I - O exame crítico da prova deve ter apenas como objecto os factos essenciais para a qualificação jurídico-criminal do ilícito, para a definição do seu circunstancialismo e para a determinação da responsabilidade do agente.
II - Não padece do vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão o acórdão que não conhece de factos que foram objecto de arquivamento pelo Ministério Público, nem de factos que foram objecto de desistência de queixa por parte da ofendida.
III - Não é possível a suspensão da execução da pena de prisão aplicada a um arguido, pela prática de um crime de violência doméstica, quando o mesmo, apesar de não ter antecedentes criminais, não interiorizou o desvalor dos seus comportamentos e tem comportamentos repetitivos de desrespeito pela vida, saúde física e psíquica da ofendida e pela sua intimidade, ao que se somam as prementes exigências de prevenção geral quanto a este tipo de crime, gerador de forte alarme e insegurança social.
No processo nº 46/24.3GGODM do Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo Central Cível e Criminal de … - Juiz …, por acórdão datado de 7/02/2025, foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de violência doméstica, na forma agravada, p. e p. pelo art.º 152º, nº 1, alínea b) e nº 2, alínea a) do Cód. Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão, na pena acessória de proibição de contactos, com afastamento da residência/local de trabalho de BB, pelo período máximo de cinco anos, ficando sujeito à obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica, e a pagar a BB, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de 2.500,00 € (dois mil e quinhentos euros), a que acrescem juros de mora à taxa legal.
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Inconformado com a decisão condenatória, veio o arguido interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
“1. Vem o presente recurso, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito, interposto do acórdão proferido pelo Tribunal Coletivo no processo nº46/24.3GGODM, do Juízo Central Cível e Criminal, Juiz …, do Tribunal da Comarca de …, que condenou o recorrente na prática de 1 crime de violência doméstica, na forma agravada, do artigo 152º, nº1, b) e nº2, a) do CP, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão efetiva; na pena acessória de proibição de contactos com afastamento da residência/trabalho da ofendida pelo período de 5 anos; arbitrou à vítima, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de €2.500,00.
2. O que se vem por em causa é a valoração desadequada que o tribunal fez da prova e da sua subsunção ao Direito, condenando o ora recorrente, comparativamente com essa mesma factualidade dada como provada e tendo em conta, exclusivamente, o depoimento prestado pela ofendida e insuficientemente explicado no acórdão, numa pena excessivamente penalizadora.
3. Face à prova produzida, resultante, apenas, do depoimento prestado pela ofendida, no caso concreto, verifica-se que a mesma é insuficiente para fundamentar uma solução de direito condenatória em prisão efetiva.
4. Excessivas são, também, a pena acessória de proibição de contactos pelo período máximo de 5 anos; e a indemnização arbitrada por danos não patrimoniais no valor de €2.500,00.
5. O tribunal, na motivação, não tem que dizer o que a testemunha/ofendida disse, mas apresentar as razões por que acreditou ou não no que ela disse, o que é coisa diferente, não sendo, no caso concreto, de modo algum inteligíveis as razões pelas quais os meios de prova indicados serviram para formar a referida convicção.
6. Estamos, assim, perante uma insuficiência intolerável da motivação, pois o recorrente entende que a valorização do depoimento da ofendida não teve um critério equitativo de análise e, faltando a fundamentação, o tribunal limitou-se a fazer um raciocínio conclusivo-especulativo.
7. O acórdão evidencia, assim, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, prevenido no artigo 410º, nº2, a) do CPP e, também, a violação das garantias de defesa em processo penal previstas no artigo 32º da CRP.
8. Como refere o despacho de arquivamento, o ora recorrente, apresentou queixa contra a ofendida, pois “esta agrediu o queixoso com estalos no rosto, arranhões nas mãos e nos braços e pontapés nas pernas, provocando-lhe hematomas e uma ferida ensanguentada”.
9. Factos estes que poderiam consubstanciar a prática do crime de violência doméstica, no entanto, o tribunal arquivou tal factualidade justificando que “as escoriações que o mesmo disse ter sofrido e de cuja fotografia de fls. 29 é exemplo, terão tido origem em atos da aqui denunciada, mas em legítima defesa” [!!!].
10. Tais factos, apesar do arquivamento, deveriam ter sido levados a julgamento, uma vez que eram relevantes e complementares à factualidade acusatória, podendo contribuir para a descoberta da verdade; tendo sido, completamente, omitidos pelo tribunal,
11. bem como os factos quanto ao crime de sequestro, pois como consta do despacho de arquivamento: “Em face do que supra se expõe e porque não resulta evidente que a ofendida tenha estado, em todos os momentos, privada da sua liberdade ambulatória, pois que refere que não pensou em fugir porque acreditava que o arguido a ia deixar em casa, não podemos ter por verificado o tipo objetivo do crime aqui em causa, razão pela qual se impõe o arquivamento dos autos”.
12. Tal factualidade arquivada, contrasta, inequivocamente, com a factualidade dada como provada pelo tribunal nos pontos 12 a 21 do acórdão, pois constata-se, que a ofendida não se encontrava contrariada aquando da deslocação ao …, apesar de não saber para onde ia, até foram todos ao Centro Comercial jantar e, no final do passeio, o próprio arguido deixou-a em casa.
13. Completamente omitidos pelo tribunal foram os relatórios forenses constantes dos autos, no que diz respeito às lesões provocadas pela “ofendida” na pessoa do ora recorrente:
a) As lesões da ofendida [encontram-se documentadas de fls. 128 a 130 dos autos (clínica forense)], concluindo o relatório que “Tais lesões terão determinado 3 dias para a cura”;
b) As lesões do arguido [encontram-se documentadas, além de fls. 29, também, de fls. 36 e 37 dos autos (clínica forense)], concluindo o relatório que “Tais lesões terão determinado 7 dias para a cura”.
14. Constata-se, com clareza, incrivelmente, que as lesões sofridas pelo arguido são mais graves do que as sofridas pela própria “ofendida”!
15. O tribunal não deu como válidos os dois requerimentos apresentados pela ofendida, no dia 28.01.2025, pois não acreditou que tais documentos tenham sido subscritos por si, como relata o despacho de 06.02.2025, sendo do conhecimento deste advogado que tais documentos foram escritos pela própria ofendida com o auxílio de um tradutor do “Google” e, daí, a tradução ter, efetivamente, algum rigor.
16. O conteúdo de tais documentos vem, exatamente, exprimir a mesma vontade da ofendida quando esta desistiu da queixa apresentada pelo crime de subtração de documento e o tribunal, como se refere no início do acórdão, homologou tal desistência.
