I - Tendo o recorrente comparecido em Tribunal e acabado por dele se ausentar sem justificar a sua conduta, tal, na realidade, equivale a uma situação de não comparência.
Ou seja, não só se está perante um comportamento omissivo e manifestamente culposo e passível de censura por parte do recorrente, como o contraditório foi assegurado com a notificação ao seu defensor das razões da abertura do processo de incumprimento por forma a que pudesse invocar, requerer ou alegar o que tivesse por conveniente quanto à factualidade em causa.
II - Para as situações em que há alterações do estado de perigosidade do internado, durante a execução da sanção, vale o instituto da liberdade para prova, um verdadeiro incidente da execução da medida de segurança de internamento.
Pressuposto material da colocação em liberdade para prova é, por conseguinte, a subsistência do estado de perigosidade criminal que deu origem à medida de segurança, podendo, no entanto, a finalidade preventivo-especial da sanção ser alcançada em meio aberto. Desta forma dá-se concretização ao princípio da proporcionalidade, com ganhos evidentes para o processo de reintegração do agente em sociedade."
Tendo o condenado, no decurso da medida de liberdade para prova, infringido grosseira e repetidamente os deveres impostos, sendo evidente que voltou à ingestão de bebidas alcoólicas, adotando comportamento que revelam manifesta perigosidade para terceiros, as finalidades que estiveram na base da concessão da liberdade para prova, não puderam, por meio dela, ser alcançadas – designadamente as finalidades de reintegração do agente em sociedade, pelo que se impõe a revogação da liberdade para prova.
1. No âmbito do incidente de incumprimento de liberdade para prova n.º 1796/21.1TXLSB-I, que corre termos no Juízo de Execução das Penas de … – Juiz …, em 4 de fevereiro de 2025 foi proferida decisão que revogou a liberdade para prova que havia sido oportunamente concedida ao condenado AA, tendo o dispositivo o seguinte teor:
“Pelo exposto decido revogar a liberdade para prova concedida a AA, determinando a execução dessa medida, na parte ainda não cumprida.
*
Custas pelo condenado, fixando-se a taxa de justiça em 2 UCs.
*
Registe, notifique (sendo o condenado através do seu mandatário, e também através de carta postal com PD a remeter para a morada fixada nos autos) e comunique aos serviços de reinserção social.
Remeta boletim à DSIC.
*
Transitada a presente decisão:
- Remeta certidão ao processo da condenação.
- Junte cópia certificada, com a menção do seu trânsito, no Apenso de liberdade para prova (Apenso A), aí abrindo depois vista ao MºPº, para efeitos de cálculo do total do remanescente da medida a cumprir (cfr. art.º 185 n.º 8 do Código de Execução das Penas)..”.
2. Inconformado com esta decisão, o condenado AA veio interpor o presente recurso, pugnando pela revogação da decisão e formulando as seguintes CONCLUSÕES (transcrição):
“1 - Vem o arguido recorrer do douto despacho proferido nos autos, que decretou a revogação do regime de liberdade para a prova que lhe foi determinado, e determinação do remanescente da condenação em reinternamento;
2 - O Ministério Publico pronunciou-se no sentido da revogação do regime de liberdade para a prova, no que foi atendido pelo Mmº. Juiz.;
3 - O objeto do presente recurso, assenta na Nulidade insanável decorrente da falta de audição
presencial do condenado, e nos Fundamentos da revogação da liberdade para aprova concedida ao condenado;
4 -Compulsados os autos, verifica-se que tribunal a quo procedeu apenas às seguintes diligências com relevância para a causa;
5 - Notificação do arguido em 04/12/2024 por via postal simples com prova de depósito, no sentido de o arguido comparecer para diligência por VC em 19/12/2024 para se pronunciar, querendo, quanto aos motivos do incumprimento do plano, notificação esta que o arguido;
6 - Em 09/01/2025 foi emitido parecer do M.P. tendo em vista a revogação do Plano; Em 04/02/205, foi proferida sentença;
7 - Não é verdade que o arguido não tenha estado presente no Tribunal Judicial na Comarca de … no dia 19/12/2024, pois que não só esteve, como possui declaração emitida por funcionário que dá conta que se encontrou neste tribunal entre as 14.00 e as 16.00, tendo sido informado pelo mesmo de que seria designada nova data.
8 - Antes de proferida a decisão de revogação, o tribunal a quo podia e devia, ter aferido da efetiva presença do arguido em tribunal e em face do adiamento comunicado ao mesmo, ter sido designada nova data.
