EXECUÇÃO ESPECÍFICA DO CONTRATO PROMESSA
DECLARAÇÃO NEGOCIAL REDUZIDA A ESCRITO
INTERPRETAÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Sumário

I - A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele, conforme previsto no artigo 236º, nº 1 do Código Civil.
II - A regra estabelecida neste preceito é a de que o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante, exceptuando-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido, ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante.
III - A diferença fundamental entre a promessa unilateral e o contrato de opção encontra-se em, na primeira, a parte se obrigar a emitir a declaração necessária à celebração do contrato definitivo, e, no segundo, essa declaração ser desde logo emitida gerando a sujeição à emissão da declaração negocial da contraparte.
IV - No caso vertente, considerando o acordado pelas partes e os demais factos provados afigura-se-nos que o contrato querido e celebrado pelas partes configura um contrato de arrendamento e de promessa unilateral de venda de imóvel.
V - De facto, no mesmo não é emitida declaração de venda, mas de promessa de venda uma vez que de todo o circunstancialismo resulta que as partes acordaram na possibilidade de a Autora/Apelada poder vir a optar pela compra da fracção, sendo necessário que a mesma venha a emitir declaração no sentido de manifestar vontade de adquirir.
VI - Além disso, todo o circunstancialismo posterior, demonstra que as partes acordaram que a Apelada teria de emitir declaração de compromisso à celebração do contrato de compra e venda, a que pelo contrato não ficou vinculada, e que, posteriormente, teria de ser outorgada a escritura pública, tal como a Recorrida veio a declarar e marcar.
VII - A forma escrita da promessa integrada no contrato celebrado, assinado pelos Réus/Apelantes, é formalmente válida nos termos no artigo 410º, nº 2, do Código Civil, sendo de relevar que não foi suscitada pelos Réus/Apelantes a invalidade da promessa por falta das formalidades estabelecidas no artigo 410º, nº 3, do Código Civil, que sempre teriam de demonstrar que havia sido culposamente causada pela Autora/Apelada.
VIII - A liberdade contratual tem duas vertentes: a liberdade de celebração e liberdade de estipulação.
IX - O critério de actualização através da correção monetária, com aplicação sucessiva, sobre esse total, das taxas de inflação anuais é prática comum nas estipulações contratuais, sendo que esta constitui a interpretação que um declaratário normal, colocado na posição das partes pode fazer da cláusula nona do contrato e a que melhor se coaduna com o contexto de elaboração do documento.
X - A alteração das circunstâncias relevante tem de ser anormal.
XI - Na doutrina, distingue-se a anormalidade da imprevisibilidade, acolhendo à resolução ou modificação do contrato alterações que, embora previsíveis, sejam excepcionais, anómalas.
XII - São requisitos da obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa: a existência de um enriquecimento; que este haja sido obtido à custa de outrem e que careça de causa justificativa.
XIII - No caso vertente, não se mostram verificados os pressupostos do enriquecimento sem causa uma vez que os Réus/Apelantes fizeram um negócio com a Autora/Apelada, considerado justo e adequado à data da sua celebração, tendo os Apelantes vindo a arrepender-se da celebração do mesmo em virtude de, face ao aumento de preços, o bem imóvel ter agora valor superior e, se realizassem o negócio actualmente poderiam obter valor mais elevado.
XIV - Uma das modalidades do abuso do direito que tem sido autonomizada é a supressio, figura que o Professor Menezes Cordeiro define como sendo a situação jurídica que não sendo exercida em determinadas circunstâncias e por certo tempo, deixa de poder ser exercida por contrariar a boa-fé.
XV - No caso vertente, é óbvio que a actuação da recorrida não se integra na figura do abuso de direito, designadamente, na referida modalidade.
XVI - De facto, a Autora/Apelada exerceu o direito acordado pelas partes dentro do prazo fixado pelas partes, aliás antes de decorrido sequer metade do prazo, não tendo sido demonstrado qualquer facto praticado pela mesma que pudesse criar convicção legítima nos Réus/Apelantes de que não ia exercer o direito de que é titular.
XVII - A execução específica do contrato promessa confere o direito a ser exigida a celebração do contrato prometido e a obter uma sentença que supra a declaração negocial do faltoso e produza efeitos equivalentes aos do contrato prometido.
XVIII - Tratando-se de promessa relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, em que caiba ao adquirente, nos termos do artigo 721º, a faculdade de expurgar hipoteca a que o mesmo se encontre sujeito, pode aquele, caso a extinção de tal garantia não preceda a mencionada transmissão ou constituição, ou não coincida com esta, requerer, para efeito da expurgação, que a sentença referida no n.º 1 condene também o promitente faltoso a entregar-lhe o montante do débito garantido, ou o valor nele correspondente à fracção do edifício ou do direito objecto do contrato, e dos juros respectivos, vencidos e vincendos, até pagamento integral."

Texto Integral

Recurso de Apelação - 3ª Secção

ECLI:PT:TRP:2025:4629/21.5T8VNG.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório

AA, residente na Avenida ..., em Vila Nova de Gaia, instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma processo comum, contra BB e CC, residentes na Rua ...., em Vila Nova de Gaia, onde concluiu pedindo:

a) seja declarado que as partes, em face do contrato de opção entre elas estabelecido por acordo, conforme o Contrato de Arrendamento de 11 de Março de 2016 e seu Aditamento, se vincularam e aceitaram a celebração da compra e venda da fração “U” identificada no artigo 1.º da petição inicial;

b) seja proferida decisão que, substituindo a declaração de vontade dos R.R. BB e mulher CC, produza os efeitos da venda, operando, para a A., AA, a transmissão da propriedade da fração autónoma designada pela letra “U”, correspondente ao primeiro andar direito do corpo três, com entrada pelos números ...53 e ...57 da Avenida ..., da qual fazem parte uma garagem na cave com o número ...6, um arrumo na cave e um arrumo no sótão com o número 17, que faz parte do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, situado na Avenida ..., ..., ... Vila Nova de Gaia, descrito na 1.ª C.R. Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ...76, e inscrita na matriz da freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, sob o artigo ...27;

c) que a transmissão seja condicionada ao depósito, pela A., do preço de € 220.000,00 atualizado anualmente de acordo com os índices de inflação e deduzido do montante de todas as rendas pagas pela A. aos R.R. desde Março de 2016, preço esse que se fixava à data de 27 de Abril de 2021 em € 183.238,70, a efectuar no prazo de 30 dias contados do trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida;

d) que seja declarado compensado no referido preço da opção de compra de € 183.238,70, o montante de 1.600,00€ das rendas de Maio e de Junho de 2021, entretanto já pagas pela A. aos R.R., assim como de todas as rendas que posteriormente à propositura da presente ação venham a ser pagas pela A. aos R.R., até à data em que for proferida a sentença;

e) ou caso assim não se entenda, e a título subsidiário, que sejam condenados os R.R. a pagar à A. o valor correspondente às rendas pagas pela A. ao R.R. após 27 de Abril de 2021, até à data em que for proferida sentença;

f) que seja concedido à A. o direito de fazer descontar no referido preço da opção de compra de € 183.238,70, os valores necessários a expurgar as hipotecas que oneram a fração “U”, constituídas a favor do Banco 1... S.A., por fusão do Banco 2... S.A., e a que se referem as Ap. ...72, ...73, ...74 e ...75, todas de 2017/02/08, até ao limite do que vier a ser necessário;

g) ou caso assim não se entenda, e a título subsidiário, que sejam condenados os R.R. a pagar à A. o valor necessário e suficiente para pagamento integral ao Banco 1... S.A., do montante do débito garantido ou o valor correspondente à fração “U” do imóvel em causa, respectivos juros, vencidos e vincendos, até integral pagamento.

Alega, em síntese, que os Réus são donos de imóvel que identifica e que por contrato celebrado em 11 de março de 2016 cederam à Autora o gozo e fruição desse bem imóvel.

Acrescenta que nesse contrato as partes acordaram em estabelecer um pacto nos termos do qual a Autora, durante a vigência do contrato, podia exercer a opção de compra do bem imóvel.

Mais alega que, por cartas registadas datadas de 21.12.2020, a Autora exerceu o direito de opção à compra do bem imóvel conforme convencionado.

Acrescenta que, os Réus discordaram do preço de compra calculado pela Autora e que, após troca de comunicações entre as partes, marcou data para outorga da escritura de compra e venda, que comunicou aos Réus.

Alega, ainda, que ambas as partes compareceram no Cartório Notarial, mas a escritura não se realizou porque os Réus não aceitaram o preço e não tinham obtido os distrates de hipotecas que incidem sobre o bem imóvel.

Acrescenta que o preço indicado pela Autora era o preço convencionado no contrato celebrado e que a escritura só não se realizou por facto imputável aos Réus.


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Citados, os Réus apresentaram contestação e deduziram reconvenção.

Em sede de contestação, impugnaram parte da matéria de facto alegada pela Autora, alegando que os Réus não se obrigaram a vender qualquer bem imóvel à Autora nos termos pela mesma apresentados.

Mais alegam, que a vontade das partes era que a actualização do preço de venda acordado fosse feita de acordo com a valorização real de mercado do bem imóvel e que o mesmo é muito superior ao preço proposto pela Autora.

A título de excepção, vieram invocar a nulidade do negócio de opção por vício de forma, a nulidade da cláusula nona do contrato por ofensa aos bons costumes, a alteração das circunstâncias decorrente da valorização do mercado imobiliário, a resolução do negócio por justa causa por causa não imputável às partes, o enriquecimento sem causa da Autora e o abuso de direito.

Os Réus deduziram, ainda, reconvenção convencional para a hipótese de o tribunal entender que, havendo lugar à resolução ou modificação do contrato por alteração anormal das circunstâncias, tem que haver um pedido expresso dos Réus nesse sentido.

Concluem formulado pedido reconvencional nos seguintes termos: “a lograr provimento total ou parcial a presente acção (ou seja, na hipótese de o dig. tribunal vir a entender pela validade da cláusula nona e pela correcção da interpretação pretendida pela autora), deverá, nesse caso (e só nesse), ser julgado totalmente procedente o pedido reconvencional, por provado, condenando-se a autora reconvinda ao pagamento de quantia nunca inferior a € 408.525,00, pelo exercício da (alegada) opção de compra da fracção autónoma “U”, propriedade dos Réus.


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A Autora apresentou articulado de réplica, com impugnação da matéria alegada em sede de reconvenção, pugnando pela sua improcedência.

No mesmo articulado respondeu às excepções deduzidas na contestação.


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Procedeu-se a realização de audiência prévia.

Foi proferido despacho saneador no âmbito do qual foi admitida a reconvenção, relegada para a decisão a proferir a final o conhecimento das excepções perentórias de nulidade da cláusula 9ª do contrato celebrado com a Autora por vício de forma e de nulidade da mesma cláusula por ofensa dos bons costumes.

Foi fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.


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Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais.

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Após a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença onde se decidiu:

I - Julgar a ação procedente por provada, e em consequência:

A - Declarar a transmissão pelos Réus BB, e CC, para a Autora AA, da fração autónoma designada pela letra “U”, correspondente ao primeiro andar direito do corpo três, com entrada pelos números ...53 e ...57 da Avenida ..., da qual fazem parte uma garagem na cave com o número ...6, um arrumo na cave e um arrumo no sótão com o número 17, que faz parte do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, situado na Avenida ..., ..., ... Vila Nova de Gaia, descrito na 1.ª C.R. Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ...76, e inscrita na matriz da freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, sob o artigo ...27, condicionada ao pagamento do montante de € 177.934,79, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado, sem prejuízo de ambas as partes poderem demonstrar, antes do termo desse prazo, pagamentos posteriores aos considerados nesta decisão.

B - Condenar os Réus BB, e CC a entregar à Autora o montante do débito garantido por hipoteca ou o valor nele correspondente à fração transmitida e os juros respetivos, vencidos e vincendos, até pagamento integral.

II – Julgar a reconvenção totalmente improcedente.


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Não se conformando com a decisão proferida, os recorrentes BB e CC, vieram interpor recurso de apelação, em cujas alegações concluem da seguinte forma:

I.Proferida sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do Juiz quanto à matéria da causa, sendo lícito ao Juiz retificar erros materiais (arts. 613 e 614 do CPC; art. 249 do CC).

II. O facto n.º 32 dado como “provado” é inexato e não coerente com o respetivo documento de suporte: o valor médio do m2 na freguesia ..., em agosto de 2021, era de cerca de €2.095,00 e não de €2.000,00, conforme decorre do Doc. 3 junto com a Contestação / Reconvenção dos Réus. Pelo que deve ser retificado em conformidade.

III. Acresce que, na Sentença recorrida, o Dig. Tribunal “a quo” declara que “Resulta dos factos provados que o imóvel a que as partes atribuíram o valor de € 220.000,00 a atualizar em função dos índices de inflação (que seria de € 226.438,70, em 2020 por aplicação dos índices de preços no consumidor) por força do incremento dos preços de mercado, que o valor de mercado em 2020 seria de cerca de € 256.000 (por aplicação do valor do m2 dado como provado no facto 32) e que atualmente tem o valor de € 336.143,29”.

IV. Labora em erro, uma vez que: no facto 32 deveria constar como preço médio do m2, na freguesia ..., em agosto de 2021, €2.095,00 (Doc. 3 junto com a Contestação /Reconvenção); a área total da fração é de 195 m2 (Doc. 2 junto com a P.I., 128 m2 + 67 m2; esclarecimentos prestados em audiência pelos Srs. Peritos (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-17_14-50-45.mp3, 17/04/2024, tempo áudio 00:40:59, [00:08:19] - [00:13:23])); o valor de mercado por aplicação do facto “provado” 32 (corrigido) daria, assim, €408.525,00; este seria o valor obtido para o ano de 2021, e não para o ano de 2020.

V. Deve a Sentença ser alvo de retificação, passando a constar que o valor de mercado, em agosto de 2021, era de pelo menos €408.525,00 (por aplicação do valor do m2 dado como

provado no facto 32 à área total do apartamento).

VI. O Tribunal atendeu deficientemente à prova produzida.

VII. QUANTO À (NÃO) ONERAÇÃO DA FRAÇÃO POR HIPOTECAS (FACTOS DADOS COMO “PROVADOS” 2 E 25), conforme já havia sido realçado em sede de audiência prévia de 28.03.2022 (e ficou a constar, efetivamente, dessa Ata), “os créditos que as mesmas garantiam foram adquiridos pelos Réus como claramente consta no registo predial” (cfr. documento áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2022-03-28_14-35-04, 28.03.2022, 14:35-14:42, duração áudio [00:00:00] – [00:07:03]; Docs. 1 e 2 juntos pelos Réus com o seu Requerimento de 02.04.2022), podendo a eles renunciar (cfr. arts. 871, n.º 4 e 730, al. d) do CC).

VIII. Não se pode declarar que a fração “U” se encontra onerada por hipotecas a favor do Banco 1... (facto 2 dado como “provado”). Nunca poderiam os Réus comparecer diante de Notário com “distrates das hipotecas”, que não incidem sobre a fração (conforme insinuado pelo art. 25 dado como “provado”). Carece, portanto, de sentido a condenação dos Réus “a entregar à Autora o montante do débito garantido por hipoteca ou o valor nele correspondente à fração transmitida e os juros respetivos”.

IX. QUANTO ÀS DESPESAS DE CONDOMÍNIO EFETIVAMENTE SUPORTADAS PELOS RÉUS (FACTO DADO COMO “PROVADO” 29), os cálculos efetuados pelo Dig. Tribunal “a quo” revelam erros ostensivos, evidentes e devidos a lapsos manifestos, nomeadamente decorrentes da sobreposição de períodos temporais.

X. O Dig. Tribunal “a quo” referia-se, certamente, ao período que decorreu de novembro de 2016 até 2020.

XI. Consideram-se as seguintes despesas: dois meses de 2016: €280,19; ano de 2017: €1.681,15; ano de 2018: €1.681,15; ano de 2019: €2.017,36; ano de 2020: €2017,36; não sendo de abater ao montante global a referida quantia em dívida no final de 2020, no valor de € 611,32, uma vez que foi a mesma liquidada (não aparece na conta corrente junta como Doc. 5 ao Articulado Superveniente de 17.04.2024); tudo perfazendo um total de €7.677,21, e não de €5.048,53 (cfr. Doc. 1 junto com a Contestação / Reconvenção dos Réus).

XII. No ano de 2021, mantiveram-se as quotas totais anuais de €2.017,36 relativas ao condomínio, que foram liquidadas pelos Réus (não aparecem em dívida na conta corrente junta como Doc. 5 ao Articulado Superveniente de 17.04.2024).

XIII. Quando se declara que “de 2020 até à presente data procederam ao pagamento da quantia de 9.647,56, no valor global de € 14.696,09”: o Dig. Tribunal referia-se antes ao período que decorreu de janeiro de 2022 até “à presente data” (para evitar sobreposições de períodos / duplicações de valores e para haver concordância com o raciocínio constante da sua “motivação”); o período que decorreu desde janeiro de 2022 encontra-se contemplado no Doc. 5 anexo ao Articulado Superveniente de 17.04.2024, no qual se refere que os Réus liquidaram €3.647,56; foi admitida a junção de comprovativos de pagamento de despesas adicionais de €7.000,00 (Documento 6 junto aos articulados de 17.04.2024; recibo e 3 comprovativos de pagamento multibanco juntos pela testemunha DD na sessão de audiência de julgamento de 18.04.2024; Ata da referida sessão).

XIV. Os pagamentos totais que deveriam ter sido considerados pelo Dig. Tribunal “a quo” na sua Sentença (relativos ao período de 2016 até maio de 2024) somam o valor de €20.342,13 (€7.677,21 + €2.017,36 + €3.647,56 + €7.000,00) e não de €14.696,09.

XV. Tais pagamentos foram confirmados pelos depoimentos prestados em audiência, pelo Autor BB (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-17_15-35-39.mp3, 17/04/2024, tempo áudio 00:43:22, [00:10:46]-[00:12:45]) e pelas testemunhas DD (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_15-02-25.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:25:40, [00:05:18]-[00:06:40], [00:09:28]-[00:09:50], [00:11:25]-[00:12:05]) e EE (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-05-15_14-24-12.mp3, 15/05/2024, tempo áudio 00:33:10, [00:04:58]-[00:05:56], [00:09:17]- [00:10:53], [00:21:40]-[00:23:29], [00:24:05]-[00:24:40], [00:28:16]- [00:32:47).

XVI. Assim, o valor a pagar pela Autora (a admitir-se a transmissão da propriedade da fração – no que não se concede) em nenhum caso poderia ser inferior a €183.580,83 (€226.438,70 - €63.200,00 + €20.342,13).

XVII. QUANTO ÀS INTENÇÕES DA AUTORA AO CELEBRAR O CONTRATO DE ARRENDAMENTO (FACTOS DADOS COMO “PROVADOS” 34, 42 E 43) E À ACORDADA ATUALIZAÇÃO DO IMÓVEL (FACTOS DADOS COMO “NÃO PROVADOS” 1, 2 E 7), os depoimentos foram consentâneos no sentido de que não havia qualquer verdadeira pretensão de AA de se vincular a um negócio de aquisição da fração, uma vez que nunca tinha residido num apartamento, nem na área.

XVIII. Inexistia qualquer relação entre a Autora e Réus prévia ao contrato de arrendamento (facto “provado” 35).

XIX. Não foi avançada qualquer razão plausível para a pretensão da Autora de lhe ver ser feito um verdadeiro “empréstimo à habitação”, a um preço fixado no ano de 2016, com o pagamento de rendas (prestações) imutáveis de €800,00 mensais, sem qualquer prévia análise da estabilidade profissional e financeira, dos vencimentos e património da Autora, sem o recebimento de juros ou a constituição de quaisquer garantias hipotecárias ou fiadores.

XX. Todas as testemunhas confirmaram a entrega do apartamento à Autora depois de arranjado e em bom estado de conservação (a própria Autora o reconheceu - cfr. assentada da mesma constante da Ata de 17.04.2024).

XXI. Os Réus não fariam um investimento avultado em obras no apartamento se não vissem tais despesas como um investimento / valorização de propriedade sua. Sempre suportaram, exclusivamente, as despesas (correntes e extraordinárias) do condomínio, com o conhecimento e integral aceitação da Autora.

XXII. Nunca as Partes acordaram numa qualquer “opção” ou “promessa” de compra por um preço fixo, ao longo de uma década: arrendou-se meramente a fração e posteriores / hipotéticos (que apenas isso) negócios de transmissão seriam sempre avaliados à data da sua efetiva concretização, mediante análise dos preços de mercado em vigor.

XXIII. Nesse sentido depôs o Réu BB (depoimento de parte, ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-17_15-35-39.mp3, 17/04/2024, tempo áudio 00:43:22, [00:00:48]-[00:04:31], [00:06:08]-[00:07:30], [00:07:47]-[00:08:05], [00:09:26]-[00:09:54], [00:10:16]-[00:12:45]; Ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-17_16-01-08.mp3, [00:01:15]-[00:03:39], [00:04:20]-[00:05:23], [00:05:50]-[00:06:36], [00:08:47]-[00:09:31], [00:12:43]-[00:13:09], [00:13:23]-[00:14:38]).

XXIV. A própria Autora (depoimento de parte, ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-17_16-26-07.mp3, 17/04/2024, tempo áudio 00:22:16, [00:04:38]-[00:05:12], [00:06:35]-[00:07:45]); declarações de parte, ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_11-22-37.mp3, 17/04/2024, tempo áudio 00:29:05, [00:08:40]- [00:09:43], [00:23:29]-[00:24:20], [00:27:04]-[00:27:36], [00:28:22]-[00:28:51])) reconheceu não lhe terem sido exigidos quaisquer documentos comprovativos da sua situação económico-financeira, fiadores ou garantias; confessou não ter pago quaisquer despesas de condomínio; admitiu a realização de inúmeras obras pelos Réus; confirmou não ter denunciado o seu contrato de arrendamento.

XXV. A testemunha FF (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_09-52-21.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:21:33, [00:04:51]-[00:08:00], [00:09:44]-[00:12:12], [00:13:22]-[00:13:56], [00:14:50]-[00:19:37], [00:20:32]-[00:21:26]), quando inquirida sobre os alegados defeitos existentes aquando da ocupação do locado, não os soube especificar, tendo reconhecido basear-se apenas no que ouvira de AA; reconheceu intervenções dos senhorios, pagas pelo mesmos; não soube precisar supostas intervenções feitas pela arrendatária ou necessárias no condomínio; afirmou ser “lógico” que se somasse a um suposto preço de venda da fração as despesas de condomínio suportadas até à data da aquisição.

XXVI. A testemunha GG depôs de forma ambígua (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_10-15-03.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:27:38, [00:09:47]- [00:11:07], [00:11:27]-[00:12:04], [00:13:19]-[00:13:44], [00:20:47]-[00:21:19], [00:24:18]-[00:24:50]); não demonstrou conhecer o teor do Contrato celebrado; confirmou a entrega do apartamento, completamente “arranjado”, à Autora; reconheceu os pagamentos de despesas de condomínio realizados pelos senhorios.

XXVII. HH, irmão da Autora (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_10-43-29.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:17:19, [00:01:50]-[00:03:29], [00:04:37]-[00:04:53], [00:11:40]-[00:14:48], [00:15:16]-[00:17:02]), reconheceu que os pagamentos das despesas de condomínio eram feitos pelos proprietários e que esse montante teria de acrescer a um suposto preço de compra; declarou que o valor da renda de €800,00 e da (hipotética) compra por €220.000,00, em 2016, eram caros, mas confirmou não ter estudado ou visitado apartamentos com as mesmas características e em localizações semelhantes para extrair tais conclusões.

XXVIII. II, Advogada (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_14-53-39.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:06:35, [00:00:56]-[00:02:34], [00:02:50]-[00:03:29], [00:04:16]-[00:05:01]), negou perentoriamente a sua intervenção (e de qualquer outro mandatário do conhecimento dos Réus) na redação do contrato de arrendamento; confirmou não ter sido intenção dos Réus vincularem-se à venda da fração por um reduzido preço fixo ao longo dos anos.

XXIX. A irmã do Réu, DD (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_15-02-25.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:25:40, [00:01:02]-[00:01:27], [00:01:40]-[00:02:11], [00:03:52]-[00:06:40], [00:09:28]-[00:18:39], [00:19:34]-[00:20:25], [00:25:01]- [00:25:35]), declarou não ter tido intervenção nem na negociação nem na redação do contrato; explicou de forma escorreita que o seu irmão lida sempre com os preços de mercado (em virtude da profissão); descreveu como o apartamento se situa na zona nobre da cidade; apresentou documentos comprovativos de pagamentos de despesas correntes e extraordinárias de condomínio, que quantificou de forma clara; especificou e quantificou os custos das intervenções feitas pelos senhorios no locado, no sentido da sua valorização.

XXX. A mãe do Réu BB, EE (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-05-15_14-24-12.mp3, 15/05/2024, tempo áudio 00:33:10, [00:01:23]-[00:19:52], [00:20:47]-[00:23:29], [00:24:05]-[00:24:40], [00:26:32]- [00:27:24], [00:28:16]-[00:32:47]), negou a intervenção da sua filha, Advogada, na redação do contrato; reconheceu como único e normal entendimento a retirar do contrato de arrendamento que qualquer venda estaria sempre sujeita à prévia avaliação da fração de acordo com os valores de mercado; confirmou o pagamento da totalidade das despesas de condomínio pelos senhorios e o investimento dos mesmos em obras na fração; corroborou a falta de verificação das condições sócio-económicas da inquilina, de fiadores e de outras garantias; confirmou a adequação do valor da renda fixado em 2016; que a Autora não fez cessar o contrato de arrendamento; relatou a valorização imobiliária verificada e a surpresa do seu filho ao lhe ser apresentada a pretensão de aquisição da fração por tão baixo valor.

XXXI. QUANTO AO VALOR DA FRAÇÃO À DATA DA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO (FACTO DADO COMO “PROVADO” 41), o Dig. Tribunal “a quo” dá como facto provado que “À data da celebração do contrato o preço estipulado pelas partes estava acima do preço médio das habitações no ano de 2016 na Área Metropolitana do Porto e, sobretudo, de Vila Nova de Gaia”, mas tal matéria não fazia parte do objeto do litígio, muito menos dos temas de prova (cfr. Despacho Saneador de 30.05.2022).

XXXII. A valorização da fração aquando da celebração do contrato de arrendamento (tanto para efeitos de compra/venda, como para efeitos de arrendamento) também não constava do objecto da prova pericial (cfr. Requerimento Probatório de 06.06.2022 e quesito formulado; despacho de 18.10.2022; teor do mencionado Relatório de Peritagem de 11.07.2023 e esclarecimentos dos Srs. Peritos de 22.12.2023 e 15.02.2024, assim como os prestados em sede de audiência de julgamento).

