EXECUÇÃO
ADJUDICAÇÃO DE IMÓVEL PENHORADO
RESPONSABILIDADE CIVIL DO EXEQUENTE
REQUISITOS
Sumário

I - A junção da prova documental em fase de recurso, apenas é permitida nas situações previstas no art. 651º do CPC., nomeadamente nos casos em que a junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, o que significa que se justifica a junção de documento para a prova de factos cuja relevância a parte, razoavelmente, não podia ter em consideração antes de proferida a decisão.
II – Não cumpre o ónus de impugnação da decisão sobre a matéria de facto previsto no art. 640 nº1 do CPC o recorrente que, para lá de indicar os concretos pontos daquela decisão que considera incorretamente julgados, não aponta que resposta deveria ter sido dada, nem indica os concretos meios probatórios que imponham decisão diversa sobre aqueles concretos pontos impugnados.
III - No âmbito de uma execução, (que não ficou suspensa na sequência da dedução de embargos de executado, nos termos do artº 733º do CPC), na qual os embargos vieram a ser julgados procedentes, por inexigibilidade da obrigação exequenda, com a consequente extinção da execução, não pode o banco exequente vir a ser condenado pelos prejuízos sofridos pela executada, com a adjudicação do imóvel penhorado, se não se provarem os requisitos da responsabilidade civil extracontratual, estabelecidos no art. 483º do C.C., os quais são cumulativos, sendo que a autora poderia ter obtido a anulação da venda, nos termos do art. 839º nº 1 al. a) do CPC.

Texto Integral

Processo: 1141/23.1T8PRT.P1


Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Central Cível do Porto - Juiz 2



Juíza Desembargadora Relatora:
Alexandra Pelayo

Juízes Desembargadores Adjuntos:
Maria Eiró
João Diogo Rodrigues




SUMÁRIO:
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Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto:


I - RELATÓRIO:

AA, com os demais sinais dos autos, intentou esta acção declarativa sob a forma de processo comum contra o Banco 1... SA (Banco 1...), pretendendo ser indemnizada por danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos em consequência de execução que lhe foi movida pelo banco réu, que veio a ser julgada extinta, sendo que o imóvel de que era comproprietária, (que garantia o contrato de mútuo bancário celebrado com o banco réu), não obstante, foi vendido na execução movida contra ambos os mutuários e/ou no processo de insolvência do outro mutuário e adjudicado ao banco réu, que posteriormente o vendeu a terceiros, o que tudo sucedeu sem a sua intervenção.
Que o banco réu faltou dolosamente ao cumprimento da obrigação de interpelação da Autora, no âmbito do contrato de mútuo com hipoteca que celebrara com o banco, o que veio a ser demonstrado pela sentença transitada em julgado proferida nos embargos de executado deduzidos no processo n.º3077/17.6T8LLE-A, que extinguiram a execução.
Pela prática daquele ato doloso a Ré constitui-se na obrigação de indemnizar a ora Autora pelos danos causados, nos termos e para os efeitos do artigo 483º e seguintes do C.
Formulou o seguinte pedido:
“Nestes termos e nos melhores de direito, e sempre com o Mui douto suprimento de V.Ex.ª, deve a presente acção, ser liminarmente recebida, considerada procedente, por provada, e por via disso:
Ser reconhecido o direito da Autora ao pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais em valor nunca inferior a €458.362,94, e por danos não patrimoniais no em valor nunca inferior a € 100.000,00, conforme supra discriminado, bem como ao pagamento de juros moratórios, contabilizados à taxa legal em vigor, desde a data da citação do Réu até integral e efetivo pagamento da quantia peticionada.”
Contestou o réu Banco 1... SA, pugnando pela sua absolvição, alegando em suma que nenhum dano sofreu a autora que possa ser imputado ao Banco réu, que se limitou, no exercício do seu direito e face ao incumprimento dos mutuários (falta de pagamento das prestações mensais do contrato de mútuo) a intentar a respetiva execução, sendo a autora conhecedora do incumprimento e da pendência da execução (apesar da decisão judicial acima referida), nunca tendo proposto solução para o incumprimento (remetendo-lhe o Banco correspondência para a morada que era por eles conhecida da documentação contratual), sendo que, o imóvel foi vendido não no processo executivo mas no processo de insolvência do outro mutuário, tendo-o adquirido, na qualidade de credor da insolvência, por adjudicação e pelo preço que foi colocado em venda (preço que não foi por si proposto mas pelo administrador da insolvência), tudo também como melhor consta da sua contestação.
Foi proferido despacho saneador do processo, que fixou o objeto do processo e enunciou os temas de prova.
Realizada audiência de julgamento foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
Tudo ponderado, nos termos do supra exposto e das disposições legais acima referidas, julgando improcedente a acção, por não provada, absolvo o réu Banco 1... SA (Banco 1...) dos pedidos contra si formulados nesta ação pela autora AA.
Custas da ação pela autora.
Inconformada a Autora, AA veio interpor o presente recurso de Apelação, tendo apresentado as seguintes conclusões:
“1. A Decisão ora recorrida, é sustentada com base numa sentença não transitada em julgado e que foi anulada pelo Tribunal da Relação de Évora, conforme Documento 1 ora junto.
2. O Tribunal de primeira instância, introduziu na sua sentença um elemento de novidade que torna necessária a consideração de prova documental adicional.
3. Considerou ainda provados, factos dos quais não foi produzida nesse sentido nos autos e que por sua vez foram amplamente discutidos e provados em sentido contrário, em sede do processo de embargos de executado, conforme se vislumbra do teor da sentença junta com a p.i.
4. Por outro lado, não foi valorada grande parte da prova efetivamente produzida em julgamento, designadamente através das declarações prestadas pelas testemunhas arroladas e pela recorrente, bem como dos documentos juntos.
5. Com o devido respeito, cometeu o Tribunal a quo um erro de julgamento ao dispensar formalidades essenciais, e ao emitir conclusões sem suporte probatório, tais como: («talvez tenham referido o valor numa primeira carta que recebeu, não recorda com certeza, sendo que, acrescentamos nós, não nos parece descabido que, posteriormente, não lhe saibam dizer qual o valor concreto em dívida, face ao acumular de juros pelo não cumprimento»).
6. Errando na apreciação da prova, ao considerar não provados: «- O valor das obras efetuadas pela autora no imóvel, bem como o valor real e efetivo de mercado do imóvel; - Que todas as notificações efetuadas à autora relativas ao processo de execução, nenhuma tenha sido por si recebida; - Que a autora nenhuns valores receba (recebesse) a título de pensão de alimentos para os seus filhos menores de idade; - Que a sua atual casa de morada de família seja arrendada, bem como o valor da respetiva renda mensal; - O valor das despesas fixas mensais da autora e proveitos mensais; - Que a autora tenha recorrido a apoios sociais para poder sobreviver (sem prejuízo do que resulta do facto de litigar com apoio judiciário); - Que o Banco réu tenha praticado os factos acima elencados como provados, pretendendo consciente e dolosamente causar prejuízos patrimoniais à autora e obter para si um enriquecimento a que não teria direito.»
7. E bem assim, errando ao considerar provados os factos 10, 14, 20 a 24 e 30 a 35, senão veja-se:
8. No decurso da supra referida acção executiva, a ré penhorou o direito a 60/100 do imóvel supra identificado (doc. junto aos autos); (O que é certo)
9. De igual modo, penhorou o saldo de todas as contas bancárias da autora, inclusive da sua conta clientes, já que a autora exerce a profissão de advogada. (igualmente certo)
10- As notificações e com respeito à ação executiva e correspondência da ré para a autora, foram enviadas para a(s) morada(s) que eram do conhecimento do Banco 1..., mediante a documentação que possuía.
14- Em 04.12.2018 foi a quota-parte do imóvel, propriedade da autora, adjudicada ao Réu pelo montante mínimo de €162.948,48 (doc. junto aos autos).
20- Entretanto, o Banco réu cedeu a terceira entidade o crédito (remanescente) que invoca ter sobre a autora, sendo esta interpelada por telefone para pagamento;
23- Nessa sequência, o Banco réu endereçou aos mutuários, por cartas datadas de 14 de Abril de 2014 para as moradas por estes facultadas nos contratos, a sua integração no PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, regulado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro (docs. juntos aos autos);
24- Nenhum dos mutuários contactou o Banco réu no sentido de obter um acordo ou apresentar uma qualquer proposta de reestruturação das responsabilidades e, nessa sequência, o PERSI extinguiu-se pelo decurso do respetivo prazo;
30- Em 27 de Março de 2018 foram as partes notificadas pela Agente de Execução para indicarem a modalidade e valor base para a venda do bem imóvel penhorado (quota parte da autora), sendo a aqui autora notificada para a morada em que havia sido citada (doc. Junto aos autos);
31- A Agente de Execução proferiu em 19 de Abril de 2018 decisão de venda na qual consta que: “O valor patrimonial atual da totalidade do imóvel é de 319.506,84 euros, determinado no ano de 2017, conforme caderneta que se anexa, sendo que se deverá considerar apenas o valor respeitante à quota parte a Executada, na proporção de 60/100.
Em face do supra exposto, determina-se que o bem imóvel penhorado em 29/09/2017 abaixo identificado, irá à venda na modalidade de Leilão Eletrónico, pelo Valor Base de 191.704,10 Euros, em cumprimento do disposto no artigo 812º nº3 al. a) do C.P.Civil, valor correspondente a 60% do valor patrimonial.”;
32- As partes foram notificadas dessa decisão da Agente de Execução, sendo a autora para a morada em que havia sido citada (doc. junto aos autos);
33- No entanto, foi posteriormente designada data para abertura de propostas em carta fechada, o que ocorreu em 04.12.2018, requerendo o Banco réu a adjudicação da quota parte da autora pelo valor de €162.948,48 (cento e sessenta e dois mil novecentos e quarenta e oito euros e quarenta e oito cêntimos) (doc. junto aos autos, “auto de abertura e aceitação de propostas”, estando a autora representada por patrona);
34- Após a adjudicação, subsistindo valores em dívida na execução, esta prosseguiu os seus termos, com a penhora de outros bens da ora executada, sendo nessa sequência que foi efetuada a penhora das contas bancárias da autora;
25 (35)- A quota-parte do imóvel que era propriedade do outro mutuário (40/100) foi vendida no processo de insolvência deste.
8. Em relação aos pontos 10, 14, 20 a 24, 30 a 34 (em negrito), note-se em primeiro lugar que, os factos atinentes à correspondência enviada pelo banco e mais concretamente, à interpelação e resolução do contrato de mútuo celebrado, indispensáveis à instauração da execução, foram minuciosamente julgados em sede de embargos, tendo ficado provado que, «em virtude da falta de interpelação da Embargante/executada é inexigível a obrigação exequenda por não ter sido emitida qualquer declaração resolutória do contrato, sendo também inexequível o título executivo quanto às despesas extrajudiciais já que a Embargante/executada nunca foi notificada da sua existência nem interpelada para o seu pagamento e caso tivesse conhecimento do incumprimento poderia ter reagido, fosse colocando termo à mora (...)» (Ver sentença junta aos autos com a p.i.).
9. Conforme decisão final e transitada em julgado 23.11.2021 foram os embargos julgados totalmente procedentes por provados, e, em consequência, declarada extinta a execução, relativamente à Embargante/executada AA. (Sublinhado nosso).
10. Esta é a única decisão definitiva proferida no processo de embargos, não tendo havido nenhuma decisão com trânsito em julgado, que julgasse os embargos improcedentes e que adjudicasse a parte do imóvel da Autora ao banco, porquanto a Decisão de que a Ré recorrida se arrogou no âmbito dos presentes autos e que serviu de sustentação à decisão em crise, foi considerada NULA, pelo Tribunal da Relação de Évora, em sede do recurso da embargante, conforme Doc. 1 junto, face ao elemento de novidade introduzido na sentença a quo e o erro de julgamento constatado, por não verificação do trânsito em julgado.
11. A A. teve oportunidade de explicar o facto da adjudicação ao banco ter sido anulada, em sede de declarações prestadas sob juramento, na audiência que teve lugar no dia 05.02.2024, conforme consta do depoimento que ficou gravado em 00:29:15 a 00:31:24.
12. Porém, a mandatária Ré, apenas em sede de alegações refere: 00:01:12 vem referir: «E da primeira vez há uma sentença de embargos, em que os embargos são improcedentes, e só depois em sede de recurso é que foi determinado que se fizesse julgamento e mais tarde vieram os embargos a ser procedentes.»
13. Tentando legitimar a venda do imóvel da recorrente, após ter sido notificada da Decisão de anulação da adjudicação da parte da A. ao banco.
14. Levando a que na sentença em crise, se considerassem provados os factos vertidos nºs 30 a 35 e que: «após a adjudicação subsistindo valores em dívida na execução, esta prosseguiu os seus termos, com a penhora de outros bens da ora executada, sendo nessa sequência que foi efetuada a penhora das contas bancárias da autora», sustentados numa decisão anterior não transitada em julgado e que conforme se infere da mesma, julgou os embargos improcedentes, em contradição com a Decisão transitada em julgado e junta aos autos com a p.i.
15. Existindo uma contradição, porquanto ao mesmo tempo considera o Juiz de primeira Instância: «Não desconhecemos (acima referimo-lo) o decidido em sede de embargos de executado interpostos pela autora» que, «Apesar do ali decidido em sede de embargos de executado, a aqui ré poderá, eventualmente, assim o entendendo, intentar nova execução contra a autora (no respeito da decisão naqueles embargos).»
16. E que: «A autora estava, como ainda está, em incumprimento contratual, era disso sabedora (cfr. factos supra e as suas declarações, tomando conhecimento de que a casa estava em venda) e não diligenciou por, junto da aqui ré, tentar encontrar uma solução que satisfizesse ambas as partes (nomeadamente renegociando valores em dívida e prazos de pagamento, caso pretendesse manter a propriedade/compropriedade do imóvel)».
17. Impunha-se ao Tribunal a quo, no exercício dos seus poderes de gestão processual e em cumprimento do dever da descoberta da verdade material, tivesse ordenado, ao abrigo do previsto no Art.º 590º e 591º do NCPC, que fossem prestados os devidos esclarecimentos, quer em sede de Audiência prévia, quer ordenado esclarecimentos às partes ao longo do processo ou em última instância, em sede de declarações de parte da A., quando aquele facto foi explicado.
18. A este respeito, veja-se o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça in: https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1911a76a869c1fc1802587a d0055ed8d II «O conhecimento do pedido, em fase de saneamento dos autos obriga, de forma imperativa, o juiz à designação de audiência prévia, a realizar nos termos e para os efeitos do artigo 591º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, facultando às partes a possibilidade de alegarem de facto e de direito sobre a matéria de que irá conhecer.
