PERÍCIA OFICIOSA
INQUISITÓRIO
PRINCÍPIOS DA AUTORRESPONSABILIDADE DAS PARTES E DA PRECLUSÃO
Sumário

I - O princípio do inquisitório tem de ser conjugado/temperado com outros princípios também consagrados no atual CPC, particularmente com os do dispositivo, da cooperação, da autorresponsabilidade das partes e da preclusão, sendo certo que o princípio do dispositivo é ainda o que enforma o nosso regime processual civil, como decorre, desde logo, dos arts. 3º e 5º do mesmo corpo de normas.
II - Ao exercitar o poder-dever conferido pelo art 411º do CPC o tribunal não pode ignorar os ónus que a lei especialmente impõe às partes, o que se torna evidente nas situações em que seria uma ofensa a estes imperativos que o juiz oficiosamente determinasse a realização de meios de prova que a parte, a quem incumbia a sua apresentação, não o tivesse feito nas condições em que o deveria ter efetuado
III - Se a omissão de certa diligência probatória não se encontra a coberto de decisão explícita ou implícita, a omissão do poder-dever instrutório do juiz constituirá uma nulidade processual secundária, nos termos do art. 195º nº 1, uma vez que se tratará da omissão de um ato que a lei prescreve.

Texto Integral

Processo: 3302/22.1T8PNF.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este

Juízo Local Cível de Penafiel

Relator.Francisca da Mota Vieira

1ºAdjunto.João Maria Espinho Venade.

2º Adjunto.Aristides Rodrigues de Almeida

Acordam os Juízes no Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO

1. AA, residente em ..., ...4, ...10 ..., Suíça, intentou contra BB, residente na Rue ... ..., França, CC, residente em ..., ..., França, DD, residente em ..., ..., França e EE, residente na Travessa ..., ..., ação de declarativa constitutiva sob a forma do processo comum, peticionando:

a) Declarar-se que o Autor é dono e legitimo proprietário do prédio rústico identificado no artigo 1 da petição inicial;

b)Ser reconhecido ao Autor o direito de preferência na venda que a 1.ª, 2.º e 3.º Réus fizeram à 4.ª Ré, do prédio rústico melhor identificado no artigo 3.º da petição inicial e, em consequência, o direito de para si o haver pelo preço de €17.500 (dezassete mil e quinhentos euros), em substituição da 4.ª Ré compradora, condenando a 4.ª Ré a entregar tal prédio ao Autor e ordenando-se o correspondente registo de aquisição sobre o prédio identificado no artigo 3.º da pi a favor do Autor;

c)Ordenar o cancelamento na conservatória do registo predial e qualquer registo operado com base na transmissão titulada pelo referido documento.

Alegou para o efeito e, em síntese, que é dono e legitimo proprietário de um prédio rústico que confina com o prédio rústico objeto da compra e venda efetuada entre os 1.º, 2.º e 3.º e 4.º Réus, pelo que goza de preferência na referida compra.

Todavia, não lhe foi dado conhecimento de tal venda nem das condições da mesma, pelo que não logrou exercer tal direito.

2.Pelo requerimento com a referência n.º 8433992, o Autor veio requerer a redução do pedido por si deduzido, pedindo a eliminação do pedido deduzido no ponto 3 (correspondente à supra alínea c)).

3.O que por despacho com a referência n.º 90815445 foi deferido.

4.Regularmente citados, os Réus apresentaram contestação, na qual impugnaram os factos alegados pelo Autor em sede de petição inicial, tendo a 4ª Ré na contestação impugnado a alegada confinância do prédio do autor com o prédio por si adquirido e ainda alegaram que o prédio objeto da compra e venda realizada não se destina a cultura, mas sim a construção de uma habitação para a 4.ª Ré.

5.Foi realizada audiência précia no dia 16.07.2023, na qual, entre o mais, foi elaborado despacho saneador, foi afirmada a plena validade e regularidade da instância, tendo-se procedido à identificação do objeto em litígio e temas de prova, nos termos aqui reproduzidos:

I. Objeto do litígio:

O Autor pede que seja reconhecido o seu direito a preferir na venda que a 1.º, 2.º e 3.º Réus fizeram à 4.ª Ré que comprou do prédio rústico identificado em 3.º da pi, pelo preço de €17.500 (dezassete mil e quinhentos euros), substituindo a 4.ª Ré em tal contrato, bem como condenar esta Ré a entregar-lhe tal prédio.

Alegou para o efeito que é proprietário de um prédio rústico que confina com o prédio rústico objeto da compra e venda efetuada pelos 1.º, 2.º e 3.º Réus à 4.ª Ré.

Os Réus vendedores não lhe comunicaram a venda nem as condições da mesma.

Os Réus contestaram, tendo impugnado os factos alegados pelo Autor em sede de petição inicial, ainda que de forma motivada.

Temas da prova:

1.Das confrontações dos prédios identificados em 1 e 3 da PI;

2.Da finalidade na aquisição do prédio pela 4ª Ré com o intuito de construção e sua eventual afetação.”

6.E nessa audiência o tribunal a quo pronunciou-se sobre os requerimentos probatórios nos termos aqui reproduzidos:

“Admito as declarações de parte do Réu CC à matéria já indicada

.Admito os depoimentos de parte dos Réus à matéria constante dos pontos 5 a 7 da pi (a demais matéria indicada já se mostra assente).”

7.Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento em duas sessões de julgamento com observância das formalidades legais, tendo sido produzida prova testemunhal apresentada pelas partes.

8.No dia 10.12.2024 antes da segunda sessão agendada para julgamento o autor-ora recorrente, apresentou requerimento, cujo teor se reproduz:

“ (… ) vem muito respeitosamente requerer, por se afigurar imprescindível para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, ao abrigo do número 3 do artigo 423.º do Código de Processo Civil, a junção aos autos dos prints retirados do Google Earth1, referentes aos prédios confrontantes, objeto dos presentes autos, nos anos de 2021 (doc. n.º 1), 2023 (doc. n.º2) e 2024 (doc. n.º3 e 4), onde se pode visualizar:

a) No doc. n.º1 - datado de 10/06/2021, a limpeza efetuada pela 4ª Ré, no decorrer do contrato promessa, efetivamente até ao limite correto do terreno, sendo exposto através deste documento que o terreno da 4.ª Ré e do A. confrontam entre si.

b) No doc. n.º2 – datado de 15/04/2023, o prédio da 4.ª Ré e do Autor limpos, porém o da 4.ª Ré com pedras no seu limite;

c) No doc. n.º3 – datado de 28/02/2024, o prédio da 4.ª Ré e do Autor limpos, porém o da 4.ª Ré com pedras no seu limite;

d) No doc. n.º 4 – datado de 04/08/2024, o prédio da 4.ª Ré limpo apenas até ao local onde alega ser o seu limite.

Neste sentido, requer-se, também, a junção do documento comprovativo da notificação efetuada pela Câmara Municipal (doc. n.º5) ao Autor, em 14/11/2022, para que este procedesse à limpeza dos seus terrenos, sendo visível que:

i) A 10/06/2021, aquando da limpeza do terreno pela 4ª Ré, o terreno do A. não estava ainda limpo.

ii)Que a limpeza do terreno do A. foi efetuada após a notificação da Câmara, onde se pode verificar através do doc. n.º 2.”

9.Na segunda sessão de julgamento, realizada a 16.12.2024, o tribunal a quo admitiu os documentos apresentados foram admitidos, apesar de ter sido deduzida oposição.