9 - Assim e sem qualquer audição ao arguido, determinou o tribunal a revogação da liberdade para prova sem ter dado ao arguido a oportunidade de se pronunciar e de exercer os seus direitos de defesa e de contraditório, conforme decorre dos nºs 1 e 5, do art.º 32.º da CRP;
10 - Decorre do art.º 495.º n.º 2 do C.P.P. que “ O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições de suspensão…”, sendo que de acordo com o vertido no art.º 119.º al. c) do C.P.P., a ausência do arguido constitui uma nulidade insanável;
11 - Entendemos assim estar perante um despacho nulo por violação do dispositivo legal supra elencado, e que seja determinada a audição pessoal e presencial do arguido AA;
12 - Entendemos que sem a sua audição, o tribunal não dispunha de todos os elementos que lhe permitissem fundamentar a referida revogação, e que decerto levariam a diferente decisão;
13 - Do despacho ora recorrido resulta que o tribunal concluiu que “ o condenado passou a orientar a sua vida conforme a sua vontade, como se em plena liberdade se encontrasse, desprezando o facto de a liberdade para a prova perdurar até 08/05/2026, demonstrando não ter interiorizado o significado da situação em que se encontrava, designadamente o sentido da medida de segurança que ainda cumpria”;
14 - Dos elementos constantes dos autos não se pode inferir de forma suficiente e inequívoca que o condenado infringiu as suas obrigações de tal forma que apenas a revogação seja atendível;
15 - Atendendo ao fim da medida em causa, não se pode o estado demitir das suas funções preventivas e de acompanhamento até ao limite, e de apenas usar os seus poderes de punição;
16 - É um facto que o condenado não interiorizou em absoluto todas as suas obrigações constantes do plano definido para o mesmo, não tendo sequer siso alvo de uma qualquer advertência por forma a mudar comportamentos;
17 - O arguido compareceu por diversas vezes nos serviços da DGRS, trabalha e refez a sua vida profissional;
18 - É notório que de forma voluntária, deu um novo rumo á sua vida, e que merecia uma decisão diferente pelo tribunal;
19 - Não se entende pelo vertido nos relatórios que o condenado com os seus comportamentos tenha de forma irremediável comprometido a sua reinserção tal como lhe foi proporcionada;
20 - A introdução de novas exigências, ainda que esgotadas as que lhe foram definidas, será forma de prevenir eventuais comportamentos;
21 - Com a audição do condenado prevista no n.º 2 do art.º 495° do C.P.P., é expectável dotar o tribunal e proporcionar outros elementos relevantes ao juiz para uma correta avaliação das finalidades que presidiram à concessão de liberdade para a prova, se foram alcançadas, e em caso contrário, possuir os demais elementos que fundamentam a sua revogação;
22 - Não pode esta ser automática, ou apenas fundamentada em relatórios, podendo o tribunal na presença do condenado proferir solene advertência, ou condicional a liberdade para a prova, ao cumprimento de novas obrigações ou regras de conduta;
23 - Do vertido, temos que a audição do arguido, faz o douto despacho incorrer numa nulidade insanável por não audição do condenado, tendo esta que ser pessoa e presencial;
24 - O arguido nunca foi ouvido presencialmente nestes autos, atendendo-se apenas ao conteúdo dos relatórios juntos aos autos, ainda que sendo referido não ter ocorrido uma ausência absoluta do condenado quando foi notificado pela DGRSP;
25 - O condenado tem direito ao contraditório, sendo que a sua falta de audição configura uma nulidade insanável previstas nos art.ºs 119.º al. c).;
26 - Deverá assim ser cumpridas as formalidades legais obrigatórias, com um novo parecer do Ministério Publico, audição presencial do condenado, e do técnico que acompanha o plano de liberdade para prova, tudo de acordo com o art.º 495.º, n.º 2 do C.P.P.”
3. Notificado da interposição do recurso, o Ministério Público apresentou a respetiva resposta, pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão. Apresentou a seguinte síntese conclusiva (transcrição):
“1 – AA beneficiou da concessão de liberdade para prova, relativamente à medida de segurança de internamento com a duração mínima de três anos e máxima de cinco anos, que lhe foi aplicada no processo n º 787/16.9… da Instância Local Criminal de … (J…).
2 – A mencionada liberdade para prova, ficou sujeita ao cumprimento das seguintes obrigações/regras de conduta:
- não ingerir qualquer tipo de álcool;
- frequentar consulta de psiquiatria de forma periódica;
- frequentar grupo de alcoólicos anónimos da área da sua residência ou solicitar acompanhamento individual por parte de profissional competente;
- aceitar a tutela da DGRSP de …, à qual deveria apresentar-se no prazo de cinco dias após a libertação e futuramente quando tal lhe fosse determinado.
3 – Sucede, porém, que AA violou de forma manifesta e culposa as obrigações/regras de conduta que condicionavam a sua libertação antecipada para prova, revelando desta maneira que as finalidades que estavam na base da sua concessão, em particular as exigências de prevenção especial não foram por meio dela alcançadas.
4 – Consequentemente, bem andou o Tribunal “a quo” ao ordenar a revogação da liberdade para prova e a retoma do internamento, tendo na decisão recorrida sido efectuada uma correcta e adequada ponderação dos factos e aplicação do direito.
5 – Como bem andou ao considerar o recorrente como efectivamente ouvido sobre o incumprimento, porquanto o mesmo faltou à diligência designada com vista à sua audição e não justificou a falta, sendo certo que se mostrava regularmente notificado para tal efeito e que se encontrava devidamente representado por defensor e através do qual foi assegurado o princípio do contraditório, não tendo ocorrido qualquer nulidade, designadamente a prevista no artigo 119 º al. c) do CPP.
4. Nesta Relação, o Ex.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da manutenção da decisão recorrida, pugnando pela improcedência do recurso nos seguintes termos:
“A questão colocada à alta apreciação de Vossas Excelências, Ilustres Desembargadores prende-se em saber se o Tribunal “a quo” bem andou ao ordenar a revogação da liberdade para prova.
Mormente, como refere o arguido nas suas conclusões: 8 - Antes de proferida a decisão de revogação, o tribunal a quo podia e devia, ter aferido da efetiva presença do arguido em tribunal e em face do adiamento comunicado ao mesmo, ter sido designada nova data.