IV – A violação das regras processuais que consiste na omissão ilegal da realização de uma diligência obrigatória que deveria ter tido lugar nos autos (a audiência prévia), comunica-se à decisão de mérito subsequente que é proferida fora do momento próprio, numa altura em que ao juiz se encontrava expressamente vedada a possibilidade de tomar conhecimento dessa matéria.»
19. A aceitar-se a licitude da supressão do contraditório imposto pela lei através da alegação de facto e de direito na audiência prévia, tal significaria, logicamente e no limite, que para a parte poder exercer e invocar este direito ao debate que a lei especialmente lhe confere no artigo 591º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, esgrimindo livremente argumentos de facto e de direito previamente ao conhecimento do mérito da causa, teria que se abster de dizer o que quer que fosse sobre essa mesma temática nos seus articulados, sob pena de não poder exigir fazê-lo na audiência prévia, o que é contraditório, nos seus próprios termos, com o espírito e com a letra do preceito referido.
20. Os deveres de gestão processual consagrados em termos genéricos no artigo 6º do Código de Processo Civil, não habilitam o juiz, em caso algum, a subtrair arbitrariamente às partes os direitos processuais que a lei especialmente lhes confere, como se nenhuma importância revestissem, tudo em nome de uma agilização e celeridade processuais que, só por si, não constituem valores, de natureza estruturante e substantiva, enformadores de um sistema compatível com o Estado de Direito (Ver Decisão do STJ).
21. Maria José Capelo, in “A Relevância da Gestão Processual na Fase da Audiência Prévia”, publicado in Boletim da Faculdade de Direito, Volume XCVI, Tomo I, Coimbra 2020, a páginas 161 a 177, salienta que “esta audiência prévia revelar-se-á como um momento privilegiado de diálogo entre as partes e o juiz, ao promover um prévio debate à tomada de decisões, sejam estas de gestão ou adequação do processado, atinentes aos factos carreados pelas partes e a todos aqueles que sejam de conhecimento oficioso”.
22. Em suma, poder-se-á concluir, tal como foi aflorado no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de Julho de 2019 (relatora Ana Azeredo Coelho), proferido no processo nº 5774/17.7T8FNC-A.L1, publicado in www.dgsi.pt, que o respeito pelo princípio do contraditório, genericamente consagrado no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, não depende de um juízo subjetivo do juiz quanto à necessidade, segundo o seu entendimento pessoal, de ouvir ou não ouvir as partes, aquilatando se elas ainda têm algo a dizer-lhe que ache relevante para o que há a decidir, mas é, bem pelo contrário, substantivamente assegurado pela imposição do dever processual, que lhe especialmente incumbe, de garantir às partes o direito (que lhes assiste) de dizer aquilo que, no momento processualmente adequado (definido previamente pela lei), ainda entenderem ser, do seu ponto de vista, relevante.
23. Ao invés, foi dispensada a realização da Audiência prévia sem dar cumprimento ao previsto no Art.º 591º do N.C.P.C. (Ver Despacho com a Ref.ª citius 450467988 de 14/07/2023), verificando-se um erro de julgamento.
24. Não obstante, sempre se diga que, mesmo com dispensa da audiência prévia, de ter sido apreciada a prova de forma correta, não haveria dúvidas de que o Tribunal a quo consideraria demostrada a má-fé do banco porquanto, tendo acompanhado todos os processos judiciais, de execução, de embargos, oposição à penhora e por fim, os presentes autos, fez uso de uma sentença que tinha sido declarada Nula, para omitir factos de total importância ao Tribunal, essenciais à descoberta da verdade material.
25. Pretendendo validar um enriquecimento ilegítimo à custa da recorrente e da sua parte do imóvel, que penhorou e vendeu a terceiros, obtendo um lucro em resultado dessa venda superior aos 160.000 euros (produto da diferença do valor do crédito que existia em dívida aquando o incumprimento em 2014 e o valor da venda feita pelo banco de 420.000 euros).
26. Má-fé que manifestou desde o início, senão veja-se que, o Ac. de anulação da adjudicação foi proferido no dia 07 Novembro de 2019 e no dia 20 de Novembro do mesmo ano, após a notificação dessa decisão de anulação da adjudicação, vendeu a Ré o imóvel da Autora a terceiros pelo preço de 420.000 euros (Ver escritura pública de compra e venda, junto como Doc. 11 da p.i.).
27. Sem nunca ter dado conhecimento, quer à recorrente (embargante) nem sequer para o exercício do seu direito de preferência, quer ao processo de execução, de embargos ou de oposição à penhora, e sem prestar contas durante o processo de execução, nem posteriormente à ter sido declarada extinta.
28. Apropriando-se de todas as quantias que obteve, em resultado do produto da venda do imóvel da recorrente, com as suas mobílias, eletrodomésticos e com os seus bens.
29. Vendendo o imóvel que havia penhorado sem ter dado cumprimento à interpelação da recorrente do incumprimento e da resolução contratual e sem comunicação do seu direito de preferência, num prazo recorde de pouco mais de 15 dias (após ter tido conhecimento do Acórdão que anulou a adjudicação).
30. O que apenas logrou por ter vendido um valor muito inferior ao valor de mercado, uma vez que, para além das obras realizadas, foi dada uma entrada para a aquisição, em permuta de um apartamento, no valor de 110.00euros (Ver escritura junta aos autos como doc. 1 da contestação).
31. Tendo o imóvel à data da venda, um valor comercial de 800.000 euros.
32. Factos que ficaram demonstrados nas declarações das testemunhas arroladas que trabalham na área da construção e de gestão de imóveis, na zona de ..., bem como nas declarações de parte da Autora/recorrente, gravadas de 00:01:25 a 00:33:12, cuja transcrição ao abrigo do previsto no art.º 40º do C.P.C., se faz de novo: “(…)”
33. Cedendo inclusive a outras entidades um crédito que já sabia ser inexistente, uma vez que a cedência teve lugar após a venda do imóvel (Em Dezembro de 2019), causando-lhe os inerentes incómodos de ser contactada diariamente por outras entidades (A A...), principalmente durante o período e horário laboral da recorrente, para cobrança de um valor que não lhe foi informado qual em concreto, até porque não existia.
34. Insistindo porém a Ré/recorrida na execução e, na penhora sucessiva de todos os valores depositados na conta bancária pessoal e conta clientes da recorrente, mesmo após a venda do imóvel a terceiros (Ver Doc. 3 da p.i.), o que lhe causou sérios prejuízos por não poder movimentar, fazer depósitos ou levantar qualquer valores das suas contas bancárias, nem sequer da sua conta clientes, o que originou a perda de todos os clientes da recorrente, conforme explicado com detalhe em declarações de parte e pelas testemunhas, BB, CC e DD, esta última gravadas de 00:04:07 a 00:09:12: “(…)”
35. A testemunha em causa é conhecido, amigo da A., ainda que não chegado, dedicando-se à gestão de imóveis na zona de ..., razão pela qual a recorrente lhe pediu ajuda com a recolha do correio que era enviado ao imóvel, a partir da data em que deixou de habitar na casa de morada de família, (tal como explicado pelo mesmo no seu depoimento gravado de 00:05:36 a 00:08:46): “(…)”
36. Dado o amplo conhecimento do mercado imobiliário da testemunha no âmbito da sua atividade e as declarações que foram prestadas sob juramento, de forma desinteressada e espontânea, nada obstava a que as mesmas não fossem consideradas pelo Tribunal a quo.
37. Pelo que, errou o Tribunal de primeira Instância ao decidir: «Referiu um mínimo de 180 mil euros de obras (“benfeitorias”) que teria efetuado na casa, que lhe acrescentaram um enorme valor de mercado, mas obras concretas e valores que não se conseguiram apurar por uma forma/valor que pudesse servir a este tribunal como um mínimo de referência;»
38. E bem assim por dar como não provado «- O valor das obras efetuadas pela autora no imóvel, bem como o valor real e efetivo de mercado do imóvel.»
39. A testemunha BB, engenheiro e empresário na Construção civil, explicou ter sido amigo do pai, mas não da A. embora a conheça há bastante tempo e, sem ter qualquer interesse na causa, prestou as declarações sob juramento gravadas de 00:02:21 a 00:05:30, de forma espontânea: “(…)”
40. Esta mesma testemunha declarou ter tido conhecimento dos problemas gravíssimos da recorrente, uma vez que «ficou sem dinheiro, passou problemas e dificuldades muito muito muito graves para poder-se manter e aos filhos» (Gravação 00:03:08).
41. Note-se que a moradia da recorrente situava no Caminho ..., frente ao campo de Golfe Old course em direção ao Hotel ... em ... (Ver caderneta predial urbana junta como Doc. 9 da contestação e 2 da p.i.), tratando-se de uma moradia com uma área total do terreno de 3.007,0000 m², composta por três andares, em condomínio fechado num conjunto de apenas quatro moradias, com jardim e duas piscinas, (Ver Docs. 2, 11, e 13 da p.i.).
42. De igual forma, a testemunha CC, residente a muito curta distância do imóvel em causa nos autos, se bem que não prestou declarações quanto ao valor das obras realizadas, confirmou que foram feitas várias obras, quer na parte interior, quer no exterior, designadamente, como a colocação de um portão automático, acrescentando que tirou várias ideias, uma vez que também estava a fazer obras na sua casa, (gravação de 00:02:14 a 00:02:42): “(…)”
43. Obras que, necessariamente valorizaram o imóvel, conforme é de conhecimento das regras de experiência comum e como explicado pela testemunha EE, empreiteiro da construção civil que executou e acompanhou uma parte dessas obras a pedido outro mutuário e que prestou as seguintes declarações de 00:03:27 a 00:06:39: “(…)”
44. A recorrente requereu a produção da prova testemunhal, porquanto toda a prova documental com respeito ao imóvel e as suas benfeitorias, tais como faturas dos materiais e das obras, se encontravam junto com os seus bens no imóvel na data da apropriação ilegítima por parte do banco.
45. É de direito, que a prova testemunhal é o relato que se obtém em juízo, por pessoa que tenha conhecimento dos fatos discutidos na lide. É a declaração de um terceiro (testemunha) que de alguma forma tenha presenciado os fatos discutidos no processo, inexistindo norma legal que imponha a prevalência da prova documental sobre a testemunhal.
46. Discorda a recorrente, ao ver decidido na sentença: «mesmo aceitando (obviamente) erro procedimental da aqui ré (que levou à extinção da execução) tal erro não permite, em nosso entendimento, concluir pela violação de deveres do banco interveniente que legitimem por banda da autora o não cumprimento integral do(s) contrato(s)».
47. Com o devido respeito, entende a recorrente que o que está em causa nos presentes autos, vai muito para além de um incumprimento contratual, tratando por sua vez de uma série de (infelizes) sucessos, desencadeados pela conduta sucessiva da recorrida, mutuante no contrato apontado, que vieram necessária e inevitavelmente colocar em causa a estabilidade e a capacidade financeira e inclusive a fonte de rendimento no âmbito da profissão da recorrente, causando-lhe danos de muito difícil senão impossível quantificação e reparação.
48. Facto que se iniciou com a falta de interpelação da recorrida do incumprimento, bem como do valor em dívida e da resolução do contrato de mútuo, julgada de demonstrada no processo de embargos, o que obstava à prossecução da execução, tal como é jurisprudência assente do Supremo Tribunal de Justiça (Ver designadamente Ac. do S.T.J. proferido no proc. 1366/18.1T8AGD-B.P1.S1).
49. E com a subsequente execução intentada pela recorrida em 28 de Setembro de 2017, peticionando a quantia de €361.532,58 (trezentos e sessenta e um mil, quinhentos e trinta e dois euros e cinquenta e oito cêntimos) (Ver doc. 3 da p.i.), pelo que superior à inicialmente mutuada, em 31.532,58 euros (reitera-se, sem lugar à interpelação do incumprimento e resolução do contrato de mútuo).
50. Seguida da venda do imóvel a terceiros, bem como toda a posterior conduta da recorrida, supra referida.
51. Chegando inclusive à ceder a terceiros em Dezembro de 2019, um crédito que reitera-se, não existia, conforme explicado pela testemunha FF, Legal representante da A...:”(…)”
52. Não tendo conseguido a testemunha referida, concretizar o valor do crédito cedido.
53. Além de mais, a cessão teve lugar sem a comunicação da extinção do PERSI aos mutuários, em que a recorrida declarou ter integrado, de acordo com o vertido nos factos provados da sentença de embargos transitada em julgado (ponto 8: «Informamos que, na sequência de terem decorrido 91 dias da integração de V. Exa no PERSI(...)»), o que a impedia de ceder a terceiros uma parte ou a totalidade do crédito, nos termos previstos no art.º 18º nº 1 al. c) e n.º 3 do art 17º do Dec Lei 227/2012.
54. A recorrida, tentou inverter a realidade dos factos e confundir o Tribunal, alegando ao longo de todo o processo o incumprimento contratual por parte da recorrente, tal como quando a questionou (em sede de declarações de parte), da razão de não ter proposto a dação em cumprimento, ainda que já tivesse explicado ter proposto, conforme depoimento constante na gravação: «00:16:29 A.: “(…)”.
