EXTRADIÇÃO
SUSPENSÃO PROVISÓRIA DE PROCESSO
INJUNÇÃO
DIFERIMENTO DE ENTREGA
Sumário

De acordo com o artigo 16º, da Convenção, “a existência de um processo penal nos tribunais da Parte requerida contra a pessoa reclamada, ou a circunstância de esta se encontrar a cumprir uma pena privativa da liberdade por uma infracção diversa da que motivou o pedido, não obstam à concessão da extradição” – nº 1; sendo que “nos casos referidos no número anterior, a entrega do extraditado será diferida até ao termo do processo ou do cumprimento da pena” – nº 2.
No caso em apreço, o extraditando não cumpriu ainda na totalidade a injunção aplicada no âmbito da suspensão provisória de processo, o que não obsta à extradição, sendo certo que esta circunstância também não impõe o diferimento da entrega, pois aquela não tem a natureza de pena privativa da liberdade e no processo penal respectivo já teve lugar uma decisão, precisamente, a da sua suspensão provisória.
Com efeito, se na situação em que um arguido tem para cumprimento qualquer pena não privativa da liberdade, como por exemplo a pena de substituição de suspensão da execução da pena, a Convenção não impõe o diferimento da entrega até à sua extinção pelo cumprimento (e é sabido que essa suspensão sempre seria susceptível de ser revogada, verificados os pertinentes pressupostos), por maioria de razão se tem de interpretar que a pendência do cumprimento de uma injunção também a esta não obriga.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
I – RELATÓRIO

1. O Ministério Público junto deste Tribunal da Relação, tendo em vista a extradição para o Reino de Marrocos, apresentou AA, filho de BB e de CC, nascido aos …/…/1976, em …, de nacionalidade marroquina, titular do passaporte nº …, emitido em …/2022, com última morada conhecida na …, …, …, para audição.

2. O requerido foi detido em Portugal pela autoridade policial portuguesa aos 28 de Agosto de 2024, pelas 18:00 horas, na cidade de …, na sequência do pedido de detenção internacional difundido pela Interpol dada a existência de mandado de detenção internacional emitido, aos 13 de Abril de 2023, a que corresponde o nº …/2023, pela autoridade competente do Reino de Marrocos, com vista à respectiva extradição para fins de procedimento criminal.

3. Em 30 de Agosto de 2024, procedeu-se a diligência de audição do extraditando no Tribunal da Relação de Évora. Nessa diligência, a Exmª Desembargadora de turno decidiu manter a situação de detenção provisória.

4. Em 4 de Outubro de 2024, foi o requerido restituído à liberdade por o processo administrativo com decisão da Exmª Senhora Ministra da Justiça sobre o pedido formal apresentado pelas autoridades marroquinas à PGR não ter dado ainda entrada em juízo (18:16 horas), de acordo com o estabelecido com o artigo 19º, nº 5, da Convenção em Matéria de Extradição entre a República Portuguesa e o Reino de Marrocos, assinada em Rabat em 17 de Abril de 2007, aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 7/2009, de 26/02 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 13/2009, de 26/02.

5. Em 18 de Dezembro de 2024, o Ministério Público veio requerer o cumprimento do pedido de extradição e juntou o pedido formal do Reino de Marrocos de extradição do cidadão de nacionalidade marroquina AA para fins de procedimento criminal pela prática dos ilícitos de posse, transporte, importação e tráfico de estupefacientes, associação criminosa com vista à prática de tais actos; importação de estupefacientes sem autorização ou declaração para o efeito de burla, conforme previstos e punidos pelos artigos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º do Decreto Real (Dahir) de 21.05.1974, relativo à repressão da toxicodependência e à prevenção dos toxicodependentes; artigos 129º e 130º do Código Penal e artigos 279º bis e 279º ter do Código Aduaneiro e artigo 540º do Código Penal Marroquino, puníveis com pena máxima de prisão de 10 anos.

6. Aos 12 de Abril de 2025, pelas 13:00 horas, em …, na sequência do mandado emitido pelo Juiz Relator, foi o requerido detido pela Polícia Judiciária, tendo-se procedido à sua audição em 15 de Abril de 2025, em que declarou não renunciar à regra da especialidade e não consentir na extradição, sendo então concedido o prazo de oito dias para deduzir, querendo, oposição por escrito e mantida a detenção.