9 - Assim e sem qualquer audição ao arguido, determinou o tribunal a revogação da liberdade para prova sem ter dado ao arguido a oportunidade de se pronunciar e de exercer os seus direitos de defesa e de contraditório, conforme decorre dos nºs 1 e 5, do art.º 32.º da CRP;
*
Sempre se dirá, desde já, que não assiste razão ao arguido.
*
No essencial, o arguido argumenta que não foi ouvido pelo que não teve oportunidade de se pronunciar sobre a sua situação. Para tanto importa compilar o que consta dos autos mormente o “auto de audição de recluso”, constante a fls. 78, sob a referência “citius” … (videoconferência) de 19.12.2024, onde a dado passo consta: “pelas 15:40 foi este Tribunal informado que o condenado se tinha ausentado da unidade de serviço externo de …, para ir tomar café, e que entretanto não tinha voltado, do que a Mme Juiz foi informada. Tendo sido declarada reaberta a presente diligência…”. Posteriormente, em despacho (fls. 78vº), a Mme Juiz fez constar: “…também conforme o disposto no artº 185 nº 4 aplicável por força do disposto no artº 234 ambos do Código de Execução de Penas, o condenado é havido como presente nesta diligência, devendo os autos seguir os ulteriores termos…notifique o Ilustre defensor do condenado para, querendo, em 10 dias dizer ou requerer o que tiver por conveniente…”.
*
Nada foi dito ou requerido no aludido prazo que terminava em 13.01.2025.
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O que ressalta dos autos encontra-se, de forma manifesta, nas antípodas do alegado pelo arguido / condenado. Não podemos olvidar o velho brocardo latino originário do direito romano, mas ainda de plena aplicabilidade, mormente, “in casu” que “ quod non est in actis, non est in mundo…” (o que não está nos autos, não está no mundo). O que ressalta dos autos é que o arguido / condenado, de livre e espontânea vontade, sem que tenha sido dispensado pela Mme Juiz “a quo” decidiu abandonar as instalações do serviço externo de … para, pasme-se, “ir tomar um café” e que, entretanto, não tinha voltado. O que daqui resulta é que o arguido / condenado devida e regularmente notificado para comparecer numa diligência do seu (máximo) interesse se alheou dela. Mais resulta que o seu defensor foi devida e regularmente notificado para se pronunciar, querendo, no prazo de 10 (dez) dias. Também neste segmente verifica-se dos autos que nada foi dito ou requerido no aludido prazo.
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Vale isto por dizer que não assiste qualquer razão ao arguido / recluso.
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Nesta conformidade e atento tudo o que se deixou exposto deverão Vossas Excelências, Juízes Desembargadores, negar provimento ao recurso apresentado pelo condenado AA e manter a douta sentença proferida em 04.02.2025 (referência “citius” – …) “incidente de incumprimento” (Lei 115/2009).”.
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5. Cumprido o estabelecido no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta pelo recorrente.
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6. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
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II – QUESTÕES A DECIDIR.
Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6ª ed., 2007, pág. 103, e, entre muitos outros, o Ac. do S.T.J. de 05.12.2007, Procº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412.°, n.° 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»)
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência do recurso com a decisão impugnada – o despacho judicial que revogou a liberdade condicional –, as questões a examinar e decidir prendem-se com o seguinte:
- nulidade da decisão recorrida;
- verificação dos pressupostos para a revogação da liberdade para prova.
*
III – TRANSCRIÇÃO DO DESPACHO RECORRIDO.
A decisão recorrida tem, para além do dispositivo supra transcrito, o seguinte teor:
“Por despacho proferido a 04-09-2024 do apenso A foi determinada a abertura do presente incidente de incumprimento da liberdade para prova nesse apenso concedida ao condenado AA, em cumprimento do disposto no art. 185º, nº 2 (aplicável ex vi do art. 163.º) , do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (de ora em diante designado apenas por CEPMPL), foi feita indicação, por súmula, dos factos em causa no incumprimento, tendo também sido designada data para audição do condenado.
Procedeu-se à marcação da audição de AA, à qual o mesmo não compareceu, nem justificou a sua falta.
Cumprido o disposto no art. 185º, nº 6, do CEPMPL, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da revogação da liberdade para prova.
Notificado o Ilustre defensor para se pronunciar, não foi apresentada resposta.
*
O tribunal é competente.
O processo é o próprio e está isento de nulidades insanáveis, nada obstando ao conhecimento de mérito.
