I - Cabendo apelação autónoma da decisão que haja indeferido meio de prova, é de 15 dias o prazo de recurso dessa decisão.
II - Só a falta absoluta de fundamentação, jurídica ou factual, constitui causa de nulidade da sentença.
III - Uma interpretação actualista do artigo 505.º do Código Civil não exclui a possibilidade de concorrência com a responsabilidade objectiva, associada ao risco inerente à circulação do outro veículo também interveniente no acidente de viação.
IV - Essa concorrência, porém, não se configura quando o acidente se ficou a dever a culpa exclusiva do próprio lesado, constituindo esta uma circunstância excludente da responsabilidade do outro interveniente no acidente.
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este
Juízo Central Cível de Penafiel – Juiz 3
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO.
AA, NIF ..., residente na Rua ..., ..., ... ..., concelho de Felgueiras, instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, demandando A... - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., NIPC ..., com sede no Largo ..., ..., ... Lisboa, pedindo que:
a) a Ré seja condenada a pagar ao A. a quantia de 27.581,20€, relativa ao valor necessário para a reparação dos danos causados na sua viatura, resultado das proveniências referidas em 31 e 42 da petição inicial;
b) a Ré seja condenada a pagar ao A. quantia diária de 100,00€/dia, resultante da imobilização e privação da viatura, desde o dia do sinistro até efectivo e integral pagamento da indemnização devida, que na presente data perfaz a quantia de 18.400,00€ (acrescido do valor diário vincendo até efetivo e integral pagamento da reparação), resultado das proveniências referidas em 54 e 55 da petição inicial;
c) a Ré seja condenada a pagar ao A. a quantia de 5.000,00€ a título de danos não patrimoniais, resultado das proveniências referidas em 56 e 60 da petição inicial;
d) E ainda nos juros legais desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
Para tanto e em síntese, alega ter ocorrido um acidente de viação, no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, matrícula ..-IH-.., propriedade do A. e conduzido pelo próprio, e o veículo ligeiro de passageiros, matrícula ..-..-MZ, propriedade de BB e conduzido pelo mesmo.
Após descrever a sua versão do acidente, que imputa à conduta culposa do condutor do veículo MZ, alega o autor os danos sofridos e directamente resultantes do acidente.
Citados, contestou a ré, aceitando a existência do contrato de seguro alegado pelo autor e impugnando os demais factos por ele alegados, descrevendo a sua versão do acidente, que imputa a culpa efectiva e exclusiva do próprio autor.
Assim, pugna pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, onde se afirmou a validade e regularidade da instância, o objecto do litígio, os factos assentes e os temas da prova.
Procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença que, julgando a acção totalmente improcedente, absolveu a ré de todos os pedidos contra ela deduzidos.
Não se resignando o Autor com tal sentença, dela interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
“1. A prova produzida não foi avaliada criticamente, nem foram especificados os fundamentos decisivos para a convicção que consta da sentença, não sendo cumprido o dever de fundamentação, pelo que a sentença recorrida padece de nulidade, por falta de fundamentação.
2. Por outro lado, a prova produzida demonstrou que o sinistro ocorreu por culpa do segurado da Ré, que violou as mais elementares regras da estrada e deu causa ao mesmo de forma exclusiva.
3. Verificando-se, assim, incorretamente julgados os factos provados sob os n.ºs 13 (na parte “apenas com limitação de velocidade”), 14, 15, 16 e 17, bem como os factos não provados sob os números 1, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9.
4. Pois, o que resulta da prova testemunhal, em conjugação com a prova documental (nomeadamente os documentos com que foram confrontadas as testemunhas – fotografias – que demonstram os danos nas laterais) é diferente do que vem provado e não provado na sentença recorrida.
5. Aliás, dessa prova o que resulta é que o sinistro ocorreu por culpa do segurado da Ré, que inegavelmente transpôs a linha continua – cfr. artigo 7 dos factos provados.
6. O Tribunal não se pode render a uma versão sem qualquer espírito critico que não seja desacreditar o testemunho dos restantes intervenientes, tomando nitidamente partido pela versão da Ré, sendo certo que o ponto 7 dos factos provados refere que as duas vias são dividas por linha contínua – assim se concluiu que o condutor do MZ transpôs a linha contínua em transgressão do código da estrada (constituindo contraordenação muito grave nos termos do artigo 146.º do CE e artigo 60.º, n.º 1, M1 do regulamento da sinalização de trânsito – decreto regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de outubro) e provocou o acidente dos autos.
7. Para o presente recurso, a prova relevante (no que diz respeito à dinâmica do sinistro, posicionamento final das viaturas e danos) é a seguinte: CC – militar da GNR – inquirido por videoconferência no dia 12/09/2024, cujo depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática do Tribunal, com início pelas 09 horas e 41 minutos e termo pelas 10 horas e 02 minutos. BB – condutor do MZ – inquirido por videoconferência no dia 12/09/2024, cujo depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática do Tribunal, com início pelas 10 horas e 06 minutos e termo pelas 10 horas e 49 minutos. DD – filha do A. – inquirida no dia 12/09/2024, cujo depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática do Tribunal, com início pelas 10 horas e 49 minutos e termo pelas 11 horas e 18 minutos. EE – rebocador – inquirido no dia 12/09/2024, cujo depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática do Tribunal, com início pelas 11 horas e 42 minutos e termo pelas 11 horas e 56 minutos. Declarações de parte prestadas em 12/09/2024 pelo A. (AA), cujas declarações se encontram gravadas no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática do Tribunal, com início às 14 horas e 56 minutos e finalizadas pelas 15 horas e 31 minutos. E prova documental junta aos autos, nomeadamente as fotografias juntas na PI (documento 4 – e alegada no artigo 8.º da PI), fotografia junta pela Ré na sua contestação, documentos juntos pela CA seguros em 23/01/2024 e relatório da B... junto aos autos pela Ré em 13/03/2024, com a referência 9493457.
