PER
CRÉDITO TRIBUTÁRIO
REDUÇÃO OU EXTINÇÃO
VIOLAÇÃO NÃO NEGLIGENCIÁVEL DAS REGRAS
HOMOLOGAÇÃO DO PLANO
Sumário

I - De acordo com o quado legal tributário, o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com o respeito pelos princípios da igualdade e da legalidade tributária – cfr. art. 30º da L.G.T. O nº. 3 do art.º 36º da L.G.T., por sua vez, estipula que “administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei”. Por fim, o art.º 197º do CPPT fixa a seguinte regra: “A competência para autorização de pagamento em prestações é do órgão da execução fiscal.”
II - As normas de direito tributário revestem caracter público e imperativo, pelo que a sua inobservância acarreta uma violação não negligenciável de regras, para efeitos do artigo 215.º do CIRE.
III - A homologação do plano de recuperação não deve ser oficiosamente recusada, antes este deve ser homologado, embora com a expressa declaração da sua ineficácia relativamente aos créditos da Autoridade Tributária e da Segurança Social”

(Sumário da responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

Processo: 1025/24.6T8AMT.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este
Juízo de Comércio ...







ACÓRDÃO



I. RELATÓRIO (transcrição)


A..., LDA com NIPC ...50 e demais sinais nos autos, veio ao abrigo do disposto nos arts. 17º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) intentar o presente processo especial de revitalização.
Foi nomeado administrador judicial provisório (AJP), nos termos do disposto no art. 17.º-C/5 do CIRE.
O AJP juntou lista provisória de créditos, a qual não foi objeto de impugnação.
Por requerimento de 24/12/2024 apresentou a Devedora Plano, publicitado aos 26/12/2024, a que se opôs o Ministério Público em representação da AT (09/01/2025).
Por requerimento de 06/01/2024 apresentou a Devedora novo Plano, publicitado aos 07/01/2024, a que se opôs o Ministério Público em representação da AT (21/01/2025), tendo entretanto pedido que fosse desconsiderado o requerimento antes desse apresentado (09/01/2025).
Foi determinado que fosse junto Parecer pelo AJP em conformidade com o disposto no art. 17.ºF/6 do CIRE, tendo sido junto a 17/02/2025, no sentido de que o Plano apresentado evitará a insolvência e garante a viabilidade económico financeira da empresa.
O resultado da votação foi junto aos autos no dia 21/01/2025, no sentido de ser aprovado, o que se declarou como tal nos termos do despacho de 25/02/2025.
Foi ordenado que se desse contraditório ao pedido da AT de não homologação do Plano, nada tendo sido aportado por quem quer que fosse.
Nada impede o prosseguimento dos autos.

A final foi proferida sentença que, mesmo tendo em consideração que o Ministério Público em representação da AT votou contra o Plano, entendeu que nenhuma das situações invocadas constituem motivo válido para a não homologação do Plano. Ali se escreveu: “Assim, sem necessidade de mais considerações, não se verifica o invocado fundamento para a não homologação do Plano ao abrigo do disposto no art. 216/1 a) do CIRE. No seguimento do que se vem dizendo, nada obstando e tendo em conta o disposto no art. 17º-F/7 do CIRE, deverá o plano ser homologado nos termos sobreditos.”

RECURSO

Não se conformando com a decisão veio o Ministério Público recorrer. Após alegações, apresenta as seguintes
CONCLUSÕES:

1. Nos presentes autos foi depositado o plano de revitalização apresentado pela A... no dia 06-01-2025, tendo, no dia 21-01-2025, a Autoridade Tributária, representada pelo Ministério Público, manifestado nos autos o seu voto em sentido negativo.

2. O Tribunal a quo, por sua vez, produziu decisão no dia 27-03-2025 de homologação do plano apresentado, NÃO TENDO CONSIGNADO, TODAVIA, QUE O MESMO SERIA INEFICAZ em relação aos créditos tributários, bem como aos créditos da Segurança Social em face do estatuído no artigo 30º da Lei Geral Tributária que estabelece no seu número nº 2 que – o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária.