*
II- Dos Factos
Considerando a certidão junta a 05-09-2024, bem como o teor dos relatórios juntos em 27-11-2024 e 14-01-2025 e informação de 05-09-2024 (apenso A), informação de 20-12-2024 (apenso I) são relevantes os seguintes factos:
1- AA foi considerado inimputável no Proc. 787/16.9…, onde lhe foi aplicada medida de segurança de internamento com a duração mínima de 3 anos e a duração máxima de 5 anos, pela prática de factos integradores dos crimes de injúria agravada e dano qualificado;
2- AA padece de problemática do foro mental (alcoolismo e perturbação da personalidade);
3- Por decisão do Tribunal da Relação do Porto, em sede de recurso, foi concedida a AA a liberdade para prova, pelo período de 2 anos, condicionada a regime de prova a elaborar pelos serviços de reinserção social, do qual deveriam constar, entre outras, as obrigações de não consumir quaisquer tipo de bebidas alcoólicas, de frequentar consulta de psiquiatria de forma periódica, frequentar grupo de alcoólicos anónimos da área de residência ou procurar aconselhamento individual por profissional competente;
4- AA foi libertado em 8/5/2024, perdurando a liberdade para prova até 8/5/2026;
5- E passou a viver com a progenitora, de 88 anos (na …., em …, contando ainda com o apoio das irmãs;
6- Em entrevista de 13/6/2024 junto do técnico dos serviços de reinserção social o libertado revelava indícios de ter consumido bebidas alcoólicas;
7- Assumiu comportamentos desadequados para com funcionários da junta de freguesia de … em 25/07/2024, tendo sido chamada a entidade policial e lavrada a NPP…/2024;
8- Em relatório de incumprimento, a equipa dos serviços de reinserção social informa que em agosto de 2024 uma irmã do libertado deu conta que o mesmo andava a consumir bebidas alcoólicas, e em excesso, ficando com um discurso agressivo, impulsivo e exigindo dinheiro, temendo pela segurança da progenitora;
9- É arguido no inquérito n.º 1279/24.8…, estando indiciado da prática de um crime de violência doméstica no âmbito do qual a sua mãe tem o estatuto de vítima;
10- Faltou às consultas de acompanhamento no âmbito da especialidade de psiquiatria que lhe foram marcadas pela Dr.ª BB para os dias 18-9-2024 e 23-10-2024;
11- Compareceu no dia 20-12-2024 na equipa de acompanhamento apresentando indícios evidentes de estado de embriaguez;
12- Não compareceu à diligência judicial designada para a sua audição no passado dia 19-12-2024 nem justificou a sua falta.
*
Inexistem factos por provar
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III- Do Direito
Nos termos do disposto no art. 95.º do Código Penal
1 - A liberdade para prova é revogada quando:
a) O comportamento do agente revelar que o internamento é indispensável; ou
b) O agente for condenado em pena privativa da liberdade e não se verificarem os pressupostos da suspensão da execução, nos termos do n.º 1 do artigo 50.º
2 - A revogação determina o reinternamento, sendo correspondentemente aplicável o disposto no artigo 92.º
Isto posto, verificamos que a partir de junho de 2024, pouco tempo depois da sua libertação, o condenado deixou de cumprir, de um modo constante e coeso, com as obrigações a que estava sujeito, na medida em que é evidente que tem consumido de bebidas alcoólicas, não tem frequentado a consulta de psiquiatria de forma periódica, tem assumido um comportamento conflituoso com os pares, foi constituído arguido pela prática de crime de violência doméstica no âmbito do qual a sua mãe tem o estatuto de vítima e, por fim, notificado para ser ouvido quanto a tais factos, faltou à diligência injustificadamente.
Concluiu o Tribunal que o condenado passou a orientar a sua vida conforme a sua vontade, como se em plena liberdade se encontrasse, desprezando o facto de a liberdade para prova perdurar até 08-05-2026, demonstrando não ter interiorizado o significado da situação em que se encontrava, designadamente o sentido da medida de segurança que ainda cumpria.
Revelou, assim, clara vontade em se furtar à ação da justiça e ao controlo por parte do tribunal pois que, bem sabendo da pendência dos presentes autos, decidiu faltar à sua audição, o que demonstra, claramente, uma total ligeireza em relação à medida em cumprimento.
Tornou evidente que as finalidades de prevenção, sobretudo especial, que estiveram na base da concessão da liberdade para prova se não verificaram em concreto, tendo deixado de demonstrar vontade em colaborar com as instituições incumbidas de o apoiar e supervisionar no seu processo de reintegração, desvinculando-se perante a justiça e desinteressando-se da sua situação no âmbito dos presentes autos sendo, por isso, indispensável o seu internamento.
Desresponsabilizando-se, a dado passo, pelo seu processo de liberdade para prova, revelou dele não ser mais meritório, impondo-se, a nosso ver, a revogação daquela.
IV- DECISÃO
Pelo exposto decido revogar a liberdade para prova concedida a AA, determinando a execução dessa medida, na parte ainda não cumprida.
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Custas pelo condenado, fixando-se a taxa de justiça em 2 UCs.
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Registe, notifique (sendo o condenado através do seu mandatário, e também através de carta postal com PD a remeter para a morada fixada nos autos) e comunique aos serviços de reinserção social.
Remeta boletim à DSIC.
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Transitada a presente decisão:
- Remeta certidão ao processo da condenação.
-Junte cópia certificada, com a menção do seu trânsito, no Apenso de liberdade para prova (Apenso A), aí abrindo depois vista ao MºPº, para efeitos de cálculo do total do remanescente da medida a cumprir (cfr. art.º 185 n.º 8 do Código de Execução das Penas). (…)”.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO.
IV.1. DA NULIDADE DA DECISÃO RECORRIDA.
Considera o recorrente que a decisão recorrida é nula em virtude de ter sido proferida sem o condenado ter sido ouvido, não se exercendo o princípio do contraditório.
O recorrente não deu atenção ao disposto no artigo 185º do CEPMPL (aplicável ex vi do art. 163.º), que prescreve (sendo nossos os destacados):
Artigo 185.º
Incidente de incumprimento
1 - O incidente de incumprimento inicia-se com a autuação de comunicação referida no artigo anterior.
2 - O tribunal notifica a abertura do incidente ao Ministério Público, aos serviços de reinserção social e aos demais serviços ou entidades que intervenham na execução da liberdade condicional, ao condenado e seu defensor, com indicação dos factos em causa e da data e local designados para a audição, a qual ocorre num dos 10 dias posteriores.