XXXIII. O facto 41 dado como “provado” parece ser resultado das ambíguas e duvidosas declarações prestadas em sede de audiência de julgamento pelas testemunhas da Autora (nomeadamente, pelo seu irmão), não se encontrando suportadas nos presentes autos por qualquer documento, estudo ou relatório pericial objetivo, fundamentado e isento.

XXXIV. A testemunha FF (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_09-52-21.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:21:33, [00:07:40]- [00:08:00], [00:11:33]- [00:12:12], [00:16:35]-[00:17:31], [00:19:03]-[00:19:37]) reconheceu a qualidade do apartamento; não soube precisar quaisquer supostas anomalias da fração ou do prédio onde a mesma se encontra inserida.

XXXV. A testemunha GG (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_10-15-03.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:27:38, [00:20:47]-[00:21:19]) aludiu genericamente ao valor da renda, confirmando, todavia, a entrega da fração à Autora num estado perfeitamente “arranjado”.

XXXVI. O irmão da Autora, HH (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_10-43-29.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:17:19, [00:15:16]-[00:17:02]), usou como fator de avaliação para a (in)adequação de uma renda de €800,00 o facto de o salário mínimo nacional rondar, à data, €500,00, argumento capcioso (quem aufere um salário mínimo não arrenda apartamento em condomínio de luxo - cfr. Docs. 1 e 2 juntos com a P.I.; Doc. 1 junto com o Requerimento dos Réus de 02.04.2022); confessou nunca ter procedido a uma qualquer análise comparativa de valores de imóveis a arrendar ou à venda, à data (em 2016).

XXXVII. As testemunhas dos Réus depuseram coerentemente no sentido da normalidade dos valores de arrendamento e de venda sugeridos à data, até considerados baixos, atendendo à fração em causa e à sua localização - neste sentido, depoimento de DD (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_15-02-25.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:25:40, [00:12:05]-[00:12:42]) e EE (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-05-15_14-24-12.mp3, 15/05/2024, tempo áudio 00:33:10, [00:15:37]- [00:16:26], [00:20:47]-[00:21:40]).

XXXVIII. QUANTO À VERIFICADA - E INESPERADA - VALORIZAÇÃO DO IMÓVEL E DO VALOR ATUAL DO MESMO (FACTO DADO COMO “PROVADO” 47 E FACTOS DADOS COMO “NÃO PROVADOS” 3, 4, 5, 6, 8 E 9), o alegado mecanismo de atualização invocado pela Autora (recurso às taxas de inflação publicadas pelo INE) – relativamente ao qual não se concede qualquer acordo – só faria mesmo sentido num cenário de estabilização do mercado imobiliário. Tivessem as partes previsto a expansão imobiliária ocorrida desde 2016 (o que ninguém poderia antecipar) e sempre veriam a injustiça da manutenção de um preço praticamente fixo durante quase uma década.

XXXIX. O Dig. Tribunal deu como “provado” que: o preço médio do m2, no concelho de Vila Nova de Gaia, em agosto de 2021, rondava os €1.810,00 (Doc. 2 junto com a Contestação / Reconvenção dos Réus); o preço médio do m2, na freguesia ..., em agosto de 2021, rondava os €2.095,00 (Doc. 3 junto com a Contestação / Reconvenção dos Réus).

XL. Aplicando tais preços médios à fração em causa, nunca seria a mesma vendida à Autora por um valor inferior a €408.525,00 (multiplicando as áreas brutas - privativa e dependente – do imóvel pelos preços por m2 atualmente praticados na freguesia ...).

XLI. Quando os Réus afirmaram que os valores de mercado dos imóveis com a mesma tipologia da fração “U” (T2), as mesmas áreas e a mesma localização raramente desciam abaixo dos €350.000,00, suportaram-se em efetivos valores praticados no mercado (Doc. 4 do Requerimento de 27.09.2021, complementar à Contestação / Reconvenção).

XLII. Quando alegaram que tais tendências se verificam por todo o país, com as transações e os preços de compra e venda de habitações a crescerem sustentadamente, designadamente nos grandes centros urbanos (facto “provado” 33), sustentaram as suas conclusões em: Relatórios do Banco de Portugal (Doc. 5 junto com a Contestação / Reconvenção); Estatísticas públicas da EUROSTAT, a cargo da Comissão Europeia (Docs. 6 e 7 da Contestação / Reconvenção); estudos fidedignos, isentos, publicamente disponíveis e do conhecimento da larga maioria dos cidadãos.

XLIII. No referente ao facto dado como “provado” 47: não vem mencionada na mencionada escritura a tipologia da fração; ignora-se o estado / condições da mesma e se o valor do preço declarado equivale, ou não, ao valor real; ignora-se (e não têm os Réus a obrigação de saber) se tal (alegado) contrato de compra e venda foi ou não cumprido, designadamente no que respeita ao pagamento do preço, se foi ou não resolvido, etc..

XLIV. Os Peritos nomeados nos autos prestaram os competentes esclarecimentos por escrito (cfr. Relatório de Peritagem de 11.07.2023 e esclarecimentos dos Srs. Peritos de 22.12.2023 e 15.02.2024) e oralmente, em audiência de julgamento, de forma escorreita, unânime, não deixando margens para dúvidas quanto à irrealista valorização da fração realizada pela Autora (cfr. ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-17_14-50-45.mp3, 17/04/2024, tempo áudio 00:40:59, [00:03:32]-[00:15:50], [00:17:19]- [00:18:18], [00:20:08]-[00:22:39], [00:26:49]-[00:34:55], [00:35:22]-[00:36:58], [00:37:13]-[00:38:10], [00:38:37]-[00:39:37]).

XLV. O depoimento da testemunha JJ nunca teria a virtualidade de afastar os resultados unânimes do Relatório Pericial ordenado nos autos: a apresentação de um suposto relatório de avaliação imobiliária pela Autora constituiu apenas uma tentativa da mesma de se esquivar ao pagamento dos honorários dos Peritos; o parecer contratado pela mesma nunca poderá conter conclusões verdadeiramente imparciais / isentas; é datado de outubro de 2020 (e a Petição Inicial de 09.06.2021).

XLVI. O mencionado Sr. JJ sempre fixou o valor da fração em montante nunca inferior a €275.000,00, realçando no seu Relatório a especial integração paisagística e ambiental, a localização, a composição do apartamento, os bons equipamentos da fração e do condomínio, destinados a classe média / média alta (cfr. “Relatório” junto como Doc. 2 ao Requerimento da Autora de 13.06.2022; composição da fração constante de Docs. 1 e 2 juntos com a P.I. e Doc. 1 junto com o Requerimento dos Réus de 02.04.2022).

XLVII. A testemunha KK, também arquiteto de formação (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_15-30-03.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:12:28, [00:01:42]-[00:02:04], [00:02:45]-[00:11:28]), declarou conhecer a fração e os investimentos feitos na mesma; confirmou que era o senhorio quem pagava as despesas de condomínio; mencionou “o mercado volátil” e como os preços mudaram; aludiu a factos notórios e do conhecimento público que contribuíram para a valorização daquela área.

XLVIII. Os valores de mercado dos imóveis com a mesma tipologia, áreas e localização da fração “U” raramente descem, na presente data, abaixo dos €350.000,00, tanto assim, que foi dado como provado que essa habitação tem um valor atual de aproximadamente €336.143,29 – cfr. facto “provado” 48 -, tendo inclusive um dos Srs. Peritos mencionado que “está muito abaixo do mercado (…) Se voltássemos a fazer isso”.

XLIX. A alegada “opção de compra” por €220.000,00, a ter existido (no que não se concede), apenas poderia ter sido formulada atendendo a uma perspetiva de estabilização do mercado imobiliário, que não ocorreu, muito pelo contrário - o mercado imobiliário em Portugal tem vindo a enfrentar desafios sem precedentes desde 2016, com o seu expoente máximo na “bolha imobiliária” que se vive no país (facto notório e do conhecimento público, como evidenciaram os Srs. Peritos no seu Requerimento de 22.12.2023).

L. Quanto à invocada “carta de 01.03.2021”: decorre expressamente do teor da missiva (Doc. 12 da P.I.) que era inadequado o preço de compra avançado pela Autora; foram

avançados valores apenas e tão só numa fase e perspetiva de negociação, num esforço consensual, não vinculativo, nem definitivo, sem que constituíssem qualquer renúncia dos proprietários aos direitos pelos mesmo invocados, nomeadamente nos presentes autos, e sem que qualquer conclusão ou ilação se pudesse, daí, retirar; tudo conforme os Réus tiveram a oportunidade de expor em sede de audiência prévia de 28.03.2022 (cfr. documento áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2022-03-28_14-35-04, 28.03.2022, 14:35-14:42, duração áudio [00:00:00] – [00:07:03]).

LI. A discordância dos valores propostos pela Autora foi reiterada no dia 27.04.2021, perante Notária (e antes da propositura da presente ação), tendo ficado lavrados no Certificado de não celebração de escritura (Doc. 18 junto com a P.I.) os motivos pelos quais tanto a Autora como os Réus se recusaram a concretizar o aventado negócio.

LII. FACE A TUDO O QUE VEM DE SER EXPOSTO, NA MATÉRIA DADA COMO “PROVADA”, DEVEM SER SUPRIMIDOS OS PONTOS:

• 2 e 25 – tendo em consideração o teor da Ata de 28.03.2022, o documento áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2022-03-28_14-35-04 (28.03.2022, 14:35-14:42, duração áudio [00:00:00] – [00:07:03]), e o teor dos Docs. 1 e 2 juntos com o Requerimento de 02.04.2024 (certidão permanente predial e escritura de cessão de créditos);

• 29 – tendo em consideração o Doc. 1 junto com a Contestação / Reconvenção dos Réus; os Docs. 5 e 6 juntos com o Articulado Superveniente de 17.04.2024; o recibo e 3 comprovativos de pagamento multibanco juntos pela testemunha DD na sessão de audiência de julgamento de 18.04.2024; o teor da Ata da referida sessão; o Depoimento de parte BB (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-17_15-35-39.mp3, 17/04/2024, tempo áudio 00:43:22, [00:10:46]-[00:12:45]); o depoimento da testemunha DD (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_15-02-25.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:25:40, [00:05:18]-[00:06:40], [00:09:28]- [00:09:50], [00:11:25]- [00:12:05]); o depoimento da testemunha EE (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-05-15_14-24-12.mp3, 15/05/2024, tempo áudio 00:33:10, [00:04:58]-[00:05:56], [00:09:17]- [00:10:53], [00:21:40]-[00:23:29], [00:24:05]-[00:24:40], [00:28:16]- [00:32:47];

• 41 – tendo em consideração o depoimento de FF (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_09-52-21.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:21:33, [00:07:40]- [00:08:00], [00:11:33]-[00:12:12], [00:16:35]-[00:17:31], [00:19:03]-[00:19:37]); depoimento de GG (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_10-15-03.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:27:38, [00:20:47]- [00:21:19]); depoimento de HH (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_10-43-29.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:17:19, [00:15:16]- [00:17:02]); depoimento de DD (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_15-02-25.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:25:40, [00:12:05]- [00:12:42]); depoimento de EE (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-05-15_14-24-12.mp3, 15/05/2024, tempo áudio 00:33:10, [00:15:37]- [00:16:26], [00:20:47]-[00:21:40]); o teor dos Docs. 1 e 2 juntos com a P.I.; o teor do Doc. 1 junto com o Requerimento dos Réus de 02.04.2022; o Relatório de Peritagem de 11.07.2023 e os esclarecimentos dos Srs. Peritos de 22.12.2023 e 15.02.2024;

• 34, 42 e 43 – tendo em consideração o depoimento de parte BB (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-17_15-35-39.mp3, 17/04/2024, tempo áudio 00:43:22, [00:00:48]- [00:04:31], [00:06:08]-[00:07:30], [00:07:47]-[00:08:05], [00:09:26]-[00:09:54], [00:10:16]-[00:12:45]; Ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-17_16-01-08.mp3, [00:01:15]-[00:03:39], [00:04:20]-[00:05:23], [00:05:50]-[00:06:36], [00:08:47]-[00:09:31], [00:12:43]-[00:13:09], [00:13:23]-[00:14:38]); o depoimento de parte da Autora AA (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-17_16-26-07.mp3, 17/04/2024, tempo áudio 00:22:16, [00:04:38]-[00:05:12], [00:06:35]-[00:07:45]); as declarações de parte de AA (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_11-22-37.mp3, 17/04/2024, tempo áudio 00:29:05, [00:08:40]-[00:09:43], [00:23:29]- [00:24:20], [00:27:04]-[00:27:36], [00:28:22]-[00:28:51]); o depoimento da testemunha FF (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_09-52-21.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:21:33, [00:04:51]-[00:08:00], [00:09:44]-[00:12:12], [00:13:22]-[00:13:56], [00:14:50]-[00:19:37], [00:20:32]-[00:21:26]); o depoimento da testemunha GG (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_10-15-03.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:27:38, [00:09:47]-[00:11:07], [00:11:27]-[00:12:04], [00:13:19]-[00:13:44], [00:20:47]-[00:21:19], [00:24:18]-[00:24:50]); o depoimento da testemunha HH (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_10-43-29.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:17:19, [00:01:50]-[00:03:29], [00:04:37]-[00:04:53], [00:11:40]-[00:14:48], [00:15:16]-[00:17:02]); o depoimento da testemunha II (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_14-53-39.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:06:35, [00:00:56]-[00:02:34], [00:02:50]-[00:03:29], [00:04:16]-[00:05:01]); o depoimento da testemunha DD (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_15-02-25.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:25:40, [00:01:02]-[00:01:27], [00:01:40]-[00:02:11], [00:03:52]-[00:06:40], [00:09:28]-[00:18:39], [00:19:34]-[00:20:25], [00:25:01]- [00:25:35]); o depoimento da testemunha EE (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-05-15_14-24-12.mp3, 15/05/2024, tempo áudio 00:33:10, [00:01:23]-[00:19:52], [00:20:47]-[00:23:29], [00:24:05]-[00:24:40], [00:26:32]- [00:27:24], [00:28:16]-[00:32:47]); a assentada da Autora constante da Ata de 17.04.2024;

• 47 – tendo em consideração o teor do Doc. 6 junto com a Réplica da Autora, do qual não consta a tipologia da fração alegadamente vendida.

LIII. NA MATÉRIA DADA COMO "NÃO PROVADA", DEVEM SER SUPRIMIDOS OS PONTOS – 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 E 9 - ALI CONSTANTES.

LIV. NA MATÉRIA DADA COMO “PROVADA”, DEVEM SER ADITADOS NOVOS PONTOS COM O SEGUINTE OU ANÁLOGO TEOR:

• “Os créditos que as hipotecas sobre a fração “U” garantiam foram adquiridos pelo Réu BB mediante escritura de cessão de créditos de 08.02.2017”;

o Tendo em consideração o teor da Ata de 28.03.2022; documento áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2022-03-28_14-35-04, 28.03.2022, 14:35-14:42, duração áudio [00:00:00] – [00:07:03]; Docs. 1 e 2 juntos com o Requerimento de 02.04.2024 (certidão permanente predial e escritura de cessão de créditos);

• “Os Réus gastaram, desde novembro de 2016 até maio de 2024, em despesas de condomínio (quotas normais, fundo de reserva anual e quotas extraordinárias), o montante de €20.342,13”;

o Tendo em consideração o teor do Doc. 1 junto com a Contestação / Reconvenção dos Réus; Docs. 5 e 6 juntos com o Articulado Superveniente de 17.04.2024; recibo e 3 comprovativos de pagamento multibanco juntos pela testemunha DD na sessão de audiência de julgamento de 18.04.2024; o teor da Ata da referida sessão;

o O depoimento de parte BB (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-17_15-35-39.mp3, 17/04/2024, tempo áudio 00:43:22, [00:10:46]-[00:12:45]); o depoimento da testemunha DD (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_15-02-25.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:25:40, [00:05:18]-[00:06:40], [00:09:28]-[00:09:50], [00:11:25]-[00:12:05]); o depoimento da testemunha EE (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-05-15_14-24-12.mp3, 15/05/2024, tempo áudio 00:33:10, [00:04:58]-[00:05:56], [00:09:17]-[00:10:53], [00:21:40]-[00:23:29], [00:24:05]-[00:24:40], [00:28:16]-[00:32:47];

• “Aquando da visita à fração, a Autora comunicou aos Réus que não tinha intenção de a comprar, até porque sempre tinha vivido numa moradia independente, não sabia se se iria adaptar a viver num andar e gostar da zona”;

o Tendo em consideração o depoimento de parte BB (ficheiro 147 áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-17_15-35-39.mp3, 17/04/2024, tempo áudio 00:43:22, [00:00:48]- [00:04:31], [00:06:08]-[00:07:30], [00:07:47]-[00:08:05], [00:09:26]-[00:09:54], [00:10:16]-[00:12:45]; Ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-17_16-01-08.mp3, [00:01:15]-[00:03:39], [00:04:20]-[00:05:23], [00:05:50]-[00:06:36], [00:08:47]-[00:09:31], [00:12:43]-[00:13:09], [00:13:23]-[00:14:38]);

o O depoimento de parte da Autora AA (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-17_16-26-07.mp3, 17/04/2024, tempo áudio 00:22:16, [00:04:38]-[00:05:12], [00:06:35]-[00:07:45]);

o As declarações de parte de AA (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_11-22-37.mp3, 17/04/2024, tempo áudio 00:29:05, [00:08:40]-[00:09:43], [00:23:29]-[00:24:20], [00:27:04]-[00:27:36], [00:28:22]-[00:28:51]);

o O depoimento da testemunha FF (ficheiro áudio Diligencia_4629- 21.5T8VNG_2024-04-18_09-52-21.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:21:33, [00:04:51]-[00:08:00], [00:09:44]-[00:12:12], [00:13:22]-[00:13:56], [00:14:50]-[00:19:37], [00:20:32]-[00:21:26]);

o O depoimento da testemunha GG (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_10-15-03.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:27:38, [00:09:47]-[00:11:07], [00:11:27]-[00:12:04], [00:13:19]-[00:13:44], [00:20:47]-[00:21:19], [00:24:18]-[00:24:50]);

o O depoimento da testemunha HH (ficheiro áudio Diligencia_4629- 21.5T8VNG_2024-04-18_10-43-29.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:17:19, [00:01:50]-[00:03:29], [00:04:37]-[00:04:53], [00:11:40]-[00:14:48], [00:15:16]-[00:17:02]);

o O depoimento da testemunha II (ficheiro áudio Diligencia_4629-

21.5T8VNG_2024-04-18_14-53-39.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:06:35, [00:00:56]-[00:02:34], [00:02:50]-[00:03:29], [00:04:16]-[00:05:01]);

o O depoimento da testemunha DD (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_15-02-25.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:25:40, [00:01:02]-[00:01:27], [00:01:40]-[00:02:11], [00:03:52]-[00:06:40], [00:09:28]-[00:18:39], [00:19:34]-[00:20:25], [00:25:01]- [00:25:35]);

o O depoimento da testemunha EE (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-05-15_14-24-12.mp3, 15/05/2024, tempo áudio 00:33:10, [00:01:23]-[00:19:52], [00:20:47]-[00:23:29], [00:24:05]-[00:24:40], [00:26:32]- [00:27:24], [00:28:16]-[00:32:47]);

o O teor da assentada da Autora constante da Ata de 17.04.2024;

• “As Partes não acordaram em qualquer opção ou promessa de transmissão da fração, tendo simplesmente mencionado que, se houvesse futuro interesse pela arrendatária na aquisição da fração, se poderia eventualmente negociar a sua transmissão, atendendo à valorização real / de mercado do imóvel, à data da pretendida aquisição;

o Tendo em consideração o depoimento de parte BB (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-17_15-35-39.mp3, 17/04/2024, tempo áudio 00:43:22, [00:00:48]- [00:04:31], [00:06:08]-[00:07:30], [00:07:47]-[00:08:05], [00:09:26]-[00:09:54], [00:10:16]-[00:12:45]; Ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-17_16-01-08.mp3, [00:01:15]-[00:03:39], [00:04:20]-[00:05:23], [00:05:50]-[00:06:36], [00:08:47]-[00:09:31], [00:12:43]-[00:13:09], [00:13:23]-[00:14:38]);

o O depoimento de parte da Autora AA (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-17_16-26-07.mp3, 17/04/2024, tempo áudio 00:22:16, [00:04:38]-[00:05:12], [00:06:35]-[00:07:45]);

o As declarações de parte de AA (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_11-22-37.mp3, 17/04/2024, tempo áudio 00:29:05, [00:08:40]-[00:09:43], [00:23:29]-[00:24:20], [00:27:04]-[00:27:36], [00:28:22]-[00:28:51]);

o O depoimento da testemunha FF (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_09-52-21.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:21:33, [00:04:51]-[00:08:00], [00:09:44]-[00:12:12], [00:13:22]-[00:13:56], [00:14:50]-[00:19:37], [00:20:32]-[00:21:26]);

o O depoimento da testemunha GG (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_10-15-03.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:27:38, [00:09:47]-[00:11:07], [00:11:27]-[00:12:04], [00:13:19]-[00:13:44], [00:20:47]-[00:21:19], [00:24:18]-[00:24:50]);

o O depoimento da testemunha HH (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_10-43-29.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:17:19, [00:01:50]-[00:03:29], [00:04:37]-[00:04:53], [00:11:40]-[00:14:48], [00:15:16]-[00:17:02]);

o O depoimento da testemunha II (ficheiro áudio Diligencia_4629-

21.5T8VNG_2024-04-18_14-53-39.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:06:35, [00:00:56]-[00:02:34], [00:02:50]-[00:03:29], [00:04:16]-[00:05:01]);

o O depoimento da testemunha DD (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_15-02-25.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:25:40, [00:01:02]-[00:01:27], [00:01:40]-[00:02:11], [00:03:52]-[00:06:40], [00:09:28]-[00:18:39], [00:19:34]-[00:20:25], [00:25:01]- [00:25:35]);

o O depoimento da testemunha EE (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-05-15_14-24-12.mp3, 15/05/2024, tempo áudio 00:33:10, [00:01:23]-[00:19:52], [00:20:47]-[00:23:29], [00:24:05]-[00:24:40], [00:26:32]- [00:27:24], [00:28:16]-[00:32:47]);

o O teor da assentada da Autora constante da Ata de 17.04.2024;

• “A Autora sabia que a vontade dos Réus eram manter a fração como propriedade sua (tinham apego à mesma, fora a primeira habitação que a família comprara, investiram significativamente na sua reabilitação e responsabilizaram-se pelo pagamento da totalidade das despesas, ordinárias e extraordinárias, de condomínio), pelo que um eventual preço de venda da fração deveria ser sempre atualizado aos índices de mercado aplicáveis aquando da manifestação de interesse pela aquisição”;

o Tendo em consideração o depoimento de parte BB (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-17_15-35-39.mp3, 17/04/2024, tempo áudio 00:43:22, [00:00:48]- [00:04:31], [00:06:08]-[00:07:30], [00:07:47]-[00:08:05], [00:09:26]-[00:09:54], [00:10:16]-[00:12:45]; Ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-17_16-01-08.mp3, [00:01:15]-[00:03:39], [00:04:20]-[00:05:23], [00:05:50]-[00:06:36], [00:08:47]-[00:09:31], [00:12:43]-[00:13:09], [00:13:23]-[00:14:38]);

o O depoimento de parte da Autora AA (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-17_16-26-07.mp3, 17/04/2024, tempo áudio 00:22:16, [00:04:38]-[00:05:12], [00:06:35]-[00:07:45]);

o As declarações de parte de AA (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_11-22-37.mp3, 17/04/2024, tempo áudio 00:29:05, [00:08:40]-[00:09:43], [00:23:29]-[00:24:20], [00:27:04]-[00:27:36], [00:28:22]-[00:28:51]);

o O depoimento da testemunha FF (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_09-52-21.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:21:33, [00:04:51]-[00:08:00], [00:09:44]-[00:12:12], [00:13:22]-[00:13:56], [00:14:50]-[00:19:37], [00:20:32]-[00:21:26]);

o O depoimento da testemunha GG (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_10-15-03.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:27:38, [00:09:47]-[00:11:07], [00:11:27]-[00:12:04], [00:13:19]-[00:13:44], [00:20:47]-[00:21:19], [00:24:18]-[00:24:50]);

o O depoimento da testemunha HH (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_10-43-29.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:17:19, [00:01:50]-[00:03:29], [00:04:37]-[00:04:53], [00:11:40]-[00:14:48], [00:15:16]-[00:17:02]);

o O depoimento da testemunha II (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_14-53-39.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:06:35, [00:00:56]-[00:02:34], [00:02:50]-[00:03:29], [00:04:16]-[00:05:01]);

o O depoimento da testemunha DD (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_15-02-25.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:25:40, [00:01:02]-[00:01:27], [00:01:40]-[00:02:11], [00:03:52]-[00:06:40], [00:09:28]-[00:18:39], [00:19:34]-[00:20:25], [00:25:01]- [00:25:35]);

o O depoimento da testemunha EE (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-05-15_14-24-12.mp3, 15/05/2024, tempo áudio 00:33:10, [00:01:23]-[00:19:52], [00:20:47]-[00:23:29], [00:24:05]-[00:24:40], [00:26:32]- [00:27:24], [00:28:16]-[00:32:47]);

o O teor da assentada da Autora constante da Ata de 17.04.2024;

• “Uma vez que a Autora não demonstrou interesse na aquisição da fração, os Réus investiram / valorizaram a mesma como propriedade sua, tendo despendido em obras por si efetuadas na fração o montante de €10.000,00 (dez mil euros)”;

o Tendo em consideração o depoimento de parte BB (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-17_15-35-39.mp3, 17/04/2024, tempo áudio 00:43:22, [00:00:48]- [00:04:31], [00:06:08]-[00:07:30], [00:07:47]-[00:08:05], [00:09:26]-[00:09:54], [00:10:16]-[00:12:45]; Ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-17_16-01-08.mp3, [00:01:15]-[00:03:39], [00:04:20]-[00:05:23], [00:05:50]-[00:06:36], [00:08:47]-[00:09:31], [00:12:43]-[00:13:09], [00:13:23]-[00:14:38]);

o O depoimento de parte da Autora AA (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-17_16-26-07.mp3, 17/04/2024, tempo áudio 00:22:16, [00:04:38]-[00:05:12], [00:06:35]-[00:07:45]);

o As declarações de parte de AA (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_11-22-37.mp3, 17/04/2024, tempo áudio 00:29:05, [00:08:40]-[00:09:43], [00:23:29]-[00:24:20], [00:27:04]-[00:27:36], [00:28:22]-[00:28:51]);

o O depoimento da testemunha FF (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_09-52-21.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:21:33, [00:04:51]-[00:08:00], [00:09:44]-[00:12:12], [00:13:22]-[00:13:56], [00:14:50]-[00:19:37], [00:20:32]-[00:21:26]);

o O depoimento da testemunha GG (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_10-15-03.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:27:38, [00:09:47]-[00:11:07], [00:11:27]-[00:12:04], [00:13:19]- [00:13:44], [00:20:47]-[00:21:19], [00:24:18]-[00:24:50]);

o O depoimento da testemunha HH (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_10-43-29.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:17:19, [00:01:50]-[00:03:29], [00:04:37]-[00:04:53], [00:11:40]-[00:14:48], [00:15:16]-[00:17:02]);

o O depoimento da testemunha II (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_14-53-39.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:06:35, [00:00:56]-[00:02:34], [00:02:50]-[00:03:29], [00:04:16]-[00:05:01]);

o O depoimento da testemunha DD (ficheiro áudio Diligencia_4629- 21.5T8VNG_2024-04-18_15-02-25.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:25:40, [00:01:02]-[00:01:27], [00:01:40]-[00:02:11], [00:03:52]-[00:06:40], [00:09:28]-[00:18:39], [00:19:34]-[00:20:25], [00:25:01]- [00:25:35]);

o O depoimento da testemunha EE (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-05-15_14-24-12.mp3, 15/05/2024, tempo áudio 00:33:10, [00:01:23]-[00:19:52], [00:20:47]-[00:23:29], [00:24:05]- [00:24:40], [00:26:32]- [00:27:24], [00:28:16]-[00:32:47]);

o O teor da assentada da Autora constante da Ata de 17.04.2024;

