CONFISSÃO
ARREPENDIMENTO
PERDA DE VANTAGENS
Sumário

I - A confissão dos factos delituosos imputados pode, também ela, constituir um dos elementos através dos quais se objetiva o arrependimento – mas para isso deverá poder ver-se nela uma prova de autocrítica e intenção de mudança de atitude, o que nem sempre subjaz à confissão.
Assim, devemos assentar que a confissão não pressupõe por si só o arrependimento.
II - Para que se afirme o arrependimento deverá constatar-se um comportamento processual positivo pós-delito do arguido, realizado em benefício da vítima, ou da administração da justiça – ou por esta considerado útil – e por isso valorado positivamente pelo Direito. Quando o agente desenvolve uma atividade posterior ao crime, destinada a eliminar ou diminuir os seus efeitos danosos ou perigosos, atividade essa que seja reveladora de sincera preocupação decorrente da autocensura do comportamento delitivo, constata-se o arrependimento. Essa atividade posterior ao crime não poderá deixar de funcionar a seu favor, sendo fundamento para um tratamento penal mais favorável.
O arrependimento, enquanto sentimento do foro interior, deverá ser exteriorizado através de atos concretos, que sejam provados em sede de julgamento, em conformidade com o disposto no artigo 355º, nº 1, do Código de Processo Penal. Não bastará, pois, ao arguido, para beneficiar do arrependimento, limitar-se a fazer a sua proclamação.
III - A perda de vantagens tem em vista, primordialmente, uma perigosidade em abstrato, um propósito de prevenção da criminalidade em geral, sendo que tal como a perda de instrumentos e produtos do crime, também a perda de vantagens vem sendo definida, maioritariamente, no que respeita à sua natureza jurídica, como uma providência sancionatória de natureza análoga à da medida de segurança, na medida em que pretende prevenir a prática de futuros crimes mostrando ao agente, e à sociedade, que pela prática de um facto ilícito típico é obrigatoriamente instaurada “uma ordenação de bens adequada ao direito” e, por isso, verifica-se independentemente de o agente ter ou não atuado com culpa
O propósito político-criminal subjacente a este instituto é o de que “o crime não compensa”, traduzindo um “instrumento de política criminal, com finalidades preventivas, através do qual o Estado exerce o seu ius imperium anunciando ao agente do crime, ao potencial delinquente e à comunidade em geral que nenhum benefício resultará da prática de um ilícito.
A declaração de perda de vantagem torna-se obrigatória desde que verificado o respetivo pressuposto formal referente à prática de um facto ilícito típico.

Texto Integral

Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
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I – RELATÓRIO

1. No Juízo Local Criminal de … – Juiz … os arguidos AA e BB, com os demais sinais dos autos, foram submetidos a julgamento em processo comum (Tribunal singular), após acusação do Ministério Público, sendo-lhes imputada a prática de:

- Arguido BB, como co-autor material, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto pelos artigos 6.º, n.º 1, 7.º, n.º 3, 11.º, n.º 1, al. a), 105.º, n.º 4, al. a) e b), e n.º 7, e 107.º, n.º 1 e 2, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias, por referência ao disposto nos artigos 56.º, n.º 1 e 2, e 59.º, n.º 1, da Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro), e nos artigos 38.º, 42.º e 43.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (aprovado pela Lei n.º 110/2009), e artigos 11.º, n.º 1, 14.º, 30.º, n.º 2 e 79.º, n.º 1 do Código Penal, e punido nos termos do artigo 105.º, n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias,

- Arguida AA, como co-autora, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto pelos artigos 7.º, n.º 1, 11.º, n.º 1, al. a), 105.º, n.º 4, al. a) e b), e n.º 7, e 107.º, n.º 1 e 2, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias, por referência ao disposto nos artigos 56.º, n.º 1 e 2, e 59.º, n.º 1, da Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro), e nos artigos 38.º, 42.º e 43.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (aprovado pela Lei n.º 110/2009), e artigos 11.º, n.º 1, 14.º, 30.º, n.º 2, 79.º, n.º 1 do Código Penal, e punido nos termos do artigo 105.º, n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias.

O Ministério Público deduziu incidente de declaração de perda de vantagens a favor do Estado contra os arguidos, promovendo a declaração de perda de vantagens a favor do Estado, no valor total do montante apropriado e que deveria ter sido entregue à Segurança Social, de € 28.288,50, nos termos do disposto no artigo 110.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4 do Código Penal e, ainda, do disposto nos artigos 490.º e 497.º, do Código Civil, ex vi do artigo 129.º do Código Penal.

2. Por sentença de 3 de outubro de 2024, foi decidido:

“Pelo exposto, e vistas as supracitadas normas legais, julga-se a acusação procedente e, em consequência, decide o Tribunal:

1. CONDENAR a sociedade Arguida AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, na forma continuada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelo artigo 107.º, por referência aos artigos 105.º, n.º 1 e 4, sendo criminalmente responsável nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, e 12.º, n.º 2 e 3 todos do Regime Geral das Infrações Tributárias, e artigos 30.º, n.º 2, e 79.º, do Código Penal, na pena de 550 (quinhentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante global de € 2.750,00 (dois mil setecentos e cinquenta euros).

2. CONDENAR o Arguido BB pela prática, em autoria material e na forma consumada, na forma continuada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelo artigo 107.º, por referência aos artigos 105.º, n.º 1, 6.º, n.º 1 e 7.º, n.º 3 todos do Regime Geral das Infrações Tributárias, e artigos 30.º, n.º 2, e 79.º, do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros), o que perfaz o montante global de € 1.600,00 (mil e seiscentos euros).

3. DECLARAR a Perda a Favor do Estado da vantagem patrimonial resultante do crime cometido pelos arguidos, CONDENANDO-OS no pagamento ao Estado, de forma solidária, do valor de € 28.288,50 (vinte e oito mil duzentos e oitenta e oito euros e cinquenta cêntimos), ao abrigo do disposto no artigo 110.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4 do Código Penal e, ainda, do disposto nos artigos 490.º e 497.º, do Código Civil, ex vi do artigo 129.º do Código Penal.

4. CONDENAR ambos os Arguidos nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC para cada um dos Arguidos e nos demais encargos previstos na lei – artigos 513.º e 514.º, ambos do Código de Processo Penal, e artigo 8.º, n.º 9, com referência à tabela III, do Regulamento das Custas Processuais.

Registe, notifique e deposite.

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Após o trânsito em julgado:

• Remeta boletins ao Registo Criminal.

• Comunique à Segurança Social..”

3. Inconformados com a decisão final condenatória, dela interpuseram recurso os arguidos, pugnando pela declaração de nulidade da sentença.

Formularam os Recorrentes a seguinte síntese conclusiva:

“a) Os recorrentes não se conformam com a decisão constante da Sentença que os condena, respectivamente, numa pena de 200 dias de multa, à taxa diária de €. 8,00, no caso do Recorrente BB e numa pena de 550 dias de multa à taxa diária de €.5,00, em relação à Recorrente AA, ambos pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, bem como na Declaração de Perda a favor do Estado da vantagem patrimonial, com a condenação de ambos, de forma solidária, no pagamento ao Estado do valor de €. 28.288,50.

a) Em sede de audiência de julgamento realizada em 26.09.2024, o arguido/recorrente aceitou prestar declarações, tendo confessado os factos e respondido de forma cabal e credível e, quando questionado pelo seu I. Defensor, bem como pela Mma. Juiz, alegou estar arrependido dos factos praticados.

b) Acontece que, não obstante a prova do arrependimento do Arguido/Recorrente, da Sentença Recorrida não consta como facto provado ou não provado o dito “arrependimento”,

c) Como tal, face às declarações prestadas pelo arguido, aliado à inexistência de qualquer elemento de prova que coloque em dúvida a veracidade do “arrependimento” do mesmo, tal facto deveria ter sido considerado como provado na Sentença Recorrida.

d) Assim, atendendo ao disposto no artigo 368.º, n.º 2, do CPP, é inequívoco que o Tribunal deveria ter-se pronunciado sobre o “arrependimento” demonstrado pelo Recorrente, violando a sentença recorrida o vertido no art° 374°, n° 2, do CPP,

e) Omissão que constitui, ainda, uma violação do disposto no art° 379º, nº 1, als. a) e c) do CPP e que determina a nulidade da Sentença Recorrida.