3. Nos termos do art. 215º do CIRE o Tribunal pode (e deve) fazer um controlo de legalidade, recusando oficiosamente a homologação no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou de normas aplicáveis ao seu conteúdo. Segundo Carvalho Fernandes e João Labareda: «dir-se-á, com efeito, que são não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. Diversamente, são desconsideráveis as infracções que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido» (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, Reimpressão, 2009, pg 713).”

4. Ora, as normas de direito tributário revestem caracter público e imperativo, pelo que a sua inobservância acarreta uma violação não negligenciável de regras, para efeitos do artigo 215.º do CIRE.

5. De acordo com o quado legal tributário, o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com o respeito pelos princípios da igualdade e da legalidade tributária – cfr. art. 30º da L.G.T. O nº. 3 do art.º 36º da L.G.T., por sua vez, estipula que “administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei”. Por fim, o art.º 197º do CPPT fixa a seguinte regra: “A competência para autorização de pagamento em prestações é do órgão da execução fiscal.”
6. Na ausência de voto favorável por parte da AT, cremos que andou mal o Tribunal ao decidir conforme decidiu.
7. Decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12/12/2024 no processo 464/24.7T8AMT.P1 o seguinte:
I - Face ao disposto arts. 30º nºs 2 e 3, 36º nºs 2 e 3 e 125º da LGT e 3º al. a) do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social [aprovado pela Lei nº 110/2009, de 16.09], os créditos fiscais e da segurança social são indisponíveis, não podendo ser restringidos ou modificados sem o consentimento/autorização das respectivas entidades credoras.
II - Tal impossibilidade de restrição ou modificação daqueles créditos, sem consentimento/autorização da AT e da SS, também vigora no âmbito do processo de revitalização, particularmente na aprovação do plano de recuperação, não podendo aí, sem o referido consentimento/autorização, ser, por ex., fixado o pagamento dos referidos créditos em prestações, a redução dos créditos fiscais ao nível dos juros de mora e/ou a suspensão das execuções instauradas pela Segurança Social que se encontrem pendentes para cobrança dos seus créditos.
III - A fixação, no plano de recuperação, do pagamento em prestações dos créditos fiscais e/ou da segurança social [ainda que com observância do número de prestações e dos prazos previstos nos arts. 196º do CPPT e 190º da Lei nº 110/2009 (e no 81º do DR 1-A/2011, de 03.01)], sem a concordância/autorização da AT e da SS, constitui uma violação não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo de tais planos; e igual violação ocorre quando neles se preveja a redução dos créditos fiscais ao nível dos juros de mora ou a suspensão das execuções instauradas pela Segurança Social que se encontrem pendentes para cobrança dos seus créditos.
IV - Nestes casos, salvo excepcional quadro de estado de necessidade social, a homologação do plano de recuperação não deve ser oficiosamente recusada, antes este deve ser homologado, embora com a expressa declaração da sua ineficácia relativamente aos créditos da Autoridade Tributária e da Segurança Social

8. Ademais, na fundamentação desse mesmo Acórdão, pode ler-se o seguinte: A Jurisprudência maioritária dos nossos Tribunais Superiores [quase unânime no STJ e nesta Relação do Porto e maioritária nas demais Relações, excepto na Relação de Lisboa] tem vindo a seguir este entendimento da indisponibilidade dos créditos fiscais e da segurança social.
A título de exemplo e aludindo apenas a arestos recentes:

a) Acórdão do STJ de 17.10.2023 [proc. 2395/22.6T8STR.E1.S1]: “I - Havendo o plano de revitalização, aprovado e judicialmente homologado, previsto o pagamento em prestações do crédito do Instituto de Segurança Social, bem como a suspensão das suas execuções contra a recuperanda, é inegável que o respetivo conteúdo traduz e consubstancia uma efetiva, real e substantiva restrição ao conteúdo desses mesmos créditos. II – Ora, o plano de revitalização não pode produzir efeitos que se traduzam na modificação restritiva do conteúdo dos créditos titulados pelo Instituto da Segurança Social, contra a sua vontade (…)”.
b) Acórdão do STJ de 17.01.2023 (proc. 1311/21.7T8VFX.L1.S1),: “I – Havendo o plano de revitalização, aprovado e judicialmente homologado, previsto o pagamento em prestações do crédito do Instituto de Segurança Social, bem como a suspensão das suas execuções contra a recuperanda, é inegável que o respetivo conteúdo traduz e consubstancia uma efetiva, real e substantiva restrição ao conteúdo desses mesmos créditos. II – Ora, o plano de revitalização não pode produzir efeitos que se traduzam na modificação restritiva do conteúdo dos créditos titulados pelo Instituto da Segurança Social, contra a sua vontade (…)”.
c) Acórdão da Relação do Porto de 19.12.2023 (proc. 532/23.2T8AMT.P1), “II – Com a alteração introduzida naquela norma [art. 30º nº 3 da LGT] pelo artigo 123.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (que aprovou o Orçamento do Estado para 2011), e com a norma transitória do artigo 125.º, do mesmo diploma legal, o legislador deixou claro o propósito de reforçar a intangibilidade dos créditos tributários, impedindo que os mesmos possam ser afetados apenas com fundamento em normas especiais, nomeadamente as relativas aos processos insolvenciais ou pré-insolvenciais, à margem das regras consagradas nas normas gerais do direito tributário. E fê-lo, manifestamente, com o propósito de blindar os créditos tributários no processo de insolvência, ainda que, deste modo, possa criar entraves à recuperação da empresa. III – Desta forma, mesmo em contraciclo com a evolução que o direito insolvencial vinha registando e contrariando as obrigações assumidas no memorando de entendimento assinado no contexto do plano de assistência financeira ao Estado Português, o legislador afastou, de forma expressa, a regra interpretativa da prevalência da norma especial sobre a norma geral, como permite o artigo 7.º, n.º 3, do CC, assim retirando a base de sustentação da interpretação que vinha sendo maioritariamente seguida pelos tribunais”.
d) Acórdão da Relação do Porto de 24.01.2022 [proc. 697/21.8T8AMT.P1, “I - Nos termos do artigo 30.º, nº 2, da LGT (Lei Geral Tributária), o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua alteração, redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária. II - Perante o aditamento do nº 3 ao referido artigo 30.º e em face das normas imperativas vigentes, deixou de ser legalmente possível homologar Processo Especial para Acordo de Pagamento (PEAP) que contemple a alteração, redução, extinção ou dilação temporal do pagamento de créditos de natureza tributária, sem que o Estado - a Fazenda Nacional/Segurança Social - tenha votado favoravelmente tal homologação”.
e) Acórdão da Relação de Coimbra de 28.09.2022 [proc. 4433/21.0T8LRA-A.C1,: “O diferimento temporal, sem acordo da Segurança Social, do pagamento dos créditos desta, em prestações, constitui uma moratória não autorizada, que se traduz numa modificação de tais créditos (…)”.