7. Decorrido o prazo concedido, não foi apresentada oposição por escrito.

8. Aos 28 de Abril de 2025, o Ministério Público propôs se informasse o Proc. nº 511/24.2…, do Departamento de Investigação e Ação Penal - …ª Secção de …, à ordem do qual cumpria o requerido a injunção de 90 horas de trabalho a favor da comunidade aplicada em sede de suspensão provisória do processo, que nada obstará a que AA cumpra o remanescente das horas de trabalho comunitário em situação de reclusão enquanto aguarda decisão sobre a sua extradição para Marrocos.

9. Por despacho de 30 de Abril de 2025, determinou-se se comunicasse ao Proc. nº 511/24.2… o proposto pelo Ministério Público (não competindo a este Tribunal da Relação proferir decisão sobre essa problemática), sendo que se entende que, não havendo lugar à produção de prova testemunhal, também não é de determinar a vista do processo para alegações a que se refere o artigo 56º, nº 2, da Lei nº 144/99 – cfr. Ac. R. de Lisboa de 06/10/2021, Proc. nº 1627/21.2YRLSB-3; Ac. R. de Évora de 22/11/2022, Proc. nº 183/22.9YREVR; Acs. do STJ de 11/01/2018, Proc. nº 1331/17.6YRLSB.S1, 20/10/2021, Proc. nº 1149/20.9YRLSB.S1 e 24/11/2021, Proc. nº 129/21.1YRCBR, disponíveis em www.dgsi.pt.

10. Procedeu-se ao exame do processo e, colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

Encontram-se provados os seguintes factos:

1. No Tribunal de Primeira Instância de …, Reino de Marrocos, corre seus termos o processo em que o extraditando AA se encontra indiciado pela prática de crimes de posse, transporte, importação e tráfico de estupefacientes e associação criminosa com vista à prática de tais actos e do delito aduaneiro de primeira classe de importação de estupefacientes sem autorização ou declaração para o efeito de burla, previstos e punidos pelos artigos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º do Decreto Real (Dahir) de 21/05/1974, Relativo à Luta Contra a Toxicodependência e à Prevenção de Toxicodependentes, artigos 129º e 130º, do Código Penal Marroquino e artigos 279º bis e 279º ter do Código Aduaneiro e artigo 540º, do Código Penal, respectivamente, sendo aqueles puníveis com pena de prisão com o limite máximo de 10 anos, por factos cometidos em Fevereiro de 2023.

2. Os factos por que se mostra indiciado são, em síntese, os seguintes:

O extraditando, com residência esporádica em Portugal, dedica-se, desde data não concretamente enunciada, mas, necessariamente anterior a Dezembro de 2022, e até ao presente, em conjunto com DD e a família EE (aí se incluindo os irmãos FF, GG e HH), a uma actividade com carácter internacional, de transporte de produto estupefaciente entre os países da Alemanha, França, Espanha e Marrocos.

Para o efeito, utilizam como fachada, sociedade com objecto na área do comércio de veículos automóveis propriedade dos irmãos EE, em concreto, na área da importação de veículos automóveis a partir da Alemanha e ao seu desalfandegamento em Marrocos para venda posterior, assumindo actividade também em … e …, na Alemanha.

A par desta actividade, AA e DD, providenciam por contratos de trabalho em Portugal para cidadãos que carecem de regularização da sua situação neste território, a troco de pagamento de contrapartidas monetárias. Nessa circunstância, facilitaram um contrato de trabalho a FF, residente ilegal em Portugal, em troca de 6000€.

No dia 16 de Fevereiro de 2023 apreenderam 100115 comprimidos psicotrópicos na cidade de … (Marrocos) na residência de DD.

3. As autoridades marroquinas pretendem que AA seja extraditado para o Reino de Marrocos para fins de procedimento criminal pelos aludidos factos e incriminação.

4. O extraditando tem nacionalidade marroquina.

5. Foi detido com fundamento no mandado de detenção internacional emitido em 13 de Abril de 2023 pelo Reino de Marrocos, inserido no sistema de informação oficial da Interpol.

6. Sua Excelência a Senhora Ministra da Justiça, pelo despacho nº …/MJ/2024, assinado em 16 de Dezembro de 2024, declarou admissível o pedido de extradição apresentado pelo Reino de Marrocos, relativamente aos factos em que se verifica a dupla incriminação, ou seja, com exclusão do ilícito aduaneiro de primeira classe.

7. O pedido formal de extradição foi recebido neste Tribunal, mostra-se junto aos autos e encontra-se devidamente instruído, pela forma legalmente exigida pela Convenção em Matéria de Extradição entre a República Portuguesa e o Reino de Marrocos.