17. A ofendida, apesar de tudo, mostrou arrependimento pela queixa apresentada pelo crime de violência doméstica (só não desistiu deste crime, também, porque o mesmo não o admite), como no-lo comprova o conteúdo desses documentos.
18. Tais requerimentos, foram subscritos pela ofendida que, nitidamente, se arrependeu das queixas apresentadas e, ao contrário do que afirmou o tribunal, os mesmos deveriam ter sido considerados como prova e forma de se descobrir toda a verdade.
19. Podemos estar aqui, desde logo, perante a violação do princípio in dubio pro reo, na determinação da norma aplicável, pois a dúvida sobre os pressupostos da decisão a proferir deveriam ter sido valorados a favor da pessoa visada – artigo 32º, nº2, da CRP – pois a condenação numa pena de prisão efetiva não assenta em qualquer facto seguro.
20. O arguido não tem quaisquer antecedentes criminais e está inserido profissional e familiarmente, tendo o acórdão uma conclusão probatória formulada repelida pelo conteúdo da própria prova, ou seja, um erro de tal modo patente que não escapa à observação de um homem de formação média – nos termos dos artigos 410º, nº2, do CPP.
21. Pelo exposto, atendendo à prova produzida, os factos conduzem – por via redutora – a uma qualificação jurídico-penal menos grave do que a constante do acórdão, conclusão a que se chega pela imagem global dos factos resultantes da consideração das diversas circunstâncias que rodeiam a ação, permitindo-se fazer um juízo de prognose muito favorável.
22. O cumprimento efetivo desta pena de prisão compromete seriamente o processo de ressocialização do arguido, pois serão anos em que o arguido irá estar longe da estrutura familiar e social, do mercado de trabalho, das possibilidades de formação e aumento de competências, enfim, comprometendo em absoluto as necessidades de prevenção especial.
23. O tribunal deve conceder ao arguido a possibilidade de beneficiar de uma real suspensão da execução da pena de prisão, sujeita a regime de prova, com a imposição de deveres e condutas, a serem concretizados e postos em prática pelos serviços competentes, nomeadamente, os constantes do artigo 52º, 53º e 54º do CP.
24. Pelos fundamentos invocados, deverá, assim, a pena ficar suspensa na sua execução, nos termos do artigo 50º do CP, no sentido de que a ameaça da pena é adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição, sendo, assim, uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico.
25. Assim, na determinação da medida da pena, ter-se-á que ter em consideração os critérios estabelecidos nos artigos 71º, 1 e 2 e 40º do CP, nomeadamente, quanto às finalidades das penas, baseando-se em medidas de prevenção geral e especial, visando a proteção dos bens jurídicos; mas, também, a reintegração do agente na sociedade, a sua ressocialização, a sua reabilitação, tendo por base, sim, uma política administrativa de segurança mas, sobretudo, uma política criminal de justiça.
26. Como refere o próprio acórdão, concluindo: “quanto ao grau de ilicitude, o mesmo apresenta-se como médio baixo”.
27. O arguido, ora recorrente, preso preventivamente desde 17.05.2024, já pagou, seguramente, pelo ilícito que praticou!”
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O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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O Ministério Público apresentou resposta ao recurso do arguido, formulando as seguintes conclusões:
“1 - O arguido ora recorrente foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, na sua forma agravada, previsto e punido pelo art.º 152.º, n.º 1, alínea b), n.º 2, alínea a), do Cód. Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão; e, na pena acessória de proibição de contactos, com afastamento da residência/local de trabalho de BB, pelo período máximo de cinco anos, que será fiscalizada por meios de controlo à distância assim que o arguido for colocado em liberdade, ficando também sujeito à obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica.
2 - Inconformado com a decisão final condenatória, dela interpôs recurso o arguido, pugnando que lhe devia ter sido decretada uma pena suspensa na sua execução, alegando para tal que não se conforma com a qualificação de direito.
3 - Cremos, salvo o devido respeito, que não assiste razão ao recorrente, não merecendo censura o Douto Acórdão e, consequentemente, o recurso está condenado à improcedência.
4 – Existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a factualidade provada não permite, por exiguidade, a decisão de direito ou seja, quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito adotada designadamente, porque o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, não investigou toda a matéria contida no objeto do processo, relevante para a decisão, e cujo apuramento conduziria à solução legal.
5 – Não pode o Recorrente querer que a sua convicção pessoal sobre a prova produzida se sobreponha à convicção do Tribunal a quo.
6 - O Tribunal a quo fundamentou de facto a matéria dada provada, e, explica os motivos pelos quais deu credibilidade à versão da vítima, inquirida em sede de declarações para memória futura em detrimento da versão apresentada pelo arguido em sede de julgamento.
7–Quanto a uma eventual pena menor, o recorrente não alega qualquer facto válido para tal.
8 - Em estrito cumprimento das normas e princípios que norteiam a determinação da pena, o Coletivo de Juízes a quo ponderou criteriosamente, as circunstâncias que, no caso, e na justa medida, agravam e atenuam a responsabilidade do recorrente, bem como as exigências de prevenção geral e especial.
9 - A única questão a analisar, in casu, consubstancia-se na admissibilidade da suspensão da execução de tal pena tal como é pretendido pelo recorrente.
10 – Pressuposto básico da aplicação de pena de substituição ao arguido recorrente é a existência de factos que permitam um juízo de prognose favorável em relação ao seu comportamento futuro.
11 – O Tribunal a quo ponderou, e bem, as exigências de prevenção geral, a ilicitude, a motivação e sentimentos manifestados pelo recorrente nas suas ações, o dolo.
12 - Demonstrada que ficou a personalidade violenta do ora recorrente, a ausência de qualquer ato demonstrativo de arrependimento, ou de juízo crítico acerca da gravidade da sua conduta, não permitiram ao Tribunal a quo realizar um juízo de prognose favorável de que a suspensão da pena em que incorria o iria demover de perseguir a vítima ou outra qualquer, determinando assim o Tribunal a quo que a pena de prisão determinada é efetiva.
13 - O recorrente não aduz qualquer argumento válido que possa fundamentar a sua pretensão.
14 - Pelo que não merece quaisquer reparos deverá, pois, ser mantido, nos seus precisos termos, o acórdão ora recorrido.”
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Nesta Relação, o Ministério Público emitiu parecer, acompanhando a posição assumida na primeira instância.
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Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417º, nº 2 do Cód. Proc. Penal, nada tendo o recorrente vindo acrescentar ao já por si alegado.
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Proferido despacho liminar, teve lugar a conferência.