10.No dia 08.02.2025 foi proferida sentença, na qual, foi enunciada a questão a resolver (saber se o Autor é titular do direito de preferência e, em caso afirmativo, apurar as suas consequências) e o tribunal julgou improcedente a ação, absolvendo os réus dos pedidos.

11.Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação no dia 11.03.2025, reproduzindo-se aqui as conclusões:

A. O recurso ora apresentado tem na sua génese a Sentença do Meritíssimo Juiz a quo, que julgou a presente ação improcedente, por não provada e, em consequência, absolveu os Réus dos pedidos formulados.

B. A Sentença recorrida violou o princípio do inquisitório e o princípio da força probatória dos documentos autênticos, sendo ainda nula por omissão de pronúncia e falta de fundamentação.

C.O Tribunal a quo violou o princípio do inquisitório, previsto no artigo 411.º do CPC, ao não determinar oficiosamente a produção de prova pericial ou inspeção judicial, indispensável para esclarecer a contiguidade dos prédios em causa, facto essencial ao direito de preferência invocado.

D. A ausência desse meio de prova configura uma nulidade processual por omissão de ato legalmente prescrito, nos termos do artigo 195.º do CPC, pois influenciou diretamente a decisão da causa.

E. Após a produção de prova testemunhal em sede de Audiência de Julgamento, existindo depoimentos divergentes, cujos factos sobre os quais estes incidem se revelam absolutamente essenciais à boa decisão da causa, o Juiz a quo deveria, por iniciativa própria, determinar a produção de outros meios de prova cabais para a descoberta da verdade material, ainda que as partes os não tenham requerido.

F. A decisão recorrida assentou unicamente em prova testemunhal contraditória, sem recorrer a um meio de prova objetivo, idóneo e mais seguro, como a perícia topográfica ou a inspeção judicial, o que constitui erro na apreciação da prova.

G. O Tribunal a quo violou ainda o princípio da força probatória dos documentos autênticos (artigo 371.º do CC), ao não atribuir o devido valor probatório às certidões emitidas pela Junta de Freguesia ... e pela Câmara Municipal, sem fundamentar devidamente o seu afastamento.

H. O não reconhecimento e consideração dessas certidões consubstancia omissão de pronúncia e nulidade da sentença, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e d), do CPC.

I.A sentença recorrida enferma também de erro de direito ao interpretar de forma restritiva e errada o artigo 1380.º do CC, exigindo, sem base legal, que o recorrente demonstrasse a intenção de destinar o seu prédio à exploração agrícola.

J. Acresce que, a decisão do Tribunal a quo não apresenta qualquer fundamentação quanto à suposta falta desse elemento, violando o dever de fundamentação imposto pelo artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC.

K. O Tribunal afastou indevidamente a presunção de exatidão dos elementos constantes do registo predial, prevista no artigo 7.º do CRP, sem indicar provas concretas que infirmassem a descrição cadastral dos imóveis, configurando erro na aplicação do direito.

L. As nulidades apontadas impõem a anulação da sentença recorrida e dos atos subsequentes dependentes, nos termos do artigo 195.º, n.º 2, do CPC.

M. Nestas condições a Sentença proferida é nula por violação do princípio do inquisitório, violação do princípio da força probatória dos documentos autênticos, omissão de pronúncia e manifesta falta de fundamentação.

N. Devem ser reconhecidas as nulidades alegadas.

O. Foram violados, entre outros, os artigos 411.º, 615.º, n.º 1, alienas b) e d), todos do CPC, art. 371.º e art. 1380.º, ambos do CC e art. 7.º do CRP.

Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e em consequência:

A) SER RECONHECIDA A NULIDADE DA SENTENÇA POR VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO PREVISTO NO ART.411º do CPC.

E CONSEQUENTEMENTE SER A SENTENÇA REVOGADA.

B) SER RECONHECIDA A NULIDADE DA SENTENÇA POR VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FORÇA PROBATÓRIA DOS DOCUMENTOS AUTÊNTICOS PREVISTO NO ART. 371.º DO CC, E CONSEQUENTEMENTE SER A SENTENÇA REVOGADA.

C) SER RECONHECIDA A NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA NOS TERMOS DO ART. 615.º, N.º 1, ALÍNEA D) DO CPC, E CONSEQUENTEMENTE SER A SENTENÇA REVOGADA.

D) SER RECONHECIDA A NULIDADE DA SENTENÇA POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO NOS TERMOS DO ART. 615.º, N.º 1, ALÍNEA B) DO CPC, E CONSEQUENTEMENTE SER A SENTENÇA REVOGADA.

E) TUDO COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, NOMEADAMENTE A BAIXA DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE 1.ª INSTÂNCIA PARA REALIZAÇÃO DE PROVA PERÍCIAL OU INSPEÇÃO JUDICIAL DESTINADA A APURAR A EFETIVA CONTIGUIDADE DOS TERRENOS EM CAUSA, COM SUBSEQUENTE PROLAÇÃO DE DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA NOS TERMOS DA LEI,

COMO É DA MAIS ELEMENTAR E ABSOLUTA JUSTIÇA!

12.Foram apresentadas contra –alegações.

13.Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II.DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.

Apreciar e decidir se estão verificadas as apontadas nulidades:

a ) da alegada nulidade da sentença por violação do princípio do inquisitório previsto no art.411º do cpc.

b) da alegada nulidade da sentença por violação do princípio da força probatória dos documentos autênticos previsto no art. 371.º do cc, e consequentemente ser a sentença revogada.

c) da alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia nos termos do art. 615.º, n.º 1, alínea d) do cpc, e consequentemente ser a sentença revogada.

d) da alegada nulidade da sentença por falta de fundamentação nos termos do art. 615.º, n.º 1, alínea b) do cpc, e consequentemente ser a sentença revogada.

e) da alegada nulidade da sentença recorrida, traduzida na alegada falta de fundamentação ao exigir, sem base legal, que o recorrente demonstrasse a intenção de destinar o seu prédio à exploração agrícola

III.FUNDAMENTAÇÃO.

3.1 Na primeira instância foi proferida a seguinte decisão sobre a questão de facto:

Factos provados com interesse para a decisão da causa:

1.Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel, sob o n.º ...43, da freguesia ... e inscrito na matriz sob o artigo ...81, um prédio rústico sito no lugar ....

2.Tal prédio encontra-se aí descrito como tendo a área total de 1900 m2, composto por terreno a pinhal e a confrontar norte e nascente com FF (herdeiros), do sul com GG e do poente HH.

3.A aquisição por compra encontra-se registada a favor do Autor através da Ap. ...33, de 2022/05/30.

4.Por escritura pública de compra e venda, outorgada em 30 de maio de 2022, II e JJ declararam vender e o Autor declarou comprar o prédio identificado em 1 e 2 pelo preço de €40.000 (quarenta mil euros).

5.Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel sob o n.º ...65 e inscrito na matriz sob o artigo ...74 um prédio rústico, sito no lugar ....

6.Tal prédio referido em 5 encontra-se descrito como tendo a área total de 1676 m2, composto por terreno a pinhal, a confrontar de norte com KK; do sul com GG, do nascente com FF (herdeiros) e do poente com LL (herdeiros).

7.A aquisição por compra mostra-se registada a favor da 4.ª Ré EE pela Ap. ...58, de 2022/07/27.

8.Com data de 5 de fevereiro de 2021, os Réus outorgaram um acordo escrito denominado de “contrato promessa de compra e venda”, no qual os 1.º, 2.º e 3.º Réus declararam prometer vender e a 4.ª Ré declarou prometer comprar o prédio descrito em 5 e 6 dos factos provados.

9.No âmbito do acordo referido em 8, os outorgantes fizeram consignar por escrito no mesmo que o prédio que se pretendia comprar se destinaria á realização de uma edificação.