8. Quanto à prova testemunhal, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, a excessiva firmeza (como foi o depoimento do condutor do MZ – que ao longo do seu depoimento se foi intitulando como um condutor extremamente prudente e de muitos quilómetros, mas que sem dúvida aceita que transpôs a linha continua e refere que as linhas continuas não são necessárias – e o Tribunal não relevou as suas declarações nessa parte), ou o compreensível enfraquecimento da memória.
9. QUANTO AOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS SOB OS NÚMEROS 13 (NA PARTE “APENAS COM LIMITAÇÃO DE VELOCIDADE), 14, 15 E 16 (NA PARTE EM QUE REFERE “OCUPOU LENTAMENTE A FAIXA DA ESQUERDA E AÍ CIRCULOU CERCA DE 40 METROS”): É de referir que, nem pela Ré, nem pelo A., não foi feita qualquer prova nesse sentido.
10. Na verdade, as testemunhas ouvidas em audiência de julgamento prestaram depoimento sob juramento e o seu depoimento foi submetido a contraditório, mas
11. Nenhuma testemunha declarou em audiência de julgamento que a via da esquerda se encontrava com limitação de velocidade,
12. Nenhuma testemunha declarou em audiência de julgamento que, em virtude de o trânsito se encontrar completamente imobilizado, lentamente, todos os outros veículos que circulavam na faixa do meio iam integrando a faixa da esquerda,
13. Nenhuma testemunha declarou em audiência de julgamento que na faixa da esquerda os respetivos condutores iam permitindo entrar um a um,
14. Nenhuma testemunha declarou em audiência de julgamento que o condutor do MZ ocupou lentamente a faixa da esquerda e aí circulou cerca de 40 metros (nem o próprio condutor – testemunha BB – o referiu em audiência de julgamento).
15. Portanto, quanto a estes factos, não existe prova testemunhal.
16. Resta analisar a prova documental, nomeadamente os relatórios de averiguação juntos aos autos, mais precisamente o relatório da B... junto aos autos pela Ré por requerimento de 13/03/2024 (o qual, por requerimento datado de 27/03/2024, foi impugnado pelo A.).
17. Ora, o referido relatório é constituído, além do mais, por depoimentos de alegadas pessoas que não foram sequer indicadas como testemunhas nos presentes autos.
18. Ainda assim e contra o que tem vindo a ser decidido, o Tribunal à quo entendeu que nenhum desses relatórios configurava prova nula ou proibida, ao contrário do que foi sustentado pelo A..
19. Quanto ao relatório da B... junto aos autos pela Ré por requerimento de 13/03/2024, trata-se de um relatório de averiguação feito a pedido da Ré e junto aos autos pela Ré.
20. Não se trata de um documento oficial, nem o mesmo tem a virtualidade de fazer prova plena, até porque se trata de um documento junto pela parte (Ré), que não está assinado e cujo teor não foi sequer confirmado em audiência de julgamento pelo seu autor (averiguador que procedeu à averiguação), a que acresce o facto de a Ré não o ter indicado como testemunha e, se indicou, de ter prescindido das suas testemunhas, desistindo do seu depoimento. Acresce que, apenas as fotografias juntas nesse relatório podem ser consideradas meio de prova porquanto as testemunhas inquiridas em julgamento apenas foram confrontadas com as fotografias constantes desse relatório. Não tendo os restantes elementos do referido relatório sido alvo de discussão nestes autos ou sequer questionados às testemunhas. A que acresce o facto de não ser contraditado, o que viola claramente o princípio do contraditório.
21. Por outro lado, os alegados depoimentos constantes do referido documento (relatório da B...) tratam-se de prova nula, obtida por um mero averiguador (e não um perito) em fase extrajudicial, sem contraditório, sem controlo, juramento ou na presença de um juiz. Nesse sentido decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, a 22/11/2018, no âmbito do processo n.º 18262/17.2T8LSB.L1-2, que “As declarações prestadas perante um averiguador pago por uma seguradora, sem a presença da parte contrária nem o controlo do juiz, não valem como elementos de prova utilizáveis no tribunal, sejam elas corporizadas por um escrito feito na sequência das mesmas ou transmitidas pelo averiguador como testemunha (art. 421.º do CPC, a contrário).” Referindo, ainda, que “Quanto às declarações prestadas aos Srs. peritos (ou melhor: averiguadores): Diz o art. 421.º, n.º 1 do CPC, sobre o valor extraprocessual das provas produzidas num processo judicial: (…) Ora, se isto é assim quanto a provas produzidas num processo judicial, como é que poderia ter valor como prova aquilo que foi dito por alguém numa inquirição não contraditória feita perante uma pessoa que está a fazer um trabalho pago por uma das partes e cujo resultado se for favorável a essa parte levará ao não pagamento de uma indemnização substancial?” Não havendo, pois, “qualquer razão para confiar que as perguntas feitas por um averiguador, pago pela Ré, no decurso de um processo particular extrajudicial, no segredo da sua inquirição informal com o autor, sem o controlo do juiz e da parte contrária, não tenham sido impertinentes, sugestivas, capciosas ou vexatórias. Pelo que o resultado desse depoimento/declarações do autor, seja qual for a forma em que se traduza, designadamente transmitido pelo depoimento do averiguador ou por algum escrito elaborado na sua sequência, não tem qualquer valor.” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, a 22/11/2018, no âmbito do processo n.º 18262/17.2T8LSB.L1-2).