55. Tendo o Tribunal a quo considerado: «Acedeu à internet e verificou que a casa estava à venda por 490 mil euros e depois foi acompanhando os procedimentos da execução (afirmou que logo que teve conhecimento da execução propôs ao Banco dação em pagamento, proposta que foi recusada, versão não corroborada pela ré e que também não se conseguiu confirmar por outra fonte).»
56. Sucede que esta parte da Decisão, também não acompanha a posição da recorrida/embargante no processo de embargos (que mais uma vez contraria nestes autos), o que impunha uma decisão inversa, uma vez que na realidade, foi a própria Ré que recusou a dação em cumprimento na sua oposição, tal como se infere do texto da Douta sentença proferida e junta aos autos com a p.i: «Sendo que a embargante propõe o cumprimento da obrigação mediante o mecanismo da dação em cumprimento, consubstanciado na entrega do imóvel penhorado, esquecendo a Embargante que apenas é proprietária de 60/100 do imóvel e não da sua totalidade, e os outros 40/100 do imóvel referentes ao executado GG encontram-se apreendidos à ordem do processo de insolvência que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste-Sintra-Juízo do Comércio-Juiz 4, processo nº 18794/17.2T8SNT, o qual se encontra ainda em fase de liquidação, não tendo até à data o Embargado sido ressarcido de quaisquer quantias, motivo pelo qual a proposta formulada pela Embargante de dação da totalidade do imóvel não pode ser atendida.»
57. De igual modo, errou o Tribunal a quo ao defender que a recorrente: «não fez uso do disposto no art. 839 nº 3 do Código de Processo Civil, ou seja, requerer que a venda ficasse sem efeito e pedindo a restituição do bem no prazo de 30 dias concedido por aquele preceito legal».
58. Em primeiro lugar, porque a venda nunca lhe foi nunca comunicada pela recorrida, nem esta a comunicou aos autos de execução nem aos autos embargos ou de oposição à penhora e em segundo, porque quando dela teve conhecimento, muito após os trinta dias referidos, não poderia requerer a restituição do bem de que o banco já não era proprietário nem sequer detentor, nem podia opor ou requerer a restituição a terceiros de boa fé.
59. Devia pois o Tribunal a quo ter decidido que, em resultado da venda do imóvel em Novembro de 2019, deixou de inexistir qualquer incumprimento contratual e quaisquer valores a pagar por parte da recorrente, existindo valores a restituir à recorrente resultantes não apenas do produto da venda do seu bem, como dos danos patrimoniais e não patrimoniais que lhe foram causados em virtude da falta de interpelação do incumprimento e a resolução do contrato e da extinção da execução por procedência dos embargos.
60. Tendo, com o devido respeito, cometido o Tribunal a quo um erro na devida apreciação da prova levada aos autos, bem como na que já havia sido produzida em sede de embargos, pelo Douto Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo de execução de Loulé - Juiz 1).
61. Toda a prova produzida, impunha necessariamente uma decisão contrária à proferida, devendo o Tribunal de primeira instância ter decidido:
i) Encontrar-se demonstrada a má-fé do banco porquanto, tendo acompanhado todos os processos judiciais: de execução, de embargos, oposição à penhora e por fim, os presentes autos, fez a recorrida uso de uma sentença que sabia não ter transitado em julgado e que foi considerada Nula e substituída pela sentença junta com a p.i., omitindo factos de total importância ao Tribunal, essenciais à descoberta da verdade material.
ii) Que a Ré, pretendeu com a sua conduta legitimar o seu enriquecimento ilegítimo à custa da recorrente e da sua parte do imóvel que penhorou e vendeu a terceiros, obtendo um lucro em resultado dessa venda superior aos 160.000euros (Ver documentos 1 e 11 da p.i.).
iii) Má-fé também aqui demonstrada (e desde o início), senão veja-se que, o Ac. de anulação da adjudicação foi proferido no dia 07 Novembro de 2019 (Doc 1 ora junto) e no dia 20 de Novembro do mesmo ano, após a notificação dessa decisão de anulação da adjudicação, vendeu à Ré o imóvel da Autora a terceiros pelo preço de 420.000euros (Ver escritura pública de compra e venda, Doc. 11 da p.i.).
iv) O que logrou concretizar num espaço de tempo recorde, não tivesse vendido a um valor muito inferior do valor real (metade do valor de mercado), uma vez que para a sua aquisição, a recorrente entregou em permuta outro imóvel no valor de 110.000euros (Ver Doc. 1 da contestação - cedência da fração da A.), ao que acresciam as benfeitorias realizadas no interior e exterior da moradia em valor não inferior aos 180.000euros, tendo o imóvel naquela data um valor comercial de 800.000euros e que a sua posse foi tomada pela recorrida, com os bens, mobílias e eletrodomésticos da recorrente, de acordo com a prova testemunhal produzida.
v) Nunca tendo dado conhecimento, quer à recorrente (embargante), quer aos processos de execução, de embargos e de oposição à penhora (Ver sentença de embargos e declarações da testemunha DD infra transcritas), nem prestado quaisquer contas, nem sequer depois da execução ter sido declarada extinta.
vi) Tendo a recorrente tido conhecimento da venda do seu imóvel a terceiros por mero acaso (de acordo com as declarações da testemunha DD e declarações de parte).
vii) Apropriando-se de todas as quantias que obteve, em resultado do produto da venda.
viii) Insistindo na penhora das contas bancárias da recorrente (a sua conta pessoal e a conta clientes), mesmo após a venda do imóvel, apenas procedendo ao levantamento dessas penhoras, após o trânsito em julgado da decisão proferida em 27 de Janeiro de 2021 no processo de embargos ou seja mais de quatro anos depois (Ver Documentos 3, 14, 15 e 17 da p.i), retendo todas as quantias que se encontravam em ambas contas e que iam sendo depositadas (dado ter sido ordenada a penhora sucessiva), sem nada informar quanto ao levantamento da penhora da parte da recorrente do imóvel (que já havia vendido a terceiros sem comunicar ao processo).
ix) Cedendo a outras entidades um crédito que já sabia ser inexistente, uma vez que a cedência teve lugar em Dezembro de 2019, pelo que após a venda do imóvel (Em Novembro de 2019).
x) Causando de forma inevitável sérios prejuízos à recorrente, que para além de ter ficado privada do seu bem imóvel e da possibilidade de o vender pelo dobro do valor a que foi vendido pela recorrida, deixou a recorrente de lograr honrar e cumprir as suas obrigações financeiras e os seus compromissos (Ver Doc. 21 junto com a p.i., dívida à CPAS) e de poder movimentar, fazer depósitos na sua conta pessoal e devolver o dinheiro depositado na sua conta clientes, o que originou a perda dos mesmos, dada a quebra de confiança.
xi) Prejuízos pelos quais deve a recorrente ser ressarcida, quer a título de danos patrimoniais quer não patrimoniais.
62. E ainda:
i) ter havido um enriquecimento sem causa, de acordo com o disposto no art. 473º nº 1 do Código Civil, tendo a recorrida enriquecido à custa da venda do bem da recorrente, mesmo após ter sido considerada nula a sua adjudicação, constituindo-se na obrigação de restituir, o que foi indevidamente recebido, ou o que foi recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.
ii) Demonstrando a recorrida má-fé, confirmada com o facto de ter ocultado dos autos de execução, de embargos e de oposição à penhora, que tinha procedido à essa mesma venda, não prestando quaisquer contas e, continuando com a execução e com penhoras sucessivas a todas as contas da recorrente, incluindo a sua conta clientes e, cedendo ainda a terceiros, um crédito que não existia, tendo a partir da cessão a cessionária diligenciado pela cobrança do crédito cedido, mediante reiterados e insistentes contatos, quer telefónicos quer por carta, junto da recorrente.
iii) Violando a recorrida o direito da recorrente, razão pela qual lhe assiste o direito de ser ressarcida dos danos resultantes dessa violação, com a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação dos danos que lhe foram causados e que não teria sofrido não fosse a atuação da recorrida, ao abrigo do previsto nos arts. 483º, 562º, 563º e 566º, todos do Cód. Civil.
iv) O que necessariamente se traduz numa indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a ser fixada em dinheiro, dada a impossibilidade de reconstituição natural, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial da recorrida antes da execução quando era proprietária e detentora do bem imóvel e a que teria se não existissem danos, após a venda deste e a prossecução da execução, no valor de 468.548,14 euros, acrescido de juros legais, a contar da data do início da execução (2017).
v) E bem assim, em danos não patrimoniais, ao abrigo do previsto nos arts. 494º e 496º do Código Civil, danos que devem ser fixados numa indemnização a ser fixada equitativamente pelo tribunal, mas nunca em valor inferior a 100.000euros, atendendo a sua gravidade e a merecida tutela do direito, com especial atenção ao grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste, a situação em que ficou a lesada e as demais circunstâncias do caso.
vi) Devendo ainda ser fixada uma indemnização em igual valor, ou seja não inferior a 100.000euros, pela má fé demonstrada por parte da recorrida nos autos em apreço, face a tentativa clara de ocultar factos ao Tribunal, mediante a junção de um documento (sentença de primeira instância não transitada em julgado) que a recorrida sabia ter sido considerado Nulo pelo Tribunal Superior (Doc 1 ora junto), questionando a recorrida em sede de declarações de parte da recorrente, sobre a razão de não se ter oposto à adjudicação do seu bem.
vii) Estando reunidos os pressupostos constantes nos art.º 562º a 564º do C.C., os quais, para além dos prejuízos causados, deve, incluir os benefícios que a recorrida/lesado deixou de obter em consequência da penhora da sua conta clientes e dos valores de cerca de 50.000 euros que lá se encontravam depositados, durante mais de quatro anos, o que compreensível e inevitavelmente teve como consequência a perda definitiva dos mesmos, pondo em causa a sua profissão e o seus sustento, danos que não teria sofrido se não fosse a lesão causada com a atuação da recorrida, pelo que constituindo-se na obrigação de reparar o dano, mediante a reconstituição da situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à sua reparação (a começar pela devida interpelação da situação de incumprimento).
viii) Vindo-se a recorrente obrigada a explicar a situação aos seus clientes e a enviar toda a documentação com referência ao processo e às penhoras as suas contas, o que para além da perda dos mesmos, lhe gerou um enorme vexame.
63. Estando como tal demonstrados os prejuízos causados pela recorrida como consequência da sua conduta (falta de interpelação/resolução do contrato de mútuo e subsequente venda do imóvel da recorrente, mesmo após a anulação da sentença em que o mesmo lhe tinha sido adjudicado), o que necessariamente impunha que o Tribunal a quo, tivesse fixado uma indemnização por danos patrimoniais no valor de 458.362,94 euros e por danos não patrimoniais, nunca inferior a 100.000 euros, em razão de lhe assistir o direito de ser ressarcida pelos danos resultantes e de reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação em relação aos danos que a recorrente não teria sofrido se não fosse a atuação da recorrida, ao abrigo do previsto nos arts. 483, 562, 563 e 566, todos do Cód. Civil.
64. Condenando ainda a recorrida, numa indemnização a favor da recorrente, pela ocultação destes factos ao Tribunal e a forma como deu continuidade a que continuassem a ser causados prejuízos à recorrente, de igual valor (não inferior a 100.000euros), atendendo à gravidade e a merecida tutela do direito.
Termos em que, nos melhores de Direito, doutamente supridos por Vªs Excias., deverá a Decisão proferida em primeira Instância ser substituída por Decisão que considere provada a conduta da recorrida e os inerentes prejuízos causados à recorrente como consequência direta e necessária da mesma, de acordo e nos termos supra expostos,
E subsequentemente:
Ser condenada no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais, no valor de 458.362,94 euros.
Bem como numa indemnização por danos não patrimoniais a fixar equitativamente por este Douto Tribunal da Relação, tendo-se em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, pelo que nunca inferior a 100.000euros,
E por último, numa indemnização, pela conduta demonstrada em sede do presente processo pela recorrida e a ocultação ao Tribunal de primeira Instância da verdade dos factos, em igual valor ou seja, num mínimo de 100.000 euros.”
Não foram juntas contra-alegações de recurso.
O recurso foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (arts. 627; 629 nº 1; 631 nº 1; 637; 638 nº 1 e nº 7; 639; 644 nº 1 al. a); 645 nº 1 al. a); e 647 nº 1; todos do Código de Processo Civil).
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II-OBJETO DO RECURSO
Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.
As questões decidendas são as seguintes:
-admissibilidade do documento junto com o recurso;
-modificabilidade da decisão de facto por reapreciação das provas produzidas;
-erro na aplicação do direito, quanto à verificação dos pressupostos da responsabilidade civil do banco réu e;
-enriquecimento sem causa.