9. Por fim, concluiu tal acórdão, com abundante citação doutrinaria e jurisprudencial, o seguinte:,Com base nestes ensinamentos, os nossos Tribunais Superiores [o STJ e a Relação do Porto de modo quase unânime e as demais Relações maioritariamente, exceto a de Lisboa que vem trilhando outra via, na sequência do que atrás já se deixou indicado (considera-se na maioria dos arestos desta Relação que, por ex., a fixação do pagamento em prestações dos créditos estaduais sem o consentimento das respetivas entidades credoras não se traduz em violação não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo do plano de recuperação)] vêm entendendo que, face à imperatividade do regime da indisponibilidade exposto supra, a fixação, nos planos de recuperação, do pagamento em prestações dos créditos fiscais e/ou da segurança social [ainda que com observância do número de prestações e dos prazos permitidos nos preceitos dos diplomas atrás referenciados], sem a concordância da AT e da SS, constitui uma violação não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo de tais planos e que igual violação se verifica quando neles se preveja a redução dos créditos fiscais ao nível dos juros de mora ou a suspensão das execuções instauradas pela Segurança Social que se encontrem pendentes para cobrança dos seus créditos Por ser assim, não se mostra correta a afirmação feita na decisão recorrida quando, a dado passo, diz que “(…), não ocorre violação não negligenciável de normas (…) aplicáveis ao conteúdo do plano que impeçam a sua homologação”. Consubstanciando as situações aqui em análise violação não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo do plano de recuperação, importa saber os efeitos que daí decorrem para o plano maioritariamente aprovado.

10. Concluindo-se, deste modo, que o plano tal como apresentado se figura contrário a normas imperativas, a questão que se coloca é a de saber como deve o Tribunal decidir em situações como esta:
a) se deve decidir pela não homologação do plano ou, antes,
b) pela sua homologação exceto quanto à parte que viola normas imperativas, ou seja, declarando-o ineficaz quanto aos créditos fiscais e da Segurança Social, como foi decido nestes autos.
11. Com efeito, desde já se propugnamos a segunda opção, uma vez que se considera ser a mais consentânea com os princípios subjacentes ao Processo Especial de Revitalização, prosseguindo-se, ainda assim, o objectivo que é a recuperação do devedor, evitando-se a sua insolvência.
12. Neste sentido, doutrinalmente, pode ler-se Ana Paula Boularot8, uma tal solução – que equivaleria uma espécie de veto das referidas entidades públicas – “poderia implicar a inviabilização de qualquer plano insolvencial em que figurassem como credores aquelas duas entidades, sendo certo que o segmento normativo aludido no artigo 215.º do CIRE não nos conduz necessariamente a uma inutilização global do acordo havido, não sendo admissível face aos princípios imanentes ao CIRE que determinados credores, Fazenda Nacional e Segurança Social, possam fazer sucumbir a recuperação de uma empresa o que contrariaria em absoluto os princípios programáticos resultantes do «memorando de entendimento sobre os condicionalismos específicos de politica económica», de 17 de maio de 2011 (2.ª versão), onde se afirma «(…) as autoridades tomarão também as medidas necessárias para autorizar a administração fiscal e a segurança social a utilizar uma maior variedade de instrumentos de reestruturação baseados em critérios claramente definidos, nos casos em que outros credores também aceitem a reestruturação dos seus créditos, e para rever a lei tributárias com vista à remoção de impedimentos à reestruturação voluntária de dividas.(…)»”. E acrescenta [pgs. 22-23]: “Neste quadro de prognose de lege ferenda, não repugnará, em termos socioeconómicos, que os Tribunais, enquanto órgãos da administração da justiça, aos quais incumbe, além do mais, no cumprimento dos deveres que lhe são atribuídos constitucionalmente, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados (cfr. artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa) e na sua função julgadora, que passa pela exegese do regime legal aplicável, tendo especial atenção o que decorre dos artigos 8.º e 9.º do Código Civil, e sem esquecermos que o sistema jurídico funciona como um todo, interpretando-se as leis umas às outras, possam produzir uma homologação de um plano de insolvência com a menção da sua ineficácia em relação aos créditos fiscais e da segurança social, atenta a indisponibilidade destes, nos termos dos artigos 30.º, n.ºs 2 e 3, e 36.º da LGT e 85.º do CPPT, mantendo, todavia, a sua operância no que tange a todos os demais credores, particulares, nele intervenientes, assim se respeitando o princípio da igualdade no seu expoente de tratar de forma igual o que é igual e (de) forma diversa o que é diferente, na justa medida da sua diferença.”.E, ainda, Catarina Serra refere que [in O Processo Especial de Revitalização na Jurisprudência, 2ª ediç., 2017, Almedina, pgs 105-106] e de Maria do Rosário Epifânio [in Manual citado, pgs. 511-512]9 – [a1ª Autora “Baseando-se na essência contratual do plano de recuperação, o Supremo Tribunal de Justiça e alguns Tribunais da Relação têm vindo a afirmar que o plano de recuperação de recuperação pode e deve ser homologado desde que se preservem os créditos tributários. Para tanto basta que se proceda, segundo uns, à restrição dos efeitos do plano aos créditos não tributários e, segundo outros, presumindo que a vontade hipotética ou conjetural das partes é no sentido de conservar o plano, à redução do plano às cláusulas incidentes sobre estes últimos créditos”; a 2ª Autora diz que “(…) as decisões (maioritárias) de homologação do plano e de ineficácia do mesmo relativamente aos credores públicos têm sido sustentadas na natureza do plano de recuperação, que, ‘assente numa ampla liberdade de estipulação pelos credores do insolvente, constitui um negócio atípico, sendo-lhe aplicável o regime jurídico da ineficácia’, e também no argumento de que face aos ‘interesses subjacentes jurídicos e sociais imbrincados na recuperação da empresa (…) a solução mais ajustada é a da ineficácia relativa10’.”