22. O documento não faz, nem pode fazer, por si só, prova dos factos dados como provados sob os números 13 (na parte “apenas com limitação de velocidade), 14, 15 e 16 (na parte em que refere “ocupou lentamente a faixa da esquerda e aí circulou cerca de 40 metros”), nem as alegadas declarações testemunhais dele constantes têm qualquer valor probatório, porquanto não foram prestadas perante o juiz, não foram sujeitas a contraditório, nem sob juramento legal, correspondendo apenas a uma alegação em sede de contestação, da qual a Ré não fez prova.
23. Pelo que, não tendo sido feita prova segura e suficiente, deverão factos dados como provados sob os números 13 (na parte “apenas com limitação de velocidade), 14, 15 e 16 (na parte em que refere “ocupou lentamente a faixa da esquerda e aí circulou cerca de 40 metros”), ser declarados não provados.
24. QUANTO AO FACTO DADO COMO PROVADO SOB O NÚMERO 16 (Foi o que aconteceu com o condutor do MZ, que acionou o sinal luminoso da esquerda, e chegado ao local onde os veículos da faixa do meio se encontravam imobilizados, ocupou lentamente a faixa da esquerda e aí circulou cerca de 40 metros): Embora já tenha impugnado anteriormente parte do facto provado sob o número 16, o mesmo é agora impugnado na parte restante.
25. Quanto a este facto: BB – condutor do MZ: Minuto 03:50 a 04:00, do minuto 06:55 ao minuto 07:00, ao minuto 10:00 referiu que passou a ponte e se colocou na faixa da esquerda (confessando a versão do A.), do minuto 27:20 a 27:50:
26. Ora, considerando o facto provado em 7 dos provados, obviamente que o condutor segurado da Ré transpôs a linha contínua calcando-a, o que evidencia a prática de infração estradal – o que o Tribunal aceitou sem consequências.
27. DD – filha do A.: do minuto 03:10 ao minuto 03:20, minuto 04:20 a 04:30, minuto 05:00 referiu que “Nós íamos na faixa da esquerda, não estava impedida e continuamos a seguir, só que um carro pôs-se à nossa frente e bateu, minuto 13:30 até ao minuto 14:00, minuto 14:10 declarou que “Ele estava parado”, o minuto 17:25 a 17:35, minuto 21:10 até ao minuto 22:00,
28. Na verdade, esta testemunha – que presenciou o sinistro – é esclarecedora e prestou um depoimento claro, direto e imparcial sobre os factos. Relatou os factos de forma isenta. Demonstrou conhecimento da dinâmica do sinistro, porque o viu a acontecer mesmo à sua frente. E a forma como relatou o sinistro é de facto compatível com o sinistro. Relatou que o condutor segurado da Ré, que se encontrava parado, entrou na via da esquerda repentinamente, que o fez junto da ponte, galgando a linha continua e que não houve tempo para reagir. Acresce que a esta testemunha se limitou a responder ao que lhe era perguntado, sem alongamentos nas respostas, nem explicações arranjadas para o momento.
29. E é o que resulta também das declarações de parte prestadas em 12/09/2024 pelo A. (AA): minuto 07:00, minuto 18:55 até ao minuto 19:45 declarou que:
30. Tanto os depoimentos das testemunhas como as declarações de parte do A. devem ser confrontadas com a imagem indicada no artigo 8.º da PI – fotografia do local onde se deu o sinistro, que por brevidade se deu por reproduzida neste recurso.
31. As declarações do A. foram corroboradas pela testemunha DD que, apesar de ser sua filha e ter apenas 17 anos, prestou um depoimento claro, imparcial, isento e esclarecedor (porquanto não entrou em contradições, nem relatou uma realidade exagerada, mas tão-só o que vivenciou.
32. Ou seja, da prova produzida, avaliada à luz da experiência comum, não podia resultar provado que o condutor do MZ acionou o sinal luminoso da esquerda, e chegado ao local onde os veículos da faixa do meio se encontravam imobilizados, ocupou lentamente a faixa da esquerda e aí circulou cerca de 40 metros). Porquanto, resultou precisamente o contrário, ou seja, que o condutor do MZ se encontrava parado na via da direita, transpôs a linha continua e ocupou a via da esquerda por onde circulava o veículo do A.. E o condutor do segurado da Ré em momento algum referiu que entrou na via da esquerda lentamente e que o sinistro se deu após ter percorrido cerca de 40 metros – nem tais factos foram declarados pelas restantes testemunhas ou resultaram de qualquer outro meio de prova.
33. Nessa medida, deve o facto provado sob o número 16 passar a constar do elenco dos factos não provados.
34. QUANTO AO FACTO DADO COMO PROVADO SOB O NÚMERO 17 (Após ter circulado pela faixa da esquerda aqueles cerca de 40 metros, o veículo MZ foi embatido na traseira do lado esquerdo pela frente lateral direita do veículo pelo ..-IH-.., conduzido pelo autor, que não conseguiu imobilizar o seu veículo a tempo de evitar aquele embate):
35. A testemunha BB – condutor do MZ: minuto 21 (No meu carro foi do meu lado esquerdo. Mais ou menos na zona central para a esquerda), minuto 21:55 até ao minuto 22:05, minuto 22:50, minuto 33:55 ao minuto 34:20,
36. A testemunha BB relata os danos como se o embate tivesse levado uma “pancada na traseira” – sendo certo que as fotografias que constam da página 8 e 9 do relatório da B... junto através de requerimento datado de 13/03/2024, com a referência 9493457, com o qual a testemunha foi confrontada (conforme consta da ata de audiência final), são esclarecedoras de que não houve uma pancada na traseira, mas na lateral traseira – desde a porta traseira esquerda até ao guarda lamas – que incidem com mais evidência junto à roda esquerda traseira e depósito de combustível.