• “Aquando da celebração do contrato de arrendamento, em 2016, o valor da renda acordado pelas Partes (€800,00), assim como o montante discutido para uma hipotética venda (€220.000,00), estavam conforme a média do preço das habitações para esse ano, na Área Metropolitana do Porto e, sobretudo, de Vila Nova de Gaia, sendo adequados às características e localização (premium) da fração em causa”;

o Tendo em consideração o depoimento de FF (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_09-52-21.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:21:33, [00:07:40]-[00:08:00], [00:11:33]-[00:12:12], [00:16:35]-[00:17:31], [00:19:03]-[00:19:37]);

o O depoimento de GG (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_10-15-03.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:27:38, [00:20:47]-[00:21:19]);

o O depoimento de HH (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_10-43-29.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:17:19, [00:15:16]-[00:17:02]);

o O depoimento de DD (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_15-02-25.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:25:40, [00:12:05]-[00:12:42]);

o O depoimento de EE (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-05-15_14-24-12.mp3, 15/05/2024, tempo áudio 00:33:10, [00:15:37]- [00:16:26], [00:20:47]- [00:21:40]);

o O teor dos Docs. 1 e 2 juntos com a P.I.; Doc. 1 junto com o Requerimento dos Réus de 02.04.2022; Relatório de Peritagem de 11.07.2023 e os esclarecimentos dos Srs. Peritos de 22.12.2023 e 15.02.2024;

• “Os valores de mercado dos imóveis com a mesma tipologia da fração “U” (T2), as mesmas áreas e a mesma localização (primeira linha da margem sul da ..., com vista sobre o rio, a Cidade do Porto e o mar) raramente descem abaixo dos € 350.000,00, podendo a fração “U”, atualmente, facilmente atingir valores de mercado de €408.525,00”;

o Tendo em consideração os depoimentos dos Srs. Peritos (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-17_14-50-45.mp3, 17/04/2024, tempo áudio 00:40:59, [00:03:32]-[00:15:50], [00:17:19]-[00:18:18], [00:20:08]-[00:22:39], [00:26:49]-[00:34:55], [00:35:22]-[00:36:58], [00:37:13]-[00:38:10], [00:38:37]-[00:39:37]);

o O depoimento da testemunha KK (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_15-30-03.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:12:28, [00:01:42]-[00:02:04], [00:02:45]-[00:11:28]);

o O teor dos Docs. 1 e 2, 12 e 18 juntos com a P.I.; dos Docs. 2, 3, 4, 5, 6 e 7 juntos com a Contestação / Reconvenção de 27.09.2021 (e Requerimento de junção adicional de documentos da mesma data); do Documento 1 junto com o Requerimento dos Réus de 02.04.2022; do Relatório de Peritagem de 11.07.2023 e dos esclarecimentos dos Srs. Peritos de 22.12.2023 e 15.02.2024;

o Atendendo ao facto “provado” 48;

o Atendendo à pronúncia do mandatário dos Réus em sede de audiência prévia (documento áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2022-03-28_14-35-04, 28.03.2022, 14:35-14:42, duração áudio [00:00:00] – [00:07:03]);

• “A possibilidade de transmissão da propriedade da fração “U” por €220.000,00 foi discutida entre as Partes para o concreto ano de 2016 e sempre no pressuposto da estabilização dos preços no mercado imobiliário”;

o Tendo em consideração os depoimentos dos Srs. Peritos (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-17_14-50-45.mp3, 17/04/2024, tempo áudio 00:40:59, [00:03:32]-[00:15:50], [00:17:19]-[00:18:18], [00:20:08]-[00:22:39], [00:26:49]-[00:34:55], [00:35:22]-[00:36:58], [00:37:13]-[00:38:10], [00:38:37]-[00:39:37]);

o O depoimento da testemunha KK (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-18_15-30-03.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:12:28, [00:01:42]-[00:02:04], [00:02:45]-[00:11:28]);

o O teor dos Docs. 1 e 2, 12 e 18 juntos com a P.I.; dos Docs. 2, 3, 4, 5, 6 e 7 juntos com a Contestação / Reconvenção de 27.09.2021 (e Requerimento de junção adicional de documentos da mesma data); do Documento 1 junto com o Requerimento dos Réus de 02.04.2022; do Relatório de Peritagem de 11.07.2023 e dos esclarecimentos dos Srs. Peritos de 22.12.2023 e 15.02.2024;

o Atendendo ao facto “provado” 48;

o Atendendo à pronúncia do mandatário dos Réus em sede de audiência prévia (documento áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2022-03-28_14-35-04, 28.03.2022, 14:35-14:42, duração áudio [00:00:00] – [00:07:03]);

• “A expansão e a bolha imobiliária registadas em Portugal desde 2016 era imprevistas para qualquer comum cidadão, incluindo as Partes”;

o Tendo em consideração os depoimentos dos Srs. Peritos (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-17_14-50-45.mp3, 17/04/2024, tempo áudio 00:40:59, [00:03:32]-[00:15:50], [00:17:19]-[00:18:18], [00:20:08]-[00:22:39], [00:26:49]-[00:34:55], [00:35:22]-[00:36:58], [00:37:13]-[00:38:10], [00:38:37]-[00:39:37]);

o O depoimento da testemunha KK (ficheiro áudio Diligencia_4629- 21.5T8VNG_2024-04-18_15-30-03.mp3, 18/04/2024, tempo áudio 00:12:28, [00:01:42]-[00:02:04], [00:02:45]-[00:11:28]);

o O teor dos Docs. 1 e 2, 12 e 18 juntos com a P.I.; dos Docs. 2, 3, 4, 5, 6 e 7 juntos com a Contestação / Reconvenção de 27.09.2021 (e Requerimento de junção adicional de documentos da mesma data); do Documento 1 junto com o Requerimento dos Réus de 02.04.2022; do Relatório de Peritagem de 11.07.2023 e dos esclarecimentos dos Srs. Peritos de 22.12.2023 e 15.02.2024;

o Atendendo ao facto “provado” 48;

o Atendendo à pronúncia do mandatário dos Réus em sede de audiência prévia (documento áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2022-03-28_14-35-04, 28.03.2022, 14:35-14:42, duração áudio [00:00:00] – [00:07:03]).

LV. As supressões e os aditamentos antes referidos são indispensáveis, essenciais e relevantes para a boa apreciação da causa, face às soluções plausíveis que a questão de Direito comporta, pelo que deve a prova produzida ser reapreciada, concluindo-se com as alterações ora indicadas.

LVI. QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO, E AO (ALEGADO) PACTO DE OPÇÃO, nunca foi verdadeira hipótese para a Autora, aquando da negociação e celebração do contrato de arrendamento, a aquisição da fração “U” pelo preço de €220.000,00. Também nunca pretenderam os Réus vincular-se a um tal negócio. Pelos motivos expostos, nunca deveriam os Réus ter sido condenados a ver transmitida para a Autora a titularidade da sua fração.

LVII. De todo o modo, o contrato de opção caracteriza-se por uma das partes ter já emitido a declaração negocial correspondente ao contrato principal (no caso, a compra e venda), enquanto constitui a outra na titularidade do direito potestativo de optar pela conclusão desse negócio, com a sua correspetiva sujeição.

LVIII. Foi isto o que, no limite (e sempre numa hipótese subsidiária), se verificou: os Réus não se obrigaram a emitir a declaração necessária à celebração do contrato definitivo de compra e venda; emitiram logo a declaração e venda, tendo ficado sujeitos, ao longo de uma década, à emissão da declaração negocial (vontade de compra) da arrendatária.

LIX. Os Réus entregaram a fração à Autora durante, pelo menos, 10 anos. Se a mesma não quisesse adquirir o imóvel, teria de o devolver (pelo menos, aquando da cessação do contrato de arrendamento). A entrega da coisa durante o prazo conferido para avaliação do interesse num negócio é habitual, precisamente, no pacto de opção.

LX. No contrato de arrendamento celebrado não se faz qualquer referência, literalmente, à outorga de uma “promessa”, referindo-se antes, expressamente, que a Autora “poderá exercer a opção de compra” (cfr. facto “provado” 9).

LXI. O Tribunal “a quo” declara atender ao critério da “literalidade”, mas estranhamente lê na expressão “opção de compra” a existência de uma “promessa unilateral de venda”.

LXII. A douta Sentença recorrida é nula, e como tal deve ser declarada, por evidente oposição dos seus fundamentos com a decisão, ocorrendo uma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível (art. 615.º, n.º 1, al. c) do CPC).

LXIII. Não consta do contrato qualquer promessa de celebração de um negócio futuro. As Partes acordaram, quando muito, num único elemento essencial do contrato de compra e venda (na tese da Autora, o preço de €220.000,00).

LXIV. Não foi estabelecido qualquer prazo para a celebração de um suposto contrato prometido.

Também não foi estabelecido qualquer prazo de pagamento.

LXV. Foi a Autora quem aventou a hipótese jurídica da opção de compra para se apoderar da habitação, quando levantou o problema junto dos senhorios em 2020, e inclusive nos presentes autos (basta atentar na sua P.I. para assim concluir).

LXVI. Ao contrato de opção aplicam-se, quanto à sua constituição, as exigências legais de forma estatuídas a propósito dos tipos contratuais de transmissão da propriedade de imóveis, devendo, por isso, ser celebrado por escritura pública ou documento particular autenticado (n.º 1 do art. 80 do Código do Notariado).

LXVII. Esta exigência de forma é ad substantiam e, por isso, não é possível prová-lo por meio de testemunhas nem por confissão judicial provocada (depoimento de parte) (arts. 354.º, al. a), 364.º, 393.º, n.º 1 do CC).

LXVIII. No presente caso, o contrato de arrendamento e seu aditamento (cfr. Docs. 3 e 4 juntos à P.I.) não foram celebrados nem por escritura pública nem por documento particular autenticado (conforme decorre dos arts. 875.º do CC e 80.º do Código do Notariado).

LXIX. Na falta de forma, o negócio (de alegada opção) é nulo (arts. 220 e 875 do CC).

LXX. Não houve da parte dos Réus qualquer ação ou omissão, de forma pensada, deliberada e intencional, no sentido de celebrar um negócio nulo, para, posteriormente, invocarem essa nulidade em seu proveito.

LXXI. Nenhuma das partes cumpriu o que quer que fosse no que ao contrato de opção concerne.

LXXII. Não se pode “converter” o pacto de opção nulo por vício de forma num contrato-promessa de compra e venda, com recurso ao princípio da “boa fé”.

LXXIII. As Partes nunca poderiam ter querido celebrar um contrato-promessa de compra e venda: a Ré não tinha pretensões de se mudar definitivamente para aquela zona e apartamento; os Réus investiram significativamente na valorização da fração e suportaram as despesas ordinárias e extraordinárias de condomínio (factos “provados” 13, 28 e 30); as Partes não estipularam qualquer prazo para a celebração de um suposto contrato prometido; não definiram um preço estável; não definiram qualquer prazo de pagamento ou local para o cumprimento; a Autora não diligenciou pelo pagamento de IMT (art. 2, n.ºs 1, 2, al. a) e n.º 3, do CIMT), devido, nomeadamente, perante uma suposta promessa de aquisição, quando se verifica a tradição do imóvel objeto do contrato (que, lembre-se, foi ocupado pela arrendatária logo em 2016).

LXXIV. Considerando o Tribunal “a quo” (ainda que a título meramente subsidiário) estarmos perante um pacto de opção, ao qual se aplicará o regime do contrato de opção, o contrato em discussão (contrato promessa unilateral) sempre seria nulo.

LXXV. O juiz deverá afastar-se da vontade hipotética ou conjetural das partes quando a solução que estas teriam estipulado contrarie os ditames da boa fé, isto é, de acordo com o que corresponde à justiça contratual – ao que as partes devem querer agora e não propriamente ao que deveriam ter querido.

LXXVI. Em nenhuma configuração da boa fé se pode declarar ser pretensão das partes, encarada a situação atualmente, a venda de um imóvel objeto de um contrato de arrendamento a preços negociados no – e exclusivamente para – o ano de 2016.

LXXVII. Nenhuma das partes requereu a conversão do contrato de opção, nulo por vício de forma, num contrato promessa de compra e venda, pelo que, mesmo que todos os requisitos para o efeito estivessem preenchidos, nunca poderia o Tribunal “a quo” tê-lo convertido oficiosamente, de nada valendo a invocação de que resulta da matéria de facto dada como provada que a vontade hipotética das Partes era a celebração de uma escritura de

compra e venda.

LXXVIII. É desacertado o recurso do Dig. Tribunal “a quo” ao teor do Ac. do TRL de 21.11.2019, Proc. 1347/18.5T8CSC.L1-2, Relator: Carlos Castelo Branco, disponível em www.dgsi.pt, invocado na decisão recorrida, pois as circunstâncias factuais da celebração do contrato, avaliadas nesse Acórdão, eram manifestamente diferentes das discutidas nos presentes autos (aqui, nunca os Réus demonstraram qualquer vontade de vender a sua fração à

Autora pelos valores por esta sugeridos; nunca praticaram quaisquer atos materiais que os tenham vinculado a um qualquer negócio para com a Autora; não mudaram de ideias quanto ao negócio pretendido pela Autora, não se disponibilizaram a celebrar a venda, não agendaram datas e local para a celebração de escritura de compra e venda).

LXXIX. Subsidiariamente, se se lograr provar a constituição de uma opção de compra (ou mesmo de um contrato promessa unilateral – o que não se concede), NO REFERENTE À VONTADE DAS PARTES QUANTO AO TEOR DA CLÁUSULA NONA (INCLUSIVE NO REFERENTE À ATUALIZAÇÃO DO PREÇO), sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida (art. 236.º, n.º 2, do CC).

LXXX. A norma do n.º 1 do art. 236 do CC tem o fim de proteção da boa fé do declaratário, pelo que só é aplicável no caso de este ignorar de boa fé a vontade real do declarante. O que, in casu, não acontece (a Autora sabe que um potencial preço de venda da fração seria sempre atualizado aos índices de mercado aplicáveis aquando do exercício da – alegada - opção de compra).

LXXXI. A autoria do contrato de arrendamento não consta da lista dos factos dados por “provados” (nenhuma Parte ou testemunha conseguiu precisar, em sede de audiência de julgamento, quem redigira o documento em questão).

LXXXII. Se o efetivamente pretendido fosse a transmissão da propriedade do imóvel, as Partes teriam redigido, precisamente, um contrato-promessa de compra e venda. Se o negociado fosse a transmissão da fração, com pagamento parcelado do preço (em prestações mensais de €800,00) durante um período indefinido de tempo, teria havido uma confirmação das condições socioeconómicas da Autora, o pagamento de juros (por esse impensável “crédito à habitação”), a constituição de garantias hipotecárias ou de fiadores.

LXXXIII. Opções de compra de imóveis tão irrealistas como as sugeridas pela Autora não decorrem nem de usos da prática, nem da Lei.

LXXXIV. Se fosse esse o entendimento das Partes, os Réus não teriam realizado dispendiosas obras de revalorização do locado, suportando o pagamento das despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio (factos “provados” 13, 28 e 30).

LXXXV. O valor de €220.000,00 foi discutido pelas Partes na hipótese de venda da fração (em alternativa ao seu arrendamento), em 2016. Natural é que, assumindo as mesmas que uma eventual transmissão, a existir, ocorreria em termos imediatos (ou pouco após a celebração do contrato), tivessem apenas acautelado uma mera correção monetária. Tivessem as mesmas efetivamente estipulado a existência de um “pacto de opção” em vigor durante 10 anos e nunca o fator de correção monetária equilibraria as suas posições contratuais.

LXXXVI. O critério da atualização através da correção monetária pode ser comum em algumas estipulações contratuais (atualizações anuais de rendas, de preços de bens perecíveis, de aquisição de serviços com duração plurianual), mas nunca seria normal a sua aplicação no contrato aqui em questão.

LXXVII. Os Réus, depois de fixarem um suposto preço de (alegada) “promessa de venda”, nunca iriam fazer obras num apartamento e suportar dezenas de milhares de euros em despesas de condomínio (carece de lógica para qualquer comum cidadão – é um sentido que nenhum normal declaratário poderia retirar do contrato).

LXXXVIII. Não se admite a tese de que, se as Partes houvessem previsto corretamente esta situação, de acordo com os ditames da boa-fé, teriam verdadeiramente pretendido um negócio de transmissão da fração por €220.000,00, atualizados de acordo com meros índices de inflação: senhorios e Arrendatária não possuíam qualquer especial relação que os unisse previamente à celebração do Contrato (facto “provado” 35); a Autora tem gozado do imóvel; os Réus têm recebido a correspondente (justa / normal) retribuição (facto “provado” 36); não existe possível justificação para a atribuição adicional de uma opção de compra nos termos fabulados pela Autora, que ultrapassa os limites do bom senso.

LXXXIX. Carece da mais elementar boa-fé, raiando mesmo a má-fé, a pretendida possibilidade de compra de um apartamento desta qualidade, por um valor e atualização tão irrisórios.

XC. A vontade real dos proprietários era bem conhecida da Arrendatária (concordaram, quando muito, na atualização do valor do imóvel de acordo com a sua valorização real / de mercado; ainda que se tivesse combinado a dedução do valor das rendas pagas, sempre acresceria ao preço, no mínimo, o montante total das despesas de condomínio pagas pelos proprietários).

XCI. Se a declaratária entendeu a declaração no sentido querido pelos declarantes, nesse sentido é de interpretar tal declaração (a Autora podia e devia ter conhecido as circunstâncias inerentes à celebração do mencionado Contrato de Arrendamento).

XCII. Sem prescindir, ainda que subsistissem dúvidas sobre o sentido da (alegada) declaração, sempre prevalece, nos negócios onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações (art. 237 CC).

XCIII. Caso a Arrendatária (ora Autora) não possa proceder ao pagamento da (justa) quantia pela transmissão da propriedade da fração, apresenta-se como conduzindo ao maior equilíbrio das prestações a pretensão dos Réus em ver apenas mantido o Contrato de Arrendamento do imóvel, gozando ainda a Arrendatária do mesmo mediante o pagamento da renda mensal correspondente, pois a venda da fração pelo (irrisório) preço de €177.934,79 (estipulado pela Sentença ora recorrida) lesaria - em medida não justificada - o seu interesse.

XCIV. Sempre sem prescindir, nos negócios formais, não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (art. 238.º, n.º 1, do CC).

XCV. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade (art. 238.º, n.º 2).

XCVI. Assim, ainda que se declare a validade da Cláusula Nona e que o seu texto suporta a tese da Autora (no que não se concede e apenas se admite por mero dever de raciocínio), a vontade real das partes (atualização do preço de acordo com a valorização real / de mercado do imóvel) tem aqui cabimento.

XCVII. Na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta (art. 239.º do CC).

XCVIII. Quando a dúvida se mantém irredutível, o negócio é nulo – arts. 224.º, n.º 3, e 280.º, n.º 1 do CC.

XCIX. O alegadamente disposto na Cláusula Nona do Contrato de Arrendamento (no entendimento que a Autora lhe confere) sempre o seria, porque ofensivo dos bons costumes (art. 280.º, n.º 2, in fine, do CC).

C. Na hipótese de se entender que a Cláusula Nula não é inválida por vício de forma (o que não se concede), uma de duas: ou o Dig. Tribunal “a quo” decide no sentido da interpretação defendida pelos aqui Réus, e a Cláusula Nona é válida; ou, o que se admite por mero efeito de raciocínio, se entender ser correta a interpretação da Autora, então sempre deve considerar nula a mencionada Cláusula (designadamente, pela ofensa aos bons costumes).

CI. Subsidiariamente, na hipótese de o Dig. Tribunal entender ser válida a Cláusula Nona do Contrato de Arrendamento e, ainda, correta a interpretação conferida pela Autora à mesma, nomeadamente no referente ao critério de atualização (no que não se concede e apenas se admite por mero efeito de raciocínio), QUANTO À ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS EM QUE AS PARTES FUNDARAM A DECISÃO DE CONTRATAR (art. 437.º do CC), ao contrário do declarado pelo Dig. Tribunal “a quo”, no presente caso a alteração das bases negociais foi tão profunda que não se pode - razoavelmente - exigir o cumprimento do contrato nos termos em que (alegadamente) foi celebrado.

CII. O sector imobiliário em Portugal tem-se manifestado com um forte dinamismo de mercado, com as transações e os preços de compra e venda das casas a crescerem sustentadamente, designadamente nos grandes centros urbanos; e o negócio do crédito à habitação (cfr. Docs. 5 e 6 juntos com a Contestação / Reconvenção dos Réus – bases de dados isentas, fidedignas, acessíveis online e portanto do conhecimento público).

CIII. O Dig. Tribunal “a quo” deu como provado o aumento do custo da habitação desde 2017 (facto “provado” 37). Desde 2017, Portugal tem estado no topo da tabela europeia no que toca ao aumento do custo da habitação (cfr. Doc. 7 junto com a Contestação /Reconvenção dos Réus, onde se denota um claro afastamento da média europeia desde esse ano), o que resulta essencialmente da manutenção das dinâmicas de mercado, com uma procura interna resiliente e o crescimento da procura externa (factos públicos, notórios e do inevitável conhecimento da Autora).

CIV. No facto “provado” 32 deveria constar como preço médio do m2, na freguesia de

..., em agosto de 2021, €2.095,00 (Doc. 3 junto com a Contestação / Reconvenção); a área total da fração é de 195 m2 (cfr. Doc. 2 junto com a P.I., 128 m2 + 67 m2; esclarecimentos prestados em audiência pelos Srs. Peritos (ficheiro áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2024-04-17_14-50-45.mp3, 17/04/2024, tempo áudio 00:40:59, [00:08:19] - [00:13:23]); o valor de mercado por aplicação do facto “provado” 32 (corrigido) daria, assim, €408.525,00, para o ano de 2021, e não para o ano de 2020.

CV. De todo o modo, se, por mero dever de ofício, assumíssemos como certa a posição do Dig. Tribunal explanada no facto dado como “provado” 41, então tal implicaria que o “preço médio das habitações no ano de 2016 na Área Metropolitana do Porto e, sobretudo, de Vila Nova de Gaia” era inferior a €1.128,20 (€220.000,00 / 195 m2).

CVI. Ora, se o preço médio em 2016 naquela zona era inferior a €1.128,20 e em agosto de 2021 de €2.095,00, pergunta-se como poderia ser esperado um incremento dos preços, em apenas 5 anos, de pelo menos 86%.

CVII. A (alegada) opção de compra vertida no Contrato de Arrendamento (celebrado ainda em 2016, pouco depois da saída da “troika” e do fim do seu programa de resgate financeiro em Portugal), a existir, terá assentado no pressuposto da estabilização do mercado imobiliário; a existência de tão relevante e anormal expansão (bolha) imobiliária não era minimamente previsível para nenhuma das Partes.

CVIII. Tais alterações não estavam cobertas pelos riscos próprios do Contrato.

CIX. Assumem proporções tais que subvertem a própria economia do Contrato (é manifesta a desproporção existente entre o valor comercial do imóvel e o valor que será obtido pela Autora com a eventual compra do mesmo).

CX. Assim, estando em causa a modificação judicial do contrato, deverá o juiz chegar a um resultado que promova a distribuição equitativa dos danos resultantes dos riscos não cobertos pelo contrato por ambos os contraentes, tendo como propósito a eliminação da situação de inexigibilidade de cumprimento em que se encontra o lesado e como limite a não colocação da contraparte numa situação de inexigibilidade de cumprimento em consequência da modificação.

CXI. Sem prescindir, sempre subsidiariamente, QUANTO à EXECUÇÃO ESPECÍFICA, dir-se-á que, na hipótese de verificação de um alegado contrato de opção, o incumprimento do contrato de opção não é passível de execução específica, uma vez que não existe nenhuma declaração negocial omissa que deva ser suprida, como sucede no contrato-promessa.

CXII. No contrato de opção não se pode exigir judicialmente sentença que substitua a declaração faltosa, porque a opção cria por si mesma o contrato principal (se este nasce com o exercício do direito de opção, não existe declaração faltosa para substituir; quando o concedente se nega a cumprir o contrato principal depois do optante ter exercido eficazmente o seu direito de opção, é possível, quando muito, a imposição coativa ao concedente do comportamento devido, através de uma ação de cumprimento, prevista no art. 817 do CC, dirigida à condenação do concedente na prestação da dívida).

CXIII. Ainda que se admitisse a (inovadora) tese da Sentença recorrida, de qualificação da opção de compra como “promessa unilateral de venda”, também nunca existiria um direito de execução específica da Autora, desde logo por os Réus terem causa justificativa para o não cumprimento da suposta obrigação de formalização da venda do imóvel.

CXIV. É incompatível a emissão de declarações negociais de compra e venda com a existência de um contrato de arrendamento ainda em vigor e a Autora não fez cessar o contrato de arrendamento, do que resulta uma verdadeira impossibilidade de cumprimento.

CXV. Não é possível a execução específica do contrato (de opção ou promessa), uma vez que a tal se opõe a natureza da obrigação assumida (art. 830, n.º 1, in fine, do CC). O ato prometido não pode, pela sua estrutura ou índole pessoal, ser “remediado” por sentença substitutiva de declaração de vontade do contraente faltoso.

CXVI. Sempre sem prescindir, QUANTO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA (art. 473.º, n.º 1, do CC), ainda que se entenda que a (alegada) Cláusula Nona constante do Contrato de Arrendamento sub judice é válida e que prevê a atualização do preço do imóvel unicamente de acordo com os índices de inflação anuais publicados pelo INE (no que não se concede e apenas se admite por mero efeito de raciocínio), nunca se poderia negar ir a Autora enriquecer à custa dos Réus, seus Senhorios.