8. Inexiste conhecimento de que se encontre pendente ou tenha corrido seus termos em Portugal qualquer processo com o mesmo objecto.

9. No Proc. nº 511/24.2…, do Departamento de Investigação e Acção Penal – …ª Secção de …, por decisão de 1 de Julho de 2024, com a concordância do Mmº Juiz de Instrução, foi determinada a suspensão provisória do processo em que figura como arguido o extraditando AA, pelo período de seis meses, com a condição de, no mesmo prazo, cumprir as seguintes injunções:

- Prestar 90 horas de trabalho a favor da comunidade, em entidade beneficiária do trabalho, a indicar pela DGRSP e cumprir todas as indicações, instruções e convocatórias da DGRSP, no âmbito do plano de serviço de interesse público;

- Entregar a carta de condução nestes Serviços até dez dias após a comunicação da suspensão provisória do processo, a qual ficará nos Serviços durante quatro meses, durante o qual o arguido fica proibido de conduzir veículos a motor na via pública.

Até à presente data, o extraditando tem ainda para cumprimento 31:30 horas de trabalho.

Inexistem quaisquer outros factos provados ou não provados com relevância para a decisão.

A convicção deste Tribunal quanto aos factos provados, formou-se com base na análise crítica dos documentos juntos aos autos emanados das autoridades do Reino de Marrocos, do teor do despacho de Sua Excelência a Senhora Ministra da Justiça, cuja veracidade não está colocada em causa, bem assim dos documentos enviados pelo Proc. nº 511/24.2….

FUNDAMENTOS DE DIREITO

Apreciemos.

O Ministério Público promove o cumprimento do pedido de extradição com origem no Reino de Marrocos, para procedimento criminal, sendo que o extraditando, pese embora não consinta na extradição e lhe tenha sido concedido para tanto prazo, não deduziu oposição por escrito.

De acordo com o artigo 3º, com referência ao artigo 1º, ambos da Lei nº 144/99, de 31/08 - que aprova a Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal - a extradição rege-se pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português, só havendo lugar à aplicação da Lei da Cooperação na falta desses instrumentos internacionais ou na sua insuficiência, sendo que, no caso em apreço, se aplica a Convenção em Matéria de Extradição entre a República Portuguesa e o Reino de Marrocos, assinada em Rabat em 17 de Abril de 2007, aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 7/2009, de 26/02 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 13/2009, de 26/02, cujas normas o Reino de Marrocos, precisamente, invoca para alicerçar a sua pretensão.

Tal pedido refere-se a factos subsumíveis aos crimes de posse, transporte, importação e tráfico de estupefacientes e associação criminosa com vista à prática de tais actos e ao delito aduaneiro de primeira classe de importação de estupefacientes sem autorização ou declaração para o efeito de burla, conforme previstos e punidos pelos artigos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º do Decreto Real (Dahir) de 21/05/1974, Relativo à Luta Contra a Toxicodependência e à Prevenção de Toxicodependentes, artigos 129º e 130º do Código Penal Marroquino e artigos 279º bis e 279º ter, do Código Aduaneiro e de Impostos Indirectos e artigo 540º, do Código Penal, respectivamente, que foi julgado admissível por despacho de Sua Excelência a Senhora Ministra da Justiça, mas apenas relativamente aos factos em que se verifica a dupla incriminação, afastando-se dessa admissibilidade o delito aduaneiro.

O extraditando é o próprio e foi informado da matéria do pedido de extradição.

O pedido extradicional contém cópia dos documentos pertinentes, atesta a existência de ordem de detenção do extraditando e foi regularmente transmitido, obedecendo aos requisitos de forma e de conteúdo previstos nos artigos 10º e 11º da Convenção.

Não se mostra extinto, por prescrição, o procedimento criminal respectivo perante a lei do Reino de Marrocos ou a legislação portuguesa.

Os crimes por que o extraditando se encontra indiciado de posse, transporte, importação e tráfico de estupefacientes e associação criminosa com vista à prática de tais actos, têm correspondência no disposto no crime previsto e punível pelos artigos 21º, nº 1 e 28º, nº 2, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01, a que corresponde pena de duração máxima não inferior a um ano - artigo 2º, da Convenção.