37. Ou seja, o que a testemunha declarou em tribunal não corresponde ao que ficou demonstrado pelas fotografias que constam da página 8 e 9 do relatório da B... junto através de requerimento datado de 13/03/2024, com a referência 9493457, pelo que não pode merecer credibilidade que o Tribunal à quo lhe deu.
38. E conforme declarações já transcritas na impugnação do facto 16 e que se dão por reproduzidas, a testemunha DD, aos minutos 03:10 a 03:20, 04:20 a 04:30, 13:30 a 14:10, 17:25 a 17:35, 21:10 a 22:00, relatou que o condutor segurado da Ré se encontrava parado na via do meio, entrou na via da esquerda repentinamente, que o fez junto da ponte, galgando a linha continua e que não houve tempo para o seu pai reagir, minuto 05:00 ao minuto 06:00 explicou que “Nós íamos na faixa da esquerda, não estava impedida e continuamos a seguir, só que um carro pôs-se à nossa frente e bateu. E que o embate “Foi do meu lado.”
39. O A. AA também declarou do minuto 04:30 ao minuto 05:10 que os veículos não ficaram na posição desenhada no croqui da GNR.
40. Há que ressalvar que, embora o Tribunal à quo tenha colocado em causa o declarado pelo A., o certo é que a posição final dos veículos relatada pelo A. foi expressamente confirmada pelas declarações da testemunha CC – militar da GNR que elaborou o croqui – minuto 08:20 a 09:00, onde disse: “os carros estavam enganchados um no outro”, “era a parte do lado direito de um na traseira do lado esquerdo do outro”, e do minuto 13:20 a 14:25 disse “estava a parte da frente lateral do veículo 1 e estava o veículo 2 do lado esquerdo”, e quando lhe perguntado se a pancada foi em cheio na traseira, disse “em cheio não, foi de lado”, “estavam enganchados aqui nas laterais”.
41. Também a testemunha EE – rebocador – relatou o mesmo posicionamento dos veículos (relatado pelo A. e pelo militar da GNR): 02:50 a 04:00.
42. Apenas e só porque o embate foi entre as laterais e não frente com traseira.
43. A dinâmica do sinistro relatada pelo A., confirmada pela sua filha, cujas posições finais dos veículos também foram confirmadas pela testemunha CC, militar da GNR que elaborou o croqui,
44. Sendo natural e mais verosímil que um veículo ao sair repentinamente de uma fila de transito, onde está integrado, para circular na faixa da esquerda, embata com a sua traseira esquerda (parte lateral) na frente direita (parte lateral) resultando daí o seu enganchamento na barra de proteção.
45. Pelo que, deve o facto 17 dos provados ser julgado não provado.
46. E porque é o que resulta da prova, dar-se como provado que: o veículo MZ embateu com a traseira do lado esquerdo na frente lateral direita do veículo pelo ..-IH-.., conduzido pelo autor.
47. Quanto aos FACTOS NÃO PROVADOS sob os números 1, 3, 4, 5, 6, 7 e 9 perante a prova produzida, impõe-se que os mesmos sejam considerados provados, senão vejamos:
48. Quanto ao FACTO NÃO PROVADO sob o número 1 (O veículo segurado da Ré encontrava-se integrado na fila de trânsito parado da via do meio e à sua esquerda tinha a via da esquerda), foi produzida a seguinte prova que impõe a sua alteração para provado:
49. Atente-se ao depoimento da testemunha DD – filha do A.: minuto 13:30 até ao minuto 14:00, o minuto 14:10 declarou que: “Ele estava parado”, minuto 21:45 ao minuto 22:00 (A testemunha respondeu com clareza, referindo que o segurado da Ré estava parado na faixa do meio e que para trás dele e para a frente havia mais veículos).
50. E é o que resulta também das declarações de parte prestadas em 12/09/2024 pelo A. (AA): Minuto 19:30 a 19:40.
51. Pelo que, deve o facto não provado sob o número 1 (O veículo segurado da Ré encontrava-se integrado na fila de trânsito parado da via do meio e à sua esquerda tinha a via da esquerda), ser alterado para provado.
52. Quanto aos FACTOS NÃO PROVADOS sob os números 3 (Sem que nada o fizesse prever, o A. foi surpreendido pelo veículo segurado da Ré, que saiu da fila de trânsito da via do meio, transpôs a linha contínua à sua esquerda e ocupou a via de trânsito da esquerda) e 4 (O que fez sem qualquer sinalização, sem qualquer atenção aos veículos da via da esquerda e transpondo a linha contínua, ingressou da esquerda), foi produzida a seguinte prova que impõe a sua alteração para provados,
53. DD – filha do A.: Ao minuto 03:10 a 03:20, minuto 04:20 a 04:30, minuto 13:30 até ao minuto 14:00, minuto 14:10, minuto 21:10 até ao minuto 22:00 (a testemunha não tem dúvidas de que o segurado da Ré, sem qualquer atenção ao trânsito, sai repentinamente da fila do meio onde estava parado, transpõe a linha continua e ocupa a via de trânsito da esquerda, surpreendendo o A.).
54. Declarações de parte prestadas em 12/09/2024 pelo A. (AA): minuto 01:00 ao minuto 02:00, declarou, minuto 07:00, minuto 18:55 até ao minuto 19:45,
55. Tanto o depoimento da testemunha como as declarações de parte do A. devem ser confrontadas com a imagem indicada no artigo 8.º da PI – fotografia do local onde se deu o sinistro.