10.Aacordaram ainda na tradição e transferência da posse do prédio para a 4.ª Ré.

11.Desde a data referida em 8, a 4.ª Ré tem procedido à limpeza do terreno, tendo cortados as árvores e desmantando o mesmo.

12.Em 27 de junho de 2022, os Réus outorgaram escritura pública de compra e venda, pela qual os 1.º, 2.º e 3.º Réus declararam vender e a 4.ª é declarou comprar o prédio identificado em 5 e 6.

13.O prédio identificado em 5 e 6 dos factos provados encontra-se inserido no PDM de Penafiel em solo apto para a construção do tipo C3.

14.A 4.ª Ré solicitou a escritório de engenharia e arquitetura a elaboração de um projeto de arquitetura de uma habitação.

15.A 4.ª Ré pretendia edificar uma habitação no prédio identificado em 5 e 6 dos factos provados.

16.Os 1.º, 2.º e 3.º Réus não ofereceram ao Autor o prédio alienado, nem lhe comunicaram o projeto de venda, nem as condições em que esta foi processada à 4.ª Ré, não lhe tendo dado conhecimento do objeto do contrato, da identidade da compradora, do preço, da forma e data de pagamento aprazada para a celebração da escritura.

Factos não provados com interesse para a causa:

a.Por contiguidade física o prédio descrito em 1 e 2 confronta do seu lado nascente com o prédio descrito em 5 e 6 dos factos provados;

b. A Ré EE fechou a entrada, delimitando o prédio com pedras, cortando e impedindo a passagem pública que dava acesso ao prédio do Autor, só podendo o mesmo se deslocar ao seu prédio a pé através de um outro acesso, o qual não permite a entrada de veículos.

3.2. Das Nulidades arguidas.

1.A primeira nulidade que o recorrente arguiu foi a alegada nulidade processual, alegadamente traduzida na omissão pelo juiz a quo em determinar a realização de perícia técnica especializada para o efeito de apreciar e decidir sobre a alegada contiguidade dos terrenos.

Importa, assim, desde logo convocar o disposto no nº1 do artigo 195º do CPC, o qual, sob a epigrafe, “Regras gerais sobre a nulidade dos atos” estabelece:

1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

E como escreveu Miguel Teixeira de Sousa [1]:

“Isto demonstra que a nulidade processual se refere ao acto como trâmite, e não ao acto como expressão da decisão do tribunal ou da posição da parte. O acto até pode ter um conteúdo totalmente legal, mas se for praticado pelo tribunal ou pela parte numa tramitação que o não comporta ou fora do momento fixado nesta tramitação, o tribunal ou a parte comete uma nulidade processual. Em suma: a nulidade processual tem a ver com o acto como trâmite de uma tramitação processual, não com o conteúdo do acto praticado pelo tribunal ou pela parte.

É, aliás, fácil comprovar, em função do direito positivo, o que acaba de se afirmar:

-- A única nulidade processual nominada que decorre do conteúdo do acto é a ineptidão da petição inicial (cf. art. 186.º); mas não é certamente por acaso que esta nulidade é também a única que constitui uma excepção dilatória (cf. art. 186.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, al. b), e 577.º, al, b), CPC);

-- As nulidades da sentença e dos acórdãos decorrem do conteúdo destes actos do tribunal, dado que estas decisões não têm o conteúdo que deviam ter ou têm um conteúdo que não podem ter (cf. art. 615.º, 666.º, n.º 1, e 685.º CPC); também não é por acaso que estas nulidades não são reconduzidas às nulidades processuais reguladas nos art. 186.º a 202.º CPC. “

Posto isto, no caso dos autos o recorrente alega que a decisão recorrida padece de erro na apreciação da prova, ao considerar não provada a contiguidade dos terrenos, quando não foi realizada qualquer perícia técnica especializada para o efeito, alegando que o Tribunal baseou-se exclusivamente em prova testemunhal contraditória, ignorando a possibilidade de um meio de prova mais seguro e inequívoco, tendo sido cometido um erro de apreciação da prova produzida.

E concluiu: “43. Em conclusão, a omissão pelo Juiz a quo de diligências probatórias essenciais, especialmente quando necessárias ao apuramento de factos controvertidos relevantes para a decisão da causa, pode configurar uma violação do princípio do inquisitório, resultando em nulidade processual nos termos e para os efeitos do artigo 195.º do CPC”

Que dizer?

Ensina Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, Almedina, 2008, pg. 52, que “[a] distinção entre nulidades de processo e nulidades de sentença consiste fundamentalmente no seguinte: enquanto as primeiras se identificam com quaisquer desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar um ato proibido, quer por se omitir um ato prescrito na lei, quer por se realizar um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido, as segundas resultam da violação da lei processual por parte do juiz ao proferir alguma decisão, situando-se no âmbito restrito da elaboração de decisões judiciais desde que essa violação preencha um dos casos contemplados no n.º 1 do artigo 668.º”].

A resposta à questão colocada determina pois que se responda a uma outra, qual seja, a de apurar se no caso dos autos a lei impunha ao tribunal que oficiosamente determinasse a realização de uma perícia técnica especializada para o efeito de apreciar a contiguidade dos terrenos ?

E para responder a esta questão importa aqui tecer algumas considerações sobre o princípio do inquisitório, consagrado, em termos gerais, no art 6º, nºs 1 e 2 e, no que em particular concerne à prova, no art 411º do CPC.

Segundo este último «[i]ncumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer».

Esse “poder-dever” do juiz que não se limita à prova de iniciativa oficiosa, como se conclui do segmento “mesmo oficiosamente”, incumbindo-lhe realizar ou ordenar as diligências relativos aos meios de prova propostos pelas partes, na medida em que necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio

Como tem sido assinalado na jurisprudência[2], este princípio do inquisitório tem de ser conjugado/temperado com outros princípios também consagrados no atual CPC, particularmente com os do dispositivo, da cooperação, da autorresponsabilidade das partes e da preclusão, sendo certo que o princípio do dispositivo é ainda o que enforma o nosso regime processual civil, como decorre, desde logo, dos arts. 3º e 5º do mesmo corpo de normas.

E o princípio do dispositivo no âmbito probatório, que é o que aqui interessa abordar, significa que as partes devem levar ao processo o material probatório que deverá ser utilizado para o juiz formar a sua convicção probatória [3]

Cumpre ao juiz exercitar a inquisitoriedade, preservando o necessário equilíbrio de interesses, critérios de objectividade e uma relação de equidistância e de imparcialidade.

Assim, o princípio do inquisitório surge como contraponto ao princípio do dispositivo e assenta em diversos poderes/deveres oficiosos que o CPC confere ao juiz, designadamente, nos seguintes preceitos:

- art. 436º: requisitar documentos [de diversa natureza] que estejam em poder das partes, de terceiros ou de organismos oficiais;

- art. 452º nº 1: determinar a comparência pessoal das partes para prestação de depoimento, informações ou esclarecimento sobre factos que interessem à decisão da causa;

- arts. 467º nº 1, 477º e 487º nº 2: ordenar a realização de perícias;

- art. 490º: determinar a realização de inspeções;

- e 526º: determinar a inquirição de testemunhas que tenham conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa

O princípio da cooperação, previsto no art. 7º do CPC, comporta uma dupla vertente: a cooperação das partes com o tribunal; e a cooperação do tribunal com as partes.