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2 – Objecto do Recurso
Conforme o previsto no art.º 412º do Cód. Proc. Penal, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso, as quais delimitam as questões a apreciar pelo tribunal ad quem, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cf. neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 1994, pág. 320, Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos Penais”, 9ª ed., 2020, pág. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do STJ de 5.12.2007, no Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt).
À luz destes considerandos, são as seguintes as questões que cumpre decidir:
- Nulidade da decisão por falta de fundamentação;
- Vício previsto no art.º 410º, nº 2, alínea a) do Cód. Proc. Penal;
- Violação do princípio in dubio pro reo;
- Suspensão da execução da pena de prisão.
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3- Fundamentação:
3.1. – Fundamentação de Facto
A decisão recorrida considerou provados e não provados os seguintes factos e com a seguinte motivação:
“FACTOS PROVADOS
Com relevância para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1. O arguido AA e a ofendida BB, mantiveram um relacionamento amoroso desde Abril de 2021 e até Outubro de 2023.
2. Viveram juntos na Travessa …, em …, residência do arguido e na ….
3. Cerca de um ano após o início do relacionamento, quando viviam na casa do arguido, este, por ciúmes e com uma regularidade média bimensal, desferiu várias chapadas de mão aberta na face, cabeça e tronco da vítima, assim como lhe puxou os cabelos e os braços, empregando bastante força para o efeito.
4. De todas as vezes que tal sucedeu, a ofendida pediu para ele parar, mas o arguido não parou.
5. Em consequência, em algumas dessas ocasiões, ficou com dores e vómitos.
6. Sempre que a ofendida colocava fotografias dela nas redes sociais, o arguido dizia-lhe que se queria ficar com ele, não podia fazer isso, fazendo com que aquela acabasse por retirar essas fotografias.
7. Era ainda muito frequente o arguido apodá-la de “puta” ou “filha da puta” “és uma vaca”.
8. Disse-lhe ainda, em datas não concretamente apuradas, mas durante a relação, “se ficares com outro homem, mato-te a ti e a ele” e “aperto-te o pescoço e mato-te”.
9. O arguido não deixava a ofendida falar com homens, porque ficava com ciúmes, o que a fez ter deixado de falar com muitas pessoas.
10. Em face dos comportamentos do arguido, a vítima entrou em depressão e no final do ano de 2022 tentou por termo à vida, cortando os pulsos, tendo sido assistida no SUB de …, onde disse apenas que o tinha feito por sofrer de depressão, pois estava acompanhada pelo arguido e teve medo das consequências, caso contasse a verdade.
11. Foi a ofendida que terminou o relacionamento e o arguido não aceitou bem esse fim.
12. No dia 21.04.2024, quando a ofendida se encontrava em casa, o arguido bateu-lhe à porta para falar, tendo esta dito que só falava no exterior, pelo que foram para o exterior da habitação.
13. Já no exterior, o arguido mandou a ofendida entrar no carro dele sob o pretexto de irem jantar a …, ao que esta acedeu e entrou no carro.
14. Ao volante do carro estava o arguido CC, primo do arguido AA e a quem este determinou que conduzisse em direção ao …, sem dizer nada à ofendida ou sequer sem pedir o seu consentimento para o efeito.
15. A ofendida saiu de … dia 21.04.2024, cerca das 21h00 e foi para o … contra a sua vontade e de acordo com a vontade e instruções do arguido AA.
16. A ofendida seguiu sentada no banco de trás junto do arguido AA e sempre que perguntava para onde é que a estavam a levar, ambos os arguidos respondiam que não lhe iam fazer mal.
17. Ao longo da viagem, o arguido AA insistia que ela tinha que continuar o relacionamento com ele.
18. Já no …, depois dos pedidos sucessivos para reatarem relação e da recusa da ofendida, o arguido AA chorou compulsivamente e mostrou-lhe uma arma de fogo, dizendo-lhe que se ela não voltasse para ele que a matava e a seguir suicidava-se.
19. De seguida, o arguido AA apontou a referida arma a si próprio, dizendo que se ia matar e ela agarrou na arma para o impedir.
20. A arma de fogo que lhe foi apontada pelo arguido AA, não concretamente identificada, tinha cerca de 50cm, era de ferro, pesada e grossa.
21. Com medo, a vítima tentou acalmar o arguido, o que conseguiu, acabando todos por pernoitar no carro, naquela cidade, tendo iniciado viagem de regresso a … cerca das 18h00 do dia seguinte, 22.04.2024, chegando a essa localidade já na madrugada de 23.04.2024, tendo aquele deixado a vítima em casa e abandonado o local cerca das 04h00 de dia 23.04.2024, avisando-a que ia voltar.
22. No dia 23.04.2024, cerca das 19h00, o arguido mandou mensagem à ofendida a dizer que ia para a … e que a queria ver pela última vez.
23. A ofendida saiu de casa, tendo deixado as portas e janelas trancadas.
24. Quando a ofendida regressou a casa, o arguido já estava dentro de casa dela, sem que conseguisse perceber como o mesmo tinha conseguido entrar.
25. Assim que a viu, o arguido AA questionou-a onde tinha estado, com quem e pediu-lhe, de imediato, os telemóveis, mas a ofendida não entregou.
26. O arguido exaltou-se e obrigou a ofendida a entregar-lhe o telemóvel, o que ela recusou e, acto contínuo, aquele chamou o arguido CC, que entrou em casa dela e agarrou-a pelos braços, mantendo-os atrás das costas dela, presos.
27. Dessa forma, o arguido agarrou na cara e cabelos da vítima e apontou o telemóvel à face desta para o desbloquear, sem sucesso, porque ela fechou os olhos.
28. Como não conseguiu o que queria, o arguido AA desferiu várias chapadas de mão aberta na face da ofendida e disse-lhe que se não lhe entregasse os telemóveis lhe ia tirar os documentos, dando de seguida ordens ao arguido CC para procurar os documentos dela, cartões do banco e outros, o que este fez.
29. Ainda, o arguido AA agarrou a vítima e deitou-a à força na cama, colocou uma manta sobre a face desta e empregou força, tentando asfixia-la, mas esta conseguiu fazê-lo parar.
30. Após, o arguido ainda tentou despir a ofendida, tirando-lhe os calções, para fazer um vídeo e colocar nas redes sociais, mas não conseguiu.
31. Antes de saírem os arguidos CC e AA, retiraram à ofendida e levaram consigo, contra a vontade desta, os dois telemóveis, um … e um … verde, o título de autorização de residência, o passaporte, cartão de débito do …, um fio de ouro com a medalha “…” e as chaves de casa, tudo pertença da vítima.