56. Nessa medida, devem os factos não provados sob os números 3 (Sem que nada o fizesse prever, o A. foi surpreendido pelo veículo segurado da Ré, que saiu da fila de trânsito da via do meio, transpôs a linha contínua à sua esquerda e ocupou a via de trânsito da esquerda) e 4 (O que fez sem qualquer sinalização, sem qualquer atenção aos veículos da via da esquerda e transpondo a linha contínua, ingressou da esquerda), ser alterados para provados.
57. Quanto ao FACTO NÃO PROVADO sob o número 6 (Ao fazê-lo, o segurado da Ré acelerou de forma a entrar rapidamente na via da esquerda, cortando a linha de circulação do veículo do A.), foi produzida a seguinte prova que impõe a sua alteração para provado,
58. Depoimento de DD – filha do A.: minuto 05:00, minuto 21:10, a testemunha declarou que o carro saiu da faixa do meio e meteu-se à frente do carro do pai. Que vinha do lado da linha continua. Que foi tudo de repente. Que o veículo segurado da Ré estava integrado numa fila de trânsito parada e que repentinamente saiu da fila para a esquerda, passou a linha continua bateu-lhes e causou o acidente.
59. A testemunha DD não teve dúvidas de que, quando circulavam pela via da esquerda, um carro pôs-se à frente deles e bateu. O A. esclareceu que tal manobra, por parte do segurado da Ré, foi repentina e causadora do sinistro.
60. O A. (AA): minuto 01:00, minuto 14:55, minuto 20:00, minuto 21:00.
61. De facto, considerando também o facto provado em 7 dos provados, bem como as declarações das testemunhas e de parte do A., não há dúvida que o segurado da Ré transpôs a linha continua e provocou o sinistro de forma exclusiva.
62. Nessa medida, deve o facto não provado sob o número 6 (Ao fazê-lo, o segurado da Ré acelerou de forma a entrar rapidamente na via da esquerda, cortando a linha de circulação do veículo do A.), ser dado como provado.
63. Quanto aos FACTOS NÃO PROVADOS sob os número 7 (E porque o A. já se encontrava ao seu lado, o veículo segurado da Ré, imprimindo velocidade à sua viatura, galgou a linha continua, provocou o embate entre a sua roda traseira esquerda com a roda direita dianteira do veículo do A., provocou que as mesmas ficassem atreladas uma na outra), e 9 (O embate deu-se assim entre a lateral esquerda do veículo segurado da Ré e a lateral direita do veículo do A.), foi produzida a seguinte prova que impõe a sua alteração nos seguintes termos,
64. Porque este facto vem na sequência da impugnação dos factos não provados 3, 4 e 6 (que em virtude da prova também se verificam provados), nomeadamente quanto à transposição da linha continua e à forma como o segurado da Ré entrou na via da esquerda, dão-se por reproduzidos todas as transcrições já feitas, particularmente as declarações prestadas pelo A. e o depoimento da sua filha DD, bem como o facto provado em 7 dos provados.
65. Atente-se ao depoimento (CC – militar da GNR que elaborou o croqui, nomeadamente do minuto 08:20 a 09:00, que esclareceu a posição em que encontrou os veículos (porque não viu o acidente, mas tão-só a posição final dos mesmos): “os carros estavam enganchados um no outro”, “era a parte do lado direito de um na traseira do lado esquerdo do outro”, e do minuto 13:20 a 14:25 disse “estava a parte da frente lateral do veículo 1 e estava o veículo 2 do lado esquerdo”, e quando lhe perguntado se a pancada foi em cheio na traseira, disse “em cheio não, foi de lado”, “estavam enganchados aqui nas laterais”. Ou seja, se esclareceu que os carros estavam enganchados nas laterais, por isso o embate só podia ter sido de lado.
66. Na verdade, quanto ao posicionamento final dos veículos, também percepcionado pelo militar da GNR e pelo rebocador, o mesmo é absolutamente coincidente. Pelo que, não se compreende que o Tribunal tire conclusão diferente da percecionada e declarada pelas testemunhas.
67. Os danos mais intensos são nas laterais dos veículos.
68. Declarações de parte do A. AA, ao minuto 01:00, minuto 14:30, minuto 14:30, minuto 16:25 a 17:00, minuto 28:00.
69. Também o condutor segurado da Ré, testemunha BB – condutor do MZ, quanto ao guarda lamas traseiro que se situa na lateral esquerda (por cima da roda traseira esquerda) referiu ao minuto 34:00: “Estava partido. Estava todo esmagado, estava todo partido” – o que não aconteceu com o para-choques traseiro que apenas caiu (conforme se pode verificar nas fotografias constantes das páginas 8 e 9 do relatório da B... junto aos autos pela Ré em 13/03/2024).
70. O para-choques não tem quaisquer vestígios de embate, mas sim o guarda-lamas traseiro esquerdo (que ficou totalmente danificado).
71. A testemunha EE – rebocador: minuto 02:00 a 03:00.
72. Quanto ao FACTO NÃO PROVADO sob o número 7 (E porque o A. já se encontrava ao seu lado, o veículo segurado da Ré, imprimindo velocidade à sua viatura, galgou a linha continua, provocou o embate entre a sua roda traseira esquerda com a roda direita dianteira do veículo do A., provocou que as mesmas ficassem atreladas uma na outra), foi produzida prova que impõe a sua alteração para provado, com a seguinte redação: “o veículo segurado da Ré, imprimindo velocidade à sua viatura, galgou a linha continua, provocou o embate entre a parte da roda traseira e guarda-lamas traseiro da lateral esquerda com a parte da roda direita dianteira do veículo do A., provocou que as mesmas ficassem atreladas uma na outra através da barra de transmissão”.