Nesta última vertente [que é a que aqui interessa considerar e que deve ser articulada com o princípio do inquisitório], cabe ao juiz diligenciar ativamente, com respeito pela autonomia da vontade das partes, fixada nos princípios do dispositivo e da autorresponsabilidade, que cada processo consiga alcançar o seu fim: a composição do litígio segundo as regras de direito material aplicáveis e após indagação, tanto quanto possível exaustiva, sobre a matéria de facto controvertida [4]

No contexto probatório, este princípio concede ao juiz, no nº 4 daquele preceito, o poder/dever de providenciar pela remoção de obstáculos que surjam a alguma das partes relativamente à obtenção de documentos ou informações que condicionem o eficaz exercício do seu direito probatório, desde que a parte interessada invoque justificadamente a dificuldade séria em obtê-los.

O princípio da autorresponsabilidade das partes significa que são estas que conduzem o processo a seu próprio risco, cabendo-lhes deduzir e fazer valer os meios de ataque e de defesa que lhes correspondam, incluindo as provas, suportando uma decisão adversa, caso omitam algum. A negligência ou inércia das partes redunda inevitavelmente em seu prejuízo, por não poder, em princípio, ser suprida pela atividade oficiosa do tribunal. A autorresponsabilidade das partes exprime-se na consequência negativa (desvantagem ou perda de vantagem) decorrente da omissão de atos ou ónus que estavam a cargo das mesmas [5]

O princípio da preclusão significa que “uma vez ultrapassada uma determinada fase ou ciclo processuais ou excedido um certo prazo (fixado na lei ou determinado pelo juiz), se extingue o direito de praticar esse ato”[6]

No âmbito probatório, a preclusão traduz a impossibilidade das partes apresentarem/indicarem meios de prova logo que se mostrem ultrapassadas as fases legalmente estabelecidas para o efeito, sendo que, a fase normal é a fase dos articulados, e a fase excecional que, no que diz respeito à prova documental, está prevista nos nºs 2 e 3 do art. 423º [possibilidade de apresentação, em princípio mediante sujeição a multa, até 20 dias antes do início da audiência final ou, até no decurso desta, mas, neste caso, apenas nos estritos termos admitidos no nº 3] e, quanto à prova testemunhal, que consta dos nºs 1 e 2 do art. 598º [o primeiro admite a alteração do requerimento probatório na audiência prévia (quanto tiver lugar) e o segundo admite a alteração ou o aditamento do rol de testemunhas até 20 dias antes do início da audiência final].

.Feita esta referência aos princípios que no âmbito do processo civil devem ser convocados para apreciar a questão recursória, da leitura conjugada dos mesmos resulta que o poder/dever do juiz ordenar as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer, não é ilimitado quanto à determinação de provas.

Desde logo porque se fosse este o alcance do princípio do inquisitório em matéria probatória, “então teríamos de admitir que as partes estavam dispensadas de indicar provas.[7]

De resto, ao exercitar o poder-dever conferido pelo art 411º do CPC o tribunal não pode ignorar os ónus que a lei especialmente impõe às partes, o que se torna evidente nas situações em que seria uma ofensa a estes imperativos que o juiz oficiosamente determinasse a realização de meios de prova que a parte, a quem incumbia a sua apresentação, não o tivesse feito nas condições em que o deveria ter efetuado”[8]

Acresce que na tarefa de articulação e de compatibilização entre os princípios do inquisitório e do dispositivo não se pode ignorar que se mantém válida a regra prevista no n.º 3 do artigo 139.º do Código de Processo Civil, segundo a qual o decurso de um prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto, cuja razão de ser está ligada ao princípio da autorresponsabilidade das partes.

Como escreveu Paulo Pimenta «é evidente que as partes têm o ónus de indicar os meios de prova de que pretendem fazer uso nos autos, sendo previsível que a omissão de tal indicação lhes seja desfavorável. De resto, não seria próprio as partes confiarem em exclusivo nos poderes inquisitórios do Tribunal, esperando que fosse o juiz a determinar toda e qualquer diligência de prova, o que redundaria, as mais das vezes, num exercício errático e infrutífero, por falta de um critério mínimo para tal. Na verdade, o inquisitório deve orientar-se por um padrão mínimo de objectividade, condição para ser exigível que o juiz adopte certa conduta em matéria instrutória»[9]

E Abrantes Geraldes enfatiza que «o princípio do inquisitório não é pretexto para as partes delegarem ou confiarem, sem mais, no Tribunal a realização de diligências probatórias, recaindo, pois, sobre elas o ónus da iniciativa da prova. As competências instrutórias outorgadas ao juiz estão longe de constituir mera faculdade legitimadora de inércia»[10]

Prosseguindo, e, em jeito de conclusão, citando Lopes do Rego:

«o exercício dos poderes de investigação oficiosa do Tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste – não podendo naturalmente configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos grosseira ou indesculpavelmente negligentes das partes»[11]

E a propósito da omissão de diligências de prova transcreve-se o ensinamento de Nuno Lemos Jorge [in Os poderes instrutórios do juiz: alguns problemas, Julgar, nº 3, set.-dez. 2007, pgs. 76-78] – que, embora reportado ao CPC que vigorava antes de 2013, continua a valer para o atual CPC – e que é o seguinte:

“(…), há que distinguir duas hipóteses: aquela em que o juiz decide não providenciar pela realização de certa diligência e aquela em que simplesmente a omite, sem contudo fazer recair sobre tal matéria qualquer decisão explícita ou implícita.

A primeira hipótese encontrar-se-á, normalmente, associada à sugestão, por uma das partes de realização de determinada diligência probatória, a que se seguirá um despacho do juiz negando tal pretensão. O meio processual próprio para reagir contra este despacho é o recurso. Aqui sobressai a dita assimetria entre a posição das partes e a do juiz, pois dificilmente esta omissão pode ser impugnada com sucesso, em sede de recurso. É ao tribunal que cabe avaliar da necessidade da diligência para o seu esclarecimento. A parte não pode, nesta matéria, substituir-se-lhe e impor o seu próprio critério de necessidade da prova. Não é a parte que determina se o tribunal necessita ou não de mais esclarecimentos e que estes se poderão obter por determinado meio de prova. Se o tribunal se der por esclarecido, a parte não conseguirá, por regra, demonstrar, em sede de recurso, que o não devia estar. Apenas quando for evidente a omissão de uma diligência probatória cuja essencialidade se reveste indiscutível, em face dos elementos constantes do processo, é que será possível trazer à luz, para apreciação do tribunal superior, a violação do poder-dever instrutório do juiz. Serão estes os casos em que ocorre, na feliz expressão de Lopes do Rego, uma “ostensiva e injustificada omissão de diligência essencial e patentemente necessária ao apuramento da verdade dos factos”. (…).

Se a omissão de certa diligência probatória não se encontra a coberto de decisão explícita ou implícita, a omissão do poder-dever instrutório do juiz constituirá uma nulidade processual secundária, nos termos do artigo 201.º, n.º 1 [atualmente, art. 195º nº 1], uma vez que se tratará da omissão de um ato que a lei prescreve. Mais uma vez, pelas razões aduzidas (…), só uma omissão patente permitirá uma arguição segura da nulidade, caso contrário a parte que a argui não conseguirá demonstrar que o tribunal deveria procurar mais esclarecimentos através de determinado meio de prova constituendo. Ao não demonstrar a necessidade patente da diligência em face dos elementos disponíveis no processo, acabará por reconduzi-la à sua vontade, que teve outros meios, processualmente adequados, para se manifestar. Convém não esquecer, ainda, que qualquer nulidade secundária terá de ser atempadamente arguida, sob pena de se considerar sanada, nos termos do nº 1 do art. 205º” [atualmente, art. 199º nº1].