8 in Apontamentos citados, Julgar, Jan.-Abr. 2017, pg. 22 – citado no Acórdão Relação do Porto de 12/12/2024 (processo 464/24.7T8AMT.P1)
9 Igualmente citado no já referido no Acórdão Relação do Porto de 12/12/2024 (processo 464/24.7T8AMT.P1)


13. Nesta conformidade, consideramos que esta solução é a que melhor equilibra os interesses que estão em jogo, nomeadamente o interesse público de manter a integridade das normas imperativas e o interesse legítimo do devedor em manter-se em atividade e recuperar economicamente.

14. Foi também este o sentido da decisão, (embora versasse sobre créditos da Segurança Social) se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto, no processo 697/21.8T8AMT.P1, de 24-01-2022, disponível também em www.dgsi.pt . Pode ler-se ali o seguinte: Portanto, após as alterações introduzidas ao artigo 30.º da LGT, em face das normas imperativas vigentes, deixou de ser legalmente possível homologar um plano de acordo de pagamento/insolvência ou revitalização de empresa que contemple a alteração, redução, extinção ou mesmo a moratória de créditos de natureza tributária, sem que o Estado-a Fazenda Nacional/Segurança Social-tenha votado favoravelmente tal homologação. Resta saber quais as consequências da violação do plano. Sob este conspecto perfilam-se duas correntes:
- uma que considera que um plano em que se verifique tal violação, não pode ser homologado in totum, por existir nulidade causada pela afectação da indisponibilidade dos créditos, quer da Segurança Social, quer da Fazenda Nacional (cfr. entre outros, por ex. Ac. da RC de 1/10/2013, Proc.1786/12.5TBTNV[2]);
- outra dominante, do Supremo Tribunal de Justiça[3] no sentido de que plano de insolvência/recuperação/pagamentos (conforme nos encontremos no âmbito de Processo de Insolvência, PER ou PEAP) deve ser homologado, decretando-se que a decisão homologatória é ineficaz em relação aos créditos fiscais e da segurança social, que não serão afetados, atenta a sua indisponibilidade.[4]

“A tese da ineficácia relativa é a solução que melhor satisfaz os interesses em jogo e supera a intransigência do legislador fiscal, obviando às drásticas consequências da não homologação do plano, possibilitando a recuperação do insolvente, as mais das vezes, à custa de pesados sacrifícios dos credores privados”.[5]