73. E quanto ao facto não provado 9 (O embate deu-se assim entre a lateral esquerda do veículo segurado da Ré e a lateral direita do veículo do A.), foi de facto produzida prova que impõe a sua alteração para provado, com a seguinte redação: O embate deu-se assim entre a traseira lateral esquerda do veículo segurado da Ré e a frente lateral direita do veículo do A..
74. Quanto ao posicionamento final das viaturas, os carros ficaram enganchados pelas laterais, conforme resulta dos depoimentos de todas testemunhas (inclusive, pela testemunha CC, militar da GNR) e das declarações de parte do A..
75. Quanto aos danos se verifiquem nas laterais (lateral traseira de um e lateral frente de outro) – conforme foi dito por todas as testemunhas ao longo do julgamento inclusive pela testemunha CC, militar da GNR, os quais (sem margem para dúvidas) podem ser visualizados nas fotografias constantes das páginas 8, 9 e 11 do relatório da B... junto aos autos pela Ré em 13/03/2024, com a referência 9493457.
76. Quanto ao embate, o mesmo não foi na traseira, conforme resulta dos depoimentos de todas testemunhas (inclusive, pela testemunha CC, militar da GNR) e das declarações de parte do A. e das fotografias constantes das páginas 8, 9 e 11 do relatório da B... junto aos autos pela Ré em 13/03/2024, com a referência 9493457, onde é possível visualizar que não houve um embate na traseira.
77. Acresce que, se o militar da GNR esclareceu que os carros estavam enganchados nas laterais, não podia o Tribunal concluir que o acidente se dá por embate na traseira, pelo que devem as declarações do militar da GNR ser tidas em consideração na decisão (porquanto é uma testemunha completamente isenta e imparcial e que relatou ter visto os veículos enganchados pelas laterais, dizendo que perante o embate não podia ter sido na traseira).
78. Por outro lado, resulta da experiência comum de um cidadão médio que, se a posição final dos veículos fosse a que consta do croqui da GNR, os danos dos veículos seriam completamente diferentes dos verificados e demonstrados nas fotografias constantes das páginas 8, 9 e 11 do relatório da B... junto aos autos pela Ré em 13/03/2024, com a referência 9493457, porquanto a intensidade dos danos deveria verificar-se no para-choques e mala e não no guarda-lamas traseiro (como acontece no presente caso).
79. A manobra realizada pelo segurado da Ré e comprovada pelo A. e pelas testemunhas (militar da GNR, rebocador e filha do A. – ocupante de viatura do A.)
80. A prova produzida demonstrou que o sinistro ocorreu por culpa do segurado da Ré, que violou as mais elementares regras da estrada, porquanto sem verificar com total segurança o trânsito à sua retaguarda, ocupou repentinamente a via por onde circulava o A., transpondo uma linha contínua.
81. Alterada a matéria de facto quanto à dinâmica do sinistro e danos, deve a Ré ser condenada nos termos peticionados, porquanto se encontram verificados os pressupostos de que depende a responsabilidade civil mesma (estando, pois, preenchidos todos os requisitos que levam à sua condenação).
82. E na audiência final (onde a testemunha EE (rebocador), que foi inquirido no dia 12/09/2024 (com início às 11H42 e termo às 11H56), do minuto 07:30 ao minuto 10:00 referiu que tinha tirado fotografias ao veículo do A. e que as descarregou numa plataforma da empresa) foi requerida a junção das referidas fotografias, a qual foi indeferida pelo Tribunal à quo.
83. Na verdade, a testemunha declarou não conhecer o A. (conforme até foi referido na sentença pelo Tribunal à quo), os documentos (fotografias) encontravam-se em poder de terceiro (da entidade patronal daquela testemunha) e eram fotografias da posição em que se encontravam os veículos – provavelmente bem esclarecedoras dos factos (ainda assim, o Tribunal decidiu indeferir a sua junção). Aliás, do minuto 07:30 ao minuto 10:00 (mesmo antes de ter sido feito qualquer requerimento), o Tribunal foi bem explicito ao referir que não queria mais fotografias e que não voltava a suspender o julgamento.
84. As fotografias foram requeridas nos termos do artigo 432.º do CPC, porquanto se encontravam em poder de terceiro, das quais o A. só teve conhecimento no decorrer da audiência de julgamento, foram especificados os factos que se pretendiam provar e, embora o tivesse indicado no seu rol, o A. não conhecia a testemunha.
85. Conforme dispõe o art. 411.º do CPC, incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.
Consagra-se aqui o princípio do inquisitório, atribuindo-se ao juiz um papel activo em encetar ou ordenar todas as diligências pertinentes à busca da verdade material e justa composição do litígio, perante os factos que pode conhecer.
86. E sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo (cfr. art.º 7º, n.º 4, do CPC).
87. Incumbe ao tribunal, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objectos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade, podendo a requisição der feita aos organismos oficiais, às partes ou a terceiros (cfr. art.º 436º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
88. Pelo que, deverá ser revogada a decisão recorrida, devendo a mesma ser substituída por outra que ordene a notificação da entidade patronal da testemunha (C...) para juntar aos autos todas as fotografias do acidente que foram tiradas pela testemunha EE.
89. Mostram-se assim violados, entre outros, os artigos 7.º, n.º 4, 411.º, 432.º, 436.º, 607.º, n.º 4 e 615.º, n.º 1, b) do CPC, 146.º do Código da Estrada, 60.º, n.º 1, M1 do Decreto Regulamentar 22-A/98, de 01 de outubro,
Pelo que,
E revogando a douta sentença e proferindo outra que altere a matéria de facto e condene a R. conforme supra exposto,
E revogando a decisão que indeferiu a junção das fotografias recolhidas pelo rebocador e proferindo outra que ordene a notificação da entidade patronal da testemunha (C...) para juntar aos autos todas as fotografias do acidente que foram tiradas pela testemunha EE.