.Posto isto, reportando-nos ao caso dos autos, vejamos no caso dos autos o que sucedeu a fim de ser proferida decisão sobre a possibilidade de accionamento do princípio do inquisitório.

Como resulta do relatório introdutório, na presente ação o autor, ora recorrente, pretende exercitar o direito de referência estabelecido no artigo 1380.º, n.º 1, do Código Civil (CC): «Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante».

O direito de preferência estabelecido neste normativo a favor dos proprietários de terrenos confinantes visa obviar aos inconvenientes derivados da exploração agrícola em áreas fragmentadas, em que predomina o minifúndio, com superfícies inferiores à unidade de cultura fixada para cada zona do país, favorecendo a recomposição de áreas rurais mínimas, por forma a maximizar a rentabilidade económica da sua exploração agrícola.

Insere-se, portanto, num conjunto de disposições legais que têm por finalidade lutar contra a excessiva fragmentação da propriedade rústica, visando, assim, fomentar o seu emparcelamento

A propósito, não obstante a redacção do artigo 18.º, n.º 1, do já referido Decreto-Lei n.º 384/88 («Os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no artigo 1380.º do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura»), cremos ser hoje pacífico que é de conceder o direito de preferência recíproco aos proprietários de terrenos confinantes sempre que um deles tenha área inferior à unidade de cultura, qualquer que seja a área do outro (neste sentido, vide: Henrique Mesquita, CJ, ano XVI, p. 37 e seguintes; Galvão Teles, Revista O Direito, ano 124, p. 7; Antunes Varela, RLJ, Ano 127.º, pág. 294 e segs.; ac. do STJ, de 13.10.1993, CJ/STJ, Ano I, T3, p. 64; ac. do STJ, de 21.01.2016, proc. n.º 2563/07.0TBVCD.P1.S1, rel. Silva Gonçalves).

Do mesmo modo, é hoje entendimento pacífico não constituir pressuposto do exercício do referido direito de preferência a unidade ou identidade de culturas dos prédios confinantes (cfr. assento do STJ de 18.03.86, BMJ 355, p. 121, hoje com valor de Acordão Uniformizador de Jurisprudência, nos termos do estatuído no artigo 17.º, n.º 2, do DL n.º 329-A/95, de 12.12).

Tendo em conta o exposto, podemos afirmar que são pressupostos do direito legal de preferência previsto no citado artigo 1380.º, n.º 1, do CC:

a) Que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio rústico;

b) Que o preferente seja dono/proprietário de um prédio rústico confinante com o prédio alienado;

c) Que, pelo menos, um daqueles prédios tenha uma área inferior à unidade de cultura;

d) Que o adquirente do prédio não seja proprietário (de prédio rústico) confinante.

E por se tratarem de factos constitutivos do direto de preferência, é sobre aqueles que se arrogam a titularidade desse direito e que pretendem o reconhecimento judicial do mesmo que recai o ónus da prova de todos estes requisitos, nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 1, do CC (cfr. ac. do STJ, de 14.01.2021, proc. n.º 892/18.7T8BJA.E1.S1, rel. Rosa Tching).

No caso vertente, à luz dos articulados, do objecto do litígio e dos temas de prova, é inquestionável que após a apresentação das contestações, o autor-recorrente, tomou conhecimento que era facto controvertido as alegadas confrontações do seu prédio.

E por isso, sabia que tinha o ónus de provar que o seu prédio rústico confinava com o prédio rustico alienado, conforme art 342º nº1, CC.

Todavia, como resulta do relatório, o autor-recorrente, onerado com o respetivo ónus da prova, indicou prova testemunhal apenas e já na segunda sessão de julgamento juntou documentos que vieram a ser admitidos.

Todavia, não obstante estar onerado com o respetivo ónus da prova, certo é que, o autor-recorrente nem sequer indicou ao juiz [incluindo na audiência final] a relevância/essencialidade do meio de prova em questão [perícia) e justificar a razão de não o ter feito a tempo.

Ora, como afirmamos, cabia-lhe tal iniciativa e em atenção à prova carreada para o processo e/ou ao modo como a mesma estava a ser produzida em julgamento, já que é às partes – e não ao juiz – que compete zelar pela obtenção da prova necessária à procedência das suas pretensões.

Não tendo tido tal iniciativa no momento oportuno, não pode agora, apenas em sede recursória, só depois de proferida a sentença e de constatar que incorreu na omissão probatória que tenta imputar ao Julgador, vir invocar a nulidade processual prevista no art. 195º nº 1 do CPC.

Se se admitisse o que o recorrente pretende [o que acarretaria o regresso dos autos ao tribunal a quo e à fase de produção das provas] estaríamos a desconsiderar gravemente os princípios do dispositivo, da autorresponsabilidade das partes e da preclusão e a sobrevalorizar excessivamente os princípios do inquisitório e da cooperação [este na vertente a cargo do juiz], transformando estes últimos numa espécie de panaceia para todas as falhas/omissões das partes, sendo certo que não é esse o propósito do legislador, nem se coaduna com a estrutura do nosso processo civil que, repete-se, ainda continua a ser predominantemente dispositiva.

Nesta ordem de ideias, concluímos não estar verificada a alegada nulidade processual, alegadamente traduzida na omissão de determinar a realização de diligência de prova que o ora recorrente considera nesta recursória serem indispensáveis para a verdade material.

De resto, sempre se dirá que na hipótese de ter ocorrido a apontada omissão do poder -dever de determinar a realização de diligência de prova, ainda assim este segmento do recurso estaria votado ao insucesso, por decurso do prazo de que os ora recorrentes dispunham para arguir a referida nulidade e consequente sanação desta.

No caso, resulta dos autos que o ilustre mandatária dos recorrentes esteve presente em todas as sessões da audiência final, onde foi produzida a prova pessoal [depoimentos/declarações de parte e depoimentos das testemunhas] e examinada a prova documental que constava dos autos e aquela que foi aí admitida.

Assim, a ter ocorrido aí a dita omissão, a nulidade decorrente da inobservância do princípio do inquisitório teria de ser também aí invocada, maxime até ao encerramento da audiência.

Face ao que atrás se disse, de onde resulta que a nulidade, quando muito, teria que ser arguida pelos ora recorrentes até ao encerramento da audiência final, o que não aconteceu.

Ultrapassado esse momento, a dita nulidade sempre teria que considerar-se sanada, sendo, assim, manifestamente extemporânea a sua arguição nas alegações/conclusões do recurso.[12]

Pelo que, também por aqui, o recurso improcede nesta parte.

2..b), c) e d) nulidades da sentença por alegada violação do princípio da força probatória dos documentos autênticos previsto no art. 371.º do CC, por omissão de pronúncia e por alegada falta de fundamentação, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC.

Nesta parte, o recorrente alega que o tribunal a quo desconsiderou a força probatória dos documentos autênticos previsto no art. 371.º do CC .

Concretamente, alegou que o tribunal recorrido:

“Fundamenta a sua decisão (de improcedência da acção) ao considerar não provada a contiguidade física do prédio descrito em 1 e 2, o qual confronta do seu lado nascente com o prédio descrito em 5 e 6 dos factos provados e mencionados supra.

Assim, andou mal o Juiz a quo ao considerar como não provada a contiguidade entre os prédios objeto da presente ação de preferência (cfr. art. 11.º da presente Alegação), sem que previamente tenha ordenado, ainda que oficiosamente, a produção de prova que cabalmente esclareceria tal questão, a qual reveste extrema relevância para a causa, por nelaassentaro direito de preferênciaque o Recorrente considera nãoter sidocumprido, tal como devidamente referido na sua Petição Inicial.”