CXVII. A Autora pretende ver incorporada no seu património uma fração de elevado padrão pela insignificante quantia de €183.238,70. Os Réus, tendo incorrido em avultadas despesas com obras de reabilitação / requalificação do locado, a manutenção do imóvel e do condomínio, vêm diretamente goradas as suas (legítimas – e mínimas) expectativas de habitação, segurança patrimonial e de realização de mais-valias. Nada na negociação do Contrato de Arrendamento fazia prever a exigência de um tão descabido preço de compra.

CXVIII. Subsidiariamente, se ainda assim o Dig. Tribunal “ad quem” entender que assiste razão à Sentença recorrida, sempre se deverá reconhecer que a situação em apreço consubstancia um claro ABUSO DE DIREITO da Autora (art. 334.º do CC), designadamente,

na modalidade da “suppressio”.

CXIX. Verifica-se: um não-exercício prolongado de um “direito” por parte da Autora (o valor de €220.000,00 foi discutido, quando muito, em 2016, na hipótese da compra imediata da fração, em alternativa à celebração do contrato de arrendamento); uma situação de confiança criada nos Réus, durante mais de 4 anos, daí derivada (a Autora deu conhecimento àqueles com quem privava de que não sabia se pretendia adquirir a fração, porque sempre residira em moradia independente e poderia eventualmente não gostar de morar num apartamento e naquela concreta zona); uma justificação para essa confiança (dada a disparatada hipótese de compra aventada e o encarar do arrendamento como um teste / experiência pela Autora); um investimento de confiança (com o dispêndio de quantias avultadas na requalificação e manutenção do imóvel e no pagamento das despesas de condomínio); a imputação da confiança ao não-exercente.

CXX. O “desequilíbrio” no exercício das posições jurídicas sempre constitui um tipo extenso e residual de atuações contrárias à boa fé; comporta diversos subtipos, entre os quais a desproporção grave entre o benefício do titular exercente e o sacrifício por ele imposto a outrem (que aqui se verifica, pois a Autora, exercendo embora um “direito” formal, fá-lo em moldes que atentam contra vetores fundamentais do sistema).

CXXI. Quanto às invocadas HIPOTECAS, os créditos que as mesmas garantiam foram adquiridos pelos Réus, como consta no registo predial (cfr. Docs. 1 e 2 juntos com o Requerimento dos Réus de 02.04.2022). Os Réus podem a elas renunciar (cfr. arts. 871, n.º 4 e 730, al. d) do CC). Não se pode, assim, declarar que a fração “U” se encontra onerada por hipotecas a favor do Banco 1... (facto 2 dado como “provado”). Também nunca poderão os Réus “entregar à Autora o montante do débito garantido por hipoteca ou o valor nele correspondente à fração transmitida e os juros respetivos”.

CXXII. Se assim não se entender (o que não se concede e apenas se admite por mero efeito de raciocínio), então sempre estaríamos perante uma exceção de ilegitimidade passiva, por preterição de litisconsórcio necessário: a existirem as hipotecas, sempre teria de se verificar a intervenção do credor hipotecário.

CXXIII. Como os Réus tiveram a oportunidade de expor em sede de audiência prévia de 28.03.2022 (cfr. documento áudio Diligencia_4629-21.5T8VNG_2022-03-28_14-35-04, 28.03.2022, 14:35-14:42, duração áudio [00:00:00] – [00:07:03]), é admissível a intervenção principal provocada do credor hipotecário, como associado dos Réus, nos termos do art. 316, n.º 1, do CPC, de forma a suprir a ilegitimidade passiva dos Réus quanto aos pedidos formulados pela Autora, para que a sentença produza os seus efeitos úteis normais (art. 33 do CPC), sendo a preterição de litisconsórcio necessário de conhecimento oficioso.

CXXIV. Se a entidade bancária não intervier nos presentes autos e, julgada definitivamente a ação procedente (o que não se concede), o bem for transmitido para o património da Autora e esta, como nova proprietária do bem hipotecado, pretender expurgar as hipotecas que sobre ele impendem, poderá acontecer que o Banco não reconheça a Autora como proprietária e impeça tal expurgação, invocando que a Sentença proferida não lhe é eficaz (art. 721, 722 e 723 do CC).

CXXV. Aguarda-se por decisão referente à presente exceção, atempadamente invocada nos autos. A douta Sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia do Dig. Tribunal “a quo” quanto a uma exceção que deveria ter apreciado (art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC).

CXXVI. De tudo quanto anteriormente exposto, extrai-se que:

A douta Sentença recorrida é nula, e como tal deve ser declarada, por evidente oposição dos seus fundamentos com a decisão, ocorrendo uma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível (art. 615.º, n.º 1, al. c) do CPC), e por omissão de pronúncia do Dig. Tribunal quanto a matéria (de facto e de Direito) que deveria apreciar (art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC).

Caso assim não se entenda (no que não se concede e apenas se admite por mero efeito de raciocínio), subsidiariamente, sempre deverá ser revogada por ter violado, por erro de interpretação e/ou aplicação, o disposto nos citados preceitos e diplomas legais (designadamente, os arts. 219, 220, 221, 224, 230, n.º 1, 236, 237, 238, 239, 280, 292, 295, 334, 354, al. a), 364, 393, n.º 1, 410, n.º 1, 437, 473, 721, 722, 723, 730, al. d), 817, 830, 871, n.º 4, 871, n.º 4, 875 do CC; 80, n.º 1, do Código do Notariado; 33 e 316, n.º 1 do CPC; art. 2, n.ºs 1, 2, al. a) e n.º 3, do CIMT).

Deverá ainda, sempre e em todo o caso, ser tal Sentença substituída por outra decisão que julgue no sentido antes exposto, a) julgando totalmente procedentes as exceções deduzidas (designadamente, a nulidade do (alegado) negócio de opção, a atinente à vontade real e querida dos contraentes e, subsidiariamente, as de alteração de circunstâncias, enriquecimento sem causa, abuso de direito, entre outras), com todas as legais consequências; sem prescindir, b) sempre e de todo o modo, alterando a matéria dada como “provada” e como “não provada” nos termos antes defendidos, considerando improcedente por não provada a presente ação, com todas as legais consequências, designadamente a absolvição dos Réus da integralidade do pedido; subsidiariamente, c) a lograr provimento total ou parcial a presente ação (ou seja, na hipótese de o Dig. Tribunal “ad quem” vir também a entender pela validade da Cláusula Nona e/ou pela correção da interpretação pretendida pela Autora), nesse caso (e só nesse), julgando totalmente procedente o pedido reconvencional, por provado, condenando-se a Autora reconvinda ao pagamento de quantia nunca inferior a €408.525,00 (quatrocentos e oito mil, quinhentos e vinte e cinco euros) ou, se mesmo assim se não entender, de quantia nunca inferior a €336.143,29 (trezentos e trinta e seis mil, cento e quarenta e três euros e vinte e nove cêntimos - conforme Relatório de Peritagem colegial), sendo certo nunca poder o valor da condenação descer abaixo dos €183.580,83 (atentas as retificações dos cálculos da Sentença recorrida, anteriormente apresentadas), pelo exercício da (alegada) opção de compra da fração autónoma “U”, propriedade dos Réus; d) tudo, à luz da equidade (se necessário) e boa fé, e com as legais consequências.


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Foram apresentadas contra-alegações.

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A 18.03.2025 o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho referente ao pedido de rectificação formulado nas alegações:

“(…)

Os Réus, no requerimento de interposição de recurso vêm requerer a retificação de erros materiais da sentença.

Para o efeito alegam que o facto nº 32 dado como “provado” é, por lapso, inexato e não coerente com o respetivo documento de suporte e que o tribunal, na sentença recorrida, declara que “Resulta dos factos provados que o imóvel a que as partes atribuíram o valor de € 220.000,00 a atualizar em função dos índices de inflação (que seria de € 226.438,70, em 2020 por aplicação dos índices de preços no consumidor) por força do incremento dos preços de mercado, que o valor de mercado em 2020 seria de cerca de € 256.000 (por aplicação do valor do m2 dado como provado no facto 32) e que atualmente tem o valor de € 336.143,29”, mas que labora em erro porque no facto 32 deveria constar como preço médio do m2, na freguesia ..., em agosto de 2021, € 2.095,00 e a área total da fração é de 195 m2.

A Autora, pronunciou-se contra a requerida retificação.

Nos termos do disposto no artigo 614º do Código de Processo Civil “Se a sentença (…) contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz. 2 - Em caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à retificação.”.

Analisados os erros materiais imputados à decisão proferida entendo que os mesmos não se verificam.

De facto, pretendem os recorrentes fundamentar o alegado lapso em documento que referem, quando resulta da motivação da decisão que o facto provado resulta da valoração de vários documentos e que o mesmo resulta dessa valoração e conciliação de documentos, o mesmo se verificando no que se refere ao valor fixado ao imóvel, sobre o qual é expressamente referido na motivação que se deu especial relevância à perícia realizada.

Pelo exposto, entendo que não se verifica erro material suscetível de retificação na decisão proferida, mas discordância dos Réus com a mesma.”


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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

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2. Factos

2.1 Factos provados

O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:

1. Os Réus são donos e legítimos possuidores da fração autónoma identificada pela letra “U”, correspondente a uma habitação no primeiro andar direito, com entrada pelos números ...53 e ...57 da Avenida ..., da qual fazem parte uma garagem na cave com o número ...6, um arrumo na cave e um arrumo no sótão com o número 17, que faz parte do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, situado na Avenida ..., ..., em Vila Nova de Gaia, descrito na 1.ª C.R. Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ...76, e inscrita na matriz sob o artigo ...27 (cf. certidão permanente e caderneta predial urbana juntas como documentos nº 1 e 2 com a petição inicial e informação remetida a 22.06.2022, que se dão por reproduzidos)

2. Tal fração encontra-se onerada por hipotecas a favor do Banco 1... S.A..

3. Por documento escrito, intitulado de “Contrato de arrendamento para habitação com prazo certo”, celebrado no dia 11 de março de 2016, os Réus cederam à Autora o gozo e fruição da fração identificada em 1. (cf. documento nº 3 da petição inicial, que se dá por reproduzido)

4. Da cláusula 2ª do contrato consta que o mesmo é celebrado pelo prazo de 10 anos, com início a 1 de junho de 2016, renovável por iguais e sucessivos períodos de 10 anos.

5. A renda inicial mensal foi fixada em € 800,00.

6. Por do documento escrito, intitulado de “Aditamento ao Contrato de arrendamento para habitação com prazo certo”, celebrado no dia 21 de novembro de 2016, as partes declararam que o contrato teria início a 01 de novembro de 2016 e que a inquilina não está obrigada ao pagamento da renda dos últimos dois meses da vigência do contrato. (cf. documento nº 4 da petição inicial, que se dá por reproduzido).

7. Deste documento consta “que se mantêm as demais cláusulas do contrato celebrado”

8. No contrato foi estipulado que as comunicações da inquilina aos senhorios deveriam fazer-se para a morada Avenida ..., ..., ... Vila Nova de Gaia.

9. Nos termos da cláusula Nona do contrato “1- A 2.ª outorgante durante a vigência do presente contrato poderá exercer a opção de compra do imóvel mediante o pagamento do preço de 220.000,00€ (duzentos e vinte mil euros) actualizado anualmente de acordo com os índices de inflação. 2- No caso de opção ser exercida pela 2 outorgante ao preço estipulado na alínea anterior será deduzido o montante de todas as rendas descontando o condomínio, entretanto pagas”.

10. O Contrato de Arrendamento foi sendo pontualmente cumprido pela Autora, designadamente, quanto ao pagamento da renda estipulado no montante de € 800,00.

11. Por cartas registadas, datadas de 21.12.2020, que os Réus receberem na morada descrita em 8., a Autora comunicou que, nos termos da cláusula nona do contrato, exercia o direito de opção à compra da fração, pelo valor atualizado de acordo com os índices de inflação de € 226.438,70, ao qual seriam descontadas as rendas pagas, no valor global de € 40.000,00. (cf. documento nº 11 da petição inicial, que se dá por reproduzido).

12. Na mesma carta comunica aos Réus estar em condições de celebrar a compra e venda por escritura, no prazo de 60 dias e solicita que lhe seja enviada “toda a informação necessária à marcação de tal escritura, designadamente, os elementos de identificação civil e fiscal, naturalidade e domicílio”.

13. O condomínio não era, nem é suportado pela Autora.

14. Por carta datada de 01.03.2021, os Réus comunicam que não concordam com o teor da carta datada de 21.12.2020, que a interpretação dada à clausula nona não é consonante com as negociações e que o preço deve ser atualizado de acordo com a valorização de mercado do imóvel. (cf. documento nº 12 da petição inicial, que se dá por reproduzido)

15. Da mesma carta consta que “Do que resulta ser desproporcionado o valor de compra por V. Exª avançado: “Não obstante o anteriormente exposto, mantém-se a abertura do n/ constituinte à eventual celebração de um contrato de compra e venda do mencionado imóvel, como forma de honrar o compromisso assumido perante V.Exa., por um preço que se revele equilibrado para ambas as partes. Sugere-se, assim, a venda da fração “U” por quantia nunca inferior a €280.000,00 (duzentos e oitenta ml euros). Todavia, numa atitude de colaboração para com V. Exa, e numa tentativa de se levar o presente assunto a bom porto, pela via consensual, a tal montante poderá ser abatida a quantia de €10.000,00 (dez mil euros), relativa à previsão de despesas avançada pela Administração do Condomínio com a realização de obras de manutenção no edifício (designadamente, nas suas partes comuns). No que se poderia avançar, então, para a imediata celebração de uma escritura de compra e venda, já no presente mês de março, pela quantia de 270.000,00 (duzentos e setenta mil euros)”.

16. A Autora remeteu aos Réus cartas datadas de 19 de março de 2021, para a morada descrita em 7, que vieram devolvidas.

17. Depois, por carta registada com aviso de receção datada de 05 de abril de 2021, remetida à mandatária dos Réus, comunicou data para realização de escritura de compra e venda.

18. Em resposta foi remetida comunicação com informação de não ter poderes para receber notificações.

19. A Autora, tendo conhecimento de outra morada dos Réus, remeteu aos mesmos carta registada datada de 19 de abril de 2021, da qual consta o seguinte: “Procedi, como já disse, à marcação da respetiva escritura no Cartório (…) Assim sendo, convoco para: a) COMPARECEREM, o Senhor Arquitecto BB e a Senhora Dona CC, no Cartório (…), a fim de outorgarem, como vendedores, na escritura pública compra e venda da fração habitacional (…) inscrita na matriz sob o artigo ...27 e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...76; b) FACULTAREM ou ENTREGAREM naquele Cartório, até ao dia 16 de Abril de 2021, toda a informação e documentação necessária à realização de tal escritura (…), designadamente, os elementos de identificação civil e fiscal, naturalidade, regime de bens e domicílio, licença de habitabilidade da fração, comprovativo do último pagamento do Condomínio e o distrate da hipoteca que ainda se encontra registada a favor de instituição bancária; c) FICAREM CIENTES, que tendo em conta que em 27 de Abril de 2021 já se encontrarão pagas 54 rendas de € 800,00€, o valor a descontar ao indicado preço que mantenho de € 226.438,70, será de € 43.200,00, pelo que o preço da compra a entregar é de € 183.238,70 (que será titulado por meio de cheque bancário) contra a venda da mencionada fração, livre de ónus, encargos e responsabilidades. d) FICAREM ADVERTIDOS, (…) para a consequência do incumprimento por falta da comparência à escritura e/ou da sua não realização por virtude da não entrega atempada da documentação a ela necessária, designadamente do distrate da hipoteca, que serão tidos como incumprimento definitivo a eles imputável, dando lugar ao exercício do direito à execução específica do contrato (…)”. (cf. documento nº 17 da petição inicial, que se dá por reproduzido).

20. No dia 27 de Abril de 2021, Autora e Réus compareceram pessoalmente no cartório. (cf. documento nº 18 da petição inicial, que se dá por reproduzido).

21. Nessa data, pela Autora estava pronto para entregar aos Réus, para pagamento do preço da venda, um cheque bancário no montante de € 183.238,70 emitido pela Banco 3... com o n.º ...85 à ordem do Réu marido.

22. Nessa data a Autora já tinha pago 54 rendas, no valor global de € 43.200,00.

23. A Autora declarou que pretendia comprar a fração por exercício do direito de opção conferido pelo contrato de arrendamento, pelo preço de € 183.238,70, livre de ónus, encargos e responsabilidades.

24. Os Réus declararam não aceitar o preço de € 183.238,70.

25. Na data não foi apresentado distrates das hipotecas que incidem sobre a fração.

26. Não foi outorgada escritura de compra e venda.

27. As rendas pagas pela Autora até à data da propositura da presente ação perfazem a quantia de € 44.800,00.

28. As despesas de condomínio ficaram a cargo dos Senhorios.

29. Os Réus gastaram, desde 2016 até 2024, em despesas de condomínio (quotas e fundo de reserva anual), o montante de € 5.048,53 e de 2020 até à presente data procederam ao pagamento da quantia de 9.647,56, no valor global de € 14.696,09.

30. Os Réus, antes do contrato de arrendamento fizeram as seguintes obras no imóvel: arranjo de pavimentos, alteração da banheira para base de duche, modificação da lareira com colocação de uma pedra e pintura da totalidade da fração.

31. O valor médio do m2 no concelho de Vila Nova de Gaia, em agosto de 2021, era de cerca € 1.810,00.

32. O valor médio do m2 na freguesia ..., em agosto de 2021, era de cerca € 2.000,00.

33. A tendência de subida de preços verifica-se por todo o país, com as transações e os preços de compra e venda de habitações a crescerem sustentadamente, designadamente nos grandes centros urbanos.

34. As partes convencionaram que ao preço obtido com o desconto das rendas acresceria o montante total das despesas de condomínio pagas pelos proprietários.

35. Senhorios e Arrendatária não possuíam qualquer especial relação que os unisse previamente à celebração do contrato.

36. A Autora tem gozado do imóvel e os Réus têm recebido a correspondente retribuição.

37. Desde 2017 verifica-se um aumento do custo da habitação.

38. O contacto da Autora e dos Réus fez-se sem intervenção de mediador imobiliário.

39. Os Réus constituíam uma família muito com 3 filhos, sendo ele arquiteto de profissão e ela professora de dança.

40. A fração tem 20 anos de construção.

41. À data da celebração do contrato o preço estipulado pelas partes estava acima do preço médio das habitações no ano de 2016 na Área Metropolitana do Porto e, sobretudo, de Vila Nova de Gaia.

42. Aquando da visita à fração a Autora comunicou aos Réus que não sabia se se iria adaptar a viver num andar e gostar da zona, mas gostando, a sua intenção era comprar.

43. Até então a Autora sempre tinha vivido numa moradia independente.

44. Aquando das obras na fração foi a Autora que suportou os gastos com a mudança dos dois sanitários e do bidé, que substituiu as portas do balcão da cozinha, que instalou na lareira o recuperador de calor e que substituiu os rolamentos das portas.

45. O aditamento foi celebrado devido ao atraso dos Réus na realização das obras.

46. Os Réus continuam, mensalmente, a receber da Autora a quantia de € 800,00.

47. Em 2020, uma fração de tipologia T3 foi vendida por € 280.000,00. (cf. documento nº 6 junto com a réplica, que se dá por reproduzido)

48. O valor atual da fração é de € 336.143,29.

49. Até maio de 2023 a Autora liquidou rendas no valor global de € 63.200,00.


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2.2. Factos não provados

O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:

1. As partes acordaram que a atualização se faria de acordo com a valorização real / de mercado do imóvel.

2. Nas obras efetuadas os Réus despenderam € 10.000,00.

3. A fração descrita em 1. tem o valor de mercado de € 408.525,00.

4. Os valores de mercado dos imóveis com a mesma tipologia da fração “U” (T2), as mesmas áreas e a mesma localização (primeira linha da margem sul da ..., com vista sobre o rio, a Cidade do Porto e o mar) raramente descem abaixo dos € 350.000,00.

5. Recentemente foi vendida, no mesmo condomínio, uma fração de tipologia T3, com uma área aproximada à da fração “U”, um só lugar de garagem e arrumos de dimensões reduzidas, por € 300.000,00.

6. Nesse edifício, encontrava-se também à venda uma fração de tipologia T2, no rés-do-chão (com menos privacidade e piores vistas do que a fração dos Réus, situada num 1.º andar), com menor área útil que a da fração “U” e um só lugar de garagem, pelo valor de € 280.000,00.

7. A Autora sabia que a vontade dos Réus era fazer constar do contrato que o preço de venda da fração seria atualizado aos índices de mercado aplicáveis aquando do exercício da opção de compra.

8. A opção de compra foi convencionada pelas partes na convicção de que se verificaria uma estabilização do preço no mercado imobiliário.

9. A expansão imobiliária não era previsível para nenhuma das partes.

10. A fração em causa necessita de obras de remodelação, da montagem de uma cozinha com móveis novos e equipamentos eletrodomésticos, de uma nova exaustão e, em breve, de obras para substituição de canalização.

11. A piscina interior da área comum está fechada e o seu funcionamento depende da realização de obras que custarão aos condóminos mais de € 200.000,00, cabendo à fração em causa, uma verba não inferior a € 10.000,00.