f) Na Sentença Recorrida não fora valorado, aquando da determinação da medida concreta da pena, o arrependimento do arguido, o que viola o disposto nos artigos 71º e 72º do Código Penal

g) “A omissão de pronuncia a respeito de um facto relevante para a decisão, resultante da discussão da causa, conduz à nulidade da Sentença”, vide sumário do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 14.01.2014, no âmbito do processo 7/11.2GBPTM.1, que poderá ser visualizado in www.dgsi.pt.,

h) Assim, ao não valorar na determinação da medida concreta da pena o arrependimento demonstrado pelo Recorrente, a Sentença recorrida violou, além dos supra invocados artigos 71º e 72º do CP, o disposto na já citada alínea c) do nº 1 do artigo 379º do CPC, o que determina a nulidade da mesma.

i) Discorda-se ainda da Decisão Recorrida no que concerne à medida concreta da pena aplicada ao Recorrente BB, uma vez que, nos termos do disposto no artigo 15º do RGIT, a moldura penal aplicada às pessoas colectivas é, sempre, superior à aplicada às pessoas singulares,

j) No entanto a Mma. Juiz optou por aplicar àquele uma pena de multa no quantitativo diário de €. 8,00, verba superior à fixada para a sociedade Arguida (Pessoa Colectiva),

k) Apesar de a Sociedade Recorrente já ter sido condenada pela prática de três crimes de abuso de confiança fiscal,

l) E que a favor do Recorrente BB militam, além da confissão integral e sem reservas, o arrependimento manifestado, bem como o facto de se encontrar social, laboral, familiar e economicamente integrado,

m) Como tal, na determinação da pena de multa aplicada ao Recorrente BB, a Mma. Juiz não respeitou o disposto no nº 2 dos artigos 71º e 72º do CP, sendo tal pena de multa excessiva face as circunstâncias concretas,

n) Devendo a mesma ser revogada e substituída de forma a que dela resulte a condenação do Recorrente BB numa pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de €. 3,00, no montante global de €. 600,00 (seiscentos euros), o que se requer, caso não se admitam as nulidades acima invocadas.

o) Da matéria de facto considerada como provada na Sentença Recorrida não resulta que a sociedade Recorrente não tenha regularizado, aquando da audiência de julgamento, os montantes correspondentes a cotizações e contribuições melhor discriminados no artigo 6 dos factos provados (vide página 5 da sentença recorrida).

p) Sendo tal matéria de facto essencial para se verificar o preenchimento dos pressupostos que a norma contida no artigo 110º do Código Penal faz depender para aplicação da Declaração de Perda de Vantagem e da condenação dos arguidos no pagamento ao Estado do montante de €. 28.288,50.

q) Não obstante, os Recorrentes também não se conformam com a Sentença Recorrida no que diz respeito à condenação de BB, de forma solidária, no pagamento ao Estado da referida quantia de €. 28.288,50,

r) Uma vez que a actuação daquele fora, sempre, em nome da sociedade arguida, sendo que o alegado enriquecimento da mesma não se estendeu ao Recorrente BB,

s) Tendo em conta que nunca beneficiou das quantias não entregues ao estado, nem tal resulta dos factos provados da Sentença Recorrida,

t) Não tendo sido ainda considerado provado que o Recorrente BB fez suas, parte ou a totalidade, das importâncias não entregues à Segurança Social ou que beneficiou das mesmas a título pessoal,

u) Verificando-se que a matéria de facto considerada como provada na sentença recorrida está em total contradição com a condenação do Recorrente BB no pagamento ao Estado, no valor de €. 28.288,50,

v) Além de que tal omissão, nos factos provados da Sentença Recorrida, determina a nulidade da Sentença Recorrida, conforme resulta do disposto nas alíneas a) a c), do nº 1 do artigo 379º do CPP,

w) Razão pela qual se requer que seja declarada a nulidade da sentença recorrida com as demais consequências daí decorrentes e a declaração de improcedência do instituto de Perda de Vantagens e a absolvição dos Recorrentes no pagamento ao Estado da quantia de €. 28.288,50.”

4. O referido recurso dos arguidos foi admitido, por legal e tempestivo.

5. O Ministério Público apresentou resposta ao recurso interposto pelos arguidos, pugnando pela sua improcedência e formulando conclusões nos seguintes termos:

“1. Os arguidos BB e AA, não se conformando com a sentença proferida nos autos, que condenou a arguida AA. pela prática, em autoria material e na forma consumada, na forma continuada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelo artigo 107.º, por referência aos artigos 105.º, n.º 1 e 4, sendo criminalmente responsável nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, e 12.º, n.º 2 e 3 todos do Regime Geral das Infrações Tributárias, e artigos 30.º, n.º 2, e 79.º, do Código Penal, na pena de 550 (quinhentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante global de € 2.750,00 (dois mil setecentos e cinquenta euros) e o arguido BB pela prática, em autoria material e na forma consumada, na forma continuada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelo artigo 107.º, por referência aos artigos 105.º, n.º 1, 6.º, n.º 1 e 7.º, n.º 3 todos do Regime Geral das Infrações Tributárias, e artigos 30.º, n.º 2, e 79.º, do Código Penal, napena de200 (duzentos) diasde multa, àtaxadiáriade € 8,00 (oito euros), o que perfaz o montante global de € 1.600,00 (mil e seiscentos euros), dela interpuseram recurso.

2. Os arguidos consideram que se o Recorrente alegou estar arrependido dos factos praticados, então tal facto devia ser dado como provado, sob pena de verificar uma omissão de pronúncia.

3. O facto de o Recorrente prestar declarações e se dizer arrependido não leva, sem mais, à conclusão que o mesmo está efetivamente arrependido pelo que, nessa medida, não tendo o Tribunal a quo considerado existir arrependimento, não verteu tal facto para o leque dos factos provados.

4. Não se pode falar em omissão de pronúncia sobre uma “não questão” ou um “não facto”, não podendo ser extraídas consequências, a favor do arguido, ora Recorrente, perante a afirmação conclusiva e não demonstrada de que estava efetivamente arrependido.

5. Acrescente-se, por fim, que o Tribunal a quo valorou em favor do arguido, ora Recorrente,o facto de este ter confessado “integralmente e sem reservas os factos, colaborando por inteiro com o Tribunal, encontra-se inserido do ponto de vista social, familiar, laboral e económico e não detém quaisquer outros antecedentes criminais.”

6. Os Recorrentes consideram que a pena aplicada ao Recorrente BB se mostra “excessiva face as circunstâncias concretas”.

7. Entende o Recorrente que o mais adequado seria a condenação ser revogada e substituída de forma a que dela resulte a condenação do Recorrente BB numa pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 3,00, no montante global de €. 600,00 (seiscentos euros).

8. Considerando que se trata de crime punido, em alternativa, com pena de prisão ou pena de multa, deve, nos termos do disposto no artigo 70.º do Código Penal, ser dada preferência à aplicação de medida não privativa da liberdade, sempre que dessa forma se realizem de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.

9. Entendeu o tribunal a quo que a aplicação da pena de multa se mostrava apta a satisfazer as exigências de prevenção e de punição que no caso concreto se fazem sentir, optando pela aplicação de pena não privativa de liberdade, entendimento que o Recorrente não coloca em causa, tão só o fazendo quanto ao quantitativo diário da mesma.

10. A concreta pena a aplicar pondera sempre a medida da culpa do agente, não podendo aquela, em caso algum, exceder esta, artigos 40.º e 70.º do Código Penal.

11. As exigências de prevenção geral são determinantes na fixação da medida da pena, a qual deve contribuir para a reafirmação estabilizadora da norma jurídica violada defendendo o ordenamento jurídico e assegurando segurança à comunidade.

12. Tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com as exigências de prevenção especial, quer no sentido de evitar a reincidência, quer na socialização do agente com vista a respeitar os valores comunitários fundamentais tutelados pelos bens jurídico-criminais.

