-Eduardo Maia Costa, 2016, p. 48, citado por Tiago Caiado Milheiro in Comentário Judiciário ao CPP, AAVV, Coimbra, Almedina, tomo III, em anotação ao art.º 222º do CPP.

5-ac. do STJ de 16.11.2022, proc. 4853/14.7TDPRT-A.S1, www.dgsi.pt.

6-ac. STJ de 19-11-2020 - A. Gama, citado por Tiago Caiado Milheiro, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, AA.VV., t. III, Coimbra, Almedina, 2022, p. 586)

7-ac. do STJ de 16.11.2022, proc. 4853/14.7TD PRT-A.S1, www.dgsi.pt

8-ac. do STJ de 20.11.2019, proc. n.º 185/19.2ZFLSB-A.S1,www.dgsi.pt.

9-consultável em www.dgsi.pt.

10-idem

11-idem

12-Código de Processo Penal comentado, 4ª edição, Almedina, Coimbra, em anotação ao art.º 215º.

13-Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 5ª edição, em anotação ao citado art.º 215º.

14-Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, 3ª edição, Almedina, Coimbra, em anotação ao mesmo preceito.

15-Vítor Sequinho Gomes, citado pelo peticionante, quando diz que “[p]orém, se atentarmos naquela que parece constituir a razão de ser do alargamento (a todos os títulos excepcional) do prazo de prisão preventiva estabelecido pela norma em análise, parece que a pena a ter em conta para o cálculo do prazo máximo de prisão preventiva será a mais curta, pois é apenas nessa medida que existem decisões concordantes dos dois tribunais.” (Vide Revista do CEJ, Jornadas sobre a revisão do Código de Processo Penal, 1.º Semestre 2008, Número 9 (Especial), sob a epígrafe “Medidas de coacção”, pág. 142)

16-Também o Acórdão nº 603/2009, processo n.º 777/09, 3ª Secção, do Tribunal Constitucional, de 2 de Dezembro de 2009, na sequência de um pedido de habeas corpus, formulado junto do STJ e pelo mesmo indeferido (consultável em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/ acordaos/), que considerou que a interpretação adoptada (de considerar a pena aplicada no tribunal superior) congruente com o espírito do sistema e corresponder a uma solução proporcionada em relação aos objectivos que o legislador pretendeu atingir com a ampliação do prazo para a prisão preventiva, e não merecer qualquer censura no plano jurídico-constitucional, salvaguarda e acrescenta, independentemente da correcção da interpretação efectuada, no plano do direito ordinário, aspecto que ao Tribunal Constitucional não cabe apreciar.

*

1.Declaração de voto da Colenda Conselheira Maria Margarida Almeida Ramos:

“Votei vencida pelas seguintes razões:

1. A questão nos autos resume-se a saber qual o entendimento que decorre do nº6 do artº 215 do C.P.Penal, que tem a seguinte redacção:

No caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1.ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada.

2. Como se constata pela mera leitura do texto, o artigo refere apenas duas condições – que tenha havido condenação na 1ª instância e que tal condenação tenha sido confirmada em sede de recurso.

De facto, nenhuma referência é feita, condicionante da elevação para metade da pena fixada, quanto à circunstância de ter ocorrido qualquer alteração no que toca ao seu “quantum”, isto é, a aplicabilidade da regra não se mostra condicionada ao facto de a pena inicial ter sido reduzida, mantida ou agravada.

Tanto assim é, que a parte final do dito ponto 6, faz referência à pena que tiver sido fixada, não circunscrevendo, de igual modo, se essa pena foi a fixada na decisão inicial ou na de recurso.

3. Assim, da própria literalidade do texto resulta, no nosso entendimento, que, em caso de recurso, existe uma regra especial, que afasta a aplicabilidade do disposto nos nºs 1 a 4 do mesmo artigo e que impõe que, em havendo condenação, em ambas as instâncias, o prazo de prisão preventiva se passa a reger pela metade da pena que vier a ser fixada, pelo tribunal de recurso, obviamente, pois é da dependência da confirmação da condenação, nesta sede, que surge a possibilidade de aplicação de tal prazo especial.

Tanto assim é que, em sede de recurso, nestes casos, no segmento do dispositivo, a decisão não é de revogação da condenação, antes a sua confirmação, alterando-se apenas a medida da pena. Tal foi, aliás, o que sucedeu nos presentes autos, como reza o dispositivo do acórdão proferido pelo TRGuimarães, onde se afirma, com total clareza, Mantendo a condenação do arguido AA como autor de um crime de homicídio simples, na forma tentada, e de um crime de ofensa à integridade física simples, na forma consumada, alteram as penas (…).