15. Da mesma forma, o já citado Acórdão da Relação do Porto de 12/12/2024 (processo 464/24.7T8AMT.P1), citado exaustivamente nas presentes alegações, refere o seguinte: E tem sido à luz destes enquadramento e ensinamentos que a quase unanimidade dos arestos do STJ e desta Relação do Porto [e a maioria dos das demais Relações, à excepção, como já dissemos, da de Lisboa] vem entendendo que “a solução mais equilibrada e curial, que permitirá harmonizar os interesses sociais e económicos que o legislador se propôs salvaguardar através da instituição do processo de revitalização, bem como os compromissos internacionalmente assumidos, com a intransigente defesa dos créditos tributários em geral”, consiste em fixar a ineficácia relativa à homologação do plano de revitalização no que concerne aos créditos reclamados de que são titulares a Autoridade Tributária e o Instituto da Segurança Social [neste sentido, além de muitos outros, Acórdãos do STJ e desta Relação do Porto atrás citados a propósito e que sufragam o entendimento de que a fixação, no plano de recuperação, do pagamento em prestações dos créditos fiscais e/ou da segurança social, sem a concordância da AT e da SS, constitui violação não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo de tais planos]

16. Assim, afigura-se-nos que mal andou o Tribunal a quo, ao não ter declarado a ineficácia do plano especial de revitalização aos créditos da AT – Autoridade Tributária e Segurança Social.

Nestes termos, e nos mais de direito, deve a sentença sub judice ser parcialmente revogada, sendo decretada a ineficácia do PER em relação aos créditos da AT – Autoridade Tributária e Segurança Social.

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Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.




II. A DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil.
No caso vertente, em face das conclusões do recurso, a única questão a decidir é saber se a sentença em crise deve ser parcialmente revogada, sendo decretada a ineficácia do PER em relação aos créditos da AT – Autoridade Tributária e Segurança Social.



III. FUNDAMENTAÇÃO


A. OS FACTOS

Os que constam supra do relatório.


B. O DIREITO

Nos presentes autos foi depositado o plano de revitalização apresentado pela A... no dia 06-01-2025, tendo, no dia 21-01-2025, a Autoridade Tributária, representada pelo Ministério Público, manifestado nos autos o seu voto em sentido negativo. A sentença ora em crise homologou o referido plano, mas não considerou que o mesmo era ineficaz em relação aos créditos tributários, bem como aos créditos da Segurança Social.
A este propósito escreveu-se na decisão do tribunal “a quo” Nos termos do disposto no n.º7 do art. 17.º-F do CIRE, cabe ao Juiz decidir se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título ix, em especial o disposto nos artigos 194.º a 197.º, no n.º 1 do artigo 198.º e nos artigos 200.º a 202.º, 215.º e 216.º (…)Passada a fase de negociações e expressão de vontade dos credores, cabe ao Tribunal apreciar o Plano/Acordo apresentado e mesmo contra a vontade maioritária manifestada na votação, se para isso houver fundamento recusar a sua homologação. No primeiro caso [art. 215.º], estamos perante uma situação em que o Juiz tem um poder/dever de oficiosamente recusar a homologação no caso no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, mas apenas quando se verifique esta «violação não negligenciável». No segundo caso [art. 216.º, n.º1], qualquer credor que pretenda a recusa da homologação do plano de recuperação, tem o ónus de requerê-lo, pressupondo a recusa que se verifiquem os requisitos enunciados nessa norma, isto, e em alternativa que:
a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas;
b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar.
No caso em apreço, não se vislumbra, quanto ao primeiro ponto, que tenha ocorrido qualquer violação não negligenciável das regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo.
No que diz respeito à segunda situação, para que se verifique a recusa de homologação a solicitação dos interessados prevista na alínea a) do nº1 do art. 216º do CIRE, é necessário que o interessado tenha manifestado no processo a sua oposição em momento anterior à homologação do plano e ainda que o interessado demonstre, em termos plausíveis, em alternativa, que «a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas».
Ora, se é verdade que a o Ministério Público em representação da AT votou contra o Plano Adiante-se, desde já, que nenhuma das situações invocadas constituem motivo válido para a não homologação do Plano.
Assim, sem necessidade de mais considerações, não se verifica o invocado fundamento para a não homologação do Plano ao abrigo do disposto no art. 216/1 a) do CIRE”