III-FUNDAMENTAÇÃO:

Na sentença foram julgados provados os seguintes factos.
1- Em 18 de Setembro de 2008, o Banco réu (Banco 1...) celebrou com a autora AA e com GG um contrato de mútuo com hipoteca no valor de €162.000,00 (cento e sessenta e dois mil euros) (docs. juntos aos autos);
2- O referido valor destinou-se à aquisição da fração autónoma designada pela letra “C” que correspondia à habitação composta por cave, rés-do-chão e primeiro andar, tendo na cave, garagem, do prédio urbano denominado por “Lote ... ponto um ponto cinco barra um B”, sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho de Loulé, à data da escritura descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º ...55 da referida freguesia e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo n.º ...68;
3- Na mesma data, 18.11.2008, foi também celebrado entre as partes outro contrato de mútuo com hipoteca no valor de €168.000,00 (cento e sessenta e oito mil euros) (doc. junto aos autos);
4- Para garantia destes dois contratos de mútuo foram constituídas duas hipotecas a favor do Banco réu sobre a fração acima identificada (doc. junto aos autos);
5- A referida fração autónoma foi adquirida pela autora, em regime de compropriedade com GG, detendo a autora 60/100 avos da mesma;
6- Posteriormente à aquisição do imóvel, a autora e o outro comproprietário (seu companheiro), realizaram obras na fração que aumentaram o seu valor;
7- Em 28.09.2017, o Banco 1... (Banco réu) intentou contra a ora autora e contra GG, acção de execução sumária, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Execução de Loulé, sob o n.º 3077/17.6T8LLE, mediante a qual requeria o pagamento do montante de € 361.532,58 (trezentos e sessenta e um mil, quinhentos e trinta e dois euros e cinquenta e oito cêntimos) (doc. junto aos autos);
8- No decurso da supra referida acção executiva, a ré penhorou o direito a 60/100 do imóvel supra identificado (doc. junto aos autos);
9- De igual modo, penhorou o saldo de todas as contas bancárias da autora, inclusive da sua conta clientes, já que a autora exerce a profissão de advogada (doc. junto aos autos);
10- As notificações e com respeito à acção executiva e correspondência da ré para a autora, foram enviadas para a(s) morada(s) que eram do conhecimento do Banco 1..., mediante a documentação que possuía;
11- A autora, em finais de 2013, separou-se do seu companheiro e comproprietário do imóvel, deixando de habitar essa casa e que, até então, constituía a sua habitação própria e permanente;
12- A autora apresentou embargos de executado, contestados pela aqui ré, não tendo sido suspensa a execução (doc. junto aos autos);
13- Posteriormente, em sede de processo de insolvência do comproprietário GG, que correu termos sob o n.º 18794/17.2T8SNT, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo do Comércio de Sintra-Juiz 4, o réu adquiriu o direito a 40/100 do imóvel;
14- Em 04.12.2018 foi a quota-parte do imóvel, propriedade da autora, adjudicada ao Réu pelo montante mínimo de €162.948,48 (doc. junto aos autos);
15- Em 18.06.2019, a autora apresentou oposição às penhoras, alegando, em resumo:
- Os valores constantes da verba 1 do auto de penhora não são propriedade da Executada, porquanto constam de uma conta clientes, utilizada pela Executada no exercício da sua profissão;
- Os valores constantes das verbas 2 a 4 do auto de penhora são valores para fazer face ao sustento do agregado familiar da Executada, composto pela própria e dois filhos menores;
- A Executada não recebe quaisquer valores a título de pensão de alimentos para o sustento dos seus filhos menores;
- A Executada não aufere quaisquer outros rendimentos além daqueles que advêm do exercício da sua profissão;
- Tudo contabilizado, as suas despesas fixas ascendem a um montante global mensal médio de 1.600,00 €;
- Assim, resulta que a penhora destes valores atenta contra a subsistência da Executada e do seu agregado familiar, sendo estes valores impenhoráveis;
16- Em 20.11.2019 o Banco réu procedeu à venda do mesmo imóvel pelo valor de €420.000,00 (doc. junto aos autos);
17- Por decisão final, transitada em julgado em 23.11.2021, decidiu o tribunal:
“a) Julgar os embargos de executado totalmente procedentes por provados, e, em consequência, declarar a execução extinta, relativamente à Embargante/executada AA;
b) Condenar o Embargado/exequente «Banco 1..., S. A» no pagamento das custas e demais encargos com o processo. Registe e notifique, sendo também o (a) Senhor (a) Agente de Execução” (doc. junto aos autos);
18- Nessa sequência e por consequência da procedência dos embargos, em 02.03.2022 foi a execução declarada extinta quanto a si (doc. junto aos autos);
19- Em 20.12.2021 viriam as contas da autora a ser desbloqueadas e o respetivo valor restituído;
20- Entretanto, o Banco réu cedeu a terceira entidade o crédito (remanescente) que invoca ter sobre a autora, sendo esta interpelada por telefone para pagamento;
21- Todo o conjunto de situações acima referidas (nomeadamente execução e penhora das suas contas bancárias e profissional), causaram na autora incómodos e insatisfação, por não poder honrar compromissos com terceiros, sentindo-se afetada emocionalmente na sua vida pessoal e profissional;
22- A autora e o outro mutuário, a partir de Dezembro de 2013 deixaram de pagar as prestações mensais a que se referem os contratos de mútuo acima referidos;
23- Nessa sequência, o Banco réu endereçou aos mutuários, por cartas datadas de 14 de Abril de 2014 para as moradas por estes facultadas nos contratos, a sua integração no PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, regulado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro (docs. juntos aos autos);
24- Nenhum dos mutuários contactou o Banco réu no sentido de obter um acordo ou apresentar uma qualquer proposta de reestruturação das responsabilidades e, nessa sequência, o PERSI extinguiu-se pelo decurso do respetivo prazo;
25- Ainda nessa sequência e continuando a não serem pagas as respetivas prestações mensais, o Banco réu intentou a acção executiva já acima referida, Processo n.º 3077/17.6T8LLE que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Loulé – Juízo de Execução – Juiz 1;
26- A referida acção executiva foi intentada em 28 de Setembro de 2017, peticionando-se a quantia de €361.532,58 (trezentos e sessenta e um mil, quinhentos e trinta e dois euros e cinquenta e oito cêntimos), tendo desde logo indicando-se à penhora a referida fração autónoma que garantia as responsabilidades peticionadas por hipoteca;
27- Em 8 de Janeiro de 2018, a Agente de Execução procedeu à citação pessoal da autora para a execução (doc. junto aos autos);
28- Aos embargos deduzidos pela autora não foi atribuído efeito suspensivo, prosseguindo a acção executiva os seus ulteriores termos, com as diligências atinentes à venda do bem imóvel penhorado;
29- No entretanto, foi o outro mutuário declarado insolvente, no âmbito do processo n.º 18794/17.2T8SNT que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Sintra – Juiz 4, pelo que, a execução ficou suspensa quanto ao mesmo, apenas prosseguindo contra a autora;
30- Em 27 de Março de 2018 foram as partes notificadas pela Agente de Execução para indicarem a modalidade e valor base para a venda do bem imóvel penhorado (quota parte da autora), sendo a aqui autora notificada para a morada em que havia sido citada (doc. junto aos autos);
31- A Agente de Execução proferiu em 19 de Abril de 2018 decisão de venda na qual consta que: “O valor patrimonial atual da totalidade do imóvel é de 319.506,84 euros, determinado no ano de 2017, conforme caderneta que se anexa, sendo que se deverá considerar apenas o valor respeitante à quota parte a Executada, na proporção de 60/100.
Em face do supra exposto, determina-se que o bem imóvel penhorado em 29/09/2017 abaixo identificado, irá à venda na modalidade de Leilão Eletrónico, pelo Valor Base de 191.704,10 Euros, em cumprimento do disposto no artigo 812º nº3 al. a) do C.P.Civil, valor correspondente a 60% do valor patrimonial.”;
32- As partes foram notificadas dessa decisão da Agente de Execução, sendo a autora para a morada em que havia sido citada (doc. junto aos autos);
33- No entanto, foi posteriormente designada data para abertura de propostas em carta fechada, o que ocorreu em 04.12.2018, requerendo o Banco réu a adjudicação da quota parte da autora pelo valor de €162.948,48 (cento e sessenta e dois mil novecentos e quarenta e oito euros e quarenta e oito cêntimos) (doc. Junto aos autos, “auto de abertura e aceitação de propostas”, estando a autora representada por patrona);
34- Após a adjudicação, subsistindo valores em dívida na execução, esta prosseguiu os seus termos, com a penhora de outros bens da ora executada, sendo nessa sequência que foi efetuada a penhora das contas bancárias da autora;
25- A quota-parte do imóvel que era propriedade do outro mutuário (40/100) foi vendida no processo de insolvência deste.
E foram julgados não provados os seguintes factos.
- O valor das obras efetuadas pela autora no imóvel, bem como o valor real e efetivo de mercado do imóvel;
- Que todas as notificações efetuadas à autora relativas ao processo de execução, nenhuma tenha sido por si recebida;
- Que a autora nenhuns valores receba (recebesse) a título de pensão de alimentos para os seus filhos menores de idade;
- Que a sua atual casa de morada de família seja arrendada, bem como o valor da respetiva renda mensal;
- O valor das despesas fixas mensais da autora e proveitos mensais;
- Que a autora tenha recorrido a apoios sociais para poder sobreviver (sem prejuízo do que resulta do facto de litigar com apoio judiciário);
- Que o Banco réu tenha praticado os factos acima elencados como provados, pretendendo consciente e dolosamente causar prejuízos patrimoniais à autora e obter para si um enriquecimento a que não teria direito.