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2.3 Convicção do Tribunal

O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção nos seguintes termos:
“Decisivo na resposta à matéria de facto provada são os documentos que são referidos ao longo dessa peça, que por isso aqui não se vão voltar a enumerar de forma exaustiva, os quais têm a força probatória que a leis lhes concede.
Assim, os factos provados sob os números 1., 2., 20. a 26., resultam dos teor dos documentos a que junto dos mesmos se faz referência (Certidão Permanente junta com a petição inicial, com o requerimento de 02.04.2022, com ofício de 14.04.2022 e informação de 22.06.2022, Caderneta Predial Urbana, certificado emitido pelo Notário, Escritura de cessão de créditos junta com o requerimento de 02.04.2022).
Os factos provados sob os números 3. a 9., 11., 12., 14., 15. e 19., resultam dos teor dos documentos a que junto dos mesmos se faz referência, cujo teor foi expressamente aceite no depoimento de parte do Réu (contrato de arrendamento e aditamento ao mesmo, carta de 21.12.2020 com respetivos AR, carta datada de 01.03.2021 e carta datada de 19.04.202). Esta carta de 01.03.2021 assume especial relevância para a convicção quanto à vontade das partes e valor do imóvel, uma vez que nesta os Réus admitem expressamente o valor de € 280.000,00 e declaram aceitar vender por € 270.000,00, sendo que a carta foi redigida cerca de seis meses antes de apresentarem contestação nos autos, na qual vêm alegar valor superior a € 400.000,00.
Para os montantes referentes a pagamentos de rendas a que se referem os factos provados sob os números 10., 27. e 47., efetuados pela Autora relevaram a confissão do seu recebimento na contestação, no depoimento de parte e no requerimento de 26.06.2022 e ainda os documentos juntos aos autos com a petição, com a réplica, com o requerimento de 13.06.2022, com o requerimento de 01.06.2023 (comprovativos pagamento de rendas por multibanco), que perfazem o montante de € 63.200,00 até maio de 2023.
Os factos provados sob os nºs 13. e 28. foram expressamente admitidos por ambas as partes.
No que se refere ao valor do imóvel e preços de mercado foram considerados os documentos juntos com a contestação e com o requerimento de 27.09.2021 referentes a pesquisas imobiliárias (se bem que não todos referentes a imóveis com idênticas características ou tempo de construção – veja-se o anúncio de T2 duplex, em estado de novo com valor de anúncio de venda inferior ao atribuído pelos Réus ao seu imóvel com mais de 20 anos de construção), índice de preços da habitação, Indexante preços imobiliário (que demonstram a conhecida evolução positiva dos preços, mas não com curva tão acentuada quanto a alegada pelos Réus); os documentos juntos com a réplica (referente a estatísticas de Preços da Habitação ao nível local, do INE, de outubro de 2017 e escritura de compra e venda de março de 2020, referente a fração do mesmo prédio da fração dos autos, pelo valor de € 280.000,00)
Foi considerado o relatório junto com o requerimento de 13.06.2022, no qual foi atribuído o valor de € 275.000,00 ao imóvel, e do qual consta que em 2020, face à conjuntura económica originada pela pandemia Covid-19, a situação no mercado é incerteza no que se refere à evolução dos preços, muito dependente do período de tempo em que a situação se mantiver e do equilíbrio que se estabelecer entre a oferta e a procura, bem assim como quanto à evolução da economia.
Acima de tudo relevou a perícia colegial feita nos autos, cujo relatório se encontra junto por email de 11.07.2023, que avaliou a fração em € 336.143,29, e com esclarecimentos prestados por email de 22.12.2023 e em audiência de julgamento, com as amostras de pesquisa efetuadas juntas por email de 15.02.2024. Neste âmbito é de relevar a unanimidade dos Senhores peritos que, em sede de audiência de julgamento foram muito claros nos esclarecimentos prestados, denotando total isenção e seriedade, explicando de forma detalhada a forma como chegaram ao valor encontrado.
Para o valor médio do m2 em 2020 fez-se a conjugação de todos os elementos de prova juntos, nomeadamente, o relatório junto pela Autora, o relatório pericial e os índices de preços, que demonstram a tendência crescente dos preços, sendo verosímil que o preço em 2020 fosse de cerca de € 2.000,00 e à data da perícia dos autos ultrapassasse os € 2.500,00.
No que se refere às quantias despendidas pelos Réus com o condomínio relevaram o Email de 05.02.2021 enviado pelo condomínio, junto com a contestação (sendo de relevar que, no que se refere ao ano de 2016 contabiliza todo o ano e o contrato só teve início em novembro), o email de 07.11.2022, que contém atas do condomínio dos anos de 2020 e 2022, com informação de não se terem realizado assembleias nos anos 2019 e 2021, orçamento para obras existente naquela data; o Email de 05.04.2023, com orçamento e contrato empreitada condomínio, com a indicação de que deve ser pago em 3 tranches, a primeira, no valor de € 5.762,61, e as duas seguintes de € 3.457,57 e € 2.305,04.
Neste âmbito foi também considerado o requerimento de 04.07.2023 no qual os Réus admitem não terem procedido, até à data, ao pagamento de quantias relativas a quotas extraordinárias para obras no edifício.
Foram, ainda, considerados os documentos juntos com o requerimento de 17.04.2024 dos quais resulta que os Réus, de janeiro de 2022 a dezembro de 2023 pagaram a quantia total € 3.647,56; que em 12.01.2024 deviam a quantia de € 13.206,38 e que na pendência dos autos efetuaram três pagamentos no valor global de € 6.000,00 (€ 5.000,00 em 31.01.2024, € 1.000,00 em 23.02.2024 e € 1.000,00 em 30.03.2024), sendo que para a prova destes pagamentos foi também considerada a prova testemunhal a que infra se fará referência.
Desta prova resultou que os Réus lograram provar que pagaram de condomínio desde a data de celebração do contrato até 2020 a quantia de € 5.048,53 (considerando dois meses de 2016 - € 1681.15:12 + € 1681.15:12 no ano de 2017 + € 1681.15:12 no ano de 2018 + € 2.017,36 no ano de 2019, sendo o montante global deduzido da quantia em divida nessa data, no valor de € 611,32), de 2020 a 2023 pagaram a quantia de € 3.647,56 e que posteriormente pagaram a quantia global de € 6.000,00, tudo no valor global de € 14.696,09, encontrando-se, ainda em dívida com o condomínio.
Para os factos provados sob os números 16. a 18., 21., foram relevantes o teor dos documentos juntos com a petição inicial sob os números 13 a 16 (cópias de cartas devolvidas, carta Autora datada de 19.03.2021, acompanhada de ficha do Instituto Nacional de Estatística (INE), carta Autora datada de 05.04.2021, acompanhada de ficha do Instituto Nacional de Estatística (INE), carta dos mandatários dos Réus datada de 08.04.2021) e 19 (cópia de Cheque bancário), conciliados com as declarações de parte e prova testemunhal, sendo certo que os Réus compareceram na data marcada para realização da escritura.
Foram analisados os documentos juntos com o requerimento de 17.04.2024 referentes ao processo de divórcio e partilha dos Réus.
Os demais factos resultam dos depoimentos de parte, declarações de parte e depoimentos testemunhais.
Os depoimentos de partes foram considerados nos termos que constam das assentadas lavradas em ata.
É de relevar que ambas as partes, no geral, denotaram sinceridade e correção, convergindo nos termos do que haviam acordado, com exceção da forma de atualização do preço fixado, sendo que neste âmbito se mostrou mais verdadeira a Autora, afirmando de forma clara que ambas as partes sabiam que o preço era o “preço base fixado no contrato mais inflação” .
É de relevar, ainda, que o Réu admitiu que o contrato foi negociado entre ambas as partes; que, em virtude de a Autora manifestar que queria comprar, mas que antes precisava de experimentar para ver se se adaptava a viver num apartamento porque até aí sempre tinha vivido em moradia, acordaram em celebrar contrato de arrendamento com opção de compra; que conhecia o teor da cláusula nona e que nos termos da mesma a Autora podia, durante o prazo de 10 anos estabelecido no contrato, exercer esse direito/faculdade de comprar o imóvel pelo preço de € 220.000,00; que se viesse a efetuar essa opção, no preço acordado era descontado o valor das rendas pagas até essa data e acrescido o montante pago pelos Réus a titulo de condomínio. Demonstrou saber que da cláusula constava que o preço seria atualizado de acordo com os índices de inflação, mas afirmou que achava que era atualizado ao valor do mercado, não tendo logrado justificar de forma credível tal afirmação e, por conseguinte, criar convicção do tribunal nesse sentido.
A Autora prestou depoimento idêntico quanto à negociação e termos do contrato, mas afirmando de forma clara que o pretendido era a atualização em função dos índices de inflação e que isso foi expressamente acordado; que o preço acordado era um preço elevado para a data, mas que aceitou por ter a possibilidade de descontar as rendas pagas.
No que se refere às obras efetuadas na fração pelos Réus, as partes convergiram nas mesmas nos termos que foram dados como provados e que foram efetuadas em virtude de o imóvel ter deterioração resultante da normal vivência de uma família com crianças, sendo necessárias para o arrendamento à Autora ou a terceiros, não tendo sido decorrência do efetivo negócio celebrado pelas partes, tendo as mesmas consistido em mera pintura, melhoria do estado do chão e alteração de banheira por apresentar problema de infiltração. Afirmou a Autora, o que não foi negado pelo Réu, que o contrato foi celebrado por terceiro a pedido do Réu, tendo à data ficado convencida que tinha sido uma irmã do mesmo a redigir o contrato, mas que nunca falou com quem o redigiu, tendo sido o Réu a transmitir o teor do acordado com a Autora e, consequentemente, o critério para a atualização do preço.
Em sede de declarações de parte a Autora denotou sinceridade, espontaneidade e correção, afirmando de forma segura que os termos do contrato foram discutidos, negociados e acordados entre Autora e Réu e que o acordado foi a atualização em função da inflação; que foi assim que calculou o valor quando comunicou a opção de compra. Confirmou obras feitas pelo senhorio nos termos dados como provados (por se encontrar degradado e ter infiltração na banheira) e o que foi suportado pela própria; confirmou o teor das comunicações trocadas entre as partes, a devolução de cartas e a descoberta de nova morada dos Réus, que não lhe tinha sido comunicada.
No âmbito da prova testemunhal é de relevar que a prova testemunhal da Autora denotou sinceridade e espontaneidade, com conhecimento dos factos a que prestaram depoimento, resultando dos depoimentos que sabiam ter a Autora celebrado um contrato de arrendamento com possibilidade de vir a comprar o imóvel por preço já fixado, atualizado em função da inflação.
Nesse sentido foram os depoimentos de FF, engenheiro mecânico, amigo da Autora há mais de 30 anos e HH, profissional de seguros, irmão da Autora, que acrescentaram que quer o valor da renda, quer o valor fixado para a compra eram muitos elevados à época (o valor da renda era superior a 1 e ½ salários mínimos brutos) e que a opção de compra foi determinante para a Autora celebrar o contrato naqueles termos. A segunda afirmou ainda que, nos termos do acordado, a irmã teria de pagar as quantias pagas pelo Réu de condomínio durante o tempo que vigorasse o contrato de arrendamento e que em janeiro de 2021, depois de ter decidido que queria comprar, lhe pediu para a ajudar com resgates de operações financeiras para disponibilizar dinheiro para a aquisição do imóvel; que fez o cálculo do valor a pagar: valor fixado atualizado pelos índices de inflação e descontadas as rendas pagas, mas que o negócio não se chegou a concretizar porque os Réus, nessa data, queriam valor mais elevado. Afirmou de forma clara que a clausula foi negociada pelas partes e que o contrato foi celebrado pelo Réu ou por alguém a seu pedido, resultando daqui que foi o próprio Réu a redigir a cláusula ou a transmitir o seu conteúdo a quem redigiu o contrato.
Também no mesmo sentido o depoimento de GG, secretária de direção, amiga da Autora há mais de 40 anos, que assumiu especial relevância por ter acompanhado a Autora em todo o processo de procura de casa e negociação do contrato em causa nos autos, mostrando-se muito segura ao longo de todo o depoimento, tendo relatado que as partes não se conheciam, que foi visitar o imóvel com a Autora, que os Réus estavam disponíveis para vender ou arrendar, mas que a Autora não queria comprar de imediato por ter receio de não se adaptar a viver em apartamento; descreveu os termos do contrato nos termos alegados pela Autora; que o preço de venda ficou logo fixado, acordando na sua atualização anual em função dos índices de inflação e que as rendas pagas viriam a ser abatidas no preço. Confirmou as obras feitas por senhorio e materiais adquiridos pela Autora.
O depoimento de JJ, engenheiro civil que elaborou o relatório de avaliação junto aos autos pela Autora, confirmou o teor do mesmo e pronunciou-se de forma idêntica aos peritos quanto à formula de cálculo dos valores de avaliação, com recurso, se necessário, a fatores de homogeneização; admitindo que em 2022 e 2023 o valor de mercado subiu de forma significativa; que à data que elaborou o relatório o valor da fração era o atribuído, afirmando que, nessa data, estava à venda, imóvel idêntico, no mesmo edifício, no piso inferior, por € 255.000,00.
As testemunhas dos Réus não denotaram o mesmo conhecimento dos factos.
De facto, a testemunha II, advogada, amiga do Réu, não demonstrou conhecimento dos factos, relatando que apenas recentemente teve conhecimento do contrato celebrado e a sua interpretação da cláusula nona nos termos pugnados pelos Réus.
O mesmo se verificou com a testemunha KK, gestor comercial da A..., amigo do Réu, que referiu saber apenas o que o mesmo lhe relatou, mas que ouviu falar em inflação no que se refere à atualização do preço de venda acordado. Confirmou que a zona onde se insere o imóvel valorizou muito nos últimos anos.
A testemunha DD, advogada, irmã do Réu, afirmou não ter tido qualquer intervenção nas negociações ou redação do contrato, nem saber o que as partes acordaram na data da celebração do contrato, tendo conhecimento do que lhe foi relatado pelos Réus. Prestou depoimento com considerações genéricas, fazendo a sua interpretação do contrato, denotando contradições, nomeadamente ao começar por referir que o irmão nem pretendia vender o imóvel, o que retificou depois de confrontada com o facto de o próprio irmão o ter admitido. Confirmou, no entanto, o pagamento de quantias ao condomínio na pendência da ação.
EE, professora, mãe do Réu, desconhecendo as negociações e termos do contrato celebrado entre as partes, assumiu relevância quantos aos pagamentos efetuados ao condomínio, que têm sido por si concretizados. Relatou de forma espontânea que à data da celebração do contrato o Réu já pretendia vender, mas que a Autora não quis comprar de imediato porque queria ver se conseguia adaptar-se, resultando do seu depoimento e da generalidade dos depoimentos das testemunhas dos Réus, que estes, agora, se mostram arrependidos do negócio celebrado porque o imóvel atualmente vale mais.
Os factos não provados resultam de total falta de prova (valor das obras efetuadas e necessidade de novas obras), de a prova ter sido insuficiente à convicção do tribunal ou de ter sido feita prova em sentido contrário (factos relacionados com a vontade das partes e valor do imóvel), como ficou a constar da matéria de facto provada.
Tudo ponderado resultou provado que a real vontade das partes foi a celebração de contrato de arrendamento, com a possibilidade de aquisição pela Autora nos termos pela mesma alegados, ou seja, pelo pagamento do preço pré-fixado de € 220.000,00, atualizado em função da inflação, ao qual seria deduzido o montante das rendas pagas e acrescido o montante pago pelos senhorios a título de condomínio. Sendo, no fundo, a vontade das partes criar situação idêntica à que resultaria se o negócio de compra e venda tivesse sido celebrado na data da celebração do contrato de arrendamento. Por outro lado, é manifesto que as partes não tinham a convicção de que se verificaria uma estabilização do preço no mercado imobiliário uma vez que fixaram expressamente mecanismo de atualização do preço acordado.
Por fim, ficou a convicção plena que os Réus conheciam todos os termos do negócio e mecanismo de atualização de preço fixado (até porque resultou demonstrado que o contrato foi celebrado por terceiro a pedido do Réu, a quem transmitiu os termos negociados e acordados com a Autora), tendo, no entanto, vindo, mais tarde, a arrepender-se do negócio celebrado porque o preço dos imóveis na zona subiu de forma considerável e atualmente conseguiriam vender o imóvel por preço superior.”
*


3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar:

Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a resolver prendem-se com saber:

a. da nulidade da decisão;

b. da impugnação da matéria de facto;

c. do mérito da decisão, nos seguintes segmentos:

- da qualificação do contrato celebrado e da interpretação da cláusula 9ª;

- da alteração das circunstâncias em que foi fundada a decisão de contratar;

- do enriquecimento sem causa;

- do abuso de direito;

- do direito à execução específica do contrato e do montante a pagar.

- da reconvenção.


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4. Conhecendo do mérito do recurso

4.1 Da nulidade da sentença por violação das alíneas c) e d), do nº 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

4.1.1. Da nulidade da sentença por a sua fundamentação estar em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível.

Alegam, desde logo, os Apelantes que a sentença recorrida é nula por oposição dos fundamentos com a decisão, ocorrendo uma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível.

Sustentam, ser contraditória a afirmação do Tribunal “a quo” relativa à Cláusula Nona, de que:

“O texto da mesma não oferece dúvidas quanto a concessão de direito de opção de compra à Autora, quanto ao prazo em que o pode fazer (os 10 anos estabelecidos para a duração do contrato de arrendamento) nem quanto ao valor fixado ao imóvel (€ 220.000,00), ou seja, a literalidade da cláusula determina se considere que as partes convencionaram um contrato de arrendamento (e o seu prazo) e uma promessa unilateral de venda [!!!], mediante a qual a Autora podia optar pela compra da fração.”

Vejamos, então.

De acordo com o disposto na alínea c), do n.º 1, do citado artigo 615º, do Código de Processo Civil, a sentença será nula “quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.

Quanto à hipótese de contradição entre os fundamentos e a decisão, ela bem se compreende, pois que os fundamentos de facto e de direito, que fundamentam ou justificam a decisão, funcionam na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a mesma, como premissas lógicas necessárias para a formação do denominado silogismo judiciário. Trata-se, pois, de a conclusão decisória decorrer logicamente das respectivas premissas argumentativas.

Assim sendo, existirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença quando os seus fundamentos conduzam logicamente a conclusão oposta ou diferente da que no mesmo resulta enunciada.

A propósito da nulidade de que ora curamos, de forma clara, refere Antunes Varela[1], em comentário ao preceituado no artigo 668º, n.º 1, al. c), do pretérito CPC - correspondente ao atual artigo 615º, n.º 1, al. c) do NCPC -, o que está em causa refere-se à “contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão.”.

No fundo, trata-se de “um vício real no raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.[2]

Trata-se, pois, de um vício lógico, de uma contradição lógica entre a fundamentação convocada e o sentido decisório.

A fundamentação aponta, de forma inequívoca, no sentido da procedência da causa e a decisão é a oposta - improcedência da causa -, a fundamentação aponta no sentido da improcedência da causa e a decisão é a oposta - procedência - ou, ainda, a fundamentação aponta num determinado sentido decisório e este último acaba por seguir direcção oposta ou contraditória. Tratar-se-á de um vício ostensivo para um leitor minimamente diligente e sagaz em face do conteúdo do acto jurisdicional proferido (despacho/sentença/acórdão) e a respectiva parte decisória final.

Em suma, colhendo a lição de J. Alberto dos Reis[3], “quando os fundamentos estão em oposição com a decisão, a sentença enferma de vício lógico que a compromete. A lei quer que o juiz justifique a sua decisão. Como pode considerar-se justificada uma decisão que colide com os fundamentos em que ostensivamente se apoia?”. E acrescenta ainda o mesmo autor que há contradição entre os fundamentos e a decisão “quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”.

Por sua vez, a sentença será obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e será ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes.

“Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz.[4]

Feitas estas considerações e compulsada a sentença recorrida resulta, a nosso ver, evidente que não ocorre a alegada contradição, pois que a argumentação de facto e de direito nele convocada, sem prejuízo de os apelantes discordarem da sua interpretação ou da sua aplicação, só podia conduzir à decisão que foi proferida no sentido da procedência parcial da acção.

Por outro lado, também não vislumbramos em que medida é que a decisão recorrida enferma de ambiguidade ou obscuridade, que a torna ininteligível.

Naturalmente, os recorrentes podem discordar da factualidade que o tribunal a quo considerou relevante para a decisão tomada, como podem sustentar que o mesmo tribunal deveria ter considerado outra factualidade, ou, ainda, podem considerar que a factualidade revelada nos autos não resulta da prova produzida ou que houve erro na interpretação ou valoração da prova produzida, bem como na interpretação do contrato e na aplicação da lei.

Assim, sustentam os Apelantes ser contraditória a afirmação do Tribunal “a quo” relativa à Cláusula Nona, de que:

“O texto da mesma não oferece dúvidas quanto a concessão de direito de opção de compra à Autora, quanto ao prazo em que o pode fazer (os 10 anos estabelecidos para a duração do contrato de arrendamento) nem quanto ao valor fixado ao imóvel (€ 220.000,00), ou seja, a literalidade da cláusula determina se considere que as partes convencionaram um contrato de arrendamento (e o seu prazo) e uma promessa unilateral de venda [!!!], mediante a qual a Autora podia optar pela compra da fração.”

Todavia, uma tal argumentação não consubstancia uma qualquer contradição lógica entre os fundamentos de facto e de direito considerados pelo tribunal a quo e, igualmente, qualquer ambiguidade ou obscuridade da sentença recorrida, mas, quando muito, um erro de julgamento («error in iudicando»), que interfere, não com a conformidade lógico-formal da decisão em crise, mas com o seu mérito.

Por conseguinte, a questão suscitada pelos apelantes não contende, pois, com a nulidade da sentença recorrida, enquanto vício ou erro formal ou de procedimento, mas com a sua fundamentação fáctico-jurídica.

Improcede, pois, a apelação dos recorrentes neste particular.

4.1.2 Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia

Invocam, ainda, os Apelantes que nunca poderão “entregar à Autora o montante do débito garantido por hipoteca ou o valor correspondente à fração transmitida e os juros respetivos” conforme consta da sentença recorrida.

Em decorrência, defendem que a existirem hipotecas sempre teria que ocorrer a intervenção do credor hipotecário, invocando, por isso, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia do Tribunal por não ter conhecido da excepção de ilegitimidade passiva, por preterição do litisconsórcio necessário.

Vejamos, então.

Segundo o disposto no artigo 615º, n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Esta previsão legal está em consonância com o comando do artigo 608º, n.º 2 do Código de Processo Civil, em que se prescreve que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”

Importa, no entanto, não confundir questões colocadas pelas partes, com os argumentos ou razões, que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões neste ou naquele sentido.

De facto, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções deduzidas, desde que se apresentem, à luz das várias e plausíveis soluções de direito, como relevantes para a decisão do objecto do litígio e não se encontrem prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.

Coisa diferente das questões a decidir são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem “questões” no sentido pressuposto pelo citado artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. Assim, se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este não se pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui uma nulidade da decisão por falta de pronúncia.

Neste sentido, colhendo a lição de J. Alberto dos Reis[5], refere este Ilustre Professor, que “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.”

(…) São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.

Este entendimento tem, como é consabido, sido corroborado, há muito, pela jurisprudência que sempre o acolheu defendendo que a não apreciação de um ou mais argumentos aduzidos pelas partes não constitui omissão de pronúncia, porquanto o Juiz não está obrigado a ponderar todas as razões ou argumentos invocados nos articulados para decidir certa questão de fundo, estando apenas obrigado a pronunciar-se “sobre as questões que devesse apreciar” ou sobre as “questões de que não podia deixar de tomar conhecimento[6]”.

Quer isto dizer que ao Tribunal cabe o dever de conhecer do objecto do processo, definido pelo pedido deduzido (à luz da respetiva causa de pedir - cfr. art. 581º, n.º 4, do C.P. Civil, que consagra o denominado princípio da substanciação) e das excepções deduzidas. Terá, pois, de apreciar e decidir as todas as questões trazidas aos autos pelas partes - pedidos formulados, excepções deduzidas, (…) - e todos os factos em que assentam, mas já não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos esgrimidos nos autos.

A não apreciação de algum argumento ou razão jurídica invocada pela parte pode, eventualmente, prejudicar a boa decisão sobre o mérito das questões suscitadas. Porém, daí apenas pode decorrer um, eventual, erro de julgamento ou “error in iudicando”, mas já não um vício (formal) de omissão de pronúncia.

Feitas estas considerações, cremos que, no caso vertente, não existe qualquer omissão de pronúncia na decisão recorrida dado que a decisão no segmento em crise não pressupõe o requerido e encontra-se devidamente fundamentada.

De resto, os recursos são meios a usar para obter a reapreciação de uma decisão, mas não para obter decisões de questões novas. As questões novas não podem ser apreciadas, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos: destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprir um ou mais graus de jurisdição, prejudicando a parte que ficasse vencida.

Termos em que se considera que também não houve omissão de pronúncia na decisão recorrida, improcedendo assim, neste âmbito, a apelação apresentada.


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4.2. Da impugnação da Matéria de facto

Os apelantes em sede recursiva manifestam-se, ainda, discordantes da decisão que apreciou a matéria de facto.

Pugnam que sejam suprimidos da matéria de facto dada como provada os pontos 2 e 25, 29, 41 e 47.

Consta dos referidos pontos que:

“2. Tal fração encontra-se onerada por hipotecas a favor do Banco 1... S.A..

25. Na data não foi apresentado distrates das hipotecas que incidem sobre a fração.

29. Os Réus gastaram, desde 2016 até 2024, em despesas de condomínio (quotas e fundo de reserva anual), o montante de € 5.048,53 e de 2020 até à presente data procederam ao pagamento da quantia de 9.647,56, no valor global de € 14.696,09.

41. À data da celebração do contrato o preço estipulado pelas partes estava acima do preço médio das habitações no ano de 2016 na Área Metropolitana do Porto e, sobretudo, de Vila Nova de Gaia.

47.Em 2020, uma fração de tipologia T3 foi vendida por € 280.000,00. (cf. documento nº 6 junto com a réplica, que se dá por reproduzido)”

Pugnam, ainda, que sejam suprimidos da matéria de facto não provada os pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9.

Consta dos referidos pontos que:

“1. As partes acordaram que a atualização se faria de acordo com a valorização real / de mercado do imóvel.

2. Nas obras efetuadas os Réus despenderam € 10.000,00.

3. A fração descrita em 1. tem o valor de mercado de € 408.525,00.

4. Os valores de mercado dos imóveis com a mesma tipologia da fração “U” (T2), as mesmas áreas e a mesma localização (primeira linha da margem sul da ..., com vista sobre o rio, a Cidade do Porto e o mar) raramente descem abaixo dos € 350.000,00.

5. Recentemente foi vendida, no mesmo condomínio, uma fração de tipologia T3, com uma área aproximada à da fração “U”, um só lugar de garagem e arrumos de dimensões reduzidas, por € 300.000,00.

6. Nesse edifício, encontrava-se também à venda uma fração de tipologia T2, no rés-do-chão (com menos privacidade e piores vistas do que a fração dos Réus, situada num 1.º andar), com menor área útil que a da fração “U” e um só lugar de garagem, pelo valor de € 280.000,00.

7. A Autora sabia que a vontade dos Réus era fazer constar do contrato que o preço de venda da fração seria atualizado aos índices de mercado aplicáveis aquando do exercício da opção de compra.

8. A opção de compra foi convencionada pelas partes na convicção de que se verificaria uma estabilização do preço no mercado imobiliário.

9. A expansão imobiliária não era previsível para nenhuma das partes.”

Pugnam, igualmente, que à matéria dada como provada devem ser aditados novos pontos com o seguinte ou análogo teor:

- “Os créditos que as hipotecas sobre a fração “U” garantiam foram adquiridos pelo Réu BB mediante escritura de cessão de créditos de 08.02.2017”;

- “Os Réus gastaram, desde novembro de 2016 até maio de 2024, em despesas de condomínio (quotas normais, fundo de reserva anual e quotas extraordinárias), o montante de € 20.342,13”;

- “Aquando da visita à fração, a Autora comunicou aos Réus que não tinha intenção de a comprar, até porque sempre tinha vivido numa moradia independente, não sabia se se iria adaptar a viver num andar e gostar da zona”;

- “As Partes não acordaram em qualquer opção ou promessa de transmissão da fração, tendo simplesmente mencionado que, se houvesse futuro interesse pela arrendatária na aquisição da fração, se poderia eventualmente negociar a sua transmissão, atendendo à valorização real / de mercado do imóvel, à data da pretendida aquisição”;

- “A Autora sabia que a vontade dos Réus era manter a fração como propriedade sua (tinham apego à mesma, fora a primeira habitação que a família comprara, investiram significativamente na sua reabilitação e responsabilizaram-se pelo pagamento da totalidade das despesas, ordinárias e extraordinárias, de condomínio), pelo que um eventual preço de venda da fração deveria ser sempre atualizado aos índices de mercado aplicáveis aquando da manifestação de interesse pela aquisição”;

- “Uma vez que a Autora não demonstrou interesse na aquisição da fração, os Réus investiram/valorizaram a mesma como propriedade sua, tendo despendido em obras por si efetuadas na fração o montante de € 10.000,00 (dez mil euros)”;

- “Aquando da celebração do contrato de arrendamento, em 2016, o valor da renda acordado pelas Partes (€ 800,00), assim como o montante discutido para uma hipotética venda (€ 220.000,00), estavam conforme a média do preço das habitações para esse ano, na Área Metropolitana do Porto e, sobretudo, de Vila Nova de Gaia, sendo adequados às características e localização (premium) da fração em causa”;

- “Os valores de mercado dos imóveis com a mesma tipologia da fração “U” (T2), as mesmas áreas e a mesma localização (primeira linha da margem sul da ..., com vista sobre o rio, a Cidade do Porto e o mar) raramente descem abaixo dos € 350.000,00, podendo a fração “U”, atualmente, facilmente atingir valores de mercado de € 408.525,00”;

- “A possibilidade de transmissão da propriedade da fração “U” por € 220.000,00 foi discutida entre as Partes para o concreto ano de 2016 e sempre no pressuposto da estabilização dos preços no mercado imobiliário”;

- “A expansão e a bolha imobiliária registadas em Portugal desde 2016 eram imprevistas para qualquer comum cidadão, incluindo as Partes”.

Vejamos, então.

No caso vertente, mostram-se minimamente cumpridos os requisitos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto previstos no artigo 640.º, do Código de Processo Civil. Assinale-se, no entanto, que os Apelantes pecam relativamente à devida explicitação dos termos em que pretendem a resposta a alguns segmentos da matéria de facto impugnada.

Entende-se actualmente, de uma forma que se vinha já generalizando nos tribunais superiores, hoje largamente acolhida no artigo 662.º do Código de Processo Civil, que no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (artigo 655.º do anterior Código de Processo Civil e artigo 607.º, n.º 5, do actual Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efectivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efectiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece.

Como refere A. Abrantes Geraldes[7], “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”.

Importa, pois, por regra, reexaminar as provas indicadas pelos recorrentes e, se necessário, outras provas, máxime as referenciadas na fundamentação da decisão em matéria de facto e que, deste modo, serviram para formar a convicção do Julgador, em ordem a manter ou a alterar a referida materialidade, exercendo-se um controlo efectivo dessa decisão e evitando, na medida do possível, a anulação do julgamento, antes corrigindo, por substituição, a decisão em matéria de facto.

Tendo presentes os elementos probatórios e demais motivação, vejamos então se, na parte colocada em crise, a referida análise crítica corresponde à realidade dos factos ou se a matéria em questão merece, e em que medida, a alteração pretendida pelos apelantes.

Insurgem-se os Recorrentes contra tal decisão por entenderem que o Tribunal a quo valorou erradamente a prova oferecida nos segmentos fácticos em causa, sem que, todavia e conforme atrás salientamos, relativamente a alguns segmentos da impugnação tivesse devidamente explicitado em que termos pretendia a resposta aos mesmos.