Vejamos
O artigo 30º da Lei Geral Tributária estabelece no seu número nº 2 que o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária. Por seu turno, nos termos do artigo 215º do CIRE o tribunal deve fazer um controlo da legalidade, recusando oficiosamente a homologação no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou de normas aplicáveis ao seu conteúdo.
Como bem diz o Recorrente citando Carvalho Fernandes e João Labareda: «dir-se-á, com efeito, que são não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. Diversamente, são desconsideráveis as infracções que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido» (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, Reimpressão, 2009, pg 713).”
As normas de direito tributário revestem caracter público e imperativo, pelo que a sua inobservância acarreta uma violação não negligenciável de regras, para efeitos do artigo 215.º do CIRE.

Há algumas vozes dissonantes – cfr. Acórdão Relação de Coimbra de 26.04.2022, I – A previsão de um mesmo número de prestações para pagamento do crédito da Segurança Social e para pagamento do crédito da AT, quando o primeiro daqueles é de montante inferior, não implica violação do principio de igualdade entre credores, se, na comparação dos respetivos regimes legais, resulta que o pagamento em prestações se encontra muito mais facilitado para créditos da segurança social. II – A concessão de moratórias ou de pagamentos fracionados não viola o princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais, consagrado no n.º 2 do art. 30.º da LGT. III – Se o plano aprovado não contraria o regime prestacional legalmente previsto para os créditos da segurança social, a ausência de consentimento do credor Segurança Social não constitui violação “não negligenciável” de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo.
Porém, a tese maioritária na jurisprudência dos tribunais superiores, defende que a aprovação de um plano de recuperação que afecte créditos tributários sem o consentimento do Estado não obsta à homologação desse plano, desde que fique ressalva da sua ineficácia relativamente a tais créditos.
Chamamos a atenção para o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12/12/2024 no processo 464/24.7T8AMT.P1 citado pelo recorrente onde se pode ler: I. - Face ao disposto arts. 30º nºs 2 e 3, 36º nºs 2 e 3 e 125º da LGT e 3º al. a) do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social [aprovado pela Lei nº 110/2009, de 16.09], os créditos fiscais e da segurança social são indisponíveis, não podendo ser restringidos ou modificados sem o consentimento/autorização das respectivas entidades credoras. II.- Tal impossibilidade de restrição ou modificação daqueles créditos, sem consentimento/autorização da AT e da SS, também vigora no âmbito do processo de revitalização, particularmente na aprovação do plano de recuperação, não podendo aí, sem o referido consentimento/autorização, ser, por ex., fixado o pagamento dos referidos créditos em prestações, a redução dos créditos fiscais ao nível dos juros de mora e/ou a suspensão das execuções instauradas pela Segurança Social que se encontrem pendentes para cobrança dos seus créditos. III- A fixação, no plano de recuperação, do pagamento em prestações dos créditos fiscais e/ou da segurança social [ainda que com observância do número de prestações e dos prazos previstos nos arts. 196º do CPPT e 190º da Lei nº 110/2009 (e no 81º do DR 1-A/2011, de 03.01)], sem a concordância/autorização da AT e da SS, constitui uma violação não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo de tais planos; e igual violação ocorre quando neles se preveja a redução dos créditos fiscais ao nível dos juros de mora ou a suspensão das execuções instauradas pela Segurança Social que se encontrem pendentes para cobrança dos seus créditos. IV.- Nestes casos, salvo excepcional quadro de estado de necessidade social, a homologação do plano de recuperação não deve ser oficiosamente recusada, antes este deve ser homologado, embora com a expressa declaração da sua ineficácia relativamente aos créditos da Autoridade Tributária e da Segurança Social”