13. São elevadas as exigências de prevenção geral e especial, respetivamente, quanto ao tipo legal de crime e em relação ao arguido, o qual, tal como plasmado na sentençarecorrida, “denota que não estamos perante uma situação isolada na sua vida, tendo o trânsito em julgado se verificado inclusivamente durante a prática do crime nestes autos por crime praticado no mesmo período temporal.”.

14. O quantitativo diário da pena de multa vem previsto no artigo 47.º, n.º 2 do Código Penal, não se mostrando possível, como pretendem os Recorrentes, aplicar uma taxa diária de € 3,00.

15. Consta dos factos provados da sentença em crise que ambos os arguidos, ora Recorrentes, beneficiaram das quantias deduzidas e não entregues à Segurança Social.

16. Assim, a perda de vantagem foi devidamente decretada, não se mostrando possível qualquer reparo.

17. Assim, por tudo, bem andou o tribunal a quo ao condenar os arguidos nos exatos termos em que condenou.

18. Pelo que não existem quaisquer reparos a fazer à sentença recorrida, quer por referência ao limite da culpa, quer por referência às necessidades de prevenção que se verificam, devendo o recurso interposto pelos arguidos ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se na integra a sentença recorrida.”.

6. Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto apresentou parecer acompanhando a resposta apresentada pelo Ministério Público na 1.ª instância e pugnando pela improcedência do recurso.

Cumprido o contraditório, os recorrentes vieram apresentar resposta ao parecer, mantendo os termos do recurso.

7. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.

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II – QUESTÕES A DECIDIR

Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6ª ed., 2007, pág. 103, e, entre muitos outros, o Ac. do S.T.J. de 05.12.2007, Procº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412.°, n.° 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»). Com a conformação que é dada ao objeto do recurso pelas conclusões apresentadas, poderemos afirmar que as questões a apreciar são as seguintes:

1 – Da ausência de consignação entre os factos provados do “arrependimento sincero do arguido” – nulidade da sentença por omissão de pronúncia ou erro de julgamento;

2 – Da fixação da taxa diária correspondente a cada dia de multa;

3 – Da perda de vantagens do crime.

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III – TRANSCRIÇÃO DOS SEGMENTOS RELEVANTES DA DECISÃO RECORRIDA.

A sentença final proferida tem, para além do mais, o seguinte teor:

“DOS FACTOS PROVADOS

Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, e com relevância para a boa decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:

- Da Acusação -

1. A sociedade arguida “AA” é uma sociedade comercial por quotas e tem como objeto social o transporte de mercadorias em veículos pesados, a nível nacional e internacional; recolha e transporte de resíduos urbanos, agrícolas, industriais e outros resíduos não perigosos; comércio por grosso de madeiras em bruto e produtos da sua transformação primária e secundária; aluguer de máquinas e equipamentos, contentores e paletes; armazenagem de mercadoria por conta de terceiros.

2. Não obstante o arguido BB apenas passar a figurar como gerente no respetivo registo comercial a partir de 18.02.2019, à data dos factos infra descritos e desde a constituição da sociedade em 04.06.2014, era este arguido quem, de facto, era e é o gerente de direito e de facto desta sociedade, sendo a este que cabia a tomada de decisões que envolviam a referida sociedade, nomeadamente lidar com a banca, fornecedores, angariar clientes, celebrar contratos com clientes e de trabalho, tratar da contabilidade e providenciar pelo cumprimento das obrigações junto da A.T. e do Instituto de Segurança Social, bem como todas as decisões necessárias para organizar e gerir a sociedade arguida, sendo o rosto visível daquela sociedade, nas relações comerciais mantidas com clientes, fornecedores e entidades bancárias tendo em vista a prossecução do seu objeto social.

3. Em nome e no interesse da sociedade arguida incumbia, assim, ao arguido cumprir ou providenciar para que fossem cumpridas as suas obrigações legais, designadamente, como entidade empregadora, procedendo ao pagamento das quotizações dos trabalhadores ao seu serviço, devendo proceder, para o efeito, no momento do pagamento das remunerações, à retenção na fonte dos valores correspondentes.

4. O pagamento das contribuições e quotizações à Segurança Social tinha de ser efetuado entre os dias 10 a 20 do mês seguinte a que respeitavam, correspondendo a 34,75% sobre o salário, cabendo 23,75% ao empregador/empresa e 11% aos trabalhadores e membros de órgãos estatutários das pessoas coletivas e entidades equiparadas, que eram retidos pelo primeiro (empregador).

5. Entre março de 2018 a dezembro de 2019 e de abril de 2020 a fevereiro de 2022, a sociedade arguida AA, por determinação do arguido BB, que atuou em nome e no interesse dessa sociedade, procedeu ao pagamento do salário dos seus trabalhadores e do gerente, sem que tivesse entregado ao Instituto da Segurança Social a totalidade dos valores das quotizações que foram, efetivamente, retidas e descontadas nos salários dos seus trabalhadores e do gerente.

6. Assim, através do arguido BB, a quem competia a respetiva gerência, a sociedade arguida entregou mensalmente as folhas de remunerações dos trabalhadores procedendo à retenção das contribuições descontadas aos salários e remunerações pagos àqueles, correspondente a 11% dos salários pagos aos mesmos, no montante global de € 28.288,50, o que fez nos seguintes meses e valores:

(…)

7. A sociedade arguida, sujeito passivo da referida obrigação, assume-se como mero substituto tributário, funcionando como um depositário das importâncias pagas pelos colaboradores, que lhe foram retidas ou descontadas, com a obrigação de as entregar nos cofres da segurança social nos prazos regulados por lei.

8. A sociedade arguida AA, por mão do seu gerente (aqui arguido), não cumpriu, assim, a obrigação legal de entregar estes montantes à Segurança Social, nem no prazo legal de entrega das quotizações, nem nos 90 dias posteriores a essas datas.

9. Notificado pessoalmente BB, por si e em representação da sociedade AA, na data de 13.11.2023 para em 30 dias efetuar o pagamento da prestação em falta, juros e coima, este não o fez, nem por si, nem em representação da sociedade arguida.

10. BB sabia que lhe cabia a si, enquanto gerente de direito e de facto da sociedade AA, providenciar pelo cumprimento das obrigações desta última junto do Instituto de Segurança Social.

11. E que, por tal, ao atuar (em representação e no interesse da AA, e como centro de imputação da sua vontade social), nos termos supra descritos - não entregando ao Instituto da Segurança Social o valor das quotizações que, efetivamente, reteve na retribuição dos seus trabalhadores e gerente -, estava a omitir o cumprimento de uma obrigação legal.

12. Como sabia que tal dinheiro não lhe pertencia, nem à sociedade AA, mas sim ao Instituto da Segurança Social, a quem deveriam entregar nos prazos supra melhor identificados.

13. BB bem sabia que, em nome e em representação daquela sociedade que geria, tinha o dever de enviar àquela instituição as folhas de remunerações pagas no mês anterior às próprias e aos seus trabalhadores, bem como, sabia que no ato de pagamento dessas remunerações, devia proceder ao desconto prévio dos valores das contribuições por aqueles legalmente devidas à Segurança Social e, após, entregar tais quantias a esta instituição.

14. Mais sabia que deveria liquidar e entregar tais contribuições até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitavam.

15. Porém, não obstante disso saber e de nos meses supra descritos ter efetuado as retenções acima descriminadas, o arguido, no respetivo interesse individual e no interesse da sociedade arguida que geria, não entregou na Segurança Social naquele prazo legal, nem decorridos 90 dias sobre o termo deste prazo, fazendo suas e da sociedade arguida tais quantias, ao longo do período supra descrito, integrando-as no seu património e delas dispondo como se fossem suas e da sociedade, como bem entendeu fazer.

16. Mesmo após ter sido notificado para proceder ao pagamento voluntário de tais quantias, o arguido BB não cumpriu as suas obrigações tributárias no prazo de 30 dias a contar de tal notificação, não tendo pago as quantias em dívida, nem os correspondentes juros referentes a esses períodos e dos demais acréscimos legais.

17. Os arguidos agiram com o propósito alcançado de integrar nos cofres da sociedade arguida todas as importâncias suprarreferidas e descritas e de as utilizarem na sua gestão corrente, em proveito da sociedade arguida, bem sabendo que tais quantias pertenciam à Segurança Social, e que lhe deveriam ter sido entregues pelo arguido, em representação da sociedade arguida, nos aludidos prazos e que, desta forma, atuavam sem a autorização, contra a vontade e em prejuízo da Segurança Social.