32. Disse-lhe ainda o arguido AA que ela lhe tinha destruído a vida e por isso ele agora ia destruir adela.
33. O arguido entregou, posteriormente, no Posto da GNR os bens supra referidos, à exceção do telemóvel … e do fio de ouro.
34. Entre o fim da relação e a data dos factos relatados, o arguido persistiu em telefonar ou mandar mensagens sucessivas para reatarem a relação e quando ela bloqueava o seu número, passados um ou dois dias, ele arranjava números novos e voltava a telefonar ou a mandar mensagens com o mesmo fim.
35. Os factos descritos e praticados pelo arguido foram, quase sempre, praticados dentro da residência que ambos habitavam, mas também na casa onde a vítima reside sozinha.
36. Em consequência das agressões descritas no dia 23.04.2024, a ofendida sofreu, além das dores, uma equimose roxa no braço direito na face anterior e distal e uma equimose roxa no punho posterior 2x1cm.
37. Tais lesões determinaram 3 dias de cura, com afectação da capacidade de trabalho geral.
38. Tais comportamentos reiterados do arguido fizeram com que a ofendida vivesse num ambiente de medo na sua própria casa e fora dela, vivendo constantemente com receio do que o arguido possa fazer contra a sua integridade física, liberdade pessoal e mesmo vida.
39. Ao agir do modo supra descrito, o arguido quis maltratar física e psicologicamente a ofendida, como efectivamente maltratou, bem como pretendeu com tais expressões e condutas amedrontá-la, o que conseguiu, originando-lhe medo constante das suas reacções, como medo daquilo que lhe pudesse vir a fazer no futuro, contra a sua integridade física ou a sua vida, bem como humilhando-a na sua honra e consideração.
40. O arguido visou e conseguiu privar a vítima da sua liberdade, impossibilitando-a de se movimentar de acordo com a sua vontade e obrigando-a a ir e a ficar onde ele predeterminou, mediante a exibição de arma de fogo e ameaça de morte.
41. O arguido agiu consciente, voluntária, livre e deliberadamente, bem sabendo ser a sua conduta proibida por lei e que tinha a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação.
Mais se provou que
42. O arguido não deu o seu consentimento para a realização do relatório social.
43. O arguido não tem antecedentes criminais.
Factos não provados:
Com relevância para a causa não deixaram de se provar quaisquer factos.
Motivação matéria de facto:
A audiência de julgamento decorreu com o registo das declarações e depoimentos nela prestados.
Tal circunstância, permitindo uma ulterior reprodução desses meios de prova e um efectivo controlo do modo como o Tribunal formou a sua convicção, deve, também nesta fase do processo, revestir-se de utilidade e dispensar o relato detalhado dos mesmos.
Donde, a convicção do Tribunal se fundou na conjugação da prova documental/pericial carreada para os autos com as declarações/depoimentos produzidos em audiência de julgamento, à luz das regras de experiência comum.
Concretizando,
Assim, considerou-se desde logo o teor da seguinte prova pericial/documental carreada para os autos na fase de inquérito:
Relatório Pericial de dano corporal, fls. 128 a 131;
Auto de notícia de fls. 134 a 138;
Termo de receção dos bens entregues pelo arguido, fls. 184 a 187;
Auto de apreensão de fls. 255 a 257.
O arguido prestou declarações apenas para negar a prática dos autos e afirmar que só levou o telemóvel da casa da vítima porque lhe pertencia e ainda que a viagem ao … mais não foi do que uma surpresa que lhe quis fazer.
Estas declarações foram contrariadas pelas declarações para memória futura prestadas por BB, integralmente transcritas a fls. 576 e sgs., o que permite que se dispense qualquer relato quanto ao seu teor. Tais declarações apresentam-se como seguras, objectivas e espontâneas, não suscitando qualquer reserva acerca daquilo que foi a vivência do arguido e BB enquanto casal e após o terminus daquela relação, nos termos dados como provados. Acresce que a justificação apresentada pelo arguido se mostra, no mínimo, descabida. Se pretendesse fazer uma surpresa àquela que havia sido sua companheira, podia tê-la apenas convidado para um passeio a dois, por exemplo, numa localidade à beira-mar, perto do local onde ambos viviam. Ao invés, levou-a numa viagem de cerca de 1.000km, para pernoitarem dentro da viatura e acompanhados do primo daquele! E nem se diga, conforme pretendeu fazer crer a defesa, que o arguido foi vítima de agressões por parte da ofendida, mais graves do que as sofridas por esta, quando é foi ele que entrou na casa dela, sem autorização, acompanhado de um outro homem, deixando-a numa situação em que teria necessariamente de se tentar defender com todas as suas forças, atendendo à situação de inferioridade em que se encontrava relativamente àqueles que, ainda assim, abandonaram o local na posse dos seus bens. Pelo exposto, dúvidas não restaram ao Tribunal de que os factos ocorreram conforme descrito.
Quanto à intenção do arguido, a mesma extrai-se, como facto notório que representa, por inferência dos factos objectivos demonstrados.
Considerou-se ainda o teor do CRC e a informação da DGRSP relativamente à falta de consentimento do arguido para a realização do relatório social.”
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3.2.- Mérito do recurso
A) Nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação e exame crítico da prova
Como fundamento do seu recurso vem o recorrente, alegar que:
“5. O tribunal, na motivação, não tem que dizer o que a testemunha/ofendida disse, mas apresentar as razões por que acreditou ou não no que ela disse, o que é coisa diferente, não sendo, no caso concreto, de modo algum inteligíveis as razões pelas quais os meios de prova indicados serviram para formar a referida convicção.
6. Estamos, assim, perante uma insuficiência intolerável da motivação, pois o recorrente entende que a valorização do depoimento da ofendida não teve um critério equitativo de análise e, faltando a fundamentação, o tribunal limitou-se a fazer um raciocínio conclusivo-especulativo.”
Não obstante não o nomeie como tal, depreende-se desta argumentação que o recorrente invoca o vício de falta de fundamentação da decisão, o que, a verificar-se, gera a nulidade da mesma.
Quanto aos requisitos da sentença, dispõe o art.º 374º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Penal o seguinte: “1 - A sentença começa por um relatório, que contém: a) As indicações tendentes à identificação do arguido; b) As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis; c) A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou pronúncia, se a tiver havido; d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada. 2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. (…)”
A fundamentação da sentença penal é, assim, composta por dois grandes segmentos: - Um, que consiste na enumeração dos factos provados e não provados;
- Outro, que consiste na exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.