IV-(IN)ADMISSIBILIDADE DO DOCUMENTO JUNTO COM O RECURSO:

Com o recurso a apelante juntou aos autos cópia do acórdão datado de 7.11.2019 proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, no âmbito do processo nº 3077/17.6T8LLE-A.E1, o qual mandou prosseguir os autos de embargos de executado, nos quais havia sido proferida sentença de mérito que os considerou improcedentes no despacho saneador.
Aquele Tribunal de recurso determinou assim o prosseguimento dos embargos de executado, para julgamento, para serem apurados factos essenciais controvertidos.
Trata-se de um decisão anterior à decisão final transitada em julgado, que veio a ser proferida em 23.11.2021, nesses mesmos autos (após o julgamento dos factos que o Tribunal da Relação de Évora reputara de necessários à decisão), decisão essa final favorável à embargante, já que os embargos foram julgados procedentes com a consequente extinção da execução, sendo que é nesta decisão transitada em julgado que a autora ora apelante fundamenta a sua pretensão indemnizatória dirigida contra o banco réu.
Tratando-se de documento apenas junto com este recurso, coloca-se a questão prévia da sua admissibilidade.
Em sede de recurso, rege o art. 651.º, n.º 1, do CPC, norma que estabelece que “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.
Como refere Abrantes Geraldes, a junção da prova documental deve ocorrer preferencialmente na primeira instância, regime que se compreende, na medida em que os documentos visam demonstrar certos factos, antes do tribunal proceder à sua integração jurídica. A lógica imporia até que fosse ainda mais limitada a possibilidade de junção de documentos fora dos articulados, para melhor satisfação dos objetivos da celeridade”.
A junção de documentos na fase de recurso é apenas admitida excecionalmente, compreendendo-se que seja assim porque os recursos são meios de impugnação de decisões, logo devem ser decididos com os mesmos pressupostos de facto que presidiram à decisão impugnada.
Não são meios de criação de decisões sobre matéria nova.
Da concatenação das normas citadas decorre, que a junção de documentos em sede de recurso é positivamente considerada apenas a título excecional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância.
A impossibilidade respeita à superveniência do documento (com referência ao momento do julgamento em primeira instância), e pode ser objetivamente superveniente, por ter ocorrido posteriormente ou subjetivamente superveniente, por ter sido conhecido posteriormente ao momento considerado.
A superveniência dos documentos pode ser assim, objetiva ou subjetiva.
A superveniência objetiva relacionada com a data de produção do documento, mostra-se desde logo afastada na situação em apreço, uma vez que o documento incorpora uma decisão judicial anterior à decisão, em que a autora fundamenta o direito que veio exercer através da ação que move contra o banco réu, não fazendo também sentido apreciar a eventual superveniência subjetiva (isto é, que o Autora só agora dele tivesse tido conhecimento ou só agora a ele tivesse tido acesso), uma vez que a autora foi parte naqueles autos de Embargos de Executada.
Também não se verifica a hipótese consagrada no art. 651.º, n.º 1, do CPC, que é “o caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.
A apelante alega no recurso que “a Decisão de que a Ré recorrida se arrogou no âmbito dos presentes autos e que serviu de sustentação à decisão em crise, foi considerada Nula, pelo Tribunal da Relação de Évora, em sede do recurso da embargante, conforme Doc. 1 junto, face ao elemento de novidade introduzido na sentença a quo e o erro de julgamento constatado, por não verificação do trânsito em julgado.”
Trata-se porém de uma afirmação da recorrente, sem suporte factual, já que a sentença recorrida não faz menção a essa decisão anterior, fundando a sua decisão, na sentença, que transitou em julgado proferida no processo nº 3077/17.6T8LLE-A.E1, em data posterior, isto é em 23.11.2021.
E por não fazer tal menção, também não se compreende a imputação da existência de contradição feita.
Desta forma, porque ademais o documento junto não interessa à decisão, uma vez que só releva para a decisão de mérito a sentença transitada em julgado proferida naqueles autos de embargos de executado, não se admite a sua junção.



V-MODIFICABILIDADE DA MATÉRIA DE FACTO:

Decorre do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que "A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa."
O Tribunal da Relação deve, pois, exercer um verdadeiro e efetivo segundo grau de jurisdição da matéria de facto, sindicando os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos impugnados diversa da recorrida, e referenciar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Porém, o impugnante da matéria de facto, que pretenda a reapreciação da matéria de facto, está sujeito aos ónus que lhe são impostos pelo art. 640º do CPC, que se traduzem na indicação dos concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados; na indicação da decisão diversa que aos mesmos deva caber, devendo ainda especificar os meios de prova constantes do processo que no seu entender determinem uma decisão diversa quanto a cada um dos factos (nº 1 do art. 640º).
E tendo a prova sido gravada, o nº 2 da norma citada impõe ainda ao impugnante da matéria de facto, a indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
O legislador, quando introduziu um efetivo segundo grau de jurisdição em matéria de facto, através do DL 39/95 de 15.2, deixou consignado no respetivo preâmbulo, os seguintes objetivos: “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a deteção e correção de pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.
Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.
A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação.
Este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, decorre, aliás, dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redação do artigo 712.º) - e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1.ª instância - possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito em julgado de uma decisão inquestionavelmente correta.
Daí que se estabeleça, no artigo 690.º-A, que o recorrente deve, sob pena de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, impunham diversa decisão sobre a matéria de facto.”
Como se escreveu no ac. do STJ, de 28.04.2016, a respeito dos ónus impostos ao recorrente que pretenda impugnar a matéria de facto, ónus esses elencado no art. 640º do CPC, estamos perante «um ónus multifacetado cujo cumprimento não se torna fácil, mas que encontra diversas justificações, entre as quais as seguintes:
- A Relação é um Tribunal de 2ª instância, a quem incumbe a reapreciação da decisão da matéria de facto proferida pela instância hierarquicamente inferior;
- A Relação não procede a um segundo julgamento da matéria de facto, reapreciando apenas os pontos de facto enunciados pelos interessados;
- O sistema não admite recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, cumprindo ao recorrente designar os pontos de facto que merecem uma resposta diversa e fazer a apreciação crítica dos meios de prova que determinam um resultado diverso;
- Importa que seja feito do sistema um uso sério, de forma evitar impugnações injustificadas e, com isso, os efeitos dilatórios que são potenciados pelo uso abusivo de instrumentos processuais».
Isto posto, relativamente ao recurso em análise, constata-se que a Apelante, dos ónus impostos pelo artº 640º do CPC apenas cumpre com o ónus estabelecido no nº 1 al a) que é o de indicar quais os concretos pontos da matéria de facto que julga incorretamente julgados.
São eles, os seguintes factos provados:10-14-20-21-22-23-24-30-31-32-33-24-35 e os seguintes factos não provados:«- O valor das obras efetuadas pela autora no imóvel, bem como o valor real e efetivo de mercado do imóvel; - Que todas as notificações efetuadas à autora relativas ao processo de execução, nenhuma tenha sido por si recebida; - Que a autora nenhuns valores receba (recebesse) a título de pensão de alimentos para os seus filhos menores de idade; - Que a sua atual casa de morada de família seja arrendada, bem como o valor da respetiva renda mensal; - O valor das despesas fixas mensais da autora e proveitos mensais; - Que a autora tenha recorrido a apoios sociais para poder sobreviver (sem prejuízo do que resulta do facto de litigar com apoio judiciário); - Que o Banco réu tenha praticado os factos acima elencados como provados, pretendendo consciente e dolosamente causar prejuízos patrimoniais à autora e obter para si um enriquecimento a que não teria direito.»
Acontece que, em lado algum do recurso interposto, (nem nas alegações de recurso, nem nas conclusões, que aliás diga-se, repetem as primeiras), a Apelante indica a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre aquelas questões de facto impugnadas, nem indica os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa sobre cada um daqueles concretos pontos da matéria de facto que impugnou, inobservado assim o disposto nas alíneas b) e c) do nº 1 do citado art. 640º do C.P.C.
Com efeito, lida a impugnação da matéria de facto relativamente aos pontos impugnados, isto é aos factos que a recorrente reputa de erroneamente julgados, ou seja, os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento, fica-se apenas a saber quais os factos impugnados, sem contudo se descortinar qual a decisão que relativamente a cada um deles, a apelante reputa dever ser dada, porque não o diz, e bem assim, porque se limita a mencionar genericamente os meios probatórios - declarações de parte da autora, e depoimentos prestados pelas testemunhas, BB, CC, DD e EE, os quais são parcialmente transcritos no recurso e com indicação das passagens das gravações, mas sem indicação concreta aos pontos da matéria de facto que aqueles meios de prova imporão diversa decisão.
Veja-se por exemplo relativamente ao valor das obras, que a apelante defende ter resultado provado, em lado algum, refere qual o concreto valor que entende ter ficado demonstrado e pretende que seja reconhecido por este tribunal de recurso.
Não se pode considerar que a apelante cumpre com o ónus de indicar a decisão que no seu entender, deve se proferida sobre questões de facto impugnadas, quando a mesma, se limita a concluir de forma genérica, misturando factos com conceitos de direito, o seguinte:
“61. Toda a prova produzida, impunha necessariamente uma decisão contrária à proferida, devendo o Tribunal de primeira instância ter decidido:
i) Encontrar-se demonstrada a má-fé do banco porquanto, tendo acompanhado todos os processos judiciais: de execução, de embargos, oposição à penhora e por fim, os presentes autos, fez a recorrida uso de uma sentença que sabia não ter transitado em julgado e que foi considerada Nula e substituída pela sentença junta com a p.i., omitindo factos de total importância ao Tribunal, essenciais à descoberta da verdade material.
ii) Que a Ré, pretendeu com a sua conduta legitimar o seu enriquecimento ilegítimo à custa da recorrente e da sua parte do imóvel que penhorou e vendeu a terceiros, obtendo um lucro em resultado dessa venda superior aos 160.000euros (Ver documentos 1 e 11 da p.i.).
iii) Má-fé também aqui demonstrada (e desde o início), senão veja-se que, o Ac. de anulação da adjudicação foi proferido no dia 07 Novembro de 2019 (Doc 1 ora junto) e no dia 20 de Novembro do mesmo ano, após a notificação dessa decisão de anulação da adjudicação, vendeu à Ré o imóvel da Autora a terceiros pelo preço de 420.000euros (Ver escritura pública de compra e venda, Doc. 11 da p.i.).
iv) O que logrou concretizar num espaço de tempo recorde, não tivesse vendido a um valor muito inferior do valor real (metade do valor de mercado), uma vez que para a sua aquisição, a recorrente entregou em permuta outro imóvel no valor de 110.000euros (Ver Doc. 1 da contestação - cedência da fração da A.), ao que acresciam as benfeitorias realizadas no interior e exterior da moradia em valor não inferior aos 180.000euros, tendo o imóvel naquela data um valor comercial de 800.000euros e que a sua posse foi tomada pela recorrida, com os bens, mobílias e eletrodomésticos da recorrente, de acordo com a prova testemunhal produzida.
v) Nunca tendo dado conhecimento, quer à recorrente (embargante), quer aos processos de execução, de embargos e de oposição à penhora (Ver sentença de embargos e declarações da testemunha DD infra transcritas), nem prestado quaisquer contas, nem sequer depois da execução ter sido declarada extinta.
vi) Tendo a recorrente tido conhecimento da venda do seu imóvel a terceiros por mero acaso (de acordo com as declarações da testemunha DD e declarações de parte).
vii) Apropriando-se de todas as quantias que obteve, em resultado do produto da venda.
viii) Insistindo na penhora das contas bancárias da recorrente (a sua conta pessoal e a conta clientes), mesmo após a venda do imóvel, apenas procedendo ao levantamento dessas penhoras, após o trânsito em julgado da decisão proferida em 27 de Janeiro de 2021 no processo de embargos ou seja mais de quatro anos depois (Ver Documentos 3, 14, 15 e 17 da p.i), retendo todas as quantias que se encontravam em ambas contas e que iam sendo depositadas (dado ter sido ordenada a penhora sucessiva), sem nada informar quanto ao levantamento da penhora da parte da recorrente do imóvel (que já havia vendido a terceiros sem comunicar ao processo).
ix) Cedendo a outras entidades um crédito que já sabia ser inexistente, uma vez que a cedência teve lugar em Dezembro de 2019, pelo que após a venda do imóvel (Em Novembro de 2019).
x) Causando de forma inevitável sérios prejuízos à recorrente, que para além de ter ficado privada do seu bem imóvel e da possibilidade de o vender pelo dobro do valor a que foi vendido pela recorrida, deixou a recorrente de lograr honrar e cumprir as suas obrigações financeiras e os seus compromissos (Ver Doc. 21 junto com a p.i., dívida à CPAS) e de poder movimentar, fazer depósitos na sua conta pessoal e devolver o dinheiro depositado na sua conta clientes, o que originou a perda dos mesmos, dada a quebra de confiança.
xi) Prejuízos pelos quais deve a recorrente ser ressarcida, quer a título de danos patrimoniais quer não patrimoniais.”
A Apelante ataca no recurso, de forma genérica e global, a decisão de facto relativamente aos pontos indicados, pedindo, pura e simplesmente, manifestando genérica discordância com o decidido, o que, como vimos, não é admissível em face da lei processual que regula os recursos.
Tal como vem formuladas as conclusões e as alegações do recurso fica-se, na verdade, em se saber qual a pretensão concreta da Recorrente relativamente a cada um dos factos impugnados, que é dirigida a esta Relação: se pretende que a factualidade dada como provada seja considerada como não provada, na totalidade ou em parte; ou se pretende que seja proferida uma qualquer outra decisão sobre as questões de facto decididas.
Ora, como vimos, o recorrente, quando impugne a matéria de facto, deverá obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas - Cf. art.º 640.º, n.º 1, do CP Civil.
Impõe-se especificar os factos, os meios probatórios que em concreto se questionem e indicar o sentido decisório que devem ter as questões de facto impugnadas, isto é, sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte, quem impugnar a matéria de facto terá de indicar os concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados; os concretos meios probatórios que na ótica do recorrente impunham decisão diversa; e o sentido da decisão que deve ser proferida, sendo que no tocante aos depoimentos gravados impõe-se que indique as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
O incumprimento pelo recorrente do referido ónus fundamental de delimitação e estruturação do objeto da impugnação deduzida é cominado, pela lei com a rejeição do recurso.
Como refere Abrantes Geraldes, “os aspetos fundamentais a assegurar neste campo são os relacionados com a definição clara do objeto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de factos em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova que são indicados ou em meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado produzido.
Afirma também Abrantes Geraldes,que “as referidas exigências devem ser apreciadas á luz de um critério de rigor. Trata-se afinal de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto, s transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Assim sendo, porque a apelante não fundamenta, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação, não indicando as passagens das gravações, rejeita-se o presente recurso na parte em que a apelante impugna a matéria de facto, por força do que dispõe o nº 1 do art. 640º do CPC.
O não cumprimento dos aludidos ónus acarreta a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto (cfr. o art.640º, nºs 1 e 2 do CPC), não havendo, nestes casos, lugar a qualquer convite ao aperfeiçoamento.
Desta forma impõe-se a rejeição total do recurso na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto por falta de posição expressa sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação, que no caso é genérica e falta de indicação dos concretos meios de prova relativamente aos concretos pontos da matéria de facto impugnados. (art.° 640.°, n.° 1, alíneas b) e c) do CPC