Entendemos, porém, que a Senhora Juiz a quo, no global e sem prejuízo da alteração pontual a que procederemos, fundamentou a sua decisão de forma bem sistematizada, invocando sempre com ponderação as regras da experiência comum e o juízo lógico-dedutivo.

Com efeito, a convicção expressa pelo tribunal a quo tem razoável suporte naquilo que a gravação das provas e os demais elementos dos autos lhe revela.

Isto porque salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.

Ora, a livre apreciação da prova tem de se traduzir numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma real motivação da decisão: com a exigência de objectivação da livre convicção poderia pensar-se nada restar já à liberdade do julgador, mas não é assim: a convicção do julgador há-de ser sempre uma convicção pessoal, mas há-de ser sempre uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros em termos de racionalidade e perceptibilidade.

Não esqueçamos, ainda, que a formação da convicção do juiz não pode resultar de partículas probatórias, mas tem necessariamente de provir da análise global do conjunto de toda a prova produzida.

A actividade dos Juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o Juiz necessariamente aceite esse sentido ou essa versão. Os Juízes têm necessariamente de fazer uma análise crítica e integrada dos depoimentos com os documentos e outros meios de prova que lhes sejam oferecidos.

Vejamos, então.

- Dos factos provados sob os pontos 2 e 25.

Consta dos referidos pontos da matéria de facto que:

“2. Tal fração encontra-se onerada por hipotecas a favor do Banco 1..., S.A.”.

“25. Na data não foi apresentado distrates das hipotecas que incidem sobre a fração.”

Defendem os Apelantes que não se pode declarar que a fracção “U” se encontra onerada por hipotecas a favor do Banco 1... (facto 2 dado como “provado”) e, como consequência, também nunca poderiam os Réus comparecer diante do Notário com “distrates das hipotecas”, que não incidem sobre a fracção (conforme insinuado pelo art. 25 dado como “provado”)

Vejamos, então.

Analisada a certidão da Conservatória do Registo Predial junta aos autos constata-se que sobre a fração “U”, incidem hipotecas a favor do Banco 1... S.A., por fusão do Banco 2... S.A., a que se referem as Ap. ...72, ...73, ...74 e ...75, todas de 2017/02/08.

Como é sabido, as hipotecas em causa são uma garantia de carácter real que incidem sobre a fracção em causa, e confere a prerrogativa do credor se fazer pagar pelo valor dos bens hipotecados, com preferência sobre os demais credores.

Além disso, na cessão de créditos garantidos por hipoteca quando se altera a pessoa do credor, mantem-se o crédito, bem como se mantém a hipoteca que garante o crédito cedido, que não desaparece, antes se transmite.

Ora, o que resulta dos autos é que até à data da sentença proferida os Apelantes não fizeram extinguir a garantia. Aliás, já na petição inicial, dizia a Apelada de que tudo indica que os Apelantes não irão extinguir tais hipotecas em momento precedente ou coincidente com a Sentença que vier a ser proferida nos autos.

Afigura-se-nos, por isso, ser de manter as respostas dadas aos referidos pontos da matéria de facto.

- Do facto dado como provado sob o ponto 29

Consta do ponto 29 dos factos provados que:

“29. Os Réus gastaram, desde 2016 até 2024, em despesas de condomínio (quotas e fundo de reserva anual), o montante de € 5.048,53 e de 2020 até à presente data procederam ao pagamento da quantia de 9.647,56, no valor global de € 14.696,09.”

Insurgem-se os Apelantes por o Tribunal a quo ter dado como assente que gastaram, desde 2016 até 2024, o valor global de € 14.696,09, entendendo que esse valor é € 20.342,13.

Vejamos, então.

Analisada a acta n.º 30 junta aos autos por e-mail do Condomínio de 07-11-2022, resulta da mesma que para o ano de 2022 o total anual da fracção U do Bloco ... era de € 1.681,13 (sendo € 1.528,32 da quota anual e € 305,64 do Fundo de Reserva) e não de € 2.017,36.

Deste modo, não existe qualquer total anual daquela fracção no montante de € 2.017,36, para 2021 ou 2022 como sustentam os Réus/Recorrentes.

De resto, não se pode confundir o saldo transitado de € 2.017,36 com prestação anual ao Condomínio de € 1.681,13.

Além disso, analisando o teor do doc. 5 junto com o articulado superveniente extrai-se a conclusão de que nos anos de 2022 e de 2023 a quota anual continuava a ser de € 1.681,13 (€ 127,36 x 12) + (€ 25,47 x 6), uma vez que são essas as mensalidades aí descritas.

Assim, se o saldo transitado de quotas em divida de 2021 era de € 2.017,36, isso significa que os RR./Recorrentes tinham pago de Condomínio no período de 2016 (início do contrato em Novembro) a 2021, inclusive, os seguintes valores:

- 2016: € 280,18;

- 2017: € 1.681,13;

- 2018: € 1.681,13;

- 2019: € 1.681,13;

- 2020: € 1.344,90 - estando em falta € 336,23;

- 2021: € 0,00 - estando em falta € 1.681,13; no total de € 6.668,47.

Posteriormente;

Até 12-01-2024, os RR./recorrentes pagaram mais € 3.647,56, repondo com esse valor o saldo transitado de 2021 e a quota anual do ano de 2022.

E, ainda depois, mais € 7.000,00 (€ 5.000,00 em 31.01.2024, € 1.000,00 em 29.02.2024 e € 1.000,00 em 30.03.2024) - e não € 6.000,00 como, certamente, por lapso de soma foi referido na sentença.

Ou seja, os RR./Recorrentes pagaram ao todo o valor global de € 17.316,03 (€ 6.668,47 + € 3.647,56 + € 7.000,00), encontrando-se, ainda, em dívida com o Condomínio.

Desta maneira, assiste parcial razão aos RR./Recorrentes uma vez que o valor global que deve considerado pelo tribunal é de € 17.316,03.

Assim sendo, julga-se parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto no segmento fáctico em causa, que deverá passar a ter a seguinte redacção:

“Os Réus gastaram, desde 2016 até 2024, em despesas de condomínio (quotas e fundo de reserva anual), o montante global de € 17.316,03.”

- Dos factos dados como provados sob os pontos 34, 42 e 43 e dos factos dados como não provados sob os pontos 1, 2 e 7.

Consta dos factos dados como provados sob os pontos 34, 42 e 43:

“34. As partes convencionaram que ao preço obtido com o desconto das rendas acresceria o montante total das despesas de condomínio pagas pelos proprietários.

42. Aquando da visita à fração a Autora comunicou aos Réus que não sabia se se iria adaptar a viver num andar e gostar da zona, mas gostando, a sua intenção era comprar.

43. Até então a Autora sempre tinha vivido numa moradia independente.”

Consta dos factos dados como não provados sob os pontos 1, 2 e 7 que:

“1. As partes acordaram que a atualização se faria de acordo com a valorização real / de mercado do imóvel.”

“2. Nas obras efetuadas os Réus despenderam € 10.000,00.”

“7. A Autora sabia que a vontade dos Réus era fazer constar do contrato que o preço de venda da fração seria atualizado aos índices de mercado aplicáveis aquando do exercício da opção de compra.”

Vejamos, então.

Analisados os autos constata-se que o Tribunal a quo explica, devidamente, quais os elementos de prova determinantes para a sua conclusão, justificando a sua decisão quanto à matéria dos factos provados sob os pontos 34, 42 e 43, o que não foi infirmado pelos Apelantes/impugnantes.

De resto, ao invés da análise da prova efectuada pelos Apelantes, assinala-se a passagem da gravação pela qual o Réu BB admite que dialogou com a A. no sentido de lhe vender a casa, e que fariam um contrato de arrendamento com uma futura compra:

“Olha, AA, eu nesta altura até lhe posso vender, se quiser.”

“O pai dela tinha falecido há pouco tempo, ela morava numa casa com dois irmãos, sabia que tinha que vender a casa, foi o que ela me transmitiu, portanto ela tinha que deixar a casa por uma questão de partilhas com a família. Queria experimentar viver em Gaia e depois então viria e depois decidiria.”

“Ela na altura disse que não tinha interesse em comprar, porque… não era por problemas financeiros, e daí estipularmos esse valor que aparece no contrato. Portanto, e então dissemos: “E então pronto, então vamos fazer um contrato de arrendamento e futuramente, portanto, conforme a AA quiser, na altura, depois, voltaremos a negociar e a falar sobre, ou continuar o arrendamento ou eventualmente uma futura compra”, mas sempre mediante o valor do imóvel, à altura em que ela decidisse.”

Assim, resulta das referidas declarações que o próprio Apelante acaba por ir ao encontro da tese da Apelada, bem como as suas intenções relativamente a comprar a fracção depois de saber que se adaptaria a viver num andar.

Além disso, ao transcrever o depoimento do Réu BB, os Apelantes vão, ainda, ao encontro da apreciação crítica realizada pelo Tribunal a quo, ao confirmar que o preço proposto para a venda era de € 220.000,00 e que a esse preço se deduziria o valor das rendas que tinha pago até ao ano da compra, acrescentando o valor do condomínio pago durante o período em que a A. esteve a habitar, nos seguintes termos:

“Meritíssima Juiz: O que o Tribunal percebe é que fizeram esta conta, fazem este montante, fazem constar aqui este critério, porque aqui não é uma questão de erro ou de já ter a minuta, os 220.000,00€ foram os senhores que os puseram aqui.

BB: Eu propus vender à AA por esse valor na altura. Se ela não quisesse alugar, se ela quisesse comprar naquela altura era esse o valor… [00:08:05]

(…)

BB: Pronto, há essas duas questões que é, na transação, caso houvesse a venda pelo valor real do mercado, que nós entendíamos os dois esse valor, iríamos fazer dois ajustes. Era, por uma questão e ética, eu achava que ela, eu, por uma questão de simpatia, reduziria o valor das rendas que tinha pago até ao ano que ela quisesse comprar, e também pegando na mesma ética, se era ela que estava lá a habitar durante o período que esteve e se fui eu que paguei o condomínio, ela aumentaria o condomínio.”

Assim, as próprias declarações do Réu BB nos segmentos assinalados acabam por ir ao encontro da decisão a que o Tribunal a quo chegou.

Assinala-se a propósito, também, o segmento do depoimento da testemunha GG prestado na audiência de julgamento do dia 18-04-2024, e que iniciou pelas 10h15 com termo às 10h42, que evidencia bem as negociações antes da formalização do contrato, bem como explica as razões pelas quais foi celebrado um contrato de arrendamento com a opção de compra.

Assim,

minuto 08.49 - GG: “ele (referindo-se ao R. BB) continua a afirmar: quer comprar? A LL é que disse, deixe-me pensar um bocadinho, deixe-me ver se eu gosto de estar aqui, se eu não me sinto atrofiada, a expressão é dela.

minuto 09.17 - Adv MM: “na hipótese de querer comprar sabe qual foi o preço estabelecido?

- GG: “Sei, duzentos e vinte mil”

Daí que, à luz da prova, não podemos concluir que não havia a pretensão da Autora/Apelada comprar, mas apenas de arrendar.

Improcede, por isso, também a impugnação da matéria de facto no segmento fáctico em causa.

- Do ponto 41 da matéria de facto provada

Consta do ponto 41 da matéria de facto provada que:

“41. À data da celebração do contrato o preço estipulado pelas partes estava acima do preço médio das habitações no ano de 2016 na Área Metropolitana do Porto e, sobretudo, de Vila Nova de Gaia.”

Sustentam os Recorrentes que a decisão considerou o valor de mercado do bem imóvel em cerca de € 256.000,00 (por aplicação do valor do m2 dado como provado no facto 32) e que, actualmente, tem o valor de € 336.143,29.

Defendem que o tribunal a quo multiplicou o valor do m2 (€ 2.000,00) pela área bruta privativa da habitação (128 m2), mas que devia ter feito a multiplicação também pela área da dependência afecta a garagem e a arrumos (67m2).

Vejamos, então.

Como é sabido, o valor mediano dos preços por metro quadrado das transacções por venda de imóveis para habitação faz-se pela área bruta privativa e não pelas áreas brutas, como resulta dos documentos junto aos autos a que o Tribunal a quo se referiu.

É de salientar, a este propósito, a nota técnica do documento referente a estatísticas de Preços da habitação ao nível local, do INE, onde expressamente se refere às transacções por venda de imóveis para habitação pela área bruta privativa.

No caso dos autos, a avaliação feita pelos peritos em 2024 é inferior à que resultaria da multiplicação do m2 pela área bruta, a valores de 2020.

É certo que pugnam os Réus/Apelantes que a prova testemunhal e documental não era suficiente para que o tribunal a quo pudesse dar como provado o referido facto, e que a questão não tinha sido submetida à perícia. Todavia, já entendem que o doc. 3 da contestação da imobiliária “Idealista”, seria suficiente para se calcular o valor médio do m2 em € 2.095,00.

Ora, como resulta da fundamentação da convicção do Tribunal a quo no que respeita ao valor do bem imóvel e aos preços de mercado a Sr.ª Juiz a quo decidiu com base no conjunto de vários documentos e na respectiva análise crítica, a qual não merece reparo, designadamente: índice de preços da habitação; indexantes preços imobiliários; documentos referente a estatísticas de Preços da habitação ao nível local, do INE, de Outubro de 2017; escritura de compra e venda de Março de 2020, referente a fracção do mesmo prédio da fracção dos autos, pelo valor de € 280.000,00 e relatório junto com o requerimento de 13.06.2022.

Afigura-se-nos, por isso, também não merecer reparo a resposta dada à questão do facto provado 41.

- Do facto dado como provado sob o ponto 47 e dos factos dados como não provados sob os pontos 3, 4, 5, 6, 8 e 9.

Consta do ponto 47 que:

47.Em 2020, uma fração de tipologia T3 foi vendida por € 280.000,00. (cf. documento nº 6 junto com a réplica, que se dá por reproduzido)”

E consta da matéria de facto não provada sob os pontos 3, 4, 5, 6, 8 e 9 que:

“(…)

3. A fração descrita em 1. tem o valor de mercado de € 408.525,00.

4. Os valores de mercado dos imóveis com a mesma tipologia da fração “U” (T2), as mesmas áreas e a mesma localização (primeira linha da margem sul da ..., com vista sobre o rio, a Cidade do Porto e o mar) raramente descem abaixo dos € 350.000,00.

5. Recentemente foi vendida, no mesmo condomínio, uma fração de tipologia T3, com uma área aproximada à da fração “U”, um só lugar de garagem e arrumos de dimensões reduzidas, por € 300.000,00.

6. Nesse edifício, encontrava-se também à venda uma fração de tipologia T2, no rés-do-chão (com menos privacidade e piores vistas do que a fração dos Réus, situada num 1.º andar), com menor área útil que a da fração “U” e um só lugar de garagem, pelo valor de € 280.000,00.

(…)

8. A opção de compra foi convencionada pelas partes na convicção de que se verificaria uma estabilização do preço no mercado imobiliário.

9. A expansão imobiliária não era previsível para nenhuma das partes.”

Vejamos, então.

Importa salientar, em primeiro lugar, a justeza da decisão proferida quando diz que as partes fixaram expressamente um mecanismo de actualização do preço acordado para a venda, certamente por preverem que o preço no mercado imobiliário não ficaria estabilizado.

De resto, não acompanhamos a argumentação dos Apelantes quando defendem que a expansão imobiliária ocorre desde o ano de 2016, o que não corresponde à realidade.

Além disso, é preciso salientar que a A. exerceu o direito de opção à compra da fracção no final do ano de 2020, mais concretamente por carta registada de 21.12.2020, ano esse em que iniciou a pandemia do Covid19.

Ora, é público e notório que no início do ano de 2021, Portugal era o país do mundo com maior número de novos casos de infecção por milhão de habitantes e que o número de concelhos em risco extremo devido ao número de casos de covid-19 quase triplicava nos primeiros 12 dias do mês de Janeiro do mesmo ano de 2021.

De resto, é, ainda, público e notório que o Governo anunciava, então, o encerramento das universidades seniores, centros de dia e de convívio, proibia circular entre concelhos nos fins de semana e até o fim de vendas ao postigo na restauração. E no mês de Março do ano de 2021 voltou-se ao confinamento.

Ou seja, à luz deste contexto histórico e social, é óbvio concluir que antes da A./ Reconvinda ter exercido o seu direito de opção não havia qualquer expansão imobiliária.

Afigura-se-nos, por isso, que bem andou o Tribunal a quo ao criar a convicção, que acompanhamos, e ao sustentar que os Réus/Apelantes conheciam todos os termos do negócio e mecanismo de actualização de preço fixado, tendo, certamente, mais tarde se arrependido do negócio celebrado uma vez que o mercado imobiliário valorizou e, actualmente, conseguiriam vender por preço superior.

Deste modo, nenhuma censura merece a sentença proferida quanto à questão do facto provado 47 e não provados sob os pontos 3, 4, 5, 6, 8 e 9.
Afigura-se-nos, ainda, que o Tribunal a quo apreciou os factos relevantes à boa decisão da causa não se justificando o aditamento de outros factos.
Além disso, parte dos factos que os Apelantes pretendem que sejam aditados mostram-se já reflectidos em factos vertidos na matéria de facto.
Parece-nos, assim, não serem de aditar os pretensos factos mencionados.

Assim sendo, julga-se improcedente a impugnação da matéria de facto, com excepção da matéria de facto referente ao ponto 29 da matéria de facto provada, que passa a ter a seguinte redacção: “Os Réus gastaram, desde 2016 até 2024, em despesas de condomínio (quotas e fundo de reserva anual), o montante global de € 17.316,03.”

*

Assim, os factos a ter em consideração são os mencionados na matéria de facto assente pela 1ª Instância, com excepção do facto 29 que passa a revestir a redacção acima referida.
*


4.3. Do mérito da decisão

Os apelantes clamam pela alteração da sentença de que recorrem.
Sustentam, desde logo, tal pretensão na alteração/aditamento da decisão sobre a matéria de facto que, pela via recursiva, reclamam, a qual, todavia, se manteve, na essência, inalterada.
Vejamos, então.