O dever de fundamentação das decisões judiciais é hoje um imperativo constitucional, previsto no art.º 205º, nº 1 da CRP, onde se estabelece que as decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
A fundamentação deve revelar as razões da bondade da decisão, permitindo que ela se imponha dentro e fora do processo, sendo uma exigência da sua total transparência, já que através dela se faculta aos respectivos destinatários e à comunidade, a compreensão dos juízos de valor e de apreciação levados a cabo pelo julgador. É também através da fundamentação da sentença que é viabilizado o controlo da actividade decisória pelo Tribunal de recurso designadamente, no que respeita à validade da prova, à sua valoração e à impugnação da matéria de facto.
O dever de fundamentação encontra-se igualmente consagrado no art.º 97º, nº 5 do Cód. Proc. Penal, onde se prevê que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
Segundo o art.º 379º, nº 1, alíneas a) e c) do mesmo diploma, é nula a sentença penal quando não contenha as menções previstas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do art.º 374º.
Quanto ao conteúdo do dever de fundamentação da sentença ou do acórdão, escreveu-se no Ac. RL de 18/01/2011, proferido no processo nº 1670/07.4TAFUN-A.L1-5, em que foi relator Vasques Osório, in www.dgsi.pt, em moldes que subscrevemos: “ A enumeração dos factos provados e dos factos não provados, mais não é do que a narração de forma metódica, dos factos que resultaram provados e dos factos que não resultaram provados, com referência aos que constavam da acusação ou da pronúncia, da contestação, e do pedido de indemnização, e ainda dos factos provados que, com relevo para a decisão, e não constando de nenhuma daquelas peças processuais, resultaram da discussão da causa. É esta enumeração de factos que permite concluir se o tribunal conheceu ou não, de todas as questões de facto que constituíam o objecto do processo. A exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão deve ser completa mas tem que ser concisa, contendo e enunciação das provas que serviram para fundar a convicção alcançada pelo tribunal – o que não exige, relativamente à prova por declarações, a realização de assentadas tendo por objecto os depoimentos produzidos em audiência – bem como a análise crítica de tais provas. Esta análise crítica deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e ainda na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efectuada.” Os motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados, nem os meios de prova, mas os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência. Ora, não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo. O exame crítico da prova deve ter apenas como objecto os factos essenciais para a qualificação jurídico-criminal do ilícito, para a definição do seu circunstancialismo e para a determinação da responsabilidade do agente. Porém, a fundamentação da sentença ou do acórdão, na parte que respeita à indicação e exame crítico das provas, não tem de ser uma espécie de “assentada” em que o Tribunal reproduza os depoimentos das testemunhas ouvidas, ainda que de forma sintética, sob pena de se violar o princípio da oralidade que rege o julgamento (cfr. Ac. STJ de 7/02/2001, no Proc. nº 3998/00 – 3ª, SASTJ nº 48, 50).
Como se refere, de forma clara, no Ac. do STJ de 30/01/02, proferido no processo nº 3063/01 – 3ª, SASTJ nº 57, 69: “A disposição do artigo 374º-2 do CPP sobre o exame crítico das provas não obriga os julgadores a uma escalpelização de todas as provas que foram produzidas e, muito menos, a uma reprodução do tipo gravação magnetofónica dos depoimentos prestados na audiência, o que levaria a uma tarefa incomportável com sadias regras de trabalho e eficiência, e ao risco de falta de controlo pelos intervenientes processuais da transposição feita para o acórdão. A partir da indicação e exame das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este enuncia as razões de ciência extraídas destas, o porquê da opção por uma e não por outra das versões apresentadas, se as houver, os motivos da credibilidade em depoimentos, documentos ou exames que privilegiou na sua convicção, em ordem a que um leitor atento e minimamente experimentado fique ciente da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção”.
Esse exame crítico das provas corresponde, no fundo, à indicação dos motivos que determinaram a que o Tribunal formasse a convicção probatória num determinado sentido, aceitando um método de prova e afastando outro, e porque é que certas provas são mais credíveis do que outras, servindo de substracto lógico-racional da decisão.
No caso dos autos verificamos que o Tribunal a quo não só enumerou todos os factos que considerou provados, como explicou o raciocínio lógico-dedutivo a que chegou para a prova dos mesmos.
Analisando a fundamentação de facto da decisão recorrida, verifica-se que da mesma consta não só a indicação de todos os elementos de prova, testemunhais, documentais e periciais, que alicerçaram a convicção dos julgadores, como o exame crítico de todas as provas e a explicação, através dos elementos probatórios, do entendimento a que o Tribunal a quo chegou quanto aos factos provados.
Na verdade, o art.º 374º, nº 2 do Cód. Proc. Penal não exige que se autonomize e se escalpelize a razão de decidir sobre cada facto, nem exige que em relação a cada meio de prova se descreva a dinâmica da sua produção em audiência, sob pena de se transformar o acto de decidir numa tarefa impossível. No entanto, constata-se que a decisão recorrida individualizou os elementos de prova relevantes para a formação da convicção, analisou-os e relacionou-os entre si, explicando de uma forma lógica, racional e completa o processo de apuramento dos factos, explicação essa que, relacionada com as regras da experiência comum, permite compreender como os factos ocorreram, bem como permite sindicar a formação dessa convicção.
O julgador goza de ampla liberdade de movimentos ao eleger, de entre a globalidade da prova produzida, os meios de que se serve para fixar os factos provados, de harmonia com o princípio da livre convicção e da apreciação da prova.
Por isso mesmo, pode suportar o seu juízo num determinado conjunto de provas e preterir outras por não lhes reconhecer credibilidade. O que transparece da argumentação do recorrente é que o mesmo não concorda com a apreciação da prova feita pelo Tribunal recorrido, porque entende que o mesmo valorou sobretudo o depoimento da ofendida. Sucede, porém, que o recorrente não impugnou a matéria de facto provada nos termos previstos no art.º 412º, nº 3 do Cód. Proc. Penal, pelo que não pode este Tribunal de recurso pronunciar-se sobre a valoração da prova efectuada pela 1ª instância. Compreende-se que o recorrente não concorde com a valoração da prova efectuada pelo Tribunal a quo. Coisa diferente é considerar-se que a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação, o que não sucede, pelo que se impõe julgar improcedente o recurso neste tocante.
B) Vício previsto no art.º 410º, nº 2, alínea a) do Cód. Proc. Penal
Como fundamento do seu recurso invoca também o recorrente a verificação na decisão recorrida do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Dispõe o art.º 410º, nº 2 do Cód. Proc. Penal que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do Tribunal a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) O erro notório na apreciação da prova.