Farão V/Exas. Venerandos Desembargadores a costumada JUSTIÇA!”.
A apelada apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e confirmação do decidido.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
II.OBJECTO DO RECURSO.
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar:
- se a sentença padece de nulidade;
- se a matéria de facto foi incorrectamente apreciada;
- consequências jurídicas da eventual alteração da matéria de facto.
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
III.1. Foram os seguintes os factos julgados provados em primeira instância:
1. No dia 13 de maio de 2023, pelas 13H20, na Auto Estrada ..., ao km 13,500, na União de Freguesias ... e ..., concelho de Lousada, ocorreu um embate em que foram intervenientes duas viaturas: a) O veículo ligeiro de passageiros, matrícula ..-IH-.., propriedade do A. (AA) e conduzido pelo próprio; e, b) O veículo ligeiro de passageiros, matrícula ..-..-MZ, propriedade de BB e conduzido pelo mesmo.
2. Era dia, estava bom tempo, o piso estava seco e a visibilidade era boa.
3. A faixa de rodagem tem cerca de 11 metros de largura.
4. Apresenta três vias de trânsito, no mesmo sentido de trânsito.
5. Da berma para o separador central, a primeira faixa destina-se aos veículos que vão no sentido de ... e ....
6. A segunda e terceira vias destinam-se a quem circula no sentido .../....
7. Essas duas vias são divididas por linha contínua.
8. No local onde se deu o sinistro, a via configura uma reta.
9. O trânsito na via mais à direita e na via do meio encontrava-se parado, uma vez que se encontrava um cão à deriva naquele local e onde várias pessoas tentavam apanhá-lo.
10. A GNR estava também no local a regular o trânsito, em virtude da prova de rally de Portugal que se realizava nesse dia, estando nomeadamente a regular a circulação em direção às saídas da autoestrada.
11. A viatura segurada da Ré (com a matrícula ..-..-MZ) seguia pela via do meio, contudo o trânsito nessa via encontrava-se parado.
12. À data do embate, o proprietário do veículo de matrícula ..-..-MZ havia transferido a responsabilidade civil automóvel decorrente da circulação daquele veículo para a Ré através da Apólice n.º ..., nos moldes vertidos no documento n.º 1 junto com a contestação que aqui se dá por integralmente reproduzido.
13. Embora, o trânsito nas vias do meio e da direita estivesse parado, a via da esquerda encontrava-se livre e o trânsito decorria normalmente, apenas com limitação de velocidade.
14. Em virtude de o trânsito se encontrar completamente imobilizado, devido ao facto já referido nos factos assentes, lentamente, todos os outros veículos que circulavam na faixa do meio iam integrando a faixa da esquerda – a única por onde se circulava.
15. E onde os respetivos condutores lhes iam permitindo entrar um a um.
16. Foi o que aconteceu com o condutor do MZ, que acionou o sinal luminoso da esquerda, e chegado ao local onde os veículos da faixa do meio se encontravam imobilizados, ocupou lentamente a faixa da esquerda e aí circulou cerca de 40 metros.
17. Após ter circulado pela faixa da esquerda aqueles cerca de 40 metros, o veículo MZ foi embatido na traseira do lado esquerdo pela frente lateral direita do veículo pelo ..-IH-.., conduzido pelo autor, que não conseguiu imobilizar o seu veículo a tempo de evitar aquele embate.
18. No momento imediatamente anterior ao embate, a viatura do A. (com a matrícula ..-IH-..) seguia na referida via da esquerda (onde o trânsito estava a circular) para trás do veículo MZ.
19. O A. perdeu a direção do seu veículo, porque foi arrastado (deixando marcas de arrasto na via) pelo veículo MZ e só parou quando o veículo segurado da Ré parou, percorrendo ambos cerca de 60 m após o embate e até pararem.
20. Em consequência do embate, o veículo do autor teve danos na frente direita do veículo, bem como na roda da frente direita, eixo, longarina.
21. Em virtude do embate ficaram danificadas as peças que constam do orçamento de reparação, efetuado pela oficina M. Coutinho de Paredes, que é o doc. 5 junto com a petição inicial e que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
22. E, porque tais peças ficaram amolgadas, encolhidas, fragmentadas e partidas, a reparação do veículo do autor implica a sua substituição, sendo necessários trabalhos de mão de obra, pintura, mecânica e chapeiro descritos no doc. 5 junto com a petição inicial.
23. A referida oficina orçamentou a referida reparação no valor de 27.581,20€.
24. O veículo do A. (antes do sinistro) satisfazia todas as suas necessidades de deslocação.
25. Encontrava-se em bom estado de conservação, apresentava boas condições de funcionamento e de mecânica e tinha todas as revisões em dia.
26. Não estava à venda, nem o A. pretendia vendê-lo.
27. O veículo do A., devido aos danos sofridos, ficou imediatamente impossibilitado de circular, estando imobilizado.
28. Em consequência, ficou o A. privado do uso do seu veículo e de fruir todas as utilidades que o mesmo lhe proporcionaria durante todo este tempo.
III. 2. A mesma instância considerou não provados os seguintes factos:
1. O veículo segurado da Ré encontrava-se integrado na fila de trânsito parado da via do meio e à sua esquerda tinha a via da esquerda.
2. A viatura do A. (com a matrícula ..-IH-..) seguisse a cerca de 70Km/hora.
3. Sem que nada o fizesse prever, o A. foi surpreendido pelo veículo segurado da Ré, que saiu da fila de trânsito da via do meio, transpôs a linha contínua à sua esquerda e ocupou a via de trânsito da esquerda.