19. Assim, com tal omissão, o Juiz violou o exercício de um autónomo poder-dever de indagação oficiosa que sobre ele recaí.”

Que dizer?

Importa desde logo afirmar que o recorrente não impugnou a decisão da questão de facto na parte em que o tribunal julgou não provada a contiguidade dos prédios.

Conforme é jurisprudência pacífica, «A presunção registral não abrange fatores descritivos, como as áreas, limites ou confrontações, cingindo-se apenas à existência do direito e à sua pertença às pessoas em cujo nome se encontra inscrito» (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18.1.2018, José Rainho, 668/15, de 28.9.2017, Fernanda Isabel Pereira, 809/10).

Na sentença recorrida, o tribunal a quo, a propósito da alegada contiguidade dos prédios, na motivação da decisão de facto escreveu:

“O Tribunal formou a sua convicção tendo em conta a prova produzida em sede de julgamento conjugada com as regras da experiência.

Do teor da certidão predial junta como documento n.º 1 com a petição inicial e certidão matricial junta como documento n.º 2 com a petição inicial resulta o descrito nos pontos 1 e 3 dos factos provados.

Do teor da certidão junta como documento n.º 4 com a petição inicial – escritura pública de compra e venda, do qual se extrai a factualidade constante do ponto 4 dos factos provados.

Do teor da certidão predial e certidão matricial, ambas juntas como documento n.º 5 com a petição inicial e do qual resulta a factualidade constante dos pontos 5 a 7 dos factos provados.”

(… )

Quanto às confrontações e delimitações dos terrenos em causa nestes autos, o Autor não logrou demonstrar que o seu prédio confronta com o prédio adquirido pela 4.ª Ré.

Com efeito, a testemunha MM, consultor imobiliário, esclareceu que intermediou vários negócios que o Autor efetuou no local onde se situam os terrenos em discussão nos presentes autos, juntamente com a sua colega, NN, afirmando conhecer bem o local.

No que respeita às confrontações e limites dos terrenos em causa nestes autos, disse que o terreno do Autor e o que agora pertence à Ré EE confinam entre si, explicando que o terreno desta última não termina junto ao caminho, mas prolonga-se até ao terreno do Autor.

Confrontado com o documento junto pelo Autor em 13.6.2024 confirma os limites dos terrenos tal e qual como estão desenhados naquele mapa.

Todavia, perguntado sobre como obteve tal conhecimento, esclarece que foi a sua colega NN que lhe disse que o terreno do Sr. II, que posteriormente foi adquirido pelo Autor, confrontava com o prédio agora propriedade da Ré EE.

Daqui decorre que o conhecimento desta testemunha quanto aos mencionados factos não é direto nem sustentado. Sendo que ao longo do seu depoimento foi fazendo afirmações que logo depois retirava e corrigia e dizia o contrário, designadamente quanto a esta questão, pois inicialmente foi a colega NN que o informou dos limites e confrontações, para depois afirmar que existiam marcos no terreno e que falou com os proprietários dos prédios confinantes, mas que não se recordava de quem eram afinal. Perguntado se alguma vez tinha falado com o Sr. OO, por este também ser proprietário de terrenos no local, afirmou nunca ter falado com o mesmo, referindo que “sempre se recusou a falar com o mesmo”, por entender que este tinha “má vontade”.

Assim, o Tribunal não conferiu credibilidade a esta testemunha.

Já a testemunha NN referiu que falou com os proprietários dos terrenos no local e estes apenas sabiam vagamente das limitações, pelo que, após ter levado a cabo algum trabalho de investigação conseguiu perceber quem eram os confinantes, onde se incluíam os 1.º, 2.º e 3.º Réus, tendo chegado à morada destes através de um tio daqueles.

Mais esclareceu que os proprietários do terreno delimitado a azul (conforme consta do mapa junto pelo Autor em 13.6.2024) nunca lhe confirmaram os limites e confrontações.

Confrontada com o referido mapa, a mesma explicou que o terreno delimitado a verde vem até baixo, ocupando uma parte que se encontra delimitada a azul, confrontando assim com o estaleiro do Sr. OO, e que é do lado direito desse terreno, na parte de baixo, que confronta com o terreno desenhado a azul. Posteriormente, a testemunha acabou por voltar atrás no seu depoimento, afirmando afinal que havia uma faixa estreita do “terreno azul” entre o prédio do Autor (verde) e o estaleiro do Sr. OO.

Questionada, a testemunha referiu que para apurar as confrontações dos terrenos falou com os proprietários e vizinhos, afirmando que os mesmos não querem ser identificados.

Ora, também este depoimento se mostrou inseguro e pouco esclarecedor quanto aos factos em causa nestes autos.

A acrescer a esta prova fraca, as testemunhas arroladas pelos Réus depuseram todas no sentido de que os prédios em causa nestes autos não confrontam entre si.

A testemunha PP, explicou que quando foi ao terreno da Ré EE, o que lhe foi apresentado foi um terreno que ia até ao caminho, não se estendia para lá deste e confrontado com o mapa junto pelo Autor a 13.6.2024, esclareceu que o terreno da Ré EE vai até ao limite do caminho, não se estendendo como parece na delimitação a azul constante daquele mapa.

A testemunha OO, quanto às delimitações e confrontações do terreno que a sua filha adquiriu, esclareceu que o mesmo confronta de um lado com um terreno pertencente ao seu filho, de outro lado com o Sr. Vinha e do outro lado com um senhor que reside em França. Que relativamente ao prédio do Autor e que o mesmo diz confrontar com o prédio adquirido pela sua filha, afirma que o mesmo não confronta com o prédio da sua filha, mas sim com um terreno onde está um estaleiro, propriedade do seu filho.

No mesmo sentido depôs também a testemunha QQ, irmão da Ré EE. Bem como as testemunhas RR, tio da Ré EE e SS, primo da Ré EE, que confirmaram que andaram a limpar o terreno da prima, e que só limparam até ao caminho, sendo que no seu entender tal terreno não se estende para lá do limite com tal caminho, pois se tal acontecesse também teriam limpo, o que não aconteceu.

Em face de tais depoimentos, este Tribunal não conseguir formar uma convicção certa e segura de que o prédio do Autor confronta a nascente com o prédio da Ré EE.”

E em sede de fundamentação jurídica o tribunal justificou de forma adequada a sua posição no sentido de que a presunção do mencionado artigo 7.º abrange a descrição, limitando-se ao direito inscrito, como adiante será exposto.

E porque relevante refira-se também a doutrina do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.12.2019, Graça Amaral, 1808/03, segundo o qual: «VI- As inscrições matriciais não fazem prova plena da localização, da área, da composição, dos limites e das confrontações dos prédios a que se referem, pois que nenhum desses elementos concernentes à identificação física destes é atestado pela autoridade ou funcionários competentes com base nas suas perceções. / VII – Os levantamentos topográficos, as declarações dos municípios e as cartas e plantas cadastrais apenas provam que foram feitas as declarações aí documentadas ou que constam das cartas o que nelas está assinalado, mas já não que corresponda à verdade o seu conteúdo, constituindo documentos sujeitos, nessa parte, à livre apreciação do julgador.»

O valor probatório de tais elementos não é vinculativo, mas sujeito à livre apreciação: «(…) nada obsta obviamente a que o juiz, ao decidir a ação real, tenha em conta o teor da descrição predial, enquanto elemento coadjuvante da livre formação da sua convicção acerca da efetiva fisionomia e titularidade dos imóveis em causa» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.2.2016, Lopes do Rego, 6500/07).[13]

.Posto isto, da análise destes segmentos da motivação da decisão de facto e da fundamentação jurídica resulta que o tribunal não ignorou as certidões prediais juntas aos autos, tendo feito alusão às mesmas.