4.3.1 Da qualificação do contrato e da interpretação da cláusula nona.

A questão nuclear em análise centra-se na qualificação do contrato e interpretação das declarações que constam do acordo celebrado entre as partes, de acordo com as regras de interpretação do negócio jurídico resultantes dos artigos 236º a 238º do Código Civil.
Vejamos, então, qual é a interpretação adequada do clausulado.
Como é sabido, a interpretação do contrato é uma operação jurídica de apreensão do conteúdo do contrato, isto é, do binómio direitos-vinculações das partes, cristalizado nas diferentes cláusulas[8].
Já o contrato traduz um acordo de vontades, concluído entre dois ou mais sujeitos, num determinado momento temporal, e titulado num enunciado (reduzido ou não a escrito).
O Código Civil vigente (“C.C.”)[9] - de modo distinto do Código Civil de Seabra - não consagra um regime jurídico sobre a interpretação do contrato. A opção assumida foi regular a interpretação da declaração negocial[10].
A este respeito, os artigos 236.º a 238.º do Código Civil constituem, assim, o que se pode considerar o regime comum da interpretação do negócio jurídico[11].
Os referidos preceitos constituem, efectivamente, o que se pode considerar o regime comum da interpretação do negócio jurídico, ou seja, é este o regime a aplicar - no silêncio do contrato e na ausência de regra especial - à generalidade dos contratos, independentemente da sua natureza.
Como refere António Menezes Cordeiro[12], “a interpretação dos negócios jurídicos deve ser assumida como uma tarefa científica, tendente a determinar o regime aplicável aos problemas que se ponham no seu âmbito”.
Isto porque, como se assinala no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/10/1997[13] “toda a interpretação jurídica tem uma função constitutiva da juridicidade e uma índole normativa incompatíveis com a sua caracterização como uma pura hermenêutica”.
Conforme referimos, a hermenêutica negocial (a actividade destinada a fixar o sentido e alcance decisivo dos negócios jurídicos, segundo as respectivas declarações negociais integradoras) é presidida pela teoria da impressão do destinatário, estabelecida no artigo 236º, nº 1 do Código Civil, segundo a qual a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
Importa ter presente que nesta actividade hermenêutica tem o tribunal de considerar que, conforme impõe a lei, quer nos preliminares, quer momento da celebração do contrato (artigo 227º do Código Civil), quer no seu cumprimento (artigo 762º do Código Civil), devem as partes proceder de boa fé, ou seja, actuar “conforme os critérios gerais objectivos decorrentes do dever de leal cooperação das partes, na realização cabal do interesse do credor com o menor sacrifício possível dos interesses do devedor[14]”.
Assim, a interpretação negocial não deve pura e simplesmente ater-se à secura das declarações negociais emitidas pelas partes, já que estas não representam mais do que um elemento a ter em conta na actividade a que nos propomos - e que consiste precisamente em determinar-lhe o exacto e preciso sentido.
Na verdade, e pese embora o artigo 238º, nº 1 do Código Civil prescrever que «nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso», o certo é que enuncia o n.º 2, do mesmo artigo, que «esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade».
Pode-se, pois, concluir que o elemento determinante para interpretação da declaração emitida é a vontade real das partes, e é a partir dela que deve começar por estruturar-se a respectiva interpretação.
A segunda conclusão é a de que a interpretação dessa declaração, nos negócios formais, sofre de uma limitação geral importante, que é a de ter um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
A terceira conclusão é a da possibilidade de existência de uma excepção à segunda conclusão, que consiste em poder até nem haver esse mínimo de correspondência no texto, se a vontade real das partes assim o determinar e se, cumulativamente, as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem à validade de tal interpretação.
Assim, nessa busca do sentido e alcance decisivo da declaração deve atender-se a todos os coeficientes ou elementos que um declaratário normalmente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário, teria tomado em conta, devendo ainda ser considerados os interesses em jogo, a finalidade prosseguida pelo declarante, as negociações prévias, as precedentes relações negociais entre as partes, os hábitos dos declarantes, sendo mesmo de considerar também os modos de conduta por que durante ou posteriormente se prestou observância e deu execução ao declarado[15].
O aludido preceito que consagrou a teoria expressa por Larenz segundo a qual as declarações de vontade, em princípio, valem com o sentido que as partes lhe quiseram atribuir (vontade real das partes), encontra o seu campo privilegiado de aplicação em todos aqueles casos em que essa vontade não for conhecida ou se declarante e declaratário entenderem a declaração em sentidos diversos, valendo, nestas situações, o sentido que o declaratário normal poderia julgar conforme às reais intenções do declarante, excepto se este não tinha o dever de considerá-lo acessível à compreensão da outra parte[16].
No entanto, ao interpretar uma declaração negocial, o tribunal deve socorrer-se de toda as circunstâncias susceptíveis de esclarecer o sentido da declaração, sendo que, a interpretação da declaração negocial constituirá matéria de direito quando tenha de ser feita segundo critérios legais - como é o caso da interpretação normativa nos termos do nº 1, do artigo 236º, do Código Civil, ou da interpretação de negócios formais, prevista nos artigo 238º, do mesmo diploma -, e matéria de facto quando efectuada de harmonia com a vontade real do declarante.
Assim, e concluindo, se o declaratário entendeu a declaração no sentido querido pelo declarante, nesse sentido é de interpretar a declaração (nº 2, do artigo 236º, do Código Civil). Se o declaratário entendeu e podia entender a declaração diferentemente do que o declarante queria significar com ela, ou se ao menos, estava em dúvida sobre o sentido querido pelo declarante, a interpretação é de fazer nos termos do nº 1, do mesmo artigo.
Para que se aplique a interpretação a que se refere o nº 1, do artigo 236º, é necessário:
a) Que não seja conhecida a vontade real do declarante e do declaratário;
b) Que este não pudesse, servindo-se das circunstâncias que conhecia ou podiam ser conhecidas por um declaratário normal colocado na sua posição concreta, determinar a vontade do declarante.
A teoria da impressão do destinatário afirma o primado da vontade real do declarante, sempre que for conhecida do declaratário: “Do disposto no n.º 2 (do artigo 236º) resulta que, conhecendo o declaratário o sentido que o declarante pretendeu exprimir através da declaração, é de acordo com a vontade comum das partes que o negócio vale, quer a declaração seja ambígua, quer o seu sentido (objectivo) seja inequivocamente contrário ao sentido que as partes lhe atribuíram[17]”.
Nos casos em que o declaratário não conhece a vontade real do declarante, o citado artigo 236º consagra uma teoria objectivista da interpretação, mitigada por restrições de índole subjectivista: “o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (n.º 1), ou de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (n.º 2)[18]”.
No que se refere aos negócios formais, rege o artigo 238º, nos termos do qual, “não há sentido possível que não tenha no texto do preceito um mínimo de correspondência, a não ser que se trate de matéria relativamente à qual se não exija a forma prescrita na lei (n.º 2)[19], ou seja, pode prevalecer um sentido que não tenha aquele mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso, se esse sentido, corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma se não opuserem a essa validade.
“(…) O nº 1 do art. 236º do C.C. consagrou uma interpretação objectivista (denominada teoria da impressão do destinatário), o seu nº 2 consagrou uma interpretação subjectivista, relativamente à qual deixa de se justificar a protecção das legítimas expectativas do declaratário e da segurança do tráfico.
(…)
Compreende-se, por isso, que a jurisprudência venha maioritariamente defendendo que a decisão judicial deve ser interpretada de acordo com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição real do declaratário - a parte ou outro tribunal - possa deduzir do seu contexto[20].
Entende-se por «declaratário normal» o que seja «medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante», a não ser que este, razoavelmente, não pudesse contar com tal sentido[21].
Já o «comportamento do declarante» (a que se refere o nº 1 do artigo 236º do Código Civil) terá aqui que ser desvalorizado ou habilmente concretizado, importando antes de mais ter presente que qualquer decisão judicial é a necessária conclusão de um pré-ordenado procedimento; e que o seu autor «se situa “numa específica área técnico jurídica”, investido na função de aplicador da lei, que, por sua vez, está obrigado a interpretar, em conformidade com as regras estabelecidas no artigo 9º do Código Civil, dirigindo-se a outros técnicos de direito»[22].
Assim, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele, conforme previsto no artigo 236º, nº 1 do Código Civil.
A regra estabelecida neste preceito é a de que o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante, exceptuando-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido, ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante[23].
Em síntese, consagrou-se uma “doutrina objetivista da interpretação, em que o objectivismo é temperado por uma salutar restrição de inspiração subjetivista” tendo em vista a protecção das legitimas expectativas do declaratário e a não perturbação da segurança do tráfico, conferindo-se à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir, sendo que a normalidade que a lei toma como padrão, “exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante”.
À luz da factualidade provada, constata-se terem as partes celebrado entre si um contrato que intitularam de contrato de arrendamento para habitação com prazo certo, pelo prazo de 10 anos, no âmbito do qual os Réus declararam ceder à Autora o gozo de fracção mediante o pagamento da quantia mensal de € 800,00, tendo feito constar do contrato cláusula com o seguinte teor: “A 2.ª outorgante durante a vigência do presente contrato poderá exercer a opção de compra do imóvel mediante o pagamento do preço de € 220.000,00 (duzentos e vinte mil euros) actualizado anualmente de acordo com os índices de inflação. 2- No caso de opção ser exercida pela 2.ª outorgante ao preço estipulado na alínea anterior será deduzido o montante de todas as rendas descontando o condomínio, entretanto pagas”.
Impõe-se, assim, qualificar o contrato celebrado entre as partes a fim de começar por avaliar do alegado vício de forma de tal cláusula e da sua consequente nulidade.
A este propósito, a apreciação da Sr.ª Juiz a quo realizada na sentença em crise não nos merece reparo, sendo as considerações aí vertidas judiciosas e adequadas, pelo que as iremos seguir de perto.
Assim, quanto às declarações negociais e atento o teor do contrato celebrado, verifica-se que as partes, por um lado, quiseram celebrar um típico contrato de arrendamento (cf. artigos 1022º e 1023º, do Código Civil) nos termos do qual os Réus/Apelantes proporcionavam à Autora/Apelada o uso da fracção em causa, mediante uma contrapartida financeira e por um prazo certo e, por outro lado, no mesmo contrato, os Apelantes concederam à Apelada a possibilidade de, durante o prazo de 10 anos estabelecido, optar pela compra do imóvel pelo preço de € 220.000,00 e, neste caso, acordaram que as quantias pagas a titulo de renda seriam imputadas ao pagamento do preço acordado.
Impõe-se, assim, fazer o enquadramento legal deste acordo consistente na possibilidade de compra do bem imóvel pela Apelada.
Conforme é referido na sentença em crise, este acordo pode ser configurado como uma proposta irrevogável, como promessa unilateral ou como contrato de opção.
No que se refere à proposta irrevogável estabelece o artigo 230º, do Código Civil, que, salvo declaração em contrário, a proposta de contrato é irrevogável depois de ser recebida pelo destinatário ou de ser dele conhecida. Assim, a declaração dos Réus de possibilitarem à Autora a compra da fracção pelo preço e condições estabelecidas se esta o declarasse no período de vigência do contrato, pode constituir uma proposta de contrato de compra e venda, recebida pela Autora, e, por tal, irrevogável até findar o prazo estabelecido para a declaração de aceitação, nos termos do artigo 228º, n.º 1, alínea a), do Código Civil.
Já a promessa unilateral se caracteriza por uma das partes acordar em celebrar no futuro um contrato, que delineiam de imediato, vinculando-se a emitir a declaração negocial necessária à constituição desse contrato – artigos 410º, n.º 1 e 411º, do Código Civil.
Assim, nesta configuração, os Réus/Apelantes comprometeram-se a celebrar o contrato de compra e venda com a Autora/Apelada, se esta assim o viesse a pretender e declarar no prazo fixado para o efeito e, neste caso, configura uma promessa unilateral, uma vez que a Apelada não se encontrava vinculada a celebrar o contrato de compra e venda.
No que se refere ao contrato de opção, o mesmo configura um contrato atípico por não se encontrar expressamente previsto e regulamentado e que, consequentemente, se rege pelas disposições gerais do Código Civil quanto aos contratos, pelo estabelecido entre as partes e supletivamente por disposições dos contratos típicos de que seja próximo.
Como refere Tiago Soares da Fonseca[24], o contrato de opção “consiste na convenção mediante a qual, uma das partes (concedente) emite a favor da outra (optante) uma declaração negocial, que se consubstancia numa proposta contratual irrevogável referida a um certo contrato (principal), fazendo nascer, nesta última, o direito potestativo de decidir unilateralmente sobre a conclusão ou não do mesmo.”.
Nos termos desta definição o contrato de opção tem como característica específica a de a celebração do contrato principal depender apenas da declaração de vontade do beneficiário da opção, ou seja, a mera declaração do beneficiário da proposta determina a realização do negócio.
A distinção do contrato de opção e da promessa irrevogável consiste no facto de, como refere o autor citado, o contrato de opção constituir uma “proposta contratual irrevogável convencionada” quando e a proposta irrevogável consistir num ato unilateral do proponente. Já a distinção da proposta irrevogável se verifica na génese unilateral e não contratual.
Atento o concreto teor do contrato celebrado entre as partes, excluímos, desde logo, a configuração como proposta irrevogável uma vez do mesmo resulta de forma clara a génese contratual da clausula acordada, o que não merece reparo dos Apelantes.
Ficamos, assim, entre a configuração como contrato promessa unilateral ou como contrato de opção, uma vez que a parte que recebe a declaração não se vincula, ela mesma a emitir qualquer declaração, só tem a possibilidade de o fazer durante um certo período de tempo.
Ambos são contratos preliminares ou instrumentais de outros, no entanto, no contrato de opção uma das partes emite, desde logo, a declaração negocial correspondente ao contrato principal (in casu o contrato de compra e venda) e atribui à outra parte o direito potestativo de optar pela celebração do negócio.
Como se refere no acórdão da Relação de Lisboa, de 24.09.2020[25], citado na decisão recorrida e que se segue de perto “A diferença fundamental entre a promessa unilateral e o contrato de opção encontra-se em, na primeira, a parte se obrigar a emitir a declaração necessária à celebração do contrato definitivo, e, no segundo, essa declaração ser desde logo emitida gerando a sujeição à emissão da declaração negocial da contraparte.”.
No mesmo sentido, Menezes Cordeiro[26] e Antunes Varela[27] ensinam que o contrato de opção é um instrumento ou contrato instrumental, pelo qual uma pessoa, querendo, pode provocar o aparecimento de um contrato predeterminado, uma vez que a outra parte emitiu logo a declaração correspondente ao contrato que pretende celebrar, sendo que o contrato se aperfeiçoa sem necessidade de qualquer nova declaração da contraparte.
No caso vertente, em sintonia com o Tribunal a quo, considerando o teor acordado pelas partes e os demais factos provados afigura-se-nos que o contrato querido e celebrado pelas partes é o contrato promessa unilateral.
De facto, no mesmo não é emitida declaração de venda, mas de promessa de venda uma vez que de todo o circunstancialismo resulta que as partes, isto é, as partes acordaram na possibilidade de a Autora/Apelada poder vir a optar pela compra da fracção, sendo necessário que a mesma venha a emitir declaração no sentido de manifestar vontade de adquirir.
Além disso, todo o circunstancialismo posterior, demonstra que as partes acordaram que a Apelada teria de emitir declaração de compromisso à celebração do contrato de compra e venda, a que pelo contrato não ficou vinculada, e que, posteriormente, teria de ser outorgada a escritura pública, tal como a Recorrida veio a declarar e marcar.
Afigura-se-nos, por isso e em sintonia com o Tribunal a quo, que o contrato celebrado pelas partes configura um contrato de arrendamento e de promessa unilateral de venda de imóvel, vinculando os Réus senhorios a emitir a declaração de venda em escritura pública, depois de expurgadas as hipotecas, desde que a Autora e arrendatária manifeste, no período acordado, a sua vontade de comprar.
Nestes termos e em sintonia com o Tribunal a quo, a forma escrita da promessa integrada no contrato celebrado, assinado pelos Réus/Apelantes, é formalmente válida nos termos no artigo 410º, nº 2, do Código Civil, sendo de relevar que não foi suscitada pelos Réus/Apelantes a invalidade da promessa por falta das formalidades estabelecidas no artigo 410º, nº 3, do Código Civil, que sempre teriam de demonstrar que havia sido culposamente causada pela Autora/Apelada, improcedendo, por isso, a alegada nulidade por vício de forma.
Além disso, é, essencialmente, em redor da cláusula nona do contrato, que reside o ponto de divergência das partes quanto à interpretação da redacção que lhe atribuíram.
Assim, cumpre, agora, analisar da vontade das partes quanto ao teor da cláusula nona do contrato e quanto à vontade das partes no que se refere ao critério para actualização do preço.
Ora, a referida cláusula tem a seguinte redacção: “1-A 2.ª outorgante durante a vigência do presente contrato poderá exercer a opção de compra do imóvel mediante o pagamento do preço de 220.000,00€ (duzentos e vinte mil euros) actualizado anualmente de acordo com os índices de inflação. 2- No caso de opção ser exercida pela 2 outorgante ao preço estipulado na alínea anterior será deduzido o montante de todas as rendas descontando o condomínio, entretanto pagas”.
Defendem, neste âmbito, os Réus/Apelantes que a sua real vontade era que o preço do bem imóvel fosse actualizado em função do valor de mercado à data em que a Autora/Apelada viesse fazer a sua opção de compra.
Ora, esta é, de facto, a questão em que as partes realmente divergem, ou seja, no montante do preço a entregar pela Autora/Apelada aos Réus/Apelantes para aquisição da fracção.
Releva, neste âmbito, o princípio da autonomia ou da liberdade contratual, consagrado no artigo 405º do Código Civil, nos termos do qual a vontade das partes é soberana para celebrar e modelar o conteúdo dos contratos por si celebrados, desde que obedeçam a normas imperativas e ao princípio da boa-fé.
Em obediência a este princípio as partes, quer no momento da negociação, contratação e execução do contrato, devem agir com correcção, lealdade e boa-fé - artigo 227º do Código Civil.
Como é sabido, a liberdade contratual tem duas vertentes: a liberdade de celebração e liberdade de estipulação. O princípio da liberdade contratual baseia-se na regra da liberdade negocial, corolário do princípio da autonomia privada, nos termos do qual ninguém pode ser compelido ou impedido da realização de um contrato. Das várias vertentes que compõem a liberdade contratual releva para o caso dos autos a possibilidade de as partes disporem livremente sobre o conteúdo do contrato que acordam celebrar.
A questão que se coloca é a de saber qual a vontade das partes, ou seja, o que as mesmas, no fundo pretendiam quando estabeleceram a cláusula nona, ao abrigo da sua liberdade contratual.
Ora, conforme bem refere o Tribunal a quo, o texto da mesma não oferece dúvidas quanto à concessão de direito de opção de compra à Autora/Apelada, ao prazo em que o pode fazer (os 10 anos estabelecidos para a duração do contrato de arrendamento), e ao valor fixado ao bem imóvel (€ 220.000,00), ou seja, a cláusula determina se considere que as partes convencionaram um contrato de arrendamento (e o seu prazo), inferindo-se, ainda e pelas razões já atrás expostas, uma promessa unilateral de venda.
A questão que se coloca é a do critério que determina o valor a pagar pela Autora/Apelada no momento da opção de compra.
Nesta parte, a cláusula estabelece que a opção pode ser exercida mediante o pagamento do preço de € 220.000,00, actualizado anualmente de acordo com os índices de inflação.
Ou seja, da literalidade da declaração resulta que o critério acordado pelas partes foi a actualização em função dos índices de inflação.
De facto, conforme atrás referimos, quando estão em causa negócios formais, há que ter em conta que não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso - artigo 238º, nº 1, do Código Civil - embora esse sentido possa valer se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade - artigo 238º, nº 2. E esse mínimo mostra-se observado.
Destarte, das declarações negociais resulta de forma clara que as partes acordaram que o preço seria actualizado em função dos índices de inflação e estes são comumente considerados os índices oficiais divulgados anualmente pelo INE.
De resto, conforme, também, bem refere o Tribunal a quo, a Autora/Apelada e os Réus/Apelantes são pessoas de formação média/superior com capacidade de entender o teor da declaração.
Além disso, como resulta da fundamentação de facto, a cláusula foi negociada entre as partes e foi o próprio Réu/Apelante quem transmitiu a quem redigiu o mesmo, o teor do acordo obtido com a Autora/Apelada, não se vislumbrando, por isso, a razão pela qual, se tivessem acordado na actualização de acordo com o valor do mercado, tal não ficasse a constar expressamente do contrato, nem que não o tenham verificado no momento da outorga do contrato.
Por outro lado, também se nos afigura, em sintonia com o Tribunal a quo, que de todo o contrato resulta que as partes, com o exercício do direito de opção, queriam que o negócio ocorresse como se tivesse ab initio sido celebrado um contrato de compra e venda, uma vez que o valor das rendas pagas pela Autora iria abater no valor acordado pela fracção e as prestações liquidadas pelos Réus a titulo de condomínio iriam acrescer a esse valor.
Assim, se o contrato fosse cumprido, a arrendatária, não pagaria qualquer renda, mas apenas o preço estipulado “ab initio” para a venda do imóvel que contratou adquirir, actualizado em função dos índices de inflação.
Além disso, o critério de actualização através da correção monetária, com aplicação sucessiva, sobre esse total, das taxas de inflação anuais é prática comum nas estipulações contratuais e as partes estão conscientes do seu significado, não se vislumbrando aqui qualquer vício por ofensiva dos bons costumes.
Assim, em sintonia com o Tribunal a quo e com a sua argumentação, que se nos afigura judiciosa e adequada, esta constitui a interpretação que um declaratário normal, colocado na posição das partes pode fazer da cláusula em apreço, sendo a que melhor se coaduna com o contexto de elaboração dos documentos.
Acompanhamos, ainda, a argumentação do Tribunal a quo quanto sustenta que o que sucedeu foi que os Réus/Apelantes, na altura da opção de compra, já não estavam interessados no negócio acordado porque, no ínterim, tinha ocorrido um incremento generalizado do preço no mercado do imobiliário.
Além disso, não há qualquer elemento probatório que indicie qualquer indução dos Recorrentes em erro ou qualquer outro vício que os pudesse prejudicar, de qualquer manobra desleal ou de qualquer comportamento censurável, antes se demonstra que as partes agiram, no exercício da sua autonomia privada e liberdade contratual, celebrado um contrato que satisfazia aqueles que eram, na ocasião e naquele concreto contexto histórico e social, os seus interesses recíprocos.
Afigura-se-nos, por isso, ser válida a cláusula nona do contrato celebrado entre as partes e merecer a referida interpretação, soçobrando a este propósito as questões suscitadas pelos Apelantes.



4.3.2 Da alteração das circunstâncias em que fundaram a decisão de contratar

Invocam, ainda e subsidiariamente, os Apelantes como fundamento do recurso a ocorrência de uma alteração superveniente das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar.
Decorre do regime normativo do artigo 437.º do Código Civil, que:
“1. Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.
2. Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior”.
Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela[28], “A resolução ou modificação do contrato é admitida em termos propositadamente genéricos, para que, em cada caso, o tribunal, atendendo à boa fé e à base do negócio, possa conceder ou não a resolução ou modificação:
Alude a lei, no entanto, aos seguintes requisitos:
a) Que haja alteração anormal das circunstâncias em que as partes tenham fundado a decisão de contratar.
É preciso que essas circunstâncias se tenham modificado.
Esta providência não se confunde com a teoria do erro acerca das circunstâncias existentes à data do contrato, muito embora haja uma estreita afinidade entre elas (uma, relativa à base negocial objectiva -, a outra, assente na base negocial subjectiva). E, além disso, é necessário que a alteração seja anormal. Uma das circunstâncias relevantes pode ser a modificação do valor da moeda. A lei não exige, ao contrário do Código italiano, que a alteração seja imprevisível, mas o requisito da anormalidade conduzirá praticamente quase aos mesmos resultados (…)”.
A possibilidade de modificação ou alteração dos contratos com apelo ao artigo 437º, nº 1, do Código Civil, confronta dialecticamente dois princípios; o da autonomia privada, que impõe o cumprimento pontual do contrato que mais não é que a execução do programa negocial, e o princípio da boa-fé, que visa assegurar o equilíbrio das prestações de modo a que a uma das partes não seja imposta uma desvantagem desproporcionada que favoreça a contraparte.
Ao que se atende, como ponto de partida é à base do negócio, ao circunstancialismo em que as partes assentaram a decisão de contratar, o que pressupõe um consenso negocial recíproco sem o qual não teriam celebrado certo negócio jurídico, ou não o teriam celebrado nos termos em que o fizeram.
Na execução do contrato podem surgir factores que afectem, de maneira anómala, imprevista, aquela base negocial e que tornem intolerável a manutenção do contrato tal como foi inicialmente querido e gizado pelos contraentes, por ser patente o desequilíbrio das prestações, sendo agora excessivamente onerada uma parte e mantendo a outra a situação inicial, como se nada tivesse ocorrido.
Os requisitos de aplicação do artigo 437º, nº 1, do Código Civil, na lição do Professor Menezes Leitão[29] são:
“1) A existência de uma alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar; 2) O carácter anormal dessa alteração; 3) Que essa alteração provoque uma lesão para uma das partes; 4) Que a lesão seja de tal ordem que se apresente como contrária à boa fé a exigência do cumprimento das obrigações assumidas; 5) E que não se encontre coberta pelos riscos próprios do contrato.
Relativamente ao primeiro pressuposto, dele resulta que apenas são relevantes as alterações das circunstâncias efectivamente existentes à data da celebração do contrato, e que tenham sido causais em relação à sua celebração pelas partes (a denominada “base do negócio objectiva”). Não relevam assim, para efeitos desta norma, os casos de falsa representação das partes quanto às circunstâncias presentes ou futuras, que apenas colocam um problema de erro, nem circunstâncias que, apesar de efectivamente existentes, não se apresentem como causais em relação à celebração do contrato.
Relativamente ao segundo pressuposto, exige-se, por outro lado, que essa alteração tenha carácter anormal, ou seja, que fosse de todo imprevisível para as partes a sua verificação.
Situações excepcionais como uma revolução ou o deflagrar de um estado de guerra podem facilmente ser qualificados como alteração das circunstâncias.
Alterações legislativas completamente inesperadas também devem ser qualificadas como tal. Já outras hipóteses como a simples alteração do preço dos produtos comercializados não preencherão o requisito da anormalidade.
Quanto ao terceiro pressuposto, exige-se que a alteração das circunstâncias provoque a lesão de uma das partes no contrato, o que justifica o surgimento de um desequilíbrio entre as prestações contratuais.
Efectivamente, a alteração das circunstâncias só será relevante se dela resultar uma modificação no equilíbrio contratual estabelecido pelas partes.
Se a alteração não provocar danos significativos para uma das partes, não se justifica aplicar este instituto, devendo ser o contrato cumprido nos termos gerais.
Quanto ao quarto pressuposto, exige-se que o desequilíbrio contratual gerado pela alteração das circunstâncias seja de tal ordem, que torne contrária à boa-fé que a parte beneficiada venha exigir o cumprimento do contrato.
Neste sentido, pode-se considerar que a alteração das circunstâncias se apresenta como uma modalidade específica de abuso do direito (artigo 334º), neste caso de um direito de crédito, já que, por força da boa fé, se torna ilegítimo ao credor a exigência da prestação numa situação em que os limites relativos ao equilíbrio das prestações no contrato se encontram ultrapassados.
Consequentemente a alteração das circunstâncias não pode ser aplicada a contratos já executados, uma vez que após a troca das prestações, já passa a ser um risco do receptor da prestação as alterações de valor que ela venha a sofrer.
Finalmente, quanto ao quinto pressuposto, exige-se que a lesão causada pela alteração das circunstâncias não se apresente como coberta pelos riscos próprios do contrato.”
Romano Martinez[30], considera que os cinco requisitos do artigo 437º, nº 1, do Código Civil “são de verificação cumulativa pelo que faltando algum ou alguns deles, não se pode recorrer a este instituto”.
Note-se que a lei não libera o devedor senão no quadro da figura do abuso do direito e do instituto da boa-fé quando a prestação se tornou excessivamente onerosa. O remédio mais drástico do artigo 437º, nº 1, do Código Civil é muito exigente no que respeita à verificação dos requisitos de aplicabilidade.
Com efeito, a teoria do limite do sacrifício não foi acolhida no Código Civil.
O artigo 790º, nº 1 do Código Civil, exonera o devedor, estatuindo que a obrigação se extingue “quando a prestação se tornou impossível”, por causa que lhe não seja imputável.
Contudo, em caso de excessividade da prestação, Antunes Varela ensina que se deve ter em conta, na abordagem de tal problemática, “o disposto nos artigos 437º, 566º, 762º, 812º e, principalmente, no artigo 334º”.
“Por um lado, sabe-se que a alteração anormal de certas circunstâncias vigentes à data da negociação pode dar lugar à resolução do contrato, ou à sua modificação segundo critérios de equidade (art. 437°), e que igual regime é aplicável ao erro sobre as circunstâncias que constituem a base negocial (art. 252°, 2)”.
José de Oliveira Ascensão[31], afirma a certo trecho:
“A alteração anormal é assim, não apenas a alteração extraordinária e imprevisível, mas ainda a alteração que desequilibra uma relação com particular intensidade. É este afinal o conteúdo útil do art. 437/1, ao prever que a exigência das obrigações afecte gravemente os princípios da boa fé.
A “exigência” e a “boa fé” vêm a despropósito como vimos, mas a “gravidade” não.
Só uma alteração significativa, grave portanto, leva a reconsiderar os termos do contrato. A alteração anormal é, não só a alteração extraordinária e imprevisível, como também uma alteração que afecta gravemente, manifestamente, a equação negocialmente estabelecida.”.
Por sua vez, o Professor Doutor Henrique Antunes[32] afirma que:
“A alteração das circunstâncias relevante tem de ser anormal. Na doutrina, distingue-se a anormalidade da imprevisibilidade, acolhendo à resolução ou modificação do contrato alterações que, embora previsíveis, sejam excepcionais, anómalas. […].
Mas pode não se justificar em outros casos, nos quais a boa fé obrigaria a outra parte a aceitar que o contrato ficasse dependente de determinada circunstância […].
É imprevisível a verificação de um evento, ou do seu alcance, quando, embora pudesse ser representado, em abstracto, pelas partes, a prevenção dos seus efeitos não lhes é imputável, em razão das circunstâncias contemporâneas da vinculação negocial, explicando, assim, que o bom pai de família acordasse, nos mesmos termos, o contrato.”
Como refere o Professor Menezes Cordeiro[33]:
“Perante uma modificação ambiental de vulto, todas as situações singulares são, em princípio, tocadas por igual. Uma decisão isolada que provoque determinada adaptação pode, perante outras, ter consequências distorcidas (…) a solução pontual solicita que todos os problemas análogos, uma vez colocados judicialmente, terão saída similar: a revisão de um contrato deixa esperar revisões de todos os pactos semelhantes e assim por diante. Entra-se num domínio de grandes proporções, onde a regulação terá de ser genérica: de novo se solicita a intervenção do legislador. O art. 437º existe e deve ser usado nos casos-limite em que não tenha aplicação qualquer outro instituto.”
Afigura-se-nos, em sintonia com o Tribunal a quo, que não é o caso em apreço.
Com efeito, a decisão de contratar no futuro por preço pré-fixado envolve sempre o risco de valorização/desvalorização do bem para cada uma das partes, decorrendo do mesmo a uma assunção de riscos para cada uma das partes, nomeadamente em termos de equilíbrio das prestações, decorrentes das normais e previsíveis flutuações do mercado imobiliário.
De facto, a única alteração verificada foi a do preço do bem imóvel, uma vez que entre a data da celebração do contrato e a data do exercício do direito de opção pela Autora/Apelada ocorreu uma valorização dos preços do imobiliário habitacional, que fez aumentar o valor do bem imóvel.
Esta situação não é inédita, quer neste sentido, quer no sentido contrário (de crise financeira que fez cair de forma acentuada os mesmos preços, como por exemplo a crise económica que começou em 2008).
É certo que a subida dos preços na habitação é um facto notório. No entanto, tal, só por si não é suficiente, para que se possa recorrer, sem mais, ao instituto da resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias.
Com efeito, por um lado, resulta do próprio contrato que as partes, de alguma forma, previram a possibilidade de valorização/desvalorização ao estabelecerem um critério de actualização do preço (actualizado anualmente de acordo com os índices de inflação), embora tal potencial de valorização tenha sido superior ao espectado face ao incremento de preços sentido no sector imobiliário da região.
Por outro lado, a valorização ou depreciação constitui vicissitude completamente coberta pelos riscos próprios do contrato e, consequentemente, excluída da aplicação do disposto no artigo 437º do Código Civil.
De facto, mesmo admitindo que se esteja perante uma alteração das circunstâncias económicas que se verificavam à data do contrato, por subida generalizada dos preços, tal está coberto pelo risco próprio do negócio celebrado (venda de imóvel com opção de compra em prazo determinado prazo uma vez que é próprio deste negócio que os preços de mercado possam subir ou descer consideravelmente (também poderia ocorrer uma crise como a de 2008 e com certeza os Réus não concordariam em vender por preço inferior ao acordado).
Pelo exposto, soçobra, igualmente, o referido fundamento de recurso.
*


4.3.3 Enriquecimento sem causa

Invocam, ainda e subsidiariamente, os Apelantes o instituto de enriquecimento sem causa.
Nos termos do disposto no artigo 473º do Código Civil “Aquele que sem causa justificativa enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”.
São requisitos da obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa:
a) a existência de um enriquecimento;
b) que este haja sido obtido à custa de outrem e
c) que careça de causa justificativa[34].
O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de caráter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista e a sua origem, podendo traduzir-se num aumento do activo patrimonial, numa diminuição do passivo, no uso ou consumo de coisa alheia ou no
exercício de um direito alheio, quando estes actos sejam susceptíveis de avaliação pecuniária ou, ainda, na poupança de despesas.
No caso vertente, afigura-se-nos, em sintonia com o Tribunal a quo, que os factos dados como provados não são susceptíveis de demonstrar os requisitos suprarreferidos, nomeadamente o empobrecimento dos Réus/Apelantes com locupletamento por parte da Autora/Apelada uma vez que não se verifica qualquer concreto enriquecimento da Autora, nem empobrecimento dos Réus.
O que, de facto, sucede é que os Réus/Apelantes fizeram um negócio com a Autora/Apelada, considerado justo e adequado à data da sua celebração, tendo os Apelantes vindo a arrepender-se da celebração do mesmo em virtude de, face ao aumento de preços, o bem imóvel ter agora valor superior e, se realizassem o negócio actualmente poderiam obter valor mais elevado.
Tal manifestamente não se enquadra no instituto.
Assim, não estão também preenchidos os requisitos de aplicação do instituto do enriquecimento sem causa, soçobrando, igualmente, a referida questão.
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4.3.4 Do abuso do direito

Invocam, ainda e subsidiariamente, os Apelantes o instituto do abuso de direito.

Estipulava-se no artigo 13º do Código Civil de 1867 (Código de Seabra) que “Quem, em conformidade com a lei, exerce o próprio direito, não responde pelos prejuízos que possam resultar desse mesmo exercício”.

Traduzia o normativo citado a consagração do princípio, vindo do direito romano, de que “Qui suo iure utitur neminem facit iniuriam ou neminem laedit”.

Em face da norma em referência, a consagração do instituto do abuso de direito no nosso ordenamento jurídico, não se fez sem polémica, ainda que já na vigência do velho código a figura fosse defendida por alguma doutrina e se verificassem casos, ainda que raros, da sua aplicação na jurisprudência.