4. Entende-se, assim, que o que resulta do disposto no nº6 do artº 215 do C.P.Penal é a regra de, seja qual for o resultado, em termos de quantum da pena alvo de recurso, designadamente quer a mesma seja reduzida, mantida ou aumentada, o prazo máximo de prisão preventiva passa a ser o que resultar da metade dessa pena fixada.

E, atendendo às regras que regem essa matéria, em sede processual penal (os artºs 197 a 202 determinam a aplicabilidade de cada uma das medidas de coacção, aferindo-as à moldura penal de um crime e não ao eventual resultado do cúmulo de molduras penais máximas, de vários ilícitos em concurso real), a pena a atender, para tal efeito, terá de se reportar à pena singular mais elevada, que foi imposta ao arguido.

5. Condenação é condenação, e é essa a referência da norma, do nº 6 do artº 215 do C.P.Penal. Para a sua aplicação, mostra-se apenas necessário que tenha havido lugar a condenação em pena de prisão, em duas instâncias, mas não já que essa condenação, em termos de quantitativo, seja idêntica. Tanto assim é que no caso de eventual redução do quantum da pena, por virtude da decisão condenatória do recurso, terá de ser aplicada a mesmíssima regra, atendendo-se agora à pena parcelar mais gravosa, determinada pelo tribunal superior.

6. Esta é, pois, a minha posição quanto à questão, razão pela qual se não perfilha o entendimento que o requerente defende e em relação ao qual cita alguma doutrina e jurisprudência.

Pela minha parte, não só se me afigura clara a letra da lei, como a verdade é que existem já decisões jurisprudenciais precisamente no mesmo sentido, designadamente (sublinhados nossos):

a. Acórdão nº 603/2009, processo n.º 777/09, 3ª Secção, do Tribunal Constitucional, de 2 de Dezembro de 2009, na sequência de um pedido de habeas corpus, formulado junto do STJ e pelo mesmo indeferido (consultável em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/):

Como é sabido, o direito à liberdade admite as restrições que se encontram previstas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 27º da Constituição, entre as quais se conta a detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos. Constituindo as restrições ao direito à liberdade restrições a um direito fundamental integrante da categoria de direitos, liberdades e garantias, estão sujeitas às regras do artigo 18º, n.ºs 2 e 3, da Constituição, o que quer dizer que «só podem ser estabelecidas para proteger direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, devendo limitar-se ao necessário para os proteger» (nestes precisos termos, Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob cit., pág. 479).

Por outro lado, como decorre do artigo 28º, n.º 4, do texto constitucional, «[a] prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na lei», o que significa que não pode deixar de ser temporalmente limitada de acordo com a sua natureza. Cabendo à lei a fixação dos prazos de prisão preventiva, como resulta desse preceito, dispõe o legislador ordinário, nessa matéria, de uma relativa margem de liberdade de conformação, ainda que deva respeitar o princípio da proporcionalidade (idem, pág. 490; no mesmo sentido, Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit., pág. 321; entre outros, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 246/99).

Ora, não se vê, no caso concreto, em que medida é que a interpretação adoptada pelo tribunal recorrido poderá ferir o princípio da proporcionalidade. A decisão do Supremo Tribunal de Justiça assentou na ideia de que há confirmação da sentença condenatória quando o tribunal superior mantém a pena aplicada ou estabelece pena superior. Considerou, por outro lado, que, tendo havido um agravamento da pena em sede de recurso, a elevação do prazo máximo de prisão preventiva, por efeito do disposto no artigo 215º, n.º 6, do CPP, passaria a ser metade da pena agravada.

Independentemente da correcção da interpretação efectuada, no plano do direito ordinário, aspecto que ao Tribunal Constitucional não cabe apreciar, o certo é que a interpretação adoptada é congruente com o espírito do sistema e corresponde a uma solução proporcionada em relação aos objectivos que o legislador pretendeu atingir com a ampliação do prazo para a prisão preventiva.