Todavia, porque, como referido, as certidões prediais e as inscrições matriciais não fazem prova plena da localização, da área, da composição, dos limites e das confrontações dos prédios a que se referem,, tendo apenas força probatória plena quanto aos factos atestados com base nas percepções da entidade registral, como a existência de determinado registo e a sua titularidade, não vislumbramos em que medida o tribunal a quo violou o princípio da força probatória dos documentos autênticos previsto no art. 371.º do CC.

Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerações, julgamos não verificada a aludida violação do princípio da força probatória dos documentos autênticos previsto no art. 371.º do CC.

Em consequência, porque não está verificada a arguida nulidade, decidimos que não se verificam também as arguidas nulidades da sentença recorrida por omissão de pronúncia e por alegada falta de fundamentação, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alíneas d) e b), do CPC,, respectivamente.

Efectivamente, a sentença recorrida revela adequada fundamentação de fato e de direito e não revela qualquer omissão-desconsideração das certidões prediais e as inscrições matriciais.

Nestes termos, também por aqui, o recurso improcede nesta parte.


3. Da indevida interpretação do art. 1380.º CC e da falta de fundamentação

Por último, o recorrente alega:

“Na decisão recorrida, o Tribunal indeferiu o pedido do Recorrente com base numa interpretação restritiva e errada do artigo 1380.º do CC, sustentando que:

a. O Autor não demonstrou que o seu terreno confinava com o imóvel vendido (questão da prova da contiguidade, já abordada);

b. Que o Autor não provou a intenção de destinar o seu prédio à exploração agrícola.

56. Contudo, tal conclusão (que o Autor não destinava ou pretendia destinar o seu prédio à exploração agrícola) é desprovida de qualquer fundamentação.

57. Na verdade, o que o Tribunal considerou como provado foi que o prédio da Ré EE se destinada à construção de um imóvel - o que não afasta a aplicabilidade do art. 1380.º do CC, porque aquilo que é exigido é que os terrenos confinantes não se destinem a algum fim que não seja a cultura (cfr. n.º 1, do art. 1381.º do CC); diferente é dizer que o prédio objeto de venda não se pode destinar a outro fim que não seja a cultura.

58. A decisão do Tribunal a quo violou, portanto, a letra e o espirito da norma, devendo ser revogada.

E ainda,

59. A dedução do Tribunal de que o Autor não destinava o seu prédio à exploração agrícola é desprovida de qualquer fundamentação.

60. Sendo a Sentença recorrida omissa quanto a tal aspeto, limitando-se a afirmar que "no caso dos autos, a verdade é que dos factos provados não resultou demonstrado que o Autor destinasse o seu prédio rústico à exploração, no desenvolvimento de uma atividade típica".

61. Ora, a este propósito, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. b) do CPC, a sentença é nula se não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a determinada decisão ou conclusão.

62. Tal acarreta a nulidade da sentença, a qual se invoca para todos os devidos e legais efeitos, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alíneas b) e d) do CPC.”

Que dizer?

Como já tivemos oportunidade de assinalar o recorrente não impugnou a decisão de facto, isto é, não impugnou os factos julgados não provados.

Apenas manifestou não estar de acordo com a decisão do tribunal e defendeu por isso estarem verificadas as nulidades processuais e da sentença supra referidas, sendo que nessa parte o recurso improcede, como vimos.

Ora, porque o facto julgado não provado relativo à alegada contiguidade dos prédios, o do autor e o prédio alienado, consubstancia, como referimos, um dos requisitos cumulativos do direito de preferência legalmente consagrado no art 1380ºdo CC, não estando provado esse facto, a presente ação, bem como o recurso interposto, não podem deixar de improceder.

Assim, porque não está provada a alegada contiguidade dos prédios, em princípio, resulta para nós que não revela qualquer efeito útil apreciar e decidir se na parte em que o tribunal a quo escreveu "no caso dos autos, a verdade é que dos factos provados não resultou demonstrado que o Autor destinasse o seu prédio rústico à exploração, no desenvolvimento de uma atividade típica", está verificado erro de julgamento.

Todavia, analisando a sentença recorrida, verificamos que essa frase foi inserida na fundamentação jurídica, a qual, reproduzimos na parte que se seguiu à enunciação dos requisitos cumulativos para a procedência da ação de procedência:

“O critério fundamental para a classificação do prédio como rústico ou urbano é a prevalência da destinação do prédio e o facto do terreno ser apto à cultura não é suficiente para haver preponderância do rústico sobre o urbano.

É necessário que exista efetivamente uma exploração agrícola.

Pois a finalidade do direito de preferência consagrado no citado artigo 1380.º visa permitir o emparcelamento de prédios rústicos com área inferior à unidade de cultura, com o objetivo de garantir a melhor rentabilidade e sustentabilidade da exploração agrícola.

Por exploração agrícola entender-se-á toda a atividade que permite ao produtor rural obter riqueza da sua terra, designadamente plantando-a e destinando o seu produto ao comércio.

E no caso dos autos, a verdade é que dos factos provados não resultou demonstrado que o Autor destinasse o seu prédio rústico à exploração agrícola, no desenvolvimento de uma atividade económica típica.

Não obstante tal prédio estar descrito como tendo 1900m2 e ser composto por terreno a pinhal, tal factualidade não é manifestamente suficiente, como acima se disse, para se concluir que o Autor nele exerce uma atividade agrícola.

(…)“Acresce ainda dizer que dos factos provados não resultou demonstrado que o prédio do Autor confronte com o prédio hoje da Ré EE e objeto destes autos.

Com efeito, devemos afirmar que não aproveita aos mesmos, neste particular, a presunção do registo - cfr. artigo 7.º do Código de Registo Predial. Entendemos que a presunção do mencionado artigo 7.º abrange a descrição, limitando-se ao direito inscrito - cfr., neste sentido, o AC. do S.T.J. de 27.1.93, in CJ-STJ I, t-1, pág. 100 e seg.

Esta solução tem a sua fundamentação uma vez que a descrição predial tem por fim a identificação física económica e fiscal dos prédios e desde logo a determinação da linha poligonal delimitadora da porção de solo a que respeita.

É sabido que fora das áreas abrangidas pelo cadastro geométrico o registo não dispõe do necessário suporte de dados topográficos.

Os prédios são descritos e atualizados com base nas declarações dos particulares interessados sem nenhuma espécie de autenticidade ou garantia de precisão - cfr. Seabra de Magalhães, Estudos de Registo Predial, a Identidade Registral do Prédio, pág. 65. Assim, a descrição constitui um critério de reprodução indireta, rudimentar e aleatória, que não exclui erros grosseiros nem manipulações fraudulentas - Autor cit., pág. 65.

Daí que dificilmente se compreenda a fé pública registral quanto aos dados físicos do prédio (área, confrontações...). Daí a "ratio" da interpretação restritiva.

Mesmo na Alemanha e na Suíça, que têm um sistema de estreita coordenação entre o cadastro e o registo, a presunção não abrange a situação física do prédio configurada no registo - Autor cit., pág. 66.

Face ao não funcionamento da presunção legal do artigo 7.º do Código de Registo Predial, que não abrange a descrição e as áreas, limitando-se ao direito inscrito, caberia ao Autor, nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, provar que o seu prédio confrontava a nascente com o prédio que hoje pertence à Ré EE, o que efetivamente não logrou fazer.

Assim, não tendo ficado demonstrado tal factualidade, é manifesto que a presente ação terá de improceder, tornando-se inútil conhecer dos demais requisitos de que depende a procedência do pedido do Autor.”