Tratam-se de vícios da decisão sobre a matéria de facto que são vícios da própria decisão, como peça autónoma, e não vícios de julgamento, que não se confundem nem com o erro na aplicação do direito aos factos, nem com a errada apreciação e valoração das provas ou a insuficiência destas para a decisão de facto proferida.
Estes vícios são também de conhecimento oficioso, pois têm a ver com a perfeição formal da decisão da matéria de facto e decorrem do próprio texto da decisão recorrida, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, sem possibilidade de recurso a outros elementos que lhe sejam estranhos, mesmo constantes do processo (cfr., neste sentido, Maia Gonçalves, in “Código de Processo Penal Anotado”, 16. ª ed., pág. 873; Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª ed., pág. 339; Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 6.ª ed., 2007, pág. 77 e seg.; Maria João Antunes, RPCC, Janeiro-Março de 1994, pág. 121).
Há insuficiência da matéria de facto para a decisão quando os factos dados como assentes são insuficientes para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição, ou seja, são insuficientes para a aplicação do direito ao caso concreto.
No entanto, tal insuficiência só ocorre quando existe uma lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para a decisão de direito, porque não se apurou o que é evidente e que se podia ter apurado ou porque o Tribunal não investigou a totalidade da matéria de facto com relevo para a decisão da causa, podendo fazê-lo.
Esta insuficiência da matéria de facto tem de existir internamente, no âmbito da decisão e resultar do texto da mesma.
Neste sentido decidiu o STJ no Ac. de 5/12/2007, proferido no processo nº 07P3406, em que foi relator Raúl Borges, in www.dgsi.pt, onde se pode ler que: “Ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando esta se mostra exígua para fundamentar a solução de direito encontrada, quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição. Ou, como se diz no acórdão deste STJ de 25-03-1998, BMJ 475.º/502, quando, após o julgamento, os factos colhidos não consentem, quer na sua objectividade, quer na sua subjectividade, dar o ilícito como provado; ou ainda, na formulação do acórdão do mesmo Tribunal de 20-12-2006, no Proc. 3379/06 - 3.ª, o vício consiste numa carência de factos que permitam suportar uma decisão dentro do quadro das soluções de direito plausíveis e que impede que sobre a matéria de facto seja proferida uma decisão de direito segura.”
Da argumentação do recorrente decorre que o mesmo considera que o acórdão recorrido padece de insuficiência da matéria de facto para a decisão porque não teve em conta factos que foram objecto do despacho de arquivamento e que deveriam ter sido levados a julgamento, por consubstanciarem a prática pela ofendida de um crime de violência doméstica e por serem relevantes para o afastamento da prática pelo arguido do crime de sequestro da ofendida.
Mais alega que o Tribunal a quo não deu como válidos os dois requerimentos apresentados pela ofendida, no dia 28/01/2025, pois não acreditou que tais documentos tenham sido subscritos pela mesma, como refere no despacho de 6/02/2025, mas dos quais resulta que a ofendida se arrependeu das queixas apresentadas e, por isso, deveriam ter sido considerados como prova.
Ora, compulsados os autos verificamos que o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento relativamente à queixa efectuada por AA contra BB pela prática de um crime de violência doméstica.
O recorrente foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 277º, nºs 3 e 4 do Cód. Proc. Penal.
Na sequência desta notificação o recorrente não requereu a abertura de instrução quanto aos factos objecto do arquivamento, nos termos previstos nos arts.º 286º e 287º, nº 1, alínea b) do citado diploma.
Após o recebimento da acusação, o recorrente foi notificado para deduzir contestação e também não o fez.
Assim sendo, com a acusação pública ficou fixado o thema probandum, não sendo possível discutir em julgamento factos que não constam da mesma, sob pena de nulidade da sentença, atento o disposto nos arts.º 379º, nº 1, alínea b) do Cód. Proc. Penal.
A vinculação do Tribunal aos factos alegados na acusação decorre não só da estrutura acusatória do processo penal e das garantias de defesa do arguido, consagradas no art.º 32º, nºs 1 e 5 da CRP, mas funciona também como mecanismo de salvaguarda do arguido contra o alargamento arbitrário do objecto do processo, permitindo-lhe a preparação da defesa e o respeito pelo princípio do contraditório.
Conclui-se, assim, que os factos relativos ao crime de violência doméstica cuja prática o recorrente pretendia imputar à ofendida, e que foram objecto de arquivamento pelo Ministério Público, não poderiam ter sido levados a julgamento, nem o acórdão recorrido poderia tê-los tido em conta na decisão, sob pena de nulidade, não padecendo, assim, a decisão, quanto a tais factos, do vício previsto no art.º 410º, nº 2, alínea a) do Cód. Proc. Penal.
Relativamente aos factos reportados ao crime de sequestro do qual o recorrente vinha acusado, também o acórdão recorrido não padece do vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão, porquanto, face à desistência de queixa por parte da ofendida e à não oposição do arguido a essa desistência, extinguiu-se o procedimento criminal, em conformidade com o disposto nos art.º 116º, nº 2 do Cód. Penal e art.º 51º do Cód. Proc. Penal, pelo que não poderia a decisão recorrida pronunciar-se quanto àqueles factos.
Por último, relativamente aos requerimentos apresentados pela ofendida no dia 28/01/2025, dos quais entende o recorrente que decorre que a ofendida se arrependeu das queixas apresentadas quanto ao crime de violência doméstica pelo qual o arguido foi condenado, e que, por isso, deveriam ter sido considerados como prova, também o Tribunal a quo não os poderia ter tido em conta na decisão final da causa.
É que o crime de violência doméstica é um crime público, nos termos previstos no art.º 152º do Cód. Penal, e, como tal, não admite desistência de queixa, como decorre do disposto no art.º 113º, nº 1 do mesmo diploma.
Assim sendo, não cometeu nenhum vício o Tribunal a quo ao não ter em conta os referidos requerimentos, cuja autoria o recorrente imputa à ofendida, porquanto tais manifestações de vontade, a serem da autoria da ofendida, são absolutamente irrelevantes do ponto de vista da desresponsabilização criminal do arguido pela prática do crime em apreço.
Ora, o recorrente foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica na forma agravada, nos termos previstos no art.º 152º, nºs 1, alínea b) e 2, alínea a) do Cód. Penal.
Analisada a decisão recorrida, constata-se que foram dados como provados factos bastantes para integrarem os elementos objectivos e subjectivos do crime em apreço, pelo que não padece a decisão do vício de insuficiência da matéria de facto provada que o recorrente lhe imputa, nem de qualquer outro.
Os factos estão descritos de forma clara e perceptível, todos os factos se mostram fundamentados, de forma lógica, e a decisão do Tribunal funda-se na prova produzida, estando em conformidade com a mesma.