E também o Acórdão relatado pelo Senhor Desembargador Artur Dionísio, adjunto nos presentes autos, e igualmente citado pelo recorrente: Acórdão da Relação do Porto de 19.12.2023 (proc. 532/23.2T8AMT.P1), “II – Com a alteração introduzida naquela norma [art. 30º nº 3 da LGT] pelo artigo 123.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (que aprovou o Orçamento do Estado para 2011), e com a norma transitória do artigo 125.º, do mesmo diploma legal, o legislador deixou claro o propósito de reforçar a intangibilidade dos créditos tributários, impedindo que os mesmos possam ser afetados apenas com fundamento em normas especiais, nomeadamente as relativas aos processos insolvenciais ou pré-insolvenciais, à margem das regras consagradas nas normas gerais do direito tributário. E fê-lo, manifestamente, com o propósito de blindar os créditos tributários no processo de insolvência, ainda que, deste modo, possa criar entraves à recuperação da empresa. III – Desta forma, mesmo em contraciclo com a evolução que o direito insolvencial vinha registando e contrariando as obrigações assumidas no memorando de entendimento assinado no contexto do plano de assistência financeira ao Estado Português, o legislador afastou, de forma expressa, a regra interpretativa da prevalência da norma especial sobre a norma geral, como permite o artigo 7.º, n.º 3, do CC, assim retirando a base de sustentação da interpretação que vinha sendo maioritariamente seguida pelos tribunais”.
O acórdão desta mesma Relação, de 28 de Janeiro de 2025, tirado no Processo 2010/24.3T8OAZ.P1 relatado pelo Sr. Desembargador Rui Moreira e em que a ora relatora foi adjunta segue no mesmo sentido, afirmando expressamente que: “Torna-se dispensável qualquer outra explicitação deste regime legal, sem prejuízo de se relembrar que ele é conformado quer pelo disposto no art. 215º do CIRE, que dispõe que “O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação”; quer pelo disposto nos nºs 2 e 3 do art. 30º da LGT, de onde resulta a indisponibilidade de créditos fiscais e, bem assim, a proibição de homologação de planos de revitalização que contemplem a alteração, redução, extinção ou dilação temporal do pagamento de créditos de natureza tributária, sem que o Estado – a Fazenda Nacional/Segurança Social - tenha votado favoravelmente tal homologação. “
De acordo com o quado legal tributário, o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com o respeito pelos princípios da igualdade e da legalidade tributária – cfr. art. 30º da L.G.T. O nº. 3 do art.º 36º da L.G.T., por sua vez, estipula que “administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei”. Por fim, o art.º 197º do CPPT fixa a seguinte regra: “A competência para autorização de pagamento em prestações é do órgão da execução fiscal.”
Deste modo e sem necessidade de mais considerações, há que julgar o recurso procedente, decretando a ineficácia do PER em relação aos créditos da AT – Autoridade Tributária e Segurança Social.







IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em dar provimento ao recurso, revogando parcialmente a sentença recorrida declarando a sua ineficácia relativamente aos créditos da AT – Autoridade Tributária e Segurança Social.

Custas pelo recorrente, isento do seu pagamento- artigo 4º nº 1 alínea a) do Regulamento das Custas Processuais.

DN








Porto, 04 de Junho de 2025

(Elaborado e revisto pela relatora, revisto pelos signatários e com assinatura digital de todos)
Por expressa opção da relatora, não se segue o Acordo Ortográfico de 1990.


Raquel Correia Lima (Relatora)
Artur Dionísio Oliveira (1º Adjunto)
Lina Castro Baptista (2º Adjunto)