E da fundamentação jurídica reproduzida não vislumbramos qualquer falta de fundamentação que importe a nulidade da sentença.

De resto, como tem sido repetidamente assinalado na jurisprudência, a falta de fundamentação de sentença apenas ocorre quando o juiz não expõe as razões de afcto e de direito que sustentam a decisão proferida, tudo, na decorrência da exigência do art 205º da CRP e do art 615º, nº1, al. b) do CPC.

E na sentença recorrida verificamos que o juiz a quo justificou, fundamentando, a sua posição jurídica.

Tanto basta para não julgarmos verificada a nulidade da sentença nesta parte.

De qualquer modo, cumpre tecer as seguintes considerações:

Como é sabido, a promoção do emparcelamento de terrenos com área inferior à unidade de cultura e o combate ao minifúndio é uma opção de política agrícola geral, para todo o país, e a longo prazo, a qual vale por si mesma, independentemente de em alguns casos concretos os prédios que conferem o direito de preferência não estarem a ser explorados.

É certo que resulta da fundamentação jurídica reproduzida que o tribunal a quo entende, no seguimento de alguma jurisprudência[14], que a promoção do emparcelamento de terrenos com área inferior à unidade de cultura e o combate ao minifúndio é uma opção de política agrícola geral, para todo o país, e a longo prazo, a qual, exige como requisito cumulativo que concretos os prédios que conferem o direito de preferência não estarem a ser explorados.

Por outro lado, como é sabido, outra parte da jurisprudência[15], entende que a razão de ser do regime legal consagrado no art. 1380.º, n.º 1, do Código Civil, ancora num propósito propiciador do emparcelamento de terrenos com área inferior à unidade de cultura, visando uma exploração agrícola tecnicamente rentável, evitando-se, assim, a proliferação do minifúndio, considerado incompatível com um aproveitamento fundiário eficiente» - Acórdão do STJ, de 28.02.2008, no processo nº 08A075 (in www.dgsi.pt)

E partindo dessa razão ou fundamento para a existência do direito de preferência como categoria jurídica, isto é, tendo em vista o fim que a norma pretende alcançar, afirma que esse fim não tem de se verificar ou ser alcançado em todo e qualquer caso concreto, pois se o legislador tivesse querido que assim fosse teria acrescentado esse requisito e não o acrescentou.

E concluem que se esta é uma opção e finalidade para futuro, então não pode ser condicionada por circunstâncias do presente que podem vir a desaparecer no futuro.

Assim, concluem que não é impeditivo do nascimento do direito de preferência o facto do prédio que confere a preferência não estar a ser explorado agricolamente.

Expostas que estão as distintas posições da jurisprudência sobre a questão, no caso concreto, afigura-se-nos que fica prejudicada a apreciação da questão colocada e uma tomada de posição porquanto, como vimos,

não tendo ficado demonstrado a contiguidade dos prédios, o preferente e o alienado, é manifesto que a presente ação terá de improceder, tornando-se inútil conhecer dos demais requisitos de que depende a procedência do pedido do Autor.

Nesta conformidade, e sem necessidade de mais alongadas considerações, improcede o recurso de apelação interposto, decidindo-se confirmar a sentença proferida.

Improcede totalmente o Recurso interposto.

Sumário.

………………………………….

………………………………….

………………………………….

IV - DELIBERAÇÃO:

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar:

- o Recurso interposto pelo Autor/recorrente totalmente improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente (artigo 527º, nº 1 do CPC).Notifique.

Porto, 4.06.2025

Francisca da Mota Vieira

João Maria Espinho Venade.

Aristides Rodrigues de Almeida.

_________________________________
[1] https://blogippc.blogspot.com/2018/04/o-que-e-uma-nulidade-processual.html
[2] Ac Relação do Porto de 25.03.2025, in proc nº 9537/21.7T8VNG.P1         
[3] cfr. Carlos Castelo Branco, in A Prova Ilícita – Verdade ou Lealdade?, 2019, Almedina, pg. 35
[4] v. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª ed., pág. 36.
[5] Cfr. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, Almedina, pg. 378 e Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil – Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, 1996, Coimbra Editora, pgs. 145-17.
[6] cfr. Remédio Marques, in Ação Declarativa à luz do Código Revisto, 3ª ed., Coimbra Editora, 2011, pgs. 208-209
[7] Acórdão da Relação de Coimbra de 12.03.2019, proc. 141/16.2T8PBL-A.C1, disponível in www.dgsi.pt/jtrc]
[8] Acórdão desta Relação do Porto de 23.04.2020, proc. 6775/19.6T8PRT-A.P1, disponível in www.dgsi.pt/jtrp].
[9] Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2023, pág. 388.
[10] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2023, págs. 523-550.
[11] Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, Almedina, 2ª edição, 2004, pág. 425.
[12] Em sentido idêntico e perante caso idêntico, ver Acordão desta Relação do Porto de 23.05.2025, in proc nº 9537/21.7T8VNG.P1
[13] Ac. Relação Lisboa de 02.02.2020, in proc nº 602/17.6T8MFR.L1-7.         
[14] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 2021, proferido no Processo nº 892/18.7T8BJA.E1.S1. Ponderou-se neste acórdão o seguinte (parte final):
«Acresce ser sobre os autores que recaía, nos termos do disposto no art. 342.º, n.º 1 do C. Civil, o ónus de alegar e provar, que praticam nestes terrenos qualquer tipo de exploração florestal e/ou atividade agrícola, pelo que, não tendo os mesmos alegado, no caso dos autos, quaisquer factos demonstrativos do aproveitamento destes terrenos, são eles que têm de sofrer as consequências dessa falta de prova.
De referir ainda que, contrariamente ao afirmado no acórdão recorrido, não se vê que se possa defender resultar do espírito da lei que o citado art. 1380º, nº 1 não vincula o exercício do direito de preferência à efetiva exploração dos prédios para fins agrícolas, bastando-se com o facto de serem prédios aptos para cultura, quando é certo que, como se escreveu no Acórdão do STJ, de 28.02.2008 (processo nº 08A075), «a razão de ser do regime legal consagrado no art. 1380.º, n.º 1, do Código Civil, ancora num propósito propiciador do emparcelamento de terrenos com área inferior à unidade de cultura, visando uma exploração agrícola tecnicamente rentável, evitando-se, assim, a proliferação do minifúndio, considerado incompatível com um aproveitamento fundiário eficiente.»
Daí que, aceitando-se o critério de destinação ou afetação económica como critério base para qualificar determinado prédio como rústico ou urbano e tendo ficado provado que os autores residem no prédio de que são proprietários (nº 10 dos factos provados) e nele não desenvolvem qualquer atividade agrícola (nº 11 dos factos provados), evidente se torna que os autores utilizam o prédio em causa essencialmente para a sua habitação, o que tudo quer dizer, nas palavras do citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28.02.2008, que o núcleo essencial do “prédio misto”, dos autores, a sua destinação e afetação, são próprias de um prédio urbano, não se alcançando, deste modo, os fins para que o legislador consagrou, no art. 1380.º, n.º 1 do C. Civil, o direito de preferência.
E sendo assim, ou seja, não podendo o prédio dos autores ser considerado prédio rústico, indemonstrado fica, desde logo, um dos requisitos do art. 1380.º, n.º 1, do Código Civil, o que tanto basta para se concluir não serem os autores titulares de direito de preferência sobre o prédio vendido à ré, ora recorrente.»
[15] Ac Rel Coimbra de 12.04.2023, in proc nº 29/21.5T8LSA.C1