Assim sendo, impõe-se julgar o recurso improcede quanto a este fundamento, sem necessidade de mais considerandos, não se considerando violadas as garantias de defesa em processo penal previstas no art.º 32º da CRP, conforme alegado pelo recorrente.
C) Violação do princípio in dubio pro reo
Alega ainda o recorrente que no caso em apreço se mostra violado o princípio in dubio pro reo, porquanto não existe prova suficiente que motive validamente a sua condenação numa pena de prisão efectiva.
Segundo este princípio, quando o Tribunal fica na dúvida quanto à ocorrência de determinado facto, deve daí retirar a consequência jurídica que mais beneficie o arguido.
Como refere Figueiredo Dias, in “ Direito Processual Penal “, I, pág. 205, a dúvida relevante para este efeito tem que ser uma dúvida razoável, fundada em razões adequadas e não uma qualquer dúvida.
No mesmo sentido se decidiu no Ac. STJ de 5/07/07, proferido no processo nº 07P2279, em que foi relator Simas Santos, in www.dgsi.pt, onde se pode ler que: “Na verdade, o princípio in dubio pro reo, não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos, mas é antes uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.”
Também no Ac. do TRL de 10/01/2018, proferido no processo nº 63/07.8TELSB-3, em que foi relator Nuno Coelho, in www.dgsi.pt se decidiu que: “A certeza judicial não se confunde com a certeza absoluta, física ou matemática, sendo antes uma certeza empírica, moral, histórica.
O princípio in dubio pro reo constitui um princípio de direito relativo à apreciação da prova/decisão da matéria de facto, estando umbilicalmente ligado, limitando-o, ao princípio da livre apreciação – a livre apreciação exige a convicção para lá da dúvida razoável; e o princípio «in dubio pro reo» impede (limita) a formação da convicção em caso de dúvida razoável. A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida ligeira, meramente possível, hipotética. Só a dúvida séria se impõe à íntima convicção. Esta deve ser, pois, argumentada, coerente, razoável. De onde que o tribunal de recurso “só poderá censurar o uso feito desse princípio (in dubio) se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida e que, face a esse estado escolheu a tese desfavorável ao arguido – cfr. acórdão do STJ de 2/5/1996, CJ/STJ, tomo II/96, pp. 177. Ou quando, após a análise crítica, motivada e exaustiva de todos os meios de prova validamente produzidos e a sua valoração em conformidade com os critérios legais, é de concluir que subsistem duas ou mais perspetivas probatórias igualmente verosímeis e razoáveis, havendo então que decidir por aquela que favorece o réu.(…)”
Verifica-se, assim, que a escolha da perspetiva probatória que favorece o acusado só se impõe quando se mostrarem esgotadas todas as operações de análise e de confronto de toda a prova produzida, apreciada conjugadamente e em conformidade com as máximas da experiência, da lógica geralmente aceite e do normal acontecer das coisas e, ainda assim, subsista mais do que uma possibilidade de igual verosimilhança e razoabilidade no espírito do julgador.
Para que haja violação do princípio do in dubio pro reo é preciso que, perante uma dúvida inultrapassável sobre factos essenciais para a decisão da causa, o julgador decida em desfavor do arguido.
Sucede que, no caso dos presentes autos tal situação não ocorreu.
Desde logo importa reforçar que não se procedeu a qualquer alteração da matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo.
A factualidade apurada fundamentou-se na prova produzida em julgamento e está conforme à mesma, não resultando dessa factualidade qualquer dúvida quanto à responsabilidade criminal do arguido.
Assim sendo, não se tendo apurado a existência de um qualquer erro de julgamento ou da violação do princípio in dubio pro reo, improcede também neste tocante o recurso.
D) Suspensão da execução da pena de prisão
Apreciadas a motivação e as conclusões do recurso, verificamos que o recorrente não põe em causa a qualificação jurídica dos factos, nem a pena concreta de prisão que lhe foi aplicada.
Alega, porém, que são excessivas a pena acessória de proibição de contactos pelo período máximo de 5 anos e a indemnização arbitrada por danos não patrimoniais no valor de €2.500,00 em que foi condenado.
No entanto, o recorrente limitou-se a formular esta última alegação, sem para tanto invocar quaisquer argumentos que a sustentem, nem indicar o porquê do erro judiciário a que alude.
Em face desta ausência de fundamentação, e não se descortinando qualquer erro neste tocante na decisão recorrida, está este Tribunal de recurso impossibilitado de entender o porquê do recurso quanto a esta matéria, nada havendo, por isso, a responder ao recorrente relativamente a esta questão.
Sucede, no entanto, que de toda a motivação de recurso decorre que o que o recorrente verdadeiramente pretende é ver suspensa a execução da pena de prisão em que foi condenado.
Para tanto alega que:
- não tem quaisquer antecedentes criminais e está inserido profissional e familiarmente;
- o cumprimento efetivo da pena de prisão compromete seriamente o seu processo de ressocialização, pois serão anos em que irá estar longe da estrutura familiar e social, do mercado de trabalho, das possibilidades de formação e do aumento de competências;
- foi considerado médio o grau de ilicitude com que agiu;
- está preso preventivamente desde 17/05/2024, pelo que já pagou pelo ilícito que praticou.
Ora, o arguido foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo art.º 152º, nºs 1, alínea b) e 2, alínea a) do Cód. Penal, com pena de prisão de dois a cinco anos.
Ao arguido foi aplicada uma pena de dois anos e seis meses de prisão efectiva.
Afastada a viabilidade ou possibilidade de aplicação de qualquer outra pena substitutiva ou de um diferente regime de execução da pena de prisão, importa aferir se se verificam os pressupostos em que assenta a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao recorrente.
Relativamente à suspensão da execução da pena de prisão, há que atentar no disposto no art.º 50º do Cód. Penal, onde se prevê que:
“ 1 – O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 – O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3 – Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.
4 – A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5 – O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.” Sucede que a suspensão da execução da pena de prisão, enquanto verdadeira pena de substituição, só pode ser aplicada se for possível fazer, à data da decisão, um juízo de prognose favorável de que uma suspensão de pena seja suficiente para afastar o arguido da prática de novos factos ilícitos. Nesse momento não estão em causa considerações sobre a culpa do agente, nem sobre o seu passado criminal, mas sobretudo prognósticos acerca das exigências mínimas de prevenção e de ressocialização do mesmo, a fim de prevenir a reincidência. Importa, pois, determinar se existe, com base nos factos apurados, uma esperança séria de que é possível a socialização do arguido em liberdade e de que o mesmo tem capacidade para se auto-controlar, pautar os seus comportamentos pela obediência às normas jurídicas e evitar o cometimento de novos crimes. Nos termos do art.º 50º do Cód. Penal, a averiguação de tal capacidade deve, no entanto, ser feita em concreto, através da análise da personalidade do arguido, das suas condições de vida, da conduta que manteve antes e depois do facto e das circunstâncias em que o praticou. Se no momento em que a decisão é tomada, se concluir que a ameaça da pena de prisão e a censura do facto são aptos a permitir a formulação do referido juízo de confiança na capacidade do arguido para não cometer novos crimes, então deverá ser decretada a suspensão da execução da pena.