O recorrente parece defender o entendimento de que só uma decisão confirmativa que se mostrasse ser inteiramente coincidente, quanto à medida da pena, com a sentença condenatória da primeira instância é que poderia preencher os pressupostos da ampliação do prazo de prisão preventiva previsto no artigo 215º, n.º 6, do Código de Processo Penal. Já se viu, no entanto, que a solução legislativa assenta em dois diferentes fundamentos: a confirmação do juízo de culpabilidade é motivo bastante para a prorrogação do prazo da prisão preventiva; a medida da pena (aqui relevando a variação para mais ou para menos resultante do julgamento efectuado pelo tribunal de recurso) determina o prazo pelo qual a prisão preventiva será prorrogada.

Neste contexto, tem pleno cabimento (sobretudo à luz do princípio da proporcionalidade) que ao agravamento da pena em recurso corresponda um agravamento do limite temporal da duração da prisão preventiva. O que não faz qualquer sentido, e seria flagrantemente contrário ao dito princípio da proporcionalidade, é que a medida legislativa – que tem um objectivo de evitar a eventual a libertação de réus presos já condenados por simples efeito da utilização de expedientes dilatórios – apenas pudesse ser aplicada quando houvesse uma absoluta sobreposição entre a decisão de recurso e a decisão de primeira instância, e não já em todos os demais casos que justificam idêntico tratamento (por envolverem um duplo juízo condenatório), mas relativamente aos quais, em razão do poder de reapreciação do tribunal superior, tenha havido uma ligeira discrepância quanto à dosimetria da pena.

A decisão recorrida não merece, pois, qualquer censura no plano jurídico-constitucional.

b. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo nº 1499/08.2PBVIS-G.C1, de 23-02-2011 (consultável em www.dgsi.pt):

1. Nos termos do n.º 6 do art.215.º do CPP, introduzido pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada no caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1.ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário.

2. Essa elevação do limite máximo da prisão preventiva, aplica-se não só quando tenha sido confirmada integral ou parcialmente a sentença condenatória da primeira instância, mas também quando tenha sido agravada pelo tribunal de recurso a pena fixada nessa sentença, implicando que o referente para o prazo máximo da prisão preventiva seja o da pena agravada.

3. Os recursos ordinários, que são unitários, no sentido de que não dependem nem da natureza da decisão recorrida nem dos fundamentos do recurso, respeitam às decisões que ainda não transitaram em julgado.

c. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo nº 588/11.0JACBR-C.C1, de 10-09-2014 (consultável em www.dgsi.pt):

I - Atingida uma certa fase processual, a anulação do julgamento, do acórdão condenatório ou, reenvio total ou parcial para novo julgamento, não faz com que se recue para a fase processual anterior, no que concerne à determinação dos prazos máximos de prisão preventiva.

II - A confirmação em sede de recurso ordinário, prevista no n.º 6 do artigo 215.º do CPP, não tem de ser uma condenação definitiva, é acórdão confirmativo de condenação em 1ª instância, embora não tivesse ainda sido objeto de trânsito em julgado. A norma tem em vista apenas um determinado patamar do iter processual e esse foi, sem dúvida, alcançado.

III - A razão de ser da lei é a de que a existência de uma decisão do tribunal de 1ª instância e de um tribunal de 2ª instância, no mesmo sentido, constitui fundamento suficiente para alargar o prazo da prisão preventiva. Alargamento necessário para evitar a extinção automática de uma medida, de natureza cautelar, por efeito da interposição de sucessivos recursos. Tendo em vista ainda que, tendo duas instâncias decidido no mesmo sentido, sai reforçada a probabilidade de acerto, justificando, por isso, o alargamento do prazo da medida de natureza cautelar.

7. Efectivamente, e em sede final, dir-se-á que a intenção do legislador, ao introduzir a regra especial constante no nº 6 do artº 215 do C.P.Penal, radica na prevenção de, por utilização de mecanismos recursivos, se possa extinguir uma medida coactiva, quando já duas instâncias judiciais confirmaram a imposição de uma pena de prisão efectiva. E daí que seja indiferente que tal condenação se reconduza a quantums idênticos ou diversos; o que importa é que, por duas vezes, duas instâncias judiciais já se pronunciaram, entendendo que um determinado arguido cometeu um crime e deve cumprir uma pena de prisão.

8. Atento o exposto, concluiria que o prazo de prisão preventiva se não mostra ainda extinto, pelo que não caberia razão ao requerente, no que aqui peticiona.”

2.Declaração de voto do Colendo Conselheiro Carlos Campos Lobo:

Subscrevo inteiramente o Voto de vencida da Conselheira Maria Margarida Ramos de Almeida.