18. Os arguidos, após não terem entregado, pela primeira vez, os montantes destinados à Segurança Social que haviam sido deduzidos nas remunerações dos seus trabalhadores, praticaram o mesmo tipo de conduta nos períodos seguintes acima descritos, convencendo-se, mercê da facilidade com que sucessivamente lograram concretizar os seus intentos, de que a sua atuação estava a ser bem sucedida, o que os levou à reiteração da prática supra descrita, de forma homogénea, ao longo do período de tempo supra referido, tendo tal conduta sido originada por dificuldades financeiras sentidas pela sociedade arguida e como tentativa de manutenção dos postos de trabalho, privilegiando o pagamento dos salários dos seus trabalhadores em detrimento do cumprimento das obrigações acima descritas junto da Segurança Social.

19. Agiram sempre de modo livre, voluntário e consciente, querendo e conseguindo fazer sua e da sociedade arguida aquelas quantias, atuando no respetivo interesse e em nome, representação e no interesse da sociedade arguida, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

- Mais se provou -

20. No período em análise nos autos, a sociedade arguida atravessava dificuldades económicas para fazer face às despesas correntes.

21. Presentemente, a sociedade arguida não detém atividade comercial ou económica, não gerando rendimentos.

- Dos Antecedentes Criminais -

22. O arguido BB detém os seguintes antecedentes criminais registados no seu certificado de registo criminal:

a) no processo comum singular n.º 29/19.5… por sentença transitada em julgado em 21-01-2021, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, na pena especialmente atenuada de 90 dias de multa, factos de outubro de 2018, pena extinta.

23. A sociedade arguida detém os seguintes antecedentes criminais registados no seu certificado de registo criminal:

a) no processo sumaríssimo n.º 56/17.7… por sentença transitada em julgado em 14.5.2018, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, praticado em 15.11.2016, na pena de 100 dias de multa, pena extinta.

b) no processo sumaríssimo n.º 93/18.4… por sentença transitada em julgado em 12.6.2020, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, praticado em 16.8.2018, na pena de 180 dias de multa, pena extinta.

c) no processo comum singular n.º 29/19.5… por sentença transitada em julgado em 21-01-2021, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, na pena especialmente atenuada de 180 dias de multa, factos de outubro de 2018, pena extinta.

- Das Condições Socio Económicas -

24. O arguido BB é empresário, sendo sócio gerente da empresa unipessoal …LDA. que labora na área comercial de gestão de paletes.

25. Detém como última remuneração declarada, constante nas bases de dados da Segurança Social, o valor de 5.833.34 €, referente a agosto de 2024.

26. Aufere a quantia líquida de aproximadamente € 1.000,00 mensalmente.

27. Reside em casa dos seus sogros, com o seu cônjuge e com um filho menor, de … anos.

28. O seu cônjuge encontra-se empregado, sendo …, auferindo o valor mensal de aproximadamente € 800,00.

29. Contribui com o valor de € 500,00 mensalmente para despesas da referida residência.

30. O seu filho frequenta colégio pelo qual despende o valor de € 300,00 mensais.

DOS FACTOS NÃO PROVADOS

Com interesse para a boa decisão da causa, não ficaram por provar quaisquer factos.

(…)

ESCOLHA E DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA

Nos termos do artigo 40.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, a aplicação das penas visa a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa do agente.

Quanto ao arguido BB, uma vez que estamos perante penas alternativas, cumpre, antes de mais, proceder à escolha da pena.

Em sede de critério de escolha da pena, estabelece o artigo 70.º do Código Penal que “Se ao crime forem aplicáveis em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Ora, atentas as finalidades da punição plasmadas no citado artigo 40.º, é de salientar o seguinte:

As exigências de prevenção geral, traduzidas na necessidade de manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das normas violadas, são significativas, atenta a frequência com que nos deparamos com este tipo de ilícitos, o sentimento de impunidade com que a comunidade os perspetiva, as distorções do mercado que geram e as injustiças e desigualdades sociais entre os diversos operadores económicos que daí decorrem.

Releva, ainda, a este nível, a circunstância de, no que tange ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, estar em causa a sustentabilidade do sistema de segurança social, com repercussões no bem-estar social de todos os contribuintes, para mais num contexto como o atual, em que os cidadãos se encontram particularmente dependentes do mesmo e, no que tange ao crime de abuso de confiança fiscal, as dificuldades acrescidas na realização das tarefas do Estado decorrentes da sua prática.

Já ao nível da prevenção especial, há que considerar que o arguido já conta com um antecedente criminal de igual natureza, o que denota que não estamos perante uma situação isolada na sua vida, tendo o trânsito em julgado se verificado inclusivamente durante a prática do crime nestes autos por crime praticado no mesmo período temporal.

A seu favor, confessou integralmente e sem reservas os factos, colaborando por inteiro com o Tribunal, encontra-se inserido do ponto de vista social, familiar, laboral e económico e não detém quaisquer outros antecedentes criminais.

Tudo ponderado, e considerando a preferência manifestada pelo legislador pela aplicação de penas não detentivas, entende o Tribunal que as necessidades de prevenção que emergem do caso ficam ainda suficientemente salvaguardadas através da aplicação de uma pena de multa.

Feita a opção pela pena de multa, importa agora determinar a pena concreta a aplicar, a aferir em função dos critérios previstos no artigo 71.º do Código Penal, atenta a factualidade apurada.

Neste âmbito, importa relembrar o princípio da proibição da dupla valoração, consagrado no referido artigo 71.º, n.º 2, segundo o qual não devem ser tomadas em consideração, na medida concreta da pena, as circunstâncias que já façam parte do tipo de crime. Todavia, o que fica dito, não obsta a que a medida da pena seja elevada ou diminuída em função da intensidade ou dos efeitos do preenchimento de um elemento típico e, portanto, da concretização deste, segundo as especiais circunstâncias do caso.

No caso, o grau de ilicitude do facto é elevado atento o significativo hiato temporal durante o qual perdurou a não entrega das contribuições devidas à Segurança Social e o montante global avultado envolvido por referência aos elementos do tipo de ilícito em análise.

Por outro lado, o arguido atuou com dolo direto, o que corresponde à forma normal de atuação neste tipo de ilícito.

Assim, ponderando e conjugando estes fatores com as exigências de prevenção geral e especial a que supra se aludiu, limitadas pela culpa com que o arguido atuou, considera-se justo e adequado fixar a pena a aplicar em 200 dias de multa, ou seja, ligeiramente acima do meio da moldura penal.

*

Quanto ao quantitativo diário da multa, o mesmo corresponderá a uma quantia entre € 1,00 e € 500,00, fixando-se o mesmo atendendo à situação económica e financeira do condenado, bem como aos seus encargos pessoais (artigo 15.º, n.º 1 do RGIT).

No entanto, há que fazer uma leitura atualista e sistemática deste normativo, considerando a alteração do Código Penal operada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, que procedeu a uma atualização do quantitativo diário da multa naquele domínio e que, não obstante não tenha procedido a semelhante modificação no regime que ora nos ocupa, não pode deixar de servir de referência a este nível, como o impõe a coerência do sistema.

Ora, atentas as condições económicas apuradas do arguido, aferidas em face dos rendimentos que aufere e, bem assim, a necessidade de que a pena represente um efetivo sacrifício, pois que só dessa forma pode corresponder às exigências de prevenção que lhe são assinaladas, entende-se adequado fixar uma taxa diária no valor de € 8,00.

Relativamente à sociedade arguida, deve à mesma ser aplicada uma pena de multa, pelo que cumpre determinar o quantum dessa multa em que deverá ser condenada.

De acordo com o estabelecido no artigo 12.º, n.º 2 e 3 do RGIT, aos crimes tributários cometidos por sociedades é aplicável a pena de multa de 20 até 1920 dias, sendo que, sem prejuízo deste limite, os limites mínimo e máximo das penas de multa previstas nos diferentes tipos legais de crimes são elevadas para o dobro sempre que sejam aplicadas a uma sociedade.