3 - À audição referida no número anterior aplicam-se, com as necessárias adaptações, as regras previstas para a audição de recluso no processo de concessão da liberdade condicional.
4 - A falta injustificada do condenado vale como efetiva audição para todos os efeitos legais.
5 - Após a audição, o juiz ordena as diligências complementares que repute necessárias, designadamente junto dos serviços de reinserção social e dos demais serviços ou entidades que intervenham na execução da liberdade condicional.
6 - O Ministério Público emite parecer nos próprios autos quanto às consequências do incumprimento.
7 - A decisão do juiz é notificada ao recluso, ao defensor e ao Ministério Público e, após trânsito em julgado, comunicada aos serviços prisionais e de reinserção social, aos demais serviços ou entidades que estivessem a intervir na execução da liberdade condicional e, em caso de revogação, aos serviços de identificação criminal, através de boletim do registo criminal.
8 - Em caso de revogação, o Ministério Público junto do tribunal de execução das penas efectua o cômputo da pena de prisão que vier a ser cumprida, para efeitos do n.º 3 do artigo 64.º do Código Penal, sendo o cômputo, depois de homologado pelo juiz, comunicado ao condenado.”
Nenhuma razão assiste, porém, ao recorrente, quanto à violação do contraditório.
A situação processual surge bem retratada na resposta que o Ministério Público deu ao recurso:
“Conforme se extrai dos termos do processo, em 2-12-2024 foi proferido despacho a dar cumprimento ao disposto no citado artigo 185 º n º 2, tendo nessa sede sido agendada data para audição do recorrente (19-12-2024 pelas 14h, diligência a realizar por videoconferência no Tribunal de …), tendo este sido regularmente notificado (cfr. aviso postal com PD de 5-12-2024 e junto a fls. 77), bem como o seu defensor oficioso (Dr. CC).
Realizada a referida diligência, nos termos constantes da acta de fls. 78, o recorrente tendo comparecido no Tribunal de … acabou por dele se ausentar sem justificar a sua conduta, o que na realidade equivale a uma situação de não comparência, tendo o Ministério Público promovido a sua condenação em multa e que se considerasse ouvido nos termos do disposto no artigo 185 º n º 4 do CEPMPL. De seguida dada a palavra ao seu defensor este referiu nada ter a opor ou a requerer.
Ou seja, não só estamos perante um comportamento omissivo e manifestamente culposo e passível de censura por parte do recorrente, como o contraditório foi assegurado com a notificação ao seu defensor das razões da abertura do processo de incumprimento por forma a que pudesse invocar, requerer ou alegar o que tivesse por conveniente quanto à factualidade em causa.”.
O que resulta dos autos (e só isso releva) não coincide com o quadro de circunstâncias que o condenado invoca no recurso (e que antes jamais invocou).
O auto de audição do condenado tem o seguinte teor:
AUTO DE AUDIÇÃO DE RECLUSO
(Artºs 185º, nº 3 e 176º, nº 5, do C. da Execução das Penas e Medidas Priv. da Liberdade)
(VIDEOCONFERÊNCIA)
Aos dezanove dias do mês de dezembro do ano de dois mil e vinte e quatro, pelas 14:15 horas (e não antes porquanto se esteve a aguardar a presença do condenado), perante mim, …, encontrando-se presente o Sr. Procurador da República Dr. …, a Sr.ª Juíza Estagiária Dr.ª …, bem como o ilustre defensor oficioso, o Dr. CC, não se encontrando presente o condenado AA, na Unidade de Serviço Externo de … - Tribunal Judicial da Comarca de …, Escrivã Auxiliar, a Mmª Juiz da Secção Única do Tribunal de Execução de Penas de … (Juiz …), Dra. …, também presente, deu início à presente diligência proferindo o seguinte
DESPACHO
Deverá dar-se cumprimento o ordenado no meu anterior despacho (oficiando-se ao Proc. n.º 1279/24.8…, a fim de se averiguar se o condenado ainda se encontra na habitação judicialmente ficada ou se, na sequência de alguma medida de coacção aplicada, tenha tido necessidade de se afastar da mesma), sendo que, em face da resposta obtida, oportunamente se decidirá a propósito da realização devida, ou não, da notificação do condenado para a presente diligência.
Notifique.
*
Logo todos os presentes foram devidamente notificados do antecedente despacho.
*
Pelas 14.45 horas foi este Tribunal informado que o condenado já se encontrava presente na Unidade de Serviço Externo de … - Tribunal Judicial da Comarca de …, tendo de seguida a Mm.ª Juiz sido devidamente informada.
Logo, e como este Tribunal se encontrava impedido na realização de diligência no âmbito do processo n.º 259/24.8…, a Mm.ª Juiz ordenou que o condenado aguardasse naquela Unidade de Serviço Externo, tendo-se diligenciado pela comparência, de novo, do seu defensor oficioso.
Pelas 15:40 horas foi este Tribunal informado que o condenado se tinha ausentado da Unidade de Serviço Externo de …, para ir tomar um café, e que entretanto não tinha voltado, do que a Mm.ª Juiz foi informada.
Tendo sido declarada reaberta a presente diligência pelas 15:53 horas, na presença de todos os intervenientes acima identificados (com exceção do condenado), pela Mm.ª Juiz foi dada a palavra ao Digno Magistrado do Ministério Público, que, no seu uso, deu a seguinte:
PROMOÇÃO
Uma vez que o condenado se encontra regularmente notificado – pois que compareceu à diligência para hoje agendada - promovo a sua condenação em multa. Mais promovo que, nos termos do disposto no art.º 185.º, n.º 4, aplicável por força do disposto no art.º 234.º, ambos do Código de Execução de Penas, se considere ouvido o condenado.