Coube ao Prof. Vaz Serra, no ante-projecto do Código Civil de 1966, apresentar o articulado relativo ao abuso de direito, distribuído por oito longos preceitos, onde, entre o mais, se previa, no artigo 2.º, n.º 2, como situação de abuso de direito, “A obtenção astuciosa de sentença ou outras decisões judiciais injustas, mediante actos antijurídicos ou afirmações conhecidamente falsas[35]”.

De tal projecto e após as várias revisões Ministeriais, resultaria um único artigo, o artigo 334º do Código Civil, numa acepção ampla, perspectivando a figura pelo prisma da responsabilidade civil e a sua subordinação aos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Com efeito, nos termos do artigo 334º do Código Civil “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

Perante o preceituado neste artigo, o exercício do direito não deve exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, por a todos se impor uma conduta de acordo com os padrões da diligência, da honestidade e da lealdade exigíveis no comércio jurídico.

Assim, os sujeitos de determinada relação jurídica devem actuar como pessoas de bem, com correcção e probidade, de modo a contribuir, de acordo com o critério normativo do comportamento, para a realização dos interesses legítimos que se pretendam atingir com a mesma relação jurídica.

Os limites impostos pela boa fé são excedidos, designadamente, quando alguém pretenda fazer valer um direito em contradição com a sua conduta anterior, quando tal conduta objectivamente interpretada, de harmonia com a lei, justificava a convicção de que se não faria valer o mesmo direito.

O mesmo se diga dos limites impostos pelos bons costumes, ou seja, pelo conjunto de regras éticas de que costumam usar as pessoas sérias, honestas e de boa conduta na sociedade onde se inserem.

Por outro lado, os direitos devem ser exercidos de acordo com o fim social e económico para que a lei os concebeu. Se forem exercidos para fins diferentes daqueles para que a lei os consagrou, ainda que tal exercício seja útil ao seu autor, poderá haver abuso de direito, se tal exercício ofender claramente a consciência social dominante.

Para Manuel de Andrade[36] «Há abuso do direito quando o direito, legitimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante; e a consequência é a de o titular do direito ser tratado como se não tivesse tal direito ou a de contra ele se admitir um direito de indemnização baseado em facto ilícito extracontratual».

De outro ponto de vista, o acto abusivo é, em regra, no pensamento de Vaz Serra[37], o acto de exercício de um direito que, intencionalmente, causa danos a outrem, por forma contrária à consciência jurídica dominante na colectividade social. Só excepcionalmente se prescindindo da intenção de prejudicar terceiros quando a contraditoriedade àquela consciência, isto é, à boa fé e aos bons costumes, for clamorosa ou quando o direito for exercido para fim diverso daquele para que a lei o concede.

Noutra perspectiva, para Antunes Varela[38], "para que haja lugar ao abuso de direito, é necessária a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito”.

Daí que o exercício de um direito só poderá haver-se por abusivo quando exceda manifesta, clamorosa e intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, ou seja, quando esse direito seja exercido em termos gritantemente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante[39].

Na sequência do ensinamento dos ilustres mestres, poder-se-á dizer, em síntese, que existirá abuso de direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos apodicticamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado.

Uma das modalidades do abuso do direito que tem sido autonomizada é a supressio, figura que o Professor Menezes Cordeiro define como sendo a situação jurídica que não sendo exercida em determinadas circunstâncias e por certo tempo, deixa de poder ser exercida por contrariar a boa-fé.

Uma vez que esta figura implica o não exercício de uma situação jurídica durante certo lapso de tempo, para que a mesma se integre harmoniosamente numa ordem jurídica que tem já ao seu dispor institutos especialmente vocacionados para regular os efeitos da simples passagem do tempo nas relações jurídicas, como sejam a prescrição e a caducidade, importa que tenha notas distintivas próprias, sob pena de gerar redundâncias normativas ou, ao invés, antinomias.

Os pressupostos da supressio são os seguintes:

a) um não exercício prolongado;

b) uma situação de confiança daí derivada, coadjuvada por elementos circundantes que a sustentem;

c) uma justificação para essa confiança;

d) um investimento de confiança;

e) a imputação da confiança ao não exercente.

No caso vertente, à luz da factualidade provada é óbvio que a actuação da recorrida não se integra na figura do abuso de direito, designadamente, na referida modalidade.

De facto, a Autora/Apelada exerceu direito acordado pelas partes dentro do prazo fixado pelas partes, aliás antes de decorrido sequer metade do prazo fixado pelas partes, não tendo sido demonstrado qualquer facto praticado pela mesma que pudesse criar convicção legítima nos Réus/Apelantes de que não ia exercer o direito de que é titular.

Soçobra, assim, igualmente a referida questão.

*


4.3.4 Do direito à execução específica e do montante a pagar

Cumpre, agora, analisar do direito da Autora/Apelante à execução específica.
A este propósito, também, não merece crítica a decisão recorrida, sendo que as considerações tecidas a este respeito se nos afiguram judiciosas e adequadas, pelo que serão seguidas de perto, com excepção do segmento respeitante ao montante a pagar, condição da tramissão, por padecer de lapso.
Ora, resulta da matéria de facto que entre as partes foi celebrado um contrato atípico - contrato de arrendamento com opção de compra, tendo esta opção de compra sido qualificada como promessa unilateral de venda e, como tal, enquadrável no regime do contrato promessa previsto nos artigos 410º e ss. do Código Civil.
De entre as principais, o contrato promessa cria a obrigação primeira de contratar, ou, mais concretamente, a obrigação de emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido.
“A obrigação assumida por ambos os contraentes, (...), tem assim por objeto uma prestação de facto positivo, um facere oportere.[40]”.
Ora, as partes vincularam-se à celebração de um contrato futuro, muito embora estabelecendo previamente o conteúdo do contrato prometido, nascendo desta convenção uma obrigação de prestação de facto jurídico, consistente na emissão de uma dada declaração negocial em escritura pública.
Como qualquer outro contrato, o contrato promessa provoca o nascimento de obrigações/deveres e direitos para ambas as partes, encontrando-se sujeito às regras gerais do cumprimento e incumprimento das obrigações.
Ora, no caso vertente, estamos perante uma obrigação de venda da fracção em causa nos autos.
Como é sabido, o contrato de compra e venda, tem como elementos essenciais, por um lado, a obrigação da autora entregar a coisa e, por outro, a obrigação de a ré pagar o preço correspondente ao valor da coisa entregue - artigos 874º e 879º do Código Civil.
Dispõe o artigo 406º, nº 1 do Código Civil que o contrato deve ser pontualmente cumprido.
Por outro lado, o artigo 762º do mesmo diploma estabelece que o devedor só cumpre a obrigação, quando realiza a prestação a que está vinculado.
Tal significa que o cumprimento tem que ser ajustado à prestação devida e que na execução contratual as partes estão adstritas ao cumprimento exato, no sentido de local, tempo, modo e tipo de prestação que do contrato emerge.
Dos factos provados resulta:
- que os Réus se vincularam a vender a fração descrita em 1. dos factos provados, pelo valor de € 220.000,00, atualizado anualmente de acordo com os índices de inflação que a Autora;
- que por cartas registadas, datadas de 21.12.2020, que os Réus receberam, a Autora comunicou que exercia o direito de opção à compra da fração, pelo valor atualizado de acordo com os índices de inflação de € 226.438,70, ao qual seriam descontadas as rendas pagas, no valor global de € 40.000,00;
- que por carta datada de 01.03.2021, os Réus comunicam que não concordam com tal valor, que o preço devia ser atualizado de acordo com a valorização de mercado do imóvel, admitindo, no entanto, vender pelo preço de € 270.000,00;
- que a Autora procedeu à marcação de escritura pública, comunicando que, nessa data, já se encontravam pagas 54 rendas e que o valor a descontar ao preço de € 226.438,70, seria de € 43.200,00;
- na comunicação da marcação da escritura a Autora adverte os Réus que a não celebração da mesma será tida como incumprimento definitivo imputável aos Réus, que daria lugar ao exercício do direito à execução específica do contrato;
- que no dia 27 de abril de 2021, Autora e Réus compareceram pessoalmente no cartório onde se encontrava marcada a escritura;
- que nessa data a Autora estava pronta para entregar aos Réus, para pagamento do preço da venda, um cheque bancário no montante de € 183.238,70;
- que nessa data a Autora já tinha pago 54 rendas, no valor global de € 43.200,00;
- que a Autora declarou que pretendia comprar a fração por exercício do direito de opção conferido pelo contrato de arrendamento, pelo preço de € 183.238,70, livre de ónus, encargos e responsabilidades;
- que os Réus declararam não aceitar o preço de € 183.238,70;
- que na data não foi apresentado, pelos mesmos, distrates das hipotecas que incidem sobre a fração e que não foi outorgada escritura de compra e venda.
Assim, à luz da factualidade provada e conforme bem argumenta o Tribunal a quo, resulta que a compra e venda só não foi concretizada porque na data da escritura marcada para o efeito os Réus/Apelantes recusaram a sua outorga pelo preço que haviam convencionado com a Autora/Apelada, sendo que também não haviam diligenciado pelo distrate das hipotecas que incidem sobre a fração.
Assim, os Réus/Apelantes não cumpriram a obrigação que tinham assumido aquando da celebração do contrato de arrendamento com opção de compra.
Por outro lado, os factos provados demonstram que não se verifica incumprimento da obrigação da Apelada de pagar o preço devido aos Apelantes por compra do direito de propriedade que detinham sobre fracção, sendo estes que recusaram a sua prestação, sem causa justificativa.
De facto, o cumprimento verifica-se quando o devedor cumpre a obrigação a que se vinculou no contrato celebrado – que era o que a Apelada pretendia fazer.
Regra geral, não existindo causas de exclusão da ilicitude, a não realização de uma obrigação assumida é ilícita, por lesar o interesse do credor.
Por sua vez, como resulta do disposto no artigo 798º do Código Civil, só o devedor que falte culposamente ao cumprimento da obrigação se torna responsável pelo prejuízo patrimonial e/ou não patrimonial que cause ao credor.
Ora, a culpa é apreciada pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias do caso - artigos 487º, nº 2 e 799º, nº 2, do Código Civil.
Assim, existirá culpa quando o contraente faltoso não procedeu como procederia, nas circunstâncias do caso, uma pessoa normalmente diligente o que, desde logo, determina que apenas se pode concluir que um dos contratantes não teve o comportamento devido se estiver demonstrado que o mesmo tinha a possibilidade de ter cumprido a obrigação a que se obrigou.
Ora, tal sucede no caso vertente, uma vez que os Réus/Apelantes podiam cumprir a obrigação a que se obrigaram - formalizar a venda do bem imóvel pelo preço convencionado - e voluntariamente não cumpriram a referida obrigação, sem causa justificativa.
Em consequência dessa atitude dos Réus/Apelantes, veio a Autora/Apelada pedir que seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial, com vista ao cumprimento da obrigação que assumiram no acordo celebrado, e à consequente efectivação da compra e venda, nos termos do disposto no artigo 830º do Código Civil.
Ora, sendo válido o contrato e inexistindo outras obrigações assumidas pela Autora/Apelada por cumprir, deve o contrato ser pontualmente cumprido ao abrigo do disposto no artigo 406º do Código Civil.
Como atrás já foi referido, de entre as principais, o contrato promessa cria a obrigação primeira de contratar, ou, mais concretamente, a obrigação de emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido.
Ora, face aos factos considerados provados é manifesto que a prestação é “física e legalmente possível” e continua a ter interesse para a Autora/Apelada.
Por sua vez, nos termos do artigo 830º, nº 1 do Código Civil, “se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida”.
Como é sabido, a execução específica do contrato promessa confere o direito a ser exigida a celebração do contrato prometido e a obter uma sentença que supra a declaração negocial do faltoso e produza efeitos equivalentes aos do contrato prometido.
De resto, para poder ser obtida sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: não seja incompatível com a substituição da declaração negocial a natureza da obrigação assumida pela promessa; a inexistência de convenção em contrário e o incumprimento do contrato.
Como já atrás foi referido o contrato definitivo ainda pode ser cumprido e com a execução específica atinge-se o objectivo do contrato promessa celebrado.
De facto, a Autora/Apelada pode e pretende cumprir a obrigação de compra.
Por outro lado, está demonstrado que os Réus/Apelantes interpelados ao cumprimento, nomeadamente, através da marcação de escritura do contrato definitivo, recusaram celebrar o contrato definitivo.
Por fim, a execução específica não é incompatível com a substituição da declaração negocial dos Réus/Apelantes e inexiste convenção em contrário.
Por todo o exposto soçobra, igualmente, a referida questão.
Já no que se refere ao preço a pagar pela Autora/Apelada cumpre atentar aos factos provados e na interpretação a dar ao convencionado nos termos atrás expostos.
Resulta dos factos provados:
- que o mesmo era de € 220.000,00, actualizado anualmente de acordo com os índices de inflação;
- que a Autora quis exercer a opção de compra em dezembro de 2020, quando o preço atualizado nos termo contratados era de € 226.438,70 (o que se verifica por consulta dos índices de inflação publicados pelo INE;
- que as partes convencionaram que ao preço obtido com o desconto das rendas acresceria o montante total das despesas de condomínio pagas pelos proprietários (sempre seria esta a interpretação a dar à cláusula nona do contrato celebrado);
- que os Réus gastaram, desde 2016 até maio de 2024, em despesas de condomínio o valor global de € 17.316,03 e que até maio de 2023 a Autora liquidou rendas no valor global de € 63.200,00.
Por sua vez, no que se refere ao valor do bem imóvel actualizado com o valor da inflação afigura-se-nos, em sintonia com o Tribunal a quo, que se deve atender ao valor do mesmo à data em que a Apelada exerceu o seu direito de opção.
De facto, em sintonia com a argumentação da primeira instância, a escritura só não foi realizada nessa data por facto imputável aos Apelantes. Além disso, considerar uma data posterior seria penalizar a Autora/Apelada e beneficiar os Réus/Apelantes.
Assim, à luz da factualidade provada, parece-nos adequado fixar o valor de aquisição do imóvel em € 226.438,70.
Resulta, no entanto, que o preço a pagar efectivamente pela Autora não é fixo, uma vez que o mesmo tem de ser abatido das rendas pagas no decurso do contrato e acrescido do valor das despesas suportadas pelos Réus com o condomínio.
Ora, nos termos do disposto no artigo 611º, n.º 1 do Código de Processo Civil deve atender-se aos factos demonstrados na pendência da acção.
Assim, deve atender-se que até maio de 2023 a Autora/Apelada liquidou rendas no valor global de € 63.200,00 e que desde 2016 até maio de 2024, os Réus/Apelantes despenderam em despesas de condomínio o valor global de € 17.316,03, ao invés do montante referido pelo Tribunal a quo e em sintonia com a alteração da factualidade no segmento fáctico em causa.
Nestes termos o valor a pagar pela Autora/Apelada é o valor de € 180.555,73 (€ 226.438,70 - € 63.200,00 + € 17.316,03).
Por sua vez, atendendo a que não se logra obter o valor fixo final, uma vez que as partes podem já ter despendido ou continuar a despender quantias até ao trânsito da decisão final, afigura-se-nos que a decisão que substitui a declaração dos Réus/Apelantes tem de ser condicionada ao pagamento do montante já apurado de € 180.555,73, alterando-se, neste segmento, a decisão de 1ª Instância, a efectuar no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado, sem prejuízo de ambas as partes poderem demonstrar, antes do termo desse prazo, pagamentos posteriores aos considerados nesta decisão.
Impõe-se, por isso, quanto ao referido segmento o provimento parcial da apelação nos aludidos termos.
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Por sua vez, no caso vertente, foram, ainda, os Apelantes condenados, no que discordam, a entregar à Apelada o montante do débito garantido por hipoteca ou o valor nele correspondente à fracção transmitida e os juros respectivos, vencidos e vincendos, até pagamento integral.
Mantendo-se, no entanto, inalterada a matéria de facto impugnada nos segmentos fácticos em causa, afigura-se-nos ser de manter, neste segmento, a decisão recorrida.
De resto, nesta matéria estipula o artigo 830º, n.º 4 do Código Civil, que “Tratando-se de promessa relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fração autónoma dele, em que caiba ao adquirente, nos termos do artigo 721º, a faculdade de expurgar hipoteca a que o mesmo se encontre sujeito, pode aquele, caso a extinção de tal garantia não preceda a mencionada transmissão ou constituição, ou não coincida com esta, requerer, para efeito da expurgação, que a sentença referida no n.º 1 condene também o promitente faltoso a entregar-lhe o montante do débito garantido, ou o valor nele correspondente à fração do edifício ou do direito objeto do contrato, e dos juros respetivos, vencidos e vincendos, até pagamento integral”.
Assim, em sintonia com o Tribunal a quo, também se nos afigura que o próprio legislador resolve de forma clara a referida questão.
Assim, mantém-se o referido segmento decisório.
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4.3.5 Da reconvenção

Os Réus/Apelantes deduziram, ainda, reconvenção convencional, que foi julgada improcedente, para a hipótese de o tribunal entender que, para haver lugar à resolução ou modificação do contrato por alteração anormal das circunstâncias tem que haver um pedido expresso dos Réus nesse sentido e, em consequência, formularam o seguinte pedido: “ser julgado totalmente procedente o pedido reconvencional, por provado, condenando-se a autora reconvinda ao pagamento de quantia nunca inferior a €408.525,00 (quatrocentos e oito mil quinhentos e vinte e cinco euros), pelo exercício da (alegada) opção de compra da fração autónoma “U”, propriedade dos ora réus.
Atendendo, porém, a que já nos pronunciamos sobre o direito dos Réus/Apelantes à resolução ou modificação do contrato por alteração anormal das circunstâncias, mantendo, neste segmento, a decisão do Tribunal a quo, decidindo que a mesma não se verifica, impõe-se, igualmente, julgar não provido o referido fundamento de recurso.
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Impõe-se, assim e à luz de tudo o exposto, alterar, apenas, a decisão recorrida, no segmento do condicionamento da transmissão da fracção ao pagamento do montante de € 180.55,73 e não de € 177.934,70, mantendo-se no demais a decisão recorrida.

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Sumariando, em jeito de síntese conclusiva:

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5. Decisão

Nos termos supra expostos, acordam neste Tribunal da Relação do Porto, os juízes desta Relação do Porto em alterar a decisão recorrida por forma a condicionar a transmissão da fracção em causa nos autos ao pagamento do montante de € 180.55,73, mantendo-se no demais a decisão recorrida.


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Custas do recurso a cargo da Apelada e dos Apelantes, na proporção de 1/10 e de 9/10, respectivamente.

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Notifique.

Aveiro, 04 de Junho de 2025

Os Juízes Desembargadores

Relator: Paulo Dias da Silva

1.º Adjunto: António Paulo Vasconcelos

2.º Adjunto: Álvaro Monteiro

(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinatura electrónica e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)

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[1] Cf. Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, pág. 687.[2]Cf. acórdão da Relação do Porto de 29.06.2015, proc. n.º 1106/12.9YYPRT-B.P1, relator Alberto Ruço e acórdão do STJ de 04.05.2017, proc. n.º 2886/12.7TBBCL.G1.S1, relator Tavares de Paiva, todos in www.dgsi.pt.
[3] Cf. Código de Processo Civil Anotado, Volume V, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 141.
[4] Cf. ob. cit., pág. 151.
[5] Cf. obra cit., pág. 151.
[6] Cf. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª edição, pág. 283.
[7] Cf. Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 224 e 225.
[8] Cf. Ferreira de Almeida, Contratos. IV, Almedina, Coimbra, 2014, 221-314 (267-ss.); Interpretação do contrato, O Direito, 1992, IV, 629-651; Manuel Carneiro da Frada, Sobre a Interpretação do Contrato, in “Forjar o Direito”, Almedina, Coimbra, 2015, 11-22; Pedro Pais de Vasconcelos, Unidroit – Interpretação do contrato. Comparação entre as regras Unidroit e as regras do Código Civil português, Themis, Ano I, n.º 2 (2000), 235-246; Rui Pinto Duarte, A interpretação dos contratos, Almedina, Coimbra, 2016 e Maria Raquel Raquel Rei, A interpretação do contrato e os limites do método revelado no artigo 236.º do Código Civil, in “Código Civil. Livro do Cinquentenário”, vol. II, Almedina, Coimbra, 2019, 475-494.[9] Cf. O Anteprojecto do Código Civil, em matéria de interpretação e integração dos negócios jurídicos, foi elaborado por Rui de Alarcão - Interpretação e integração dos negócios jurídicos/Anteprojecto para o novo Código Civil, Sep. BMJ, n.º 84 (1959).
[10] Cf. Os artigos 236.º a 238.º do Código Civil inserem-se sistematicamente na secção I (com a epígrafe “Declaração negocial”), do Capítulo I (“Negócio jurídico”).
[11] Cf. Sobre a interpretação do negócio jurídico, na manualística nacional, v. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, 5.ª ed., UCE, Lisboa, 2010, 443-456 – que ensina: “a interpretação do negócio nunca é dispensável” (ob. cit., 443); Ferreira de Almeida, Contratos, IV, 241-ss. (257-267); Heinrich Hörster/Eva Sónia Moreira da Silva, A Parte Geral do Código Civil Português, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, 562-568; Mafalda Miranda Barbosa, Lições de Teoria Geral do Direito civil, 2.º ed., Gestlegal, Coimbra, 2022, 649-670; Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II, 5.ª ed. (com a colaboração de A. Barreto Menezes Cordeiro), Almedina Coimbra, 2021, 673-755; Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª ed. (por António Pinto Monteiro/Paulo Mota Pinto), Coimbra Editora, Coimbra, 2005, 441-454; Oliveira Ascensão, Direito Civil/Teoria Geral, II, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2003, 173-195; Pedro Pais de Vasconcelos/Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 9.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, 544-556. Desenvolvidamente, v. Ferrer Correia, Erro e Interpretação na Teoria do Negócio Jurídico, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 1967; Ferreira de Almeida, Texto e enunciado na teoria do negócio jurídico, vol. I, Almedina, Coimbra, 1992, 177-201; Santos Júnior, Sobre a Teoria da Interpretação dos Negócios Jurídicos, AAFDL, Lisboa, 1988; Maria Raquel Rei, Interpretação da declaração negocial no Direito civil português (policopiada), 2010. No plano dos comentários aos artigos da lei, v. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, 222-226; José Alberto Vieira, Negócio Jurídico. Anotação aos artigos 217.º a 295.º do Código Civil (Regime do Código Civil), Coimbra Editora, Coimbra, 2006, 42-47; Evaristo Mendes/Fernando Sá, in José Brandão Proença/Ana Afonso/Armando Triunfante/Elsa Vaz de Sequeira/Fernando Oliveira e Sá (Comissão Editorial), “Comentário ao Código Civil. Parte Geral”, 2.ª ed., UCE, Lisboa, 2023, 642-657; Manuel Pita, in Ana Prata (Coord.), “Código Civil Anotado”, vol. I, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, 289-292; Maria Raquel Rei, in Menezes Cordeiro (Coord.), “Código Civil Comentado. I – Parte Geral”, Almedina-CIDP, Coimbra, 2020, 689-702.
[12] Cf. Tratado de Direito Civil, II, Parte Geral, 4ª Edição, Almedina, pág. 685.
[13] Cf. Citado pelo mesmo Autor na obra e local citados.
[14] Cf. Antunes Varela, Código Civil, Anotado, Volume I, 3ª edição, pág. 223.
[15] Cf. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2ª edição, págs. 448 e 449, citando Manuel de Andrade e Rui de Alarcão.
[16] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Apontamento Sobre a Decisão de Non Liquet na Interpretação dos Negócios Jurídicos, em O Direito, ano 122, IV, p. 281, e Ferrer Correia, Erro e Interpretação na Teoria do Negócio Jurídico, Coimbra, 1985, págs. 188 e ss.
[17] Cf. Antunes Varela, Código Civil, Anotado, Volume I, 3ª edição, pág. 223.
[18] Cf. Antunes Varela, obra citada, pág. 222.
[19] Cf. Antunes Varela, obra citada, pág. 224.
[20] Cf. neste sentido, entre muitos, Ac. do STJ, de 05.12.2002, Ferreira Girão, Processo nº 02B3349, Ac. do STJ, de 05.11.2009, Oliveira Rocha, Processo nº 4800/05.TBAMD-A.S1, Ac. do STJ, de 03.02.2011, Lopes do Rego, Processo nº 190- A/1999.E1.S1, Ac. do STJ, de 26.04.2012, Maria do Prazeres Beleza, Processo nº 289/10.7TBPTB.G1.S1 e Ac. do STJ, de 20.03.2014, Fernandes do Vale, Processo nº 392/10.3TBBRG.G1.S1.
[21] Cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 223.
[22] Cf. acórdão do STJ, de 03.02.2011, Lopes do Rego, Processo nº 190-A/1999.E1.S1.
[23] Cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, pág. 223. 
[24] Cf. “Do Contrato de Opção – Esboço de uma Teoria Geral”, pág. 21.
[25] Cf. processo 21727/18.5T8SNT.L1-6, acessível in www.dgsi.pt.
[26] Cf. “Tratado de Direito Civil”, Vol. II, pág. 299.
[27] Cf. “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 5ª Edição, pág. 291.
[28] Cf. “Código Civil Anotado”, vol. I, pág. 41.
[29] Cf. Direito das Obrigações”, vol. II, págs. 124 e ss.  
[30] Cf. “Da Cessação do Contrato”, pág. 155.
[31] Cf. Estudo “Onerosidade Excessiva por Alteração das Circunstâncias”, publicado na Revista da Ordem dos Advogados - 2005 - Ano 65, Vol. III.
[32] Cf. Estudo publicado nos “Cadernos de Direito Privado”, nº 47, Julho/Setembro 2014, pág.13, subordinado ao tema “A alteração das Circunstâncias no Direito Europeu dos Contratos”.
[33] Cf. “Da alteração das Circunstâncias - A concretização do art. 437º do Código Civil à luz da Jurisprudência posterior a 1974”, “Separata dos Estudos em Memória do Professor Doutor Paulo Cunha”, Lisboa, 1987, págs. 71 a 75.
[34] Cf. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10.ª Edição, pág. 481.
[35] Cf. Boletim do Ministério da Justiça, 85/335 e ss.
[36] Cf. Teoria Geral das Obrigações, 3.ª edição, págs. 63-64.
[37] Cf. "Abuso de Direito", in Boletim do Ministério da Justiça nº 85, pág. 253, também citado por F. A. Cunha de Sá, in Abuso de Direito, pág. 127.
[38] Cf. Das Obrigações em Geral, vol. I, 6ª edição, pág. 516.
[39] Cf. Pires de Lima e Antunes Varela, in "Código Civil Anotado", vol. I, 4ª edição, pág. 299.
[40] Cf. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, I vol., 8ª Edição, pág. 313.