VI-APLICAÇÃO DO DIREITO:

A presente ação baseia-se na responsabilidade civil bancária, imputando a autora ao banco réu, apelado, uma atuação dolosa deste no âmbito do processo executivo com o nº 3077/17.6T8LLE-A que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro - Juízo de Execução de Loulé.
O Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) contém um complexo de normas relativas às regras de conduta do banqueiro, aí sendo destacadas, no que tange a deveres gerais, regras respeitantes à competência técnica, às relações com os clientes, ao dever de informação e ao critério de diligência (arts. 73 a 76).
Este diploma, tal como resulta da respetivo preâmbulo, pretende dar resposta à “preocupação de fazer assentar cada vez mais a atuação das instituições de crédito e outras empresas financeiras em princípios de ética profissional e regras que protejam de forma eficaz a posição do «consumidor» de serviços financeiros” e que “não se manifesta apenas pela consagração expressa dos apontados deveres gerais de conduta e das demais normas referidas, mas explica ainda o incentivo que se pretende dar à elaboração de códigos deontológicos de conduta pelas associações representativas das entidades interessadas (artigo 77.º, n.os 2 a 4).
Assim, a competência técnica (art. 73º) tem subjacente deveres de qualidade e de eficiência, devendo o banqueiro assegurar ao cliente, em todas as atividades que exerça, elevados níveis de competência técnica, devendo ainda no que toca às relações com os clientes (art. 74º) cumprir um dever de adoção, enquanto instituição, de procedimentos de diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhe estão confiados.
Ou seja, nas relações contratuais bancárias há princípios e regras de conduta que devem ser observados, sendo que "a relação de clientela é uma relação obrigacional complexa e duradoura, iniciada nas negociações de um primeiro contrato e desenvolvida continuamente por subsequentes e repetidas ou renovadas operações de negócios firmadas pelas partes, muitas das quais novos contratos, em que, a par de prestações primárias (ou secundárias) surgirão obrigações acessórias de cuidado ou deveres de proteção cominados por acordo dos contraentes, pela lei ou pela boa fé, para satisfação do interesse do credor. Deste modo, a relação de cliente não é um (único) contrato geral, mas uma relação contínua e duradoura de negócios, assente em ligações especiais de confiança e lealdade mútua das partes, cuja violação na negociação, conclusão, execução ou pós-extinção de uma operação financeira acarreta responsabilidade contratual”.
A autora defende que foram violados estes deveres de conduta pela banco réu, de forma dolosa, no âmbito da sua atuação na qualidade de exequente/embargado, no processo executivo com o nº 3077/17.6T8LLE-A que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro - Juízo de Execução de Loulé.
Alegou, em suma ter sofrido danos por ter sido desapossada do imóvel de que era proprietária e onde tinha realizado obras diversas, que o banco entretanto vendeu a terceiros, com evidente lucro, tendo ficado impedida de usar as suas contas bancarias que haviam sido penhoradas durante dois anos, continuado não obstante a venda do imóvel ao banco, a ser considerada devedora, agora duma entidade a quem o banco cedeu o crédito.
Em concreto, tal como decorre da exposição dos factos feita na petição inicial, fundamenta a sua pretensão indemnizatória na seguinte situação: - A Ré faltou dolosamente ao cumprimento da obrigação de interpelação da Autora, no âmbito do contrato de mútuo com hipoteca que celebrara com o banco, o que veio a ser demonstrado pela sentença transitada em julgado proferida nos autos do processo n.º3077/17.6T8LLE-A.
Pela prática daquele ato doloso a Ré constitui-se na obrigação de indemnizar a ora Autora pelos danos causados, nos termos e para os efeitos do artigo 483º e seguintes do C.C.
A ilicitude na atuação do banco apelado consistiu assim no facto daquele ter instaurado uma execução contra a autora – (apesar desta reconhecer ser então devedora das prestações vencidas relativas ao contrato de mútuo bancário com hipoteca celebrado com o banco apelado) – sem antes ter interpelado devidamente a autora para o pagamento das mesmas e bem assim sem lhe ter declarado a resolução daquele contrato, o que segundo a autora foi feito de forma dolosa, vindo o banco a “apropriar-se” do imóvel, que garantia aquele contrato, causando-lhe dessa forma prejuízos variados.
A nosso ver, é manifesta a falta de razão da autora/apelante, sendo que os factos imputados ao banco tem de ser contextualizados primeiramente, no âmbito do contrato celebrado entre a autora e banco e em segundo lugar no âmbito da execução que foi movida pelo banco à autora e que veio a ser julgada extinta por decisão final, transitada em julgado em 23.11.2021.
Nesta matéria provou-se que:
- Em 18 de Setembro de 2008, o Banco réu (Banco 1...) celebrou com a autora AA e com GG um contrato de mútuo com hipoteca no valor de €162.000,00;
- O referido valor destinou-se à aquisição da fração autónoma designada pela letra “C” que correspondia à habitação composta por cave, rés-do-chão e primeiro andar, tendo na cave, garagem, do prédio urbano denominado por “Lote ... ponto um ponto cinco barra um B”, sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho de Loulé, à data da escritura descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º ...55 da referida freguesia e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo n.º ...68;
- Na mesma data, 18.11.2008, foi também celebrado entre as partes outro contrato de mútuo com hipoteca no valor de €168.000,00 (cento e sessenta e oito mil euros) (doc. junto aos autos);
- Para garantia destes dois contratos de mútuo foram constituídas duas hipotecas a favor do Banco réu sobre a fração acima identificada (doc. junto aos autos);
- A referida fração autónoma foi adquirida pela autora, em regime de compropriedade com GG, detendo a autora 60/100 avos da mesma;
- A autora e o outro mutuário, a partir de Dezembro de 2013 deixaram de pagar as prestações mensais a que se referem os contratos de mútuo acima referidos.
Do exposto resulta que a Autora incumpriu o contrato de mútuo celebrado com o banco, ao não pagar as prestações mensais referentes ao contrato de mútuo, nas datas a que se tinha obrigado.
Estabelece o art. 817º do C. Civil, o seguinte princípio geral do direito das obrigações:
“Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, nos termos declarados neste código e nas leis de processo.”
O banco apelado, em face do incumprimento contratual da apelante estava pois legitimado a exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, nos termos da lei.
O banco apelado dispunha ainda de um documento ao qual a lei confere força executiva – a escritura pública de concessão do mútuo e de constituição de hipoteca -– cfr. artº 703º nº 1 al b) do CPC.
Perante esta situação, no âmbito da sua atividade comercial, o banco apelado em 28.09.2017, intentou contra a ora autora e contra GG, acção de execução sumária, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Execução de Loulé, sob o n.º 3077/17.6T8LLE, mediante a qual requeria o pagamento do montante de € 361.532,58.
Munido de um título executivo, o banco apelado, na qualidade de credor, recorreu a juízo, visando compelir a devedora (qualidade não impugnada pela autora, que reconheceu o incumprimento do contrato) ao cumprimento.
Como é sabido a ação executiva é o meio processual legal que coloca ao serviço dos credores, os órgãos coativos do Estado.
A ação executiva visa, com efeito, a realização efetiva, por meios coercivos, do direito violado, tem por suporte um título que constitui a matriz ou limite quantitativo e qualitativo da prestação a que se reporta.
A execução movida pelo banco teve como finalidade a realização coativa – leia-se com o recurso à força – duma obrigação incumprida da autora.
O título executivo exerce uma função constitutiva, na medida em que atribui exequibilidade à pretensão, possibilitando que a correspondente prestação seja realizada através das medidas coativas impostas ao executado pelo Tribunal.
Coisa diversa é a exigibilidade da obrigação exequenda.
Com efeito, se o título executivo faz presumir a existência da obrigação, a demanda executiva implica outras condições: que a obrigação exequenda seja certa, exigível e líquida – cfr- artigo 713º do CPC.
Na situação em apreço, a sentença final proferida no âmbito dos embargos de executado, revelou a inexigibilidade da obrigação exequenda por o banco ter exigido a totalidade da dívida decorrente do contrato de mútuo, sendo que o seu vencimento dependia da interpelação do devedor, que não ocorreu.
Provou-se que no decurso da supra referida acção executiva, o banco réu penhorou o direito a 60/100 do imóvel (os restantes 40/100 eram pertença do co- executado, entretanto declarado insolvente), supra identificado e penhorou ainda o saldo de todas as contas bancárias da autora, inclusive da sua conta clientes, já que a autora exerce a profissão de advogada.
A penhora, que consiste na apreensão dos bens do devedor executado, constitui um ato lícito desde que realizado de acordo com as normas legais.
Em 8 de Janeiro de 2018, a Agente de Execução procedeu à citação pessoal da autora para a execução.
A citação destina-se a chamar a parte à ação, permitindo-lhe dessa forma deduzir os meios de defesa que entender por convenientes, que a lei processual que regula a ação executiva, confere ao executado.
Como escreveu Lebre de Freitas «a oposição por embargos de executado, constituindo, do ponto de vista estrutural, algo extrínseco à ação executiva, toma o caráter de uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e (ou) da ação que nele se baseia».
Ou seja, a oposição à execução ou os embargos de executado são o meio de oposição idóneo à alegação dos factos que em processo declarativo constituiriam matéria de exceção (ibidem, 164) e tem como finalidade única a de impedir os efeitos do título executivo
A sua procedência determina a extinção, total ou parcial, da execução e nada mais.
Tratando-se de uma execução baseada num título extrajudicial, os embargos à execução podem ter como fundamento, além da “inexequibilidade do título” e das outras causas previstas no artigo 729º do C.P.C., para a execução fundada em sentença, qualquer fundamento “que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração” (cfr. artigo 731º do mesmo código).
Tal como resulta do documento 14 junto pela apelante com a petição inicial, constituído pela decisão final proferida em 27.01.2021, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Execução de Loulé – Juiz 1, a ora autora deduziu embargos de executado na execução instaurada pelo banco apelado, defendendo-se além do mais, alegando, que, em Maio de 2013 separou-se do co-proprietário do imóvel, tendo passado a residir em Lisboa, mantendo a morada atualizada no banco e nunca mais tendo recebido qualquer comunicação deste relacionada com o contrato de mútuo bancário, pelo que não foi, em face da situação de incumprimento, interpelada para cumprir, verificando-se por isso a inexigibilidade da obrigação exequenda, por não ter sido emitida qualquer declaração resolutória do contrato.
A sentença final proferida nos Embargos de Executado, veio a acolher a defesa da executada, nos seguintes termos que constam daquela sentença que aqui se reproduzem:
“(…) pelo que a nosso ver não se pode concluir de outro modo que não seja no sentido de que a Embargante/executada não logrou provar que tenha comunicado ao Banco a alteração da morada logo em 2013 (segunda questão), sendo que o Embargado/exequente remeteu as missivas endereçadas à Embargante/executada relativas à integração no PERSI - Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (14/04/2014), à extinção desse procedimento e resolução do contrato (14/07/2014) para a morada “..., Espanha”, mas não tendo logrado provar que essa morada tenha sido indicada pela Embargante/executada como sendo a sua aquando da celebração dos contratos de mútuo dados à execução e abertura da conta de depósitos à ordem associada aos mesmos, alegando a Embargante/executada que nunca morou nessa morada, sendo a mesma a morada de seus pais, então não se pode concluir de outro modo que não seja no sentido de que o Embargante/executado não provou que tenha interpelado extrajudicialmente a Embargante/executada da resolução dos contratos, pelo que à data da instauração da execução a obrigação exequenda não estava vencida e nem se pode dizer que a interpelação ocorreu com a citação para a execução, já que não estamos perante a citação prévia, ocorrendo a citação após a realização da penhora, razão pela qual a execução deverá ser declarada extinta no que tange à Embargante/executada (terceira questão).”
Ou seja, a extinção da execução movida pelo banco apelado ocorreu em consequência da falta de demonstração de um pressuposto da obrigação exequenda, que é o da sua exigibilidade, porquanto, no confronto da prova produzida, o tribunal concluiu que o banco Embargado/exequente remeteu as interpelações necessárias à exigibilidade da obrigação exequenda, endereçadas à Embargante/executada (relativas à integração no PERSI - Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, à extinção desse procedimento e resolução do contrato, para a morada “..., Espanha”, que segundo as declarações aí prestadas pela autora seria a morada dos seus pais, e portanto não pode deixar de se atender que foi uma morada fornecida ao banco pela própria executada, mas que não era a sua morada atual, pelo que, não tendo a autora recebido aquelas missivas a obrigação exequenda, constante do título executivo não lhe era exigível.
Mas repare-se que inexigibilidade não equivale a inexistência da obrigação – cfr. artigo 610º nº 1 do CPC, que dispõe que facto de não ser exigível, no momento em que em que a ação foi proposta, não impede que o réu seja condenado a satisfazer a prestação no momento próprio.
Não é pois possível, pois detetar qualquer atuação dolosa, do banco, que atuou em conformidade com as normas aplicáveis, uma vez, que as notificações e com respeito à acção executiva e correspondência da ré para a autora, foram enviadas para a(s) morada(s) que eram do conhecimento do Banco 1..., mediante a documentação que possuía.
Com bem se aponta na sentença recorrida, a inexigibilidade da obrigação exequenda, decorrente da interpelação da devedora não ter sido feita na morada atual daquela, poderia ter sido sanada numa fase inicial da execução e ter-se-ia evitado a realização dos atos coercivos que se seguiram: “Proc. nº 3077/17.6T8LLE-A -O agente de execução poderia/deveria ter suscitado a intervenção do juiz nos termos do disposto na alínea b), do nº 2 do artigo 855º do Cód. Proc. Civ., por se lhe afigurar faltar o documento comprovativo da interpelação dos executados e/ou duvidar da aplicação da forma sumária. E, se assim o tivesse feito, impunha-se a prolação de despacho de aperfeiçoamento, em que o juiz convidaria a exequente a juntar o documento comprovativo da interpelação dos executados, sob pena de indeferimento (artigo 726º nº 4 e 5 do Cód. Proc. Civ.). Diferentemente, porém a execução avançou com a penhora de uma das frações hipotecadas e subsequente citação dos executados (artigos 855º nº 3 e 856º do mesmo diploma). E só em sede de embargos de executado, a questão da falta de interpelação veio a ser suscitada. A execução baseada em título extrajudicial de obrigação pecuniária, garantida por hipoteca, só segue a forma sumária se estiver vencida à data do requerimento inicial (artigo 550º nº 2-c) do Cód. Proc. Civ.); se o vencimento ainda não tiver ocorrido, a execução terá de assumir a forma ordinária – Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, obra citada: 282. Ora, como acima concluímos, a obrigação exequenda quianda que exigível, não estava vencida na altura em que a execução foi instaurada. Ainda que não tivessem sido deduzidos embargos de executado, poderia o juiz ter convidado a exequente a juntar o documento comprovativo da interpelação dos executados, nos termos do artigo 734º do Cód. Proc. Civ. E, se ela o não fizesse, a execução extinguir-se-ia. Porém, a embargante opôs-se à execução, acusando, nomeadamente, a ausência de interpelação prévia.”
Acontece porém que a inexigibilidade da obrigação exequenda apenas foi “detetada”, em sede do meio de defesa apresentado pela executada, e em consequência da procedência dos embargos a execução foi julgada extinta contra a autora/executada, nos termos do disposto no art. 732º nº 4 do CPC, no dia 2.3.2022, pela senhora Agente de execução, conforme documento 15 junto à petição inicial.
Em 20-12-2021 as contas da ora Autora foram desbloqueadas e o respetivo valor restituído.
Relativamente ao imóvel hipotecado e penhorado, provou-se que, tendo prosseguido a execução, na pendência dos embargos de executado deduzidos pela autora, foram praticados os seguintes atos no âmbito do processo executivo que prosseguiu os ulteriores termos:
- Em 04.12.2018 foi a quota-parte do imóvel, propriedade da autora, adjudicada ao Réu pelo montante mínimo de €162.948,48 (doc. junto aos autos).
-Este em sede de processo de insolvência do comproprietário GG, que correu termos sob o n.º 18794/17.2T8SNT, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo do Comércio de Sintra-Juiz 4, adquiriu o direito a 40/100 do imóvel;
- Em 27 de Março de 2018 foram as partes notificadas pela Agente de Execução para indicarem a modalidade e valor base para a venda do bem imóvel penhorado (quota parte da autora), sendo a aqui autora notificada para a morada em que havia sido citada (doc. junto aos autos);
- A Agente de Execução proferiu em 19 de Abril de 2018 decisão de venda na qual consta que: “O valor patrimonial atual da totalidade do imóvel é de 319.506,84 euros, determinado no ano de 2017, conforme caderneta que se anexa, sendo que se deverá considerar apenas o valor respeitante à quota parte a Executada, na proporção de 60/100.
Em face do supra exposto, determina-se que o bem imóvel penhorado em 29/09/2017 abaixo identificado, irá à venda na modalidade de Leilão Eletrónico, pelo Valor Base de 191.704,10 Euros, em cumprimento do disposto no artigo 812ºnº3 al. a) do C.P.Civil, valor correspondente a 60% do valor patrimonial.”;
- As partes foram notificadas dessa decisão da Agente de Execução, sendo a autora para a morada em que havia sido citada (doc. junto aos autos);
- No entanto, foi posteriormente designada data para abertura de propostas em carta fechada, o que ocorreu em 04.12.2018, requerendo o Banco réu a adjudicação da quota parte da autora pelo valor de €162.948,48 (cento e sessenta e dois mil novecentos e quarenta e oito euros e quarenta e oito cêntimos) (doc. Junto aos autos, “auto de abertura e aceitação de propostas”, estando a autora representada por patrona);