Dada a palavra ao Ilustre defensor do condenado, pelo mesmo foi dito nada ter a opor ou a requerer.
*
Seguidamente, pela Mm.ª Juiz foi proferido o seguinte:
DESPACHO
Considero o condenado devidamente notificado para a presente diligência (cfr. prova de depósito junta aos autos, e a presença inicial do mesmo na Unidade de Serviço Externo de …). Pelo que, nos termos do disposto no art.º 116.º do Código de Processo Penal, julgo injustificada a falta do condenado, tributando-o na multa de 2 UC's.
Também conforme o disposto no art.º 185.º, n.º 4, aplicável por força do disposto no art.º 234.º, ambos do Código de Execução de Penas, o condenado é havido como presente nesta diligência, devendo os autos seguir os ulteriores termos.
Assim, abra vista ao Ministério Público e, posteriormente, com cópia do parecer que vier a ser proferido, notifique o Ilustre defensor do condenado para, querendo, e em 10 (dez) dias, dizer ou requerer o que tiver por conveniente.
*
Do despacho que antecede foram os presentes devidamente notificados.
*
Para constar se elaborou o presente auto que, lido e achado conforme, vai ser assinado pela Mmª Juiz, pelo Sr. Procurador da República e por mim, …, Escrivã Auxiliar neste Tribunal que o elaborou, dando-se a presente diligência por encerrada quando eram 15:59 horas.”.
Como resulta dos autos, tendo sido designada data para a sua audição, o condenado compareceu, mas como resulta do auto, ausentou-se do Tribunal sem justificação. O Tribunal a quo diligenciou pelas notificações impostas pelo nº 2 do artigo 185 do CEPMPL, aplicável ex vi do disposto no artigo 163º do mesmo código, ou seja, notificou a abertura do incidente ao Ministério Público, ao condenado e seu defensor, com indicação dos factos em causa e da data e local designados para a audição. Tendo o condenado comparecido, mas tendo abandonado as instalações do Tribunal antes de ter sido ouvido, não restava ao Tribunal outra solução que não a de o considerar faltoso.
Ao invés de uma situação de incumprimento do contraditório, o que sucedeu foi que o condenado, tendo sido regularmente notificado para comparecer à diligência, nos termos sobreditos, se colocou voluntariamente em situação de falta – por isso, em estrito cumprimento do disposto no nº 4 do artigo 185º do CEPMPL, o tribunal considerou, e bem, que a falta injustificada do condenado valia como efetiva audição para todos os efeitos legais.
Bem andou o Tribunal a quo, cumprindo o estabelecido no nº 4 do artigo 185º do CEPMPL, de harmonia, aliás, com a interpretação constante que desse preceito faz a Jurisprudência, de que é exemplo o Acórdão desta Relação de Évora de 12 de julho de 2023, onde se pode ler:
“E nem vislumbramos outra possibilidade de entendimento, sob pena de desrespeito da estatuição da identificada norma. Com efeito, entender como propugna o recorrente que o tribunal se encontrava obrigado a realizar diligências suplementares tendentes a viabilizar a sua efetiva audição – (…) – a mais de não encontrar suporte legal nas normas e nos princípios subjacentes ao instituto da liberdade condicional, contenderia flagrantemente com o disposto no citado artigo 185º, nº 4 do CEPMPL, sendo certo que dúvidas não poderão restar que os dois pressupostos de funcionamento de tal norma se encontram verificados: o arguido encontrava-se regularmente notificado e não justificou a sua falta do prazo legal.
(…)
não se vislumbra que tenha sido vulnerado qualquer direito do condenado, designadamente os tutelados pelos artigos 18º, nº 2 e 32º, nº 1 da CRP (…), ou que tenha ocorrido qualquer nulidade, máxime a nulidade insanável invocada pelo recorrente, pois que, estabelecendo o nº 4 do artigo 185º do CEPMPL que “A falta injustificada do condenado vale como efetiva audição para todos os efeitos legais”, não nos encontramos perante um caso em que a lei exija a comparência do arguido, nos termos previstos no artigo 119.º c) do CPP.1”.
Não ocorreu qualquer violação do contraditório e, nesta medida, sem necessidade de ulteriores considerações, deve concluir-se pela completa improcedência do recurso no que se refere à invocada nulidade da decisão.
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IV.2. DOS PRESSUPOSTOS DE REVOGAÇÃO DA LIBERDADE PARA PROVA.
Aqui chegados, cumpre avançar para a questão de determinar se se verificam os pressupostos para a revogação da liberdade para prova.