Porém, estamos em presença de um crime de violência doméstica, relativamente ao qual as exigências de prevenção geral, positiva e negativa, decorrentes da sua frequência, consequências nefastas para a vítima, na maior parte das situações, alarme social e censura comunitária que suscita, reclamam, de um modo geral, uma punição exemplar.
Impõe-se, assim, quanto a este tipo de crimes, fazer um juízo de prognose reforçado sobre a capacidade de o arguido, uma vez em liberdade, evitar o cometimento de novos crimes.
A decisão recorrida considerou não ser de suspender a execução da pena aplicada ao recorrente pela seguinte ordem de razões: “(…) A determinação da medida concreta da pena faz-se em função da culpa do agente e das exigências da prevenção, tendo em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido (art. 71º do CP). Sendo que, em caso algum, a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40º, n. 2, do CP). Dispõe, ainda, o art.º 40.º, do CP, que “a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (n.º 1). Acrescenta o art.º 71.º, n.º 1: «A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». Em suma, a culpa e a prevenção constituem os dois termos do binómio que importa ter em conta para encontrar a medida correcta da pena (neste sentido, acórdão do STJ de 17-03-1999, Proc. n.º 1135/98 - 3.ª Secção). É, pois, à luz de tais princípios, que terá de ser encontrada a pena adequada ao caso concreto Assim, há a considerar: - as fortíssimas exigências de prevenção geral no que respeita ao crime de violência doméstica, representando um verdadeiro flagelo nacional que diariamente preenche as capas dos jornais e os noticiários televisivos, exigindo da comunidade em geral um elevado esforço e investimento em campanhas de prevenção e sensibilização; - o arguido agiu sempre com dolo, e na sua modalidade mais gravosa; - quanto ao grau de ilicitude, o mesmo apresenta-se como médio baixo, atento o nível de violência, física e psicológica, infligida pelo arguido à companheira; - a ausência de qualquer arrependimento ou de autocrítica, revelando uma personalidade ciumenta, violenta e com baixa tolerância à rejeição; - a ausência de antecedentes criminais. Por tudo o exposto, considera-se adequada a condenação do arguido na pena dois anos e seis meses de prisão. Pena esta que, como se depreende do supra explanado, o arguido terá efectivamente de cumprir. Com efeito, a personalidade violenta revelada pelo mesmo e a ausência de qualquer acto demonstrativo de arrependimento ou juízo crítico acerca da gravidade da sua conduta não permitem que se efectue qualquer juízo de prognose favorável de que a suspensão da execução da pena, mesmo que sujeita a deveres/regras de conduta, o iria demover de prosseguir a sua conduta criminosa. Estas fortes exigências de prevenção especial, aliadas àquelas de prevenção geral sobejamente conhecidas, obstam a que se opte pela suspensão da execução da pena e impõem o cumprimento efectivo da pena de prisão aplicada. (…)”
Verificamos, assim, que no caso dos autos, pondera em favor do arguido a ausência de antecedentes criminais, o facto de já ter cumprido preventivamente quase um ano da pena de prisão que lhe foi aplicada e a sua inserção social, que constitui um apoio para a sua vida em liberdade. Pondera em seu desfavor a ausência de confissão dos factos, que revela uma total falta de tomada de consciência sobre o desvalor das suas condutas e a necessidade de não repetição das mesmas, a ausência de empatia para com a vítima, revelada inclusive na contestação do valor da indemnização arbitrada pelo Tribunal recorrido, e a ausência de colaboração com o Tribunal para o esclarecimento dos factos, decorrente inclusive do seu não consentimento para a realização do relatório social. Toda a atitude do recorrente revela uma falta de consciência da danosidade do seu comportamento e de reconhecimento do sofrimento da vítima, que leva a supor que poderá repetir os mesmos comportamentos se a oportunidade lhe surgir.
Analisados os factos apurados, constatamos que os comportamentos física e verbalmente agressivos do recorrente para com a ofendida são muito graves, prolongaram-se por um largo período de tempo, não cessaram após a ofendida ter posto fim ao relacionamento afectivo existente entre ambos e tiveram consequências de extrema gravidade para a saúde física e psíquica da mesma, que poderiam ter sido irreversíveis se a sua tentativa de suicídio tivesse sido bem sucedida.
Face à gravidade dos factos praticados pelo arguido a pena concreta que lhe foi aplicada até pode ser considerada uma pena baixa, da qual o mesmo não recorreu.
Por outro lado, o facto de o recorrente ter levado a vítima contra a sua vontade de … para o …, de se ter introduzido em casa da mesma sem a sua presença e consentimento e de ter mudado várias vezes de número de telemóvel, a fim de poder telefonar e enviar mensagens à vítima após esta ter bloqueado o seu número de telefone, tudo isto já depois do fim do relacionamento afectivo de ambos, deixa antever que o recorrente não se conforma com o fim do relacionamento, não respeita a decisão da ofendida e pode reincidir a qualquer momento, não demonstrando ter capacidade de refrear os seus comportamentos criminosos.
Não obstante a ausência de antecedentes criminais do recorrente, não é possível fazer um juízo de prognose favorável relativamente à sua futura conduta, atenta a falta de interiorização pelo mesmo do desvalor dos seus comportamentos, às suas características de personalidade e aos seus comportamentos repetitivos de desrespeito pela vida, saúde física e psíquica da ofendida e pela sua intimidade, a que se somam as prementes exigências de prevenção geral quanto a este tipo de crime, gerador de forte alarme e insegurança social.
Em face de tudo o exposto, entende-se que as finalidades da punição no caso concreto não se satisfazem com uma suspensão da execução da pena nos termos requeridos, impondo-se julgar também neste tocante improcedente o recurso.
*
4. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam as Juízes que integram esta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar totalmente improcedente o recurso interposto por AA e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC´s.
Évora, 19 de Maio de 2025
(texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto pela relatora)
Carla Francisco
(Relatora)
Laura Goulart Maurício
Anabela Simões Cardoso
(Adjuntas)