Como já mencionado, relativamente ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social aqui em causa, a moldura penal aplicável é até 360 dias de multa (artigo 105.º, n.º 1 do RGIT). Assim, em conjugação com as normas antes referidas, resulta uma moldura entre 20 e 720 dias de multa.

Por outro lado, para determinação da medida da pena atende-se, sempre que possível, ao prejuízo causado pelo crime (artigo 13.º do RGIT).

Assim, considerando os prejuízos para os cofres estatais advenientes da falta de entrega das contribuições e impostos em apreço e, bem assim, os antecedentes criminais que esta sociedade detém, os quais inequivocamente demonstram uma reiteração na pratica de crimes fiscais, julga-se adequado fixar a pena em 550 dias de multa.

*

No que se refere ao quantitativo diário, no caso das pessoas coletivas, cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5,00 e € 5.000,00, que o tribunal fixa em função da situação económico-financeira da respetiva sociedade – artigo 15º do RGIT.

Decorre da factualidade provada que a sociedade arguida não detém presentemente qualquer atividade.

Por tal, entende-se fixar o quantitativo diário da respetiva multa em € 5,00, correspondente ao mínimo legal.

PERDA DE VANTAGENS

O Ministério Público promoveu a declaração de perda de vantagens a favor do Estado contra os arguidos, no valor total do montante apropriado e que deveria ter sido entregue à Segurança Social, € 28.288,50, nos termos do disposto no artigo 110.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4 do Código Penal e, ainda, do disposto nos artigos 490.º e 497.º, do Código Civil, ex vi do artigo 129.º do Código Penal.

Dispõe o artigo 110.º do Código Penal:

“1 - São declarados perdidos a favor do Estado: (…) b). As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem. (…) 4 - Se os produtos ou vantagens referidas nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A. (…)”.

A perda de vantagens tem em vista, primordialmente, uma perigosidade em abstrato, um propósito de prevenção da criminalidade em geral, sendo que tal como a perda de instrumentos e produtos do crime, também a perda de vantagens vem sendo definida, maioritariamente, no que respeita à sua natureza jurídica, como uma providência sancionatória de natureza análoga à da medida de segurança, na medida em que pretende prevenir a prática de futuros crimes mostrando ao agente, e à sociedade, que pela prática de um facto ilícito típico é obrigatoriamente instaurada “uma ordenação de bens adequada ao direito” e, por isso, verifica-se independentemente de o agente ter ou não atuado com culpa (FILIPA NUNES CUNHA, “A admissibilidade de (co)existência do confisco e outros mecanismos de recuperação de vantagens no âmbito dos crimes tributários” in Revista do Ministério Público, n.º 151, Julho-Setembro 2017, págs. 175 e 176)

O propósito político-criminal subjacente a este instituto é o de que “o crime não compensa”, traduzindo um “instrumento de política criminal, com finalidades preventivas, através do qual o Estado exerce o seu ius imperium anunciando ao agente do crime, ao potencial delinquente e à comunidade em geral que nenhum benefício resultará da prática de um ilícito” (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25-09-2019, processo n.º 964/15.0IDPRT.P1, www.dgsi.pt).

A declaração de perda de vantagem torna-se obrigatória desde que verificado o respetivo pressuposto formal referente à prática de um facto ilícito típico, “que terá, forçosamente, de ser imputável a uma pessoa concretamente identificada, exigindo-se pelo menos uma acusação ou ato equivalente e posterior determinação judicial do facto, independentemente de ter havido culpa ou, até, qualquer punição, admitindo-se, inclusive, uma non-convition based asset confiscation, mas também a demonstração processual da existência de uma conexão entre o facto ilícito típico praticado e o consequente proveito patrimonial obtido pelo agente, quer direta quer indiretamente” (FILIPA NUNES CUNHA, ob. cit., págs. 177 e 178).

Da factualidade dada por provada, constata-se que a vantagem económica auferida pelos arguidos em virtude do crime praticado se cifra em € 28.288,50, correspondente à vantagem patrimonial que lograram obter e fazer sua, em virtude de montantes que não entregaram à Segurança Social.

Trata-se, pois, este montante de um ganho/vantagem proveniente de facto ilícito o qual, ao abrigo do citado artigo 110.º, deve ser declarado perdido a favor do Estado, nos termos promovidos pelo Ministério Público.

Quantia que, sendo um bem fungível, não se mostra suscetível de apropriação/recuperação em espécie, pelo que devem os arguidos ser condenados solidariamente a pagá-la ao Estado.

Assim sendo, cumpre declarar perdida a favor do Estado a vantagem patrimonial lograda pelos arguidos, condenando-os no pagamento ao Estado, solidariamente, do valor de € 28.288,50, nos termos do disposto no artigo 110.º, n.º 1, alínea b) e n.º4 do Código Penal e, ainda, do disposto nos artigos 490.º e 497.º, do Código Civil, ex vi do artigo 129.º do Código Penal.”.

IV – FUNDAMENTAÇÃO.

IV.1. DA AUSÊNCIA DE CONSIGNAÇÃO ENTRE OS FACTOS PROVADOS DO “ARREPENDIMENTO SINCERO DO ARGUIDO” – NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA OU ERRO DE JULGAMENTO.

Os recorrentes insurgem-se contra decisão recorrida argumentando que «não obstante a prova do arrependimento do Arguido/Recorrente, certo é que que a Mma. Juiz não fez constar, dos Factos Provados da Sentença recorrida, o dito “arrependimento do arguido”».

Com base nessa alegada omissão vieram arguir a nulidade da sentença por omissão de pronúncia e, simultaneamente, impugnar a matéria de facto provada na sentença recorrida.

Cumpre apreciar.

O Código de Processo Penal prevê, no artigo 379º, o regime específico da nulidade da sentença, cominando como tal – de forma simplificada –, a falta de fundamentação (alínea a) do nº 1 do artigo citado), a condenação por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia (alínea b) do mesmo nº 1) e a omissão e o excesso de pronúncia (alínea c) do mesmo nº 1).

Existe omissão de pronúncia, quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. As questões a apreciar são as de conhecimento oficioso e as que foram submetidas à apreciação do tribunal pelos intervenientes processuais, desde que sobre elas não esteja legalmente impedido de se pronunciar.

Entendem os recorrentes que tendo resultado da discussão da causa o arrependimento do arguido, o Tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia ao não o incluir entre os factos provados.

Não deixam os recorrentes de, simultaneamente, afirmar que pretendem lançar mão da impugnação da matéria de facto, mecanismo por via do qual o Tribunal de recurso não restringe a sua apreciação ao texto da decisão, alargando-a à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do C.P. Penal.

Na impugnação ampla temos a alegação de erros de julgamento por invocação de provas produzidas e erroneamente apreciadas pelo tribunal recorrido, que imponham diversa apreciação. Neste caso, os recorrentes pretendem que o tribunal de recurso se debruce sobre as declarações do arguido BB, prestadas na audiência de julgamento realizada em 26.09.2024, documentadas no sistema integrado de gravação digital no período compreendido entre as 14:19:08 horas e as 14:26:58 horas e as 14:33:09 horas e as 14:48:20 horas, entendendo que daí resulta que o Tribunal incorreu em erro de julgamento ao não dar como provado o seu arrependimento, na medida em que “não obstante a prova do arrependimento do Arguido/Recorrente, certo é que que a Mma. Juiz não fez constar, dos Factos Provados da Sentença recorrida, o dito “arrependimento do arguido”.

Cumpre apreciar a questão nessa dupla dimensão, desde logo na medida em que se mostram cumpridos os ónus de especificação impostos pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do C.P. Penal.

Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os concretos pontos de facto questionados merecem decisão diversa da que foi proferida, avaliando os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem essa decisão diversa.

Como realçou o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 12-6-2008 (Proc. nº 07P4375, em www.dgsi.pt): “a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:

- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;

- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações;

- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso;

- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º)” – cfr. também, neste sentido, o Ac. RL, de 10.10.2007, proc. nº 8428/2007-3, in www.dgsi.pt.