Na decisão recorrida consideraram-se os fundamentos de facto seguintes:
“1 - AA foi considerado inimputável no Proc. 787/16.9…, onde lhe foi aplicada medida de segurança de internamento com a duração mínima de 3 anos e a duração máxima de 5 anos, pela prática de factos integradores dos crimes de injúria agravada e dano qualificado;
2- AA padece de problemática do foro mental (alcoolismo e perturbação da personalidade);
3- Por decisão do Tribunal da Relação do Porto, em sede de recurso, foi concedida a AA a liberdade para prova, pelo período de 2 anos, condicionada a regime de prova a elaborar pelos serviços de reinserção social, do qual deveriam constar, entre outras, as obrigações de não consumir quaisquer tipo de bebidas alcoólicas, de frequentar consulta de psiquiatria de forma periódica, frequentar grupo de alcoólicos anónimos da área de residência ou procurar aconselhamento individual por profissional competente;
4- AA foi libertado em 8/5/2024, perdurando a liberdade para prova até 8/5/2026;
5- E passou a viver com a progenitora, de 88 anos (na …, em …, contando ainda com o apoio das irmãs;
6- Em entrevista de 13/6/2024 junto do técnico dos serviços de reinserção social o libertado revelava indícios de ter consumido bebidas alcoólicas;
7- Assumiu comportamentos desadequados para com funcionários da junta de freguesia de … em 25/07/2024, tendo sido chamada a entidade policial e lavrada a NPP…/2024;
8- Em relatório de incumprimento, a equipa dos serviços de reinserção social informa que em agosto de 2024 uma irmã do libertado deu conta que o mesmo andava a consumir bebidas alcoólicas, e em excesso, ficando com um discurso agressivo, impulsivo e exigindo dinheiro, temendo pela segurança da progenitora;
9- É arguido no inquérito n.º 1279/24.8…, estando indiciado da prática de um crime de violência doméstica no âmbito do qual a sua mãe tem o estatuto de vítima;
10- Faltou às consultas de acompanhamento no âmbito da especialidade de psiquiatria que lhe foram marcadas pela Dr.ª BB para os dias 18-9-2024 e 23-10-2024;
11- Compareceu no dia 20-12-2024 na equipa de acompanhamento apresentando indícios evidentes de estado de embriaguez;
12- Não compareceu à diligência judicial designada para a sua audição no passado dia 19-12-2024 nem justificou a sua falta.”.
O Tribunal a quo, em face de tais circunstâncias concluiu do seguinte modo:
“Concluiu o Tribunal que o condenado passou a orientar a sua vida conforme a sua vontade, como se em plena liberdade se encontrasse, desprezando o facto de a liberdade para prova perdurar até 08-05-2026, demonstrando não ter interiorizado o significado da situação em que se encontrava, designadamente o sentido da medida de segurança que ainda cumpria.
Revelou, assim, clara vontade em se furtar à ação da justiça e ao controlo por parte do tribunal pois que, bem sabendo da pendência dos presentes autos, decidiu faltar à sua audição, o que demonstra, claramente, uma total ligeireza em relação à medida em cumprimento.
Tornou evidente que as finalidades de prevenção, sobretudo especial, que estiveram na base da concessão da liberdade para prova se não verificaram em concreto, tendo deixado de demonstrar vontade em colaborar com as instituições incumbidas de o apoiar e supervisionar no seu processo de reintegração, desvinculando-se perante a justiça e desinteressando-se da sua situação no âmbito dos presentes autos sendo, por isso, indispensável o seu internamento.
Desresponsabilizando-se, a dado passo, pelo seu processo de liberdade para prova, revelou dele não ser mais meritório, impondo-se, a nosso ver, a revogação daquela.”
O juízo do Tribunal a quo mostra-se plenamente acertado e justificado.
Decorre do art. 95.º do Código Penal que a liberdade para prova é revogada quando o comportamento do agente revelar que o internamento é indispensável.
A dispensabilidade do internamento que conduziu à concessão da medida de liberdade para prova foi equacionada perante a perspetiva de o condenado cumprir os deveres impostos aquando dessa decisão – no caso impunha-se o cumprimento do regime de prova elaborado pelos serviços de reinserção social e, designadamente, das obrigações de não consumir quaisquer tipo de bebidas alcoólicas, de frequentar consulta de psiquiatria de forma periódica, frequentar grupo de alcoólicos anónimos da área de residência ou procurar aconselhamento individual por profissional competente. O cumprimento dessas regras foi considerado pelo Tribunal da Relação do Porto como uma garantia de que o condenado não reincidia em comportamentos capazes de fazer escalar a sua perigosidade.
No Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8 de maio de 2024 (decisão que concedeu a medida de liberdade para prova), escreveu-se:
“Nada obsta à aplicação do regime de liberdade para prova, face às informações constante nos relatórios clínicos.
De facto, impunha-se considerar que houve uma alteração do estado perigosidade que permite fazer uma aproximação à vida em sociedade dentro da tutela da execução da medida, impondo regras e supervisão estreitas.
Conforme refere Maria João Antunes in Consequências Jurídicas do Crime (pág. 105), "Para as situações em que há alterações do estado de perigosidade do internado, durante a execução da sanção, vale o instituto da liberdade para prova, um verdadeiro incidente da execução da medida de segurança de internamento. (...) Pressuposto material da colocação em liberdade para prova é, por conseguinte, a subsistência do estado de perigosidade criminal que deu origem à medida de segurança, podendo, no entanto, a finalidade preventivo-especial da sanção ser alcançada em meio aberto. Desta forma dá-se concretização ao princípio da proporcionalidade, com ganhos evidentes para o processo de reintegração do agente em sociedade."
Assim, decide revogar-se a decisão do tribunal a quo, colocando o internado em regime de liberdade para prova pelo período de dois anos, período que não ultrapassa o tempo que falta para o limite máximo de duração do internamento decretado (18.11.26) reintegrando-o em sociedade e próximo à sua vida familiar sujeitando-o às injunções necessárias, supervisão estreita e acompanhamento e tratamento em regime ambulatório no que concerne à doença de que padece.