Já não se verifica, porém, a dupla incriminação – exigida pelo referido artigo 2º - no que tange à factualidade que diz respeito ao delito aduaneiro de primeira classe de importação não autorizada nem declarada de estupefacientes, previsto e punido pelos artigos 279º bis e 279º ter, do Código Aduaneiro e de Impostos Indirectos, razão pela qual não é admissível a extradição por este delito.

Não ocorre causa alguma de recusa obrigatória – previstas no artigo 3º, da Convenção - ou de recusa facultativa da extradição – elencadas no artigo 5º, da Convenção – (com excepção da referida inadmissibilidade quanto ao delito aduaneiro), bem como presente não está qualquer dos requisitos gerais negativos da cooperação internacional, de recusa relativa à natureza da infracção ou de extinção do procedimento criminal, enunciados, respectivamente, nos artigos 6º, (nº 1), alíneas a) a f), 7º e 8º, da Lei nº 144/99, de 31/08.

Mas, como referido, o extraditando tem para cumprimento 31:30 horas de trabalho a favor da comunidade da injunção aplicada no âmbito da suspensão provisória do processo no Proc. nº 511/24.2…, do Departamento de Investigação e Acção Penal – …ª Secção de ….

Pois bem.

De acordo com o artigo 16º, da Convenção, “a existência de um processo penal nos tribunais da Parte requerida contra a pessoa reclamada, ou a circunstância de esta se encontrar a cumprir uma pena privativa da liberdade por uma infracção diversa da que motivou o pedido, não obstam à concessão da extradição” – nº 1; sendo que “nos casos referidos no número anterior, a entrega do extraditado será diferida até ao termo do processo ou do cumprimento da pena” – nº 2.

No caso em apreço, o extraditando não cumpriu ainda na totalidade a mencionada injunção, o que não obsta à extradição e vero é que esta circunstância também não impõe o diferimento da entrega, pois aquela não tem a natureza de pena privativa da liberdade e no processo penal respectivo já teve lugar uma decisão, precisamente, a da sua suspensão provisória.

Sempre se poderia objectar, que o processo em que foi aplicada a injunção não está terminado, podendo prosseguir por força do não cumprimento da injunção, nos termos do artigo 282º, nº 4, do CPP, mas este entendimento não merece o nosso acolhimento.

Com efeito, se na situação em que um arguido tem para cumprimento qualquer pena não privativa da liberdade, como por exemplo a pena de substituição de suspensão da execução da pena, a Convenção não impõe o diferimento da entrega até à sua extinção pelo cumprimento (e é sabido que essa suspensão sempre seria susceptível de ser revogada, verificados os pertinentes pressupostos), por maioria de razão se tem de interpretar que a pendência do cumprimento de uma injunção também a esta não obriga.

Destarte, cumpre deferir o pedido de extradição, com a mencionada limitação.

III – DECISÃO

Pelo exposto, após conferência, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, em autorizar a extradição, para o Reino de Marrocos, de AA, filho de BB e de CC, nascido aos …/…/1976, em …, de nacionalidade marroquina, titular do passaporte nº …, emitido em …2022 e do cartão nacional de identidade nº …, para fins de procedimento criminal, mas apenas relativamente aos factos em que se verifica a dupla incriminação, ou seja, pela prática dos crimes de posse, transporte, importação e tráfico de estupefacientes e associação criminosa com vista à prática de tais actos, previstos e punidos pelos artigos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º do Decreto Real (Dahir) de 21/05/1974, Relativo à Luta Contra a Toxicodependência e à Prevenção de Toxicodependentes e artigos 129º e 130º, do Código Penal de Marrocos.

Sem custas.

Notifique, sendo o extraditando pessoalmente e com cópia traduzida para a sua língua ou a notificação efectuada com intervenção de intérprete para explicar o conteúdo do acórdão, conforme mais expedito se mostrar, dada a urgência, atento que o mesmo se encontra em situação de detenção.

O extraditando foi detido em Portugal aos 28 de Agosto de 2024, pelas 18:00 horas e libertado em 4 de Outubro de 2024 e novamente detido em 12 de Abril de 2025, pelas 13:00 horas, situação em que se mantém.

Dê conhecimento, pela via mais expedita, ao Gabinete Nacional da Interpol.

Proceda-se às necessárias comunicações.

Dê conhecimento ao Proc. nº 511/24.2…, do Departamento de Investigação e Acção Penal – …ª Secção de ….

Évora, 5 de Maio de 2025

Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário)

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(Artur Vargues)

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(António Condesso)

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(Mafalda Sequinho dos Santos)