Na verdade, sendo o recurso um remédio jurídico, um instrumento de reparação de algo que foi errada ou deficientemente apreciado e decidido, daqui decorre que só poderá haver lugar a uma alteração da decisão quanto à matéria factual já apurada pelo julgador a quo, nos casos em que, dentro dos poderes que a lei concede ao tribunal de revista, se tenha de concluir que um “mal” inelutavelmente se verifica.

Assim, a reapreciação só determinará uma alteração à matéria fáctica provada quando, do reexame realizado dentro das balizas legais, se concluir que os elementos probatórios impõem uma decisão diversa, mas já não assim quando esta análise apenas permita uma outra decisão.

Cumpre então enunciar quais são os poderes de reapreciação de matéria de facto, atribuídos por lei a este tribunal de apelo, bem como os seus limites e os seus condicionalismos

Há que começar por constatar que compete ao Tribunal decidir a matéria de facto, segundo os ditames previstos no artigo 127º do Código de Processo Penal.

Daqui decorre que a livre convicção não se confunde com a íntima convicção do julgador, uma vez que a lei lhe impõe que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, sendo que a avaliação probatória deve ser realizada com sentido da responsabilidade e bom senso.

O artigo 127° do Código de Processo Penal determina, pois, um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador de 1ª instância, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de fevereiro de 2008, processo nº 07P4729, acessível em www.dgsi.pt.).

Temos, pois, que a lei não considera relevante a pessoal convicção de cada um dos intervenientes processuais, no sentido de a mesma se sobrepor à convicção do Tribunal – até porque se assim fosse, não haveria, como é óbvio, qualquer decisão final. O que a lei permite é que, quem entenda que ocorreu um erro de apreciação da prova, o invoque, fundamentadamente, em sede de recurso, para que tal questão possa ser reapreciada por uma nova instância jurisdicional.

Terá ocorrido erro de apreciação da prova quanto ao alegado arrependimento do arguido?

O arrependimento encontra-se previsto no Código Penal como uma das circunstâncias modificativas atenuantes gerais – artigo 72º, nº 2 do CP – sendo que a previsão legal não o define, limitando-se a dizer que pode extrair-se de determinados atos ou condutas que, porém, não concretiza, indicando a título meramente exemplificativo, a reparação levada a cabo pelo agente, até onde era possível, dos danos causados.

A confissão dos factos delituosos imputados pode, também ela, constituir um dos elementos através dos quais se objetiva o arrependimento – mas para isso deverá poder ver-se nela uma prova de autocrítica e intenção de mudança de atitude, o que nem sempre subjaz à confissão.1

Assim, devemos assentar que a confissão não pressupõe por si só o arrependimento.

Para que se afirme o arrependimento deverá constatar-se um comportamento processual positivo pós-delito do arguido, realizado em benefício da vítima, ou da administração da justiça – ou por esta considerado útil – e por isso valorado positivamente pelo Direito. Quando o agente desenvolve uma atividade posterior ao crime, destinada a eliminar ou diminuir os seus efeitos danosos ou perigosos, atividade essa que seja reveladora de sincera preocupação decorrente da autocensura do comportamento delitivo, constata-se o arrependimento. Essa atividade posterior ao crime não poderá deixar de funcionar a seu favor, sendo fundamento para um tratamento penal mais favorável.

O arrependimento, enquanto sentimento do foro interior, deverá ser exteriorizado através de atos concretos, que sejam provados em sede de julgamento, em conformidade com o disposto no artigo 355º, nº 1, do Código de Processo Penal. Não bastará, pois, ao arguido, para beneficiar do arrependimento, limitar-se a fazer a sua proclamação.

No caso dos autos, o único ato concreto com que nos deparamos é a confissão do delito imputado, posto que nenhuma relevância se poderá atribuir à proclamação do arrependimento que o arguido fez em audiência, aliás na sequência de pergunta específica e direta do seu defensor.

A confissão do crime surge, no caso em apreço, com muito reduzida relevância para o apuramento da verdade material – o arguido limitou-se a confessar factos relativamente aos quais não podia deixar de saber que existia no processo prova robusta, capaz de suportar a sua demonstração positiva, mesmo que se remetesse ao silêncio. Não podemos, pois, considerar que o ato de confessar os factos tenha sido decisivo para o rumo do processo, constituindo, assim, algo de muito benéfico ou útil para a justiça. Abreviou o caminho que, por via da produção deMprova testemunhal, prometia produzir igualmente a base para um juízo positivo sobre os factos delituosos imputados.

Mas mais do que isso, a confissão efetuada pelo arguido – como se alcança através da audição da gravação das suas declarações em audiência – surge marcada por desculpabilização com as dificuldades financeiras e de tesouraria da sociedade arguida.

Debalde se procurará nas declarações do arguido uma atitude de profunda interiorização do desvalor da sua conduta e de necessidade de mudança de procedimento. Antes se constata uma atitude apelativa, de auto desculpação, centrada nas dificuldades de tesouraria do sociedade de que era gerente.

A narrativa do arguido assenta num pressuposto óbvio: ao efetuar, por conta da sociedade, os pagamentos aos trabalhadores, procedia ao desconto referente à contribuição para a Segurança Social; remetia à Segurança Social as folhas de vencimento, donde constava quer a remuneração auferida, quer o montante descontado, mas não entregava à Segurança Social tal valor descontado, como lhe competia e sabia estar obrigado, sabendo que tais quantias pecuniárias não lhe pertenciam ou à sociedade arguida.

O pagamento de salários enquadra-se nas despesas correntes de uma sociedade. A utilização de quantias descontadas nos vencimentos dos trabalhadores para pagamento de salários constitui “apropriação”, para efeitos de integração do elemento típico do crime de abuso de confiança em causa (não tendo essa apropriação de ser reconduzida ao gasto ou consumo em proveito próprio ou alheio, podendo traduzir-se na mera fruição ou na disposição pelo devedor [como se proprietário fosse] de cada uma das prestações retidas que estava obrigado a entregar).

Essa apropriação intencional das quantias retidas nos salários dos trabalhadores surge, na narrativa do arguido, como desculpabilização. Mas o certo é que “o facto de se ter dado como provada a situação económica difícil da empresa não afasta a consciência da ilicitude e a culpa dos arguidos na prática do crime previsto e punível pelo artigo 107.º do RGIT”2.

Ora, tal como exposto no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09.10.20133, “esta situação desde há muito que vem sendo uniformemente decidida pela jurisprudência ao não a considerar como integrando um estado de necessidade desculpante, e como não constituindo a causa excluidora da ilicitude do artigo 36.º do Código Penal (cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 22/09/2004, Proc. 0412635, de 26/09/2007, Proc. 0712239, de 15/02/2006, de 18/02/2009, Proc. 0846954, todos em www.dgsi.pt, e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/07/2005, CJ-2005-IV-133), pois (…) as quantias declaradas e retidas pertenciam à Segurança Social, razão pela qual àquela (sociedade) apenas era consentido que actuasse como detentora, encontrando-se-lhe vedado que das mesmas dispusesse como sendo bens próprios, e ao omitir a entrega do valor deduzido e retido, assenhorou-se das prestações que lhe estavam confiadas, integrando-as no seu património e revelando através de concludente conduta, a apropriação das mesmas”.

Na verdade, ao satisfazer as necessidades da empresa, o arguido satisfez necessidades próprias, de manutenção em funcionamento da empresa, e não necessidades alheias.

O proclamado arrependimento do arguido, não nos transmite no caso concreto qualquer esperança de mudança de paradigma na atividade de gestor empresarial (que continua a ser) que possa corresponder a uma reintegração social do agente (artigo 40º, nº 1, do Código Penal). O arguido continua a revelar ausência de uma verdadeira capacidade de autocensura, sem desculpabilização, não permitindo as suas declarações, muito embora confessórias do crime que bem sabia que por outras vias seria demonstrado, constatar a presença de fatores de mudança, verdadeiramente inibidores da recidiva no mesmo tipo de delito.

Em face das declarações prestadas pelo arguido o Tribunal a quo não deu como provado que o arguido se encontra sinceramente arrependido dos seus atos. E bem andou a Julgadora ao dissociar a confissão do crime desse arrependimento.