Para o efeito deverá a DGRSP elaborar regime de prova que passe pela supervisão médico psiquiátrica periódica, frequência de grupo de alcoólicos anónimos e cessação absoluta do consumo de álcool, arts. 94º, nº 3, 98º, nº 3 e 4 e 53º e 54º do CP.
Os alcoólicos anônimos (AA) são o grupo de autoajuda mais comum. Os pacientes devem encontrar um grupo de AA no qual se sintam confortáveis. Os AA proporcionam amigos não bebedores aos pacientes, os quais ficam sempre disponíveis, e uma área sem bebidas em que podem se socializar. Os pacientes também escutam os outros discutirem cada racionalização que já utilizaram para que bebessem. A ajuda que fornecem a outros pacientes com transtorno por uso de álcool pode-lhes dar a autoestima e a confiança previamente encontradas apenas no álcool.
Para o caso de se mostrar relutante em procurar os AAs não pode deixar de ter aconselhamento individual.
Portanto, a medida de segurança é necessária e proporcional face ao narrado circunstancialismo clínico, já não o sendo o seu internamento.
Atentas as circunstâncias concretas dos factos praticados a libertação do internado é compatível com a ordem e paz social.
Sendo o instituto da liberdade para prova idóneo a salvaguardar, por um lado, a situação de liberdade do inimputável constitucionalmente protegida e, por outro, a defesa da sociedade face à perigosidade criminal, o quadro clínico atual de doença do recorrente, permite alguma garantia que com seguimento em ambulatório e com suficiente apoio, se mantenha atenuada a perigosidade social a um ponto tal que em que é possível e razoável esperar que a finalidade da medida de segurança imposta pode ser alcançada em meio aberto, devendo o risco inerente à libertação ser comunitariamente assumido e suportado”2.
O comportamento do condenado, pouco tempo depois de ter sido recolocado em liberdade, viria a demonstrar que se frustrou o juízo de prognose positiva que foi emitido pela Relação do Porto. No decurso da medida de liberdade para prova, o condenado infringiu grosseira e repetidamente os deveres impostos, sendo evidente que voltou à ingestão de bebidas alcoólicas, adotando comportamento que revelam manifesta perigosidade para terceiros.
As finalidades que estiveram na base da concessão da liberdade para prova, não puderam, por meio dela, ser alcançadas – designadamente as finalidades de reintegração do agente em sociedade.
Do preceituado no art. 95.º do Código Penal resulta que a revogação da liberdade para prova não opera ope legis mas sim ope judicis, tornando-se, pois, necessário avaliar se as circunstâncias do caso (designadamente o incumprimento das obrigações impostas e o cometimento de factos que evidenciem o recrudescimento da perigosidade) puseram em causa as finalidades que estiveram na base do decretamento da medida.
O Tribunal recorrido emitiu juízo de indispensabilidade do retorno ao internamento. E decidiu bem.
A conduta do ora recorrente, consistente no incumprimento da generalidade dos deveres que lhe foram impostos, é, por si só, reveladora de que a finalidade preventivo-especial da sanção não pode ser alcançada em meio aberto – frustraram-se as expetativas que estiveram na base da concessão da liberdade para prova.
O condenado voltou ao consumo de álcool, vive numa situação de desorganização pessoal e familiar, tendo sido constituído arguido no inquérito n.º 1279/24.8…, onde está indiciado da prática de um crime de violência doméstica no âmbito do qual a sua mãe tem o estatuto de vítima.
Perante este panorama factual, apenas a conclusão a que se chegou na decisão recorrida se mostra justificada: sucumbiram totalmente as razões de prevenção especial negativa subjacentes à liberdade para prova concedida ao ora recorrente, não foram atingidas as finalidades previstas na concessão dessa medida, não tendo o condenado mantido uma conduta adequada, frustrando, pois, as expectativas e confiança que nele haviam sido depositadas aquando da concessão daquela liberdade.
Com efeito, o comportamento do condenado é revelador de uma total impermeabilidade à influência do apoio que foi organizado para a sua reintegração na sociedade – e desse modo só uma conclusão se admite: a de que as finalidades da medida de segurança imposta não podem ser alcançada em meio aberto, não sendo comunitariamente suportável o risco inerente à libertação.
O internamento revela-se indispensável.
A decisão mostra-se plenamente acertada, estando reunidos os pressupostos de revogação da liberdade para prova.
O recurso improcede.
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V - DECISÃO.
Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso interposto pelo condenado AA, confirmando o despacho recorrido que determinou a revogação da liberdade para prova e o cumprimento do remanescente da medida de internamento imposta no Processo nº 787/16.9… da Instância Local Criminal de … (J…).
Custas a cargo do recorrente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça.
D.N.
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O presente acórdão foi elaborado pelo Relator e por si integralmente revisto (art. 94º, n.º 2 do C.P.P.).
Évora, 20 de maio de 2025
Jorge Antunes (Relator)
Artur Vargues (1º Adjunto)
Manuel Ramos Soares (2º Adjunto)
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1 Cfr. Ac. da Relação de Évora de 12 de julho de 2023 – Relatora: Maria Clara Figueiredo - acessível em: https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/67257c8f093767ff802589fa00352f1c?OpenDocument
2 Cfr. Ac. da Relação do Porto de 8 de maio de 2024 – Relator: Paulo Costa – Acessível em: https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/bf7dcd508c176c8080258b39004bbbc6?OpenDocument