- A quota-parte do imóvel que era propriedade do outro mutuário (40/100) foi vendida no processo de insolvência deste.
- Em 20.11.2019 o Banco réu procedeu à venda da totalidade do imóvel pelo valor de €420.000,00 a terceiro.
Diz a autora que esta venda ocorreu uns meros dois dias antes da sentença proferida na execução, em 23.11.2021, que julgou procedentes os embargos e julgou extinta a execução, sendo por isso evidente a má-fé do banco.
Ora também aqui não se evidencia qualquer má-fé do banco exequente. Isto porque, por um lado, o banco atuou no convencimento que a obrigação era exigível, uma vez que mandara as cartas interpelativas para a morada correta (morada que lhe havia sido fornecida pela sua cliente), por outro lado, porque, deduzidos os embargos, a execução só prosseguiu, com a penhora e venda, porque a executada/embargante não usou da faculdade que a lei coloca à disposição do interessado de suspender a execução, até à decisão final de embargos.
O processo civil não é mais do que um conjunto de regras ordenadoras da forma e dos prazos de arguição em Tribunal das pretensões jurídicas das partes.
Ora a executada não usou dos mecanismos conferidos pelo artigo 733º do CPC que permitiriam a suspensão da execução até à decisão dos embargos de executado.
Dispõe, com efeito, o artigo 733.º nº 1 do CPC:
“1 - O recebimento dos embargos só suspende o prosseguimento da execução se:
a) O embargante prestar caução;
b) Tratando-se de execução fundada em documento particular, o embargante tiver impugnado a genuinidade da respetiva assinatura, apresentando documento que constitua princípio de prova, e o juiz entender, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução;
c) Tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução.
d) A oposição tiver por fundamento qualquer das situações previstas na alínea e) do artigo 696º (…)”
Esta norma regula os efeitos do recebimento dos embargos, facultando ao executado a possibilidade de suspender a execução prestando caução, ou pedindo a sua suspensão, já que estava em causa a exigibilidade da obrigação nos termos da alínea c) desta norma.
Por outro lado, ocorrida a venda do imóvel, em consequência de não ter havido lugar à suspensão da execução, a executada beneficiaria ainda da possibilidade de pedir a nulidade da venda, na sequência da decisão favorável dos embargos de executado, que extinguiu a execução.
Com efeito, estabelece o artigo 839.º do CPC, os seguintes casos em que a venda fica sem efeito
“1 - Além do caso previsto no artigo anterior, a venda só fica sem efeito:
a) Se for anulada ou revogada a sentença que se executou ou se a oposição à execução ou à penhora for julgada procedente, salvo quando, sendo parcial a revogação ou a procedência, a subsistência da venda for compatível com a decisão tomada;
b) Se toda a execução for anulada por falta ou nulidade da citação do executado, que tenha sido revel, salvo o disposto no n.º 4 do artigo 851.º;
c) Se for anulado o ato da venda, nos termos do artigo 195.º;
d) Se a coisa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada pelo dono.
2 - Quando, posteriormente à venda, for julgada procedente qualquer ação de preferência ou for deferida a remição de bens, o preferente ou o remidor substituem-se ao comprador, pagando o preço e as despesas da compra.
3 - Nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1, a restituição dos bens tem de ser pedida no prazo de 30 dias a contar da decisão definitiva, devendo o comprador ser embolsado previamente do preço e das despesas de compra; se a restituição não for pedida no prazo indicado, o vencedor só tem direito a receber o preço.” (sublinhado nosso).
E note-se que a alienação do imóvel pelo banco a um terceiro, não impediria a anulação da venda pela autora (ver neste sentido o Acórdão do STJ de 20.12.2017, proferido no P.3018/14, disponível in www.dgsi.pt).
Sendo ademais a autora advogada de profissão, não podia desconhecer estes mecanismos legais colocados à disposição do executado, os quais, se tivessem sido por si utilizados, teriam acautelado os prejuízos que sofreu, em consequência do prosseguimento da execução até ser proferida a decisão final nos embargos de executado.
Como dissemos, o processo civil não é mais do que um conjunto de regras ordenadoras da forma e dos prazos de arguição em Tribunal das pretensões jurídicas das partes.
A obrigação de seguir este "figurino legal" conduz necessariamente à auto-responsabilização dos sujeitos processuais: caso pretendam praticar um qualquer ato processual terão de o fazer pela forma e no prazo previsto na lei, sob pena de preclusão.
Refere, a este propósito, José Lebre de Freitas, o seguinte: "Ónus, preclusões e cominações ligam-se entre si ao longo de todo o processo, com referência aos atos que as partes, considerada a tramitação aplicável, nele têm de praticar dentro de prazos perentórios. (...) As partes têm assim o ónus de praticar os atos que devam ter lugar em prazo perentório, sob pena de preclusão e, nos casos indicados na lei, de cominações. A auto responsabilidade da parte exprime-se na consequência negativa (desvantagem ou perda de vantagem) decorrente da omissão do ato."
O mesmo se diga relativamente a eventuais “irregularidades” que a apelante alega nas conclusões de recurso (19 a 23) que imputa terem sido cometidas neste processo declarativo, as quais, a terem ocorrido, deveriam ter sido oportunamente ter sido suscitadas no processo nos termos legais (cfr. artigos 195º e ss do CPC)
Desta forma, subscrevemos inteiramente a afirmação feita na sentença recorrida, “Atendendo porém a toda a factualidade apurada, mesmo aceitando (obviamente) erro procedimental da aqui ré (que levou à extinção da execução quanto à autora), tal erro não permite, em nosso entendimento, concluir pela violação de deveres do banco interveniente que legitimem por banda da autora o não cumprimento integral do(s) contrato(s).”
Repare-se que até este “erro procedimental”, como resulta do teor da sentença, proferida no processo executivo n.º 3077/17.6T8LLE que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Loulé – Juízo de Execução – Juiz 1, foi um mero “erro”, no sentido que o banco cumpriu com o procedimento que lhe era exigível em face do incumprimento da autora, (quer a interpelação resolutiva, quer a integração no PERSI), apenas ocorrendo que, em face da mudança de residência da sua cliente, a ora autora, o banco enviou as notificações para a morada que não era a da autora.”
Do exposto resulta que não reconhecemos nenhum comportamento do banco apelado, no âmbito do processo executivo gerador de responsabilidade civil, impondo-se por isso a manutenção da sentença recorrida.
Sem embargo do que ficou dito, analisemos agora as discordâncias concretas apresentadas neste recurso, relativamente ao direito aplicável.
Diz a Apelante em suma que:
“i) Encontrar-se demonstrada a má-fé do banco porquanto, tendo acompanhado todos os processos judiciais: de execução, de embargos, oposição à penhora e por fim, os presentes autos, fez a recorrida uso de uma sentença que sabia não ter transitado em julgado e que foi considerada Nula e substituída pela sentença junta com a p.i., omitindo factos de total importância ao Tribunal, essenciais à descoberta da verdade material.”
Como vimos, não ficou demonstrada a má-fé do banco réu, o qual, sendo portador de título executivo – escritura pública de concessão mútuo bancário com hipoteca – em face do incumprimento contratual da autora, instaura execução contra a ora apelada, sendo que, arguida a inexigibilidade da obrigação, a lei permite o prosseguimento da execução, a não ser nas situações previstas no artº 733º do CPC.
A execução prosseguiu – não com base em qualquer “sentença que o banco sabia não ter transitado em julgado” – mas porque a apelante, ao deduzir embargos de executado, não requereu a suspensão da execução, como poderia ter feito, nos termos previstos no artigo 733.º nº 1 do CPC., prestando caução.
ii) Que a Ré, pretendeu com a sua conduta legitimar o seu enriquecimento ilegítimo à custa da recorrente e da sua parte do imóvel que penhorou e vendeu a terceiros, obtendo um lucro em resultado dessa venda superior aos 160.000 euros (Ver documento 1 e 11 da p.i.).
iv) O que logrou concretizar num espaço de tempo recorde, não tivesse vendido a um valor muito inferior do valor real (metade do valor de mercado), uma vez que para a sua aquisição, a recorrente entregou em permuta outro imóvel no valor de 110.000 euros (Ver Doc. 1 da contestação - cedência da fração da A.), ao que acresciam as benfeitorias realizadas no interior e exterior da moradia em valor não inferior aos 180.000 euros, tendo o imóvel naquela data um valor comercial de 800.000 euros, tanto mais porque a sua posse foi tomada pela recorrida, com os seus bens, mobílias e eletrodomésticos, de acordo com a prova testemunhal produzida.
Aquisição do imóvel pelo banco, na venda executiva, por um preço inferior àquele pelo qual o veio mais tarde a revender a um terceiro, trata-se de um efeito normal da venda executiva.
Com efeito, a venda coerciva, a venda forçada em processo de execução, ao contrário da compra e venda privada, que depende unicamente da vontade dos intervenientes no negócio, é habitualmente feita por preço inferior, sendo o preço mínimo da venda, fixado pelo agente de execução – ver artigo 812º nº 1 do CPC., existindo sempre um risco acrescido da venda poder não se vir a concretizar, podendo ser o bem vendido a um preço inferior ao valor de mercado.
Não pode ser imputado ao comprador (no caso ao exequente a quem foi adjudicado o bem pelo valor da venda) de lucro ilícito, pois trata-se de uma venda “forçada” de bens, que visa dar satisfação aos credores e não uma venda privada sujeita ao normal funcionamento do mercado imobiliário.
Por outro lado, os bancos, na atividade bancária que desenvolvem visam a obtenção de lucro e este foi obtido, este “lucro” ou mais valia, decorreu da venda judicial do imóvel dado em garantia hipotecária pela autora (60/100).
Relativamente aos bens móveis, que integrariam o recheio do imóvel, nada consta da matéria de facto provada.
iii) Má-fé também aqui demostrada (e desde o início), senão veja-se que, o Ac. de anulação da adjudicação foi proferido no dia 07 Novembro de 2019 (Doc 1 ora junto) e no dia 20 de Novembro do mesmo ano, após a notificação dessa decisão de anulação da adjudicação, vendeu a Ré o imóvel da Autora a terceiros pelo preço de 420.000euros (Ver escritura pública de compra e venda, Doc. 11 da p.i.).
Se é certo que o banco podia ter aguardado pela decisão definitiva dos embargos de executado, para proceder à venda do imóvel ao terceiro, este não podia “adivinhar” o sentido da decisão que lhe foi desfavorável, sendo certo até que, de acordo com o documento que a apelante ora quis juntar, o banco obtivera já nos embargos uma decisão (que não transitou em julgado), que lhe fora favorável….
Acresce que, como já tivemos oportunidade de referir, a venda do imóvel a um terceiro, não seria impeditiva da autora obter a anulação da venda executiva, em consequência da extinção da execução.
A autora, porém não alegou sequer ter diligenciado pela anulação da venda.
v) Nunca tendo dado conhecimento, quer à recorrente (embargante), quer ao processo de execução, quer ao processo de embargos e de oposição à penhora (Ver sentença de embargos e declarações da testemunha DD infra transcritas), nem prestado quaisquer contas, nem sequer depois da execução ter sido declarada extinta.
As notificações dos atos no âmbito do processo de execução não são feitas pelo banco, mas pelo agente de execução ou pela secretaria do tribunal, conforme decorre das normas processuais aplicáveis (ver arts. 719º e ss do CPC).
vi) Tendo a recorrente tido conhecimento da venda do seu imóvel a terceiros por mero acaso (de acordo com as declarações da testemunha DD e declarações de parte).
Este facto não consta do elenco dos factos provados, sendo certo porém que eventuais irregularidades processuais, deveriam ser deduzidas no processo executivo supra identificado.
vii) Apropriando-se de todas as quantias que obteve, em resultado do produto da venda, e das suas mobílias, eletrodomésticos e outros bens.
Este facto não consta do elenco dos factos provados.
No âmbito da venda executiva o produto da venda é abatido à quantia exequenda em dívida ou dos créditos reclamados e graduados com preferência (arts.795º e ss do CPC).
No caso do bem penhorado ser adjudicado ao exequente, valem os artigos 799º e ss do CPC.
viii) Insistindo na penhora das contas bancárias da recorrente (a sua conta pessoal e a conta clientes), mesmo após a venda do imóvel e de ter obtido um lucro com a mesma, apenas procedendo ao levantamento dessas penhoras, após o trânsito em julgado da decisão proferida em 27 de Janeiro de 2021 no processo de embargos, (Ver Documentos 3, 14, 15 e 17 da p.i), retendo todas as quantias que se encontravam em ambas contas e que iam sendo depositadas (dado ter sido ordenada a penhora sucessiva) ao longo de mais de quatro anos.
O levantamento das penhoras, ou a anulação da venda só poderiam ocorrer com o trânsito em julgado da sentença que julgou os embargos procedentes, com a consequente extinção da execução, nos termos do art.732º nº 4 do CPC.
Provou-se com a extinção da execução foram restituídas as quantias depositadas. (factos 18 e 19 dos factos provados).
Quaisquer irregularidades processuais teriam de ser, como já dissemos arguidas no processo executivo.
ix) Cedendo a outras entidades um crédito que já sabia ser inexistente, uma vez que a cedência teve lugar em Dezembro de 2019, pelo que após a venda do imóvel (Em Novembro de 2019).
O crédito emergente dos contrato de mútuo como vimos, se inexigível, aquando da instauração da execução, não é inexistente, sendo certo que a própria executada, ora apelante confessa que a partir de Dezembro de 2013 deixou, juntamente com o outro mutuário de pagar as prestações mensais a que se referem os contratos de mútuo acima identificados (facto 22 dos factos provados).
A exigibilidade da obrigação exequenda que é um dos requisitos da obrigação exequenda (art.º 713º do CPC), mas não se confunde com a inexistência da obrigação.
Não tendo a autora logrado provar a extinção do crédito do banco decorrente do incumprimento do contrato de mútuo, nada impedia o banco de ceder o crédito (ou o seu remanescente) a um terceiro, nos termos do disposto nos arts. 577º e ss. do C.Civil.
x) Causando de forma inevitável incalculáveis prejuízos à recorrente, que para além de ter ficado privada do seu bem imóvel e da possibilidade de o vender pelo dobro do valor a que foi vendido pela recorrida, deixou a recorrente de lograr honrar e cumprir as suas obrigações financeiras e os seus compromissos (Ver Doc. 21 junto com a p.i., dívida à CPAS) e de poder movimentar, fazer depósitos na sua conta pessoal e devolver o dinheiro depositado na sua conta clientes, o que originou a perda dos mesmos dada a quebra de confiança.
xi) Prejuízos pelos quais deve a recorrente ser ressarcida, quer a título de danos patrimoniais quer não patrimoniais.
A obrigação de indemnizar os prejuízos sofridos pela autora dependia da prova dos requisitos da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, que tem como pressupostos, cumulativos, dessa responsabilidade: a existência de um facto voluntário praticado pelo agente lesante, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, nos termos do art. 483º do C.Civil.
O ónus de alegação e prova impende ao lesado, nos termos do art. 342º nº 1 do C.Civil.
Resulta da matéria de facto que a autora/apelante não logrou demonstrar tais pressupostos, pelo que a sua pretensão tem necessariamente que decair.
Conclui-se, com efeito da análise da matéria de facto que, tal como se concluiu na sentença que “ como resulta quer dos factos apurados quer das nossas considerações acima, não se pode imputar à ré qualquer comportamento doloso (ou meramente culposo) no sentido de intencionalmente prejudicar a autora e enriquecer o seu património à custa dela.”
Ainda alega a Apelante a seguintes discordância:
i) ter havido um enriquecimento sem causa, de acordo com o disposto no art. 473º nº 1 do Código Civil, tendo a recorrida enriquecido à custa da venda do bem da recorrente, mesmo após ter sido considerada nula a sua adjudicação, constituindo-se na obrigação de restituir, o que foi indevidamente recebido, ou o que foi recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.
Nesta matéria, fazemos nossas as palavras discorridas na sentença a este respeito: “Depois, também não vemos que a ré tenha ficado enriquecida no seu património sem causa.
Desde logo porque, como vimos, a autora ainda se mantém em incumprimento contratual, faltando pagar o remanescente (o produto da venda não cobriu o débito total).
Depois, de acordo com o disposto no art. 473 nº 1 do Código Civil, são os seguintes os pressupostos constitutivos do enriquecimento sem causa: a existência de um enriquecimento; a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem; a ausência de causa justificativa para o enriquecimento.
Desde logo, não se verifica o requisito do enriquecimento, pois que, como dissemos e repetimos, o produto da venda do imóvel dado em garantia (hipoteca) não liquidou todas as responsabilidades dos mutuários.
Depois porque (como também referido pela ré), nos termos do disposto nos art. 686 e 691 do Código Civil (noção e extensão da hipoteca), esta abrange as obras efetuadas no imóvel e que a autora qualifica de benfeitorias (salvo direito de terceiros, não invocado).”
ii) Demonstrando a recorrida má-fé, confirmada com o facto de ter ocultado dos autos de execução, de embargos e de oposição à penhora, que tinha procedido à essa mesma venda, não prestando quaisquer contas e, continuando com a execução e com penhoras sucessivas a todas as contas da recorrente, incluindo a sua conta clientes e, cedendo ainda a terceiros, um crédito que não existia, tendo a partir da cessão a cessionária diligenciado pela cobrança do crédito cedido, mediante reiterados e insistentes contatos, quer telefónicos quer por carta, junto da recorrente.
Trata-se de uma afirmação que não tem apoio na factualidade provada relativa ao processo executivo Proc. nº 3077/17.6T8LLE-AO, pelo que improcede também este fundamento do recurso.
Em face do exposto, resta confirmar a sentença, com a qual se concorda integralmente.






VII-DECISÃO:

Pelo exposto em conclusão acordam os juízes que compõem este Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso e em confirmar a sentença recorrida.

Custas pela apelante sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.







Porto, 4 de junho de 2025

Alexandra Pelayo
Maria Eiró
João Diogo Rodrigues