Apreciadas as declarações do arguido, a cuja audição integral este Tribunal de recurso procedeu, não se constata a ocorrência de qualquer erro de julgamento, não se vislumbra qualquer desvio das regras de apreciação da prova, sendo certo que uma correta análise crítica das declarações prestadas pelo arguido não permite concluir pela demonstração de arrependimento sincero e, consequentemente, não consubstancia erro de julgamento que imponha decisão diversa.

Não é esta a visão da defesa.

Insistindo na sua valoração do meio de prova declarações do arguido e criticando a valoração feita pelo Tribunal recorrido, o recorrente considera que a valoração feita pelo Tribunal a quo não pesou adequadamente as palavras do recorrente e que, em face delas deveria ter concluído pela prova do arrependimento sincero que o arguido expressamente afirmou.

Após audição das declarações do arguido, porém, surge com evidência a improcedência da impugnação da matéria de facto apresentada: esse meio de prova (único indicado pelo recorrente) não impõe decisão diversa da proferida (al. b) do n°3 do art.° 412º do CPP) que permita ao Tribunal de recurso alterar o decidido.

Conforme se escreve no Acórdão da Relação de Évora, de 1 de Abril de 2008 proferido no P.° 360/08-1.a, acessível em www.dgsi.pt: “Impor decisão diversa da recorrida não significa admitir uma decisão diversa da recorrida. Tem um alcance muito mais exigente, muito mais impositivo, no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto. É necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade. É inequivocamente este o sentido da referida expressão, que consubstancia um ónus imposto ao recorrente.»

Conforme entendimento perfilhado no Acórdão do TRL, de 09.10.2013, Proc. n° 132/12.SYLSB.L1-3, disponível em www.dgsi.pt:

"A discordância do recorrente quanto ao modo como o tribunal recorrido valorou a prova produzida só pode relevar se não tiverem sido respeitados os limites decorrentes da regra da livre apreciação da prova, se as declarações tiverem inequivocamente um sentido diferente daquele que foi apreendido pelo tribunal recorrido ou se existirem provas que imponham (e não apenas que permitam) decisão diversa da recorrida.".

In casu, o que se verifica é que o recorrente não se conforma com a matéria de facto fixada pelo Tribunal, mas essa discordância não resulta de declarações, ou de qualquer outra prova evidenciadora do contrário, mas, tão só, da forma como a prova foi apreciada pelo Tribunal a quo.

Da análise do conjunto das provas produzidas em julgamento, resulta evidente que inexiste qualquer prova que obrigasse a decisão diferente da proferida pelo Tribunal a quo, mostrando-se a decisão de facto devida e claramente fundamentada.

Deverá notar-se, por outro lado, que a circunstância de o Tribunal a quo não ter dado como provado o arrependimento sincero do arguido, não nos coloca perante uma situação de omissão de pronúncia quanto a factos do objeto da causa. Sublinharemos que os arguidos apresentaram contestação a negar a prática do crime. Não tendo o Tribunal a quo encontrado suporte probatório para afirmar o arrependimento (apesar da sua proclamação), nada impunha que elencasse como facto não provado a ausência dele. O Tribunal deverá enumerar entre os factos provados aqueles que resultarem da discussão da causa e se mostrem relevantes para a boa decisão. Não se estando perante facto alegado por qualquer dos sujeitos processuais (designadamente o arguido, na contestação), não se impunha ao Tribunal qualquer dever de enumeração a título de “facto não provado”.

Impõe-se, por isso, julgar improcedente a arguição de nulidade da sentença e a impugnação ampla da matéria de facto.

*

IV.2. DA FIXAÇÃO DA TAXA DIÁRIA CORRESPONDENTE A CADA DIA DE MULTA.

Não havendo que considerar na determinação da medida da pena o arrependimento (que se não provou) e ponderando que o próprio arguido recorrente propugna a aplicação de pena de multa fixada no número de dias que o Tribunal a quo determinou (200), somos remetidos para a apreciação do alegado excesso na fixação da taxa diária correspondente a cada dia de multa imposta ao recorrente BB.

A argumentação do recorrente é a que foi vertida nas seguintes conclusões:

“(…) nos termos do disposto no artigo 15º do RGIT, a moldura penal aplicada às pessoas colectivas é, sempre, superior à aplicada às pessoas singulares,

j) No entanto a Mma. Juiz optou por aplicar àquele uma pena de multa no quantitativo diário de €. 8,00, verba superior à fixada para a sociedade Arguida (Pessoa Colectiva),

k) Apesar de a Sociedade Recorrente já ter sido condenada pela prática de três crimes de abuso de confiança fiscal,

l) E que a favor do Recorrente BB militam, além da confissão integral e sem reservas, o arrependimento manifestado, bem como o facto de se encontrar social, laboral, familiar e economicamente integrado,

m) Como tal, na determinação da pena de multa aplicada ao Recorrente BB, a Mma. Juiz não respeitou o disposto no nº 2 dos artigos 71º e 72º do CP, sendo tal pena de multa excessiva face as circunstâncias concretas,

n) Devendo a mesma ser revogada e substituída de forma a que dela resulte a condenação do Recorrente BB numa pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de €. 3,00, no montante global de €. 600,00 (seiscentos euros)”.

Dada a técnica usada pelo legislador, ultrapassado o primeiro momento em que se procedeu à quantificação da pena de multa a aplicar ao caso, determinada segundo os critérios estabelecidos no art. 71º, haverá que fixar a respetiva taxa diária. Quanto a isso, a lei apenas diz, no nº 2 do art. 47º do Código Penal, que «(…) o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais».

Sobre o silêncio da lei quanto à fixação de critérios para a fixação da taxa diária da multa diz Figueiredo Dias que ele «só pode significar … o desejo do legislador de oferecer ao juiz o maior campo possível de eleição de fatores relevantes. É seguro que deverá atender-se … à totalidade dos rendimentos próprios do condenado, qualquer que seja a sua fonte … Como é seguro, por outro lado, que àqueles rendimentos hão-de ser deduzidos os gastos com impostos, prémios de seguro … e encargos análogos. Como igualmente parece legítimo tomar em conta … rendimentos e encargos futuros, mas já previsíveis no momento da condenação …» […].

Ou seja, o tribunal tem que atender à situação presente para adequar a pena de multa de modo a não fixar uma pena nem que seja de cumprimento impossível, nem que se traduza numa quase absolvição: se o montante for desajustado porque demasiado elevado o que resulta é que o condenado não poderá, simplesmente, cumprir, mesmo que nisso faça questão; se for demasiado baixo o cumprimento da pena não gera nem sacrifício, nem desconforto, e acaba por não se fazer sentir.

A pena, qualquer que seja a ótica por que seja encarada, ainda que com fins meramente preventivos, justamente porque o é, implica sacrifício. É por isso que mesmo pessoas carenciadas são passíveis de condenação em pena de multa. Defender tese diferente redundaria ou na defesa da aplicação de pena detentiva, o que evidentemente não pode ser, ou numa situação de dispensa de pena, que também não é defensável.

No caso concreto, no que à situação económica e financeira do arguido respeita, o Tribunal a quo deu como provado que o arguido BB:

“(…) O arguido BB é empresário, sendo sócio gerente da empresa unipessoal … LDA. que labora na área comercial de gestão de paletes.

25. Detém como última remuneração declarada, constante nas bases de dados da Segurança Social, o valor de 5.833.34 €, referente a agosto de 2024.

26. Aufere a quantia líquida de aproximadamente € 1.000,00 mensalmente.

27. Reside em casa dos seus sogros, com o seu cônjuge e com um filho menor, de … anos.

28. O seu cônjuge encontra-se empregado, sendo …, auferindo o valor mensal de aproximadamente € 800,00.

29. Contribui com o valor de € 500,00 mensalmente para despesas da referida residência.

30. O seu filho frequenta colégio pelo qual despende o valor de € 300,00 mensais”

Por outro lado, deu como provado, relativamente à arguida sociedade:

“21. Presentemente, a sociedade arguida não detém atividade comercial ou económica, não gerando rendimentos.”.

Tendo em consideração o critério legal da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais, nenhum desequilíbrio se nota na fixação da taxa diária correspondente à pena de multa aplicada ao arguido BB, que se encontra ativo, auferindo um rendimento mensal próximo de € 1.000.

Das circunstâncias apuradas pode extrair-se a conclusão de que, não vivendo uma situação desafogada, o arguido também não é um indigente - ponderando o que se demonstrou quanto à sua situação económica e financeira e, por outro lado, tendo em mente que mesmo no recurso não foi invocado qualquer fundamento concreto demonstrativo de que os 8,00 € fixados são desproporcionais à sua situação económica, devemos concluir pela adequação da fixação da taxa diária.

E não se diga que algum erro se evidencia na taxa diária aplicada à arguida sociedade, que é mais baixa. A sociedade está inativa e, de uma situação de dificuldades financeiras e de tesouraria, passou a não ter atividade económica e a não gerar quaisquer rendimentos.

Concluímos, pois, pela improcedência do recurso no que se reporta à fixação da taxa diária correspondente a cada dia de multa.

*

IV.3. DA PERDA DE VANTAGENS DO CRIME.

Não se conformam os recorrentes com a declaração de perda a favor do Estado da vantagem patrimonial resultante do crime cometido pelos arguidos e com a condenação no pagamento ao Estado, de forma solidária, do valor de € 28.288,50.

Argumentam os recorrentes:

o) Da matéria de facto considerada como provada na Sentença Recorrida não resulta que a sociedade Recorrente não tenha regularizado, aquando da audiência de julgamento, os montantes correspondentes a cotizações e contribuições melhor discriminados no artigo 6 dos factos provados (vide página 5 da sentença recorrida).

p) Sendo tal matéria de facto essencial para se verificar o preenchimento dos pressupostos que a norma contida no artigo 110º do Código Penal faz depender para aplicação da Declaração de Perda de Vantagem e da condenação dos arguidos no pagamento ao Estado do montante de €. 28.288,50.

q) Não obstante, os Recorrentes também não se conformam com a Sentença Recorrida no que diz respeito à condenação de BB, de forma solidária, no pagamento ao Estado da referida quantia de €. 28.288,50,

r) Uma vez que a actuação daquele fora, sempre, em nome da sociedade arguida, sendo que o alegado enriquecimento da mesma não se estendeu ao Recorrente BB,

s) Tendo em conta que nunca beneficiou das quantias não entregues ao estado, nem tal resulta dos factos provados da Sentença Recorrida,

t) Não tendo sido ainda considerado provado que o Recorrente BB fez suas, parte ou a totalidade, das importâncias não entregues à Segurança Social ou que beneficiou das mesmas a título pessoal,

u) Verificando-se que a matéria de facto considerada como provada na sentença recorrida está em total contradição com a condenação do Recorrente BB no pagamento ao Estado, no valor de €. 28.288,50,

A falta de razão dos recorrentes é manifesta.

Na sentença recorrida não se vislumbra qualquer insuficiência da matéria de facto para a decisão em sede desta questão da perda das vantagens do crime. Entre os factos provados elencam-se as circunstâncias que traduzem o desconto das contribuições para a segurança social nos vencimentos dos trabalhadores, a respetiva retenção e utilização no interesse individual do arguido BB e no interesse da sociedade arguida, que aquele geria, a não entrega na Segurança Social no prazo legal, ou decorridos 90 dias sobre o termo deste prazo, das quantias apropriadas, que ali se diz terem sido feitas suas e da sociedade. Ali consta também que mesmo após terem os arguidos sido notificados para proceder ao pagamento voluntário de tais quantias, não cumpriram essa obrigação no prazo de 30 dias a contar de tal notificação, não tendo pago as quantias em dívida, nem os correspondentes juros referentes a esses períodos e os demais acréscimos legais.

Como se sabe, para que possa ser decretada a perda das vantagens do crime têm de ser alegados e resultar provados: o facto ilícito, a vantagem obtida, o enriquecimento de causa criminosa, e quem beneficiou dessa vantagem, o enriquecido.

Como dissemos supra e resulta dos factos provados, ao atuar do modo descrito, o arguido BB, atuando como gerente da sociedade arguida, ao satisfazer as necessidades da empresa, o arguido satisfez necessidades próprias, de manutenção em funcionamento da empresa, e não necessidades alheias. Quer o arguido BB, quer a arguida sociedade, obtiveram vantagem de causa criminosa, ao utilizarem as quantias retidas no âmbito das despesas correntes da sociedade AA. Deverá notar-se que resultou provado que “(e)ntre março de 2018 a dezembro de 2019 e de abril de 2020 a fevereiro de 2022, a sociedade arguida AA, por determinação do arguido BB, que atuou em nome e no interesse dessa sociedade, procedeu ao pagamento do salário dos seus trabalhadores e do gerente, sem que tivesse entregado ao Instituto da Segurança Social a totalidade dos valores das quotizações que foram, efetivamente, retidas e descontadas nos salários dos seus trabalhadores e do gerente” (sublinhado nosso).

Não consta dos factos provados na sentença que os arguidos tivessem regularizado, “aquando da audiência de julgamento”, os montantes correspondentes a cotizações e contribuições. Não resultando demonstrado qualquer facto relativo a tal regularização, e estando enunciado o facto falta de pagamento após a notificação para o efeito, nada mais era necessário incluir entre os factos provados para se poderem considerar preenchidos os pressupostos da perda de vantagens.

Avancemos.

Quer a arguida sociedade, quer o arguido BB obtiveram vantagens de causa criminosa, com elas se tendo enriquecido, na medida em que utilizaram os montantes descontados nos salários para pagamento do salário dos seus trabalhadores e do gerente.

Nesta conformidade, quer quanto à sociedade, quer quanto ao arguido BB, mostram-se verificados os pressupostos da perda de vantagens, devendo manter-se a condenação solidária dos mesmos no pagamento da quantia que, a esse título, lhes foi imposta na sentença recorrida.

Mesmo admitindo que, nalguma parte, a vantagem obtida não corresponde a um benefício pessoal e exclusivo do arguido BB, deverá este ser solidariamente condenado no pagamento da quantia, valendo no caso os fundamentos que foram explicitados no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 3 de Abril de 2024, que subscrevemos. No sumário desse Acórdão pode ler-se:

“I – A perda da vantagem (ou a condenação no pagamento do valor equivalente) deve ser declarada contra aquele agente que, não obtendo para si a vantagem, possibilita e determina, com a prática do ilícito-típico, a sua obtenção por outrem.

II - Tendo os arguidos atuado de forma concertada, possibilitando, com a sua conduta, a obtenção de uma vantagem indevida pela sociedade arguida, tornam-se, todos eles, solidariamente responsáveis pelo pagamento ao Estado do valor equivalente ao da vantagem ilicitamente obtida.”4

O recurso improcede, pois, também nessa parte.

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V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores desta Relação em julgar improcedente o recurso interposto pelos arguidos AA e BB e, em consequência, em confirmar a douta decisão recorrida nos seus precisos termos.

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Tributação.

Condena-se cada um dos arguidos no pagamento da taxa de justiça fixada em 4 (quatro) UC.

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O presente acórdão foi elaborado pelo Relator e por si integralmente revisto (art. 94º, n.º 2 do C.P.P.).

Évora, 20 de maio de 2025

Jorge Antunes (Relator)

Edgar Gouveia Valente (1º Adjunto)

Laura Goulart Maurício (2ª Adjunta)

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1 Cfr. o Ac. STJ de 21.06.2007 (proc. 07P2042), em cujo sumário se anota que da confissão e colaboração do arguido não resulta natural e irrecusavelmente o arrependimento. À confissão, mesmo se completa, não se segue necessariamente o arrependimento que vai mais além, o arrependimento pode inexistir ainda quando se confesse de pleno os factos cometidos. No mesmo sentido, Ac. STJ de 29.11.1995 (proc. 047283): [Da confissão não resulta automaticamente o arrependimento]; e Ac. STJ de 03.06.1987 (proc. 038779): [A confissão não implica arrependimento].

2 Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19.04.2005 (Proc. 2686/04.1, www.dgsi.pt)

3 Cfr. Proc. 1033/10.4TAVFR.P1, www.dgsi.pt

4 Cfr. Ac. do TRP de 2024-04-03 – Relatora: Liliana de Páris Dias – Proc. 2390/18.0T9AVR.P1 - https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/d0b7dea98da7b46880258b1800581559?OpenDocument