4. O que fez sem qualquer sinalização, sem qualquer atenção aos veículos da via da esquerda e transpondo a linha contínua, ingressou da esquerda.
5. Por onde circulava o veículo do A. e no preciso momento em que o A. se encontrava lado a lado com o veículo segurado da Ré.
6. Ao fazê-lo, o segurado da Ré acelerou de forma a entrar rapidamente na via da esquerda, cortando a linha de circulação do veículo do A..
7. E porque o A. já se encontrava ao seu lado, o veículo segurado da Ré, imprimindo velocidade à sua viatura, galgou a linha continua, provocou o embate entre a sua roda traseira esquerda com a roda direita dianteira do veículo do A., provocou que as mesmas ficassem atreladas uma na outra.
8. O arrastamento da viatura do A. por cerca de 50 metros, a viatura segurada na ré tivesse ampliado os danos que já havia provocado ao embater-lhe.
9. O embate deu-se assim entre a lateral esquerda do veículo segurado da Ré e a lateral direita do veículo do A..
10. O A. tivesse travado.
11. O Autor, para além da velocidade que imprimia ao seu veículo, seguia distraído.
12. E quando se apercebeu da distância que o separava do veículo MZ, ainda tentou travar e desviar-se para a esquerda.
13. O A. utilizasse o veículo ..-IH-.. diariamente, quer nas suas deslocações de trabalho, quer nas suas deslocações de lazer.
14. O A. é empresário na área das madeiras e componentes e tem necessidade de se deslocar diariamente a diversos clientes e fornecedores, por todo o país, utilizando a referida viatura nessas suas deslocações laborais.
15. Utilizava também o mesmo para fazer face à sua economia doméstica e para transportar o seu agregado familiar.
16. O A. socorreu-se de automóveis de familiares e amigos, relativamente aos quais ficou e ficará a dever o favor.
17. Em consequência dos factos descritos, o A. sofreu transtornos, agastamentos e angústia.
18. O sinistro provocou-lhe insónias e mau estar.
19. Sofreu de dores físicas nos dias que seguiram ao sinistro.
20. No momento do sinistro, ficou com um sentimento de impotência e de medo ao ver que o veículo segurado da Ré embateu do lado do veículo em que seguia a sua filha.
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
1. Questão prévia: do recurso que visa a decisão que indeferiu a junção de fotografias em poder de terceiro.
O apelante, juntamente com o recurso interposto da sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré dos pedidos contra ela formulados, impugnou também recursivamente a decisão que indeferiu a junção de fotografias colhidas pela testemunha EE, rebocador da viatura sinistrada do Autor, na sequência da sua inquirição – conforme conclusões 82.º a 88.º -, pugnando, a final, pela revogação da referida decisão “devendo a mesma ser substituída por outra que ordene a notificação da entidade patronal da testemunha (C...) para juntar aos autos todas as fotografias do acidente que foram tiradas pela testemunha EE”.
Do despacho que não admita/rejeite meio de prova cabe apelação autónoma, como claramente resulta do disposto no artigo 644.º, n.º 2, d) do Código de Processo Civil.
É de 15 dias o prazo de recurso dessa decisão, como decorre da última parte do n.º 1 do artigo 638.º do mesmo diploma legal.
A decisão que indeferiu a junção das fotografias obtidas pela identificada testemunha foi proferida a 12.09.2024.
Esse prazo mostra-se largamente excedido quando o apelante, juntamente com a sentença final, interpõe recurso visando também aquela decisão de indeferimento do aludido meio de prova.
Por não ter interposto recurso do mencionado despacho no prazo de 15 dias, aquela decisão transitou em julgado, não podendo, por isso, ser objecto de sindicância em sede de recurso, sendo este, nesta parte, extemporâneo.
Como tal, não se conhece do recurso relativamente à decisão proferida a 12.09.2024, que indeferiu a requerida junção de fotografias, achando-se esta transitada em julgado.
2. Da nulidade da sentença.
Imputa o recorrente à sentença que recursivamente impugna vício de nulidade que enquadra na previsão do artigo 615.º, n.º, b) do Código de Processo Civil, invocando falta de fundamentação.
Sobre a nulidade da sentença dispõe o n.º 1 do artigo 615.º do mesmo diploma legal:
“É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
A nulidade da sentença - ou de despacho - constitui vício intrínseco da decisão, desde que ocorra alguma das circunstâncias taxativamente previstas no artigo 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, que, pela sua gravidade, comprometem a sentença ou o despacho qua tale.
Como o n.º 1 do artigo 668.º do anterior diploma, também o n.º 1 do artigo 615.º do actual Código de Processo Civil contém uma enumeração taxativa das causas de nulidade da sentença[1], nelas não se inserindo o designado erro de julgamento, que apenas pode ser atacado por via de recurso, quando o mesmo for legalmente admissível[2].
Como já se anotou, o erro de julgamento não se confunde com a invalidade da sentença: a sentença é nula quando ocorra algum dos circunstancialismos taxativamente previsto no citado artigo 615.º, n.º 1; ocorrendo erro de julgamento, de facto ou de direito, esse erro não colide com a validade da sentença, podendo, todavia, a parte prejudicada com esse erro impugná-la pela via do recurso, quando preenchidos os necessários pressupostos processuais.
A falta de fundamentação, de facto ou de direito, constitui circunstância tipificada na alínea b) do referido normativo que, a ocorrer, dita a nulidade da sentença afectada por essa omissão.
É pela fundamentação que a decisão se revela um acto não arbitrário, traduzindo a concretização da vontade abstracta da lei ao caso particular submetido à apreciação jurisdicional.
É por ela que as partes tomam conhecimento das razões que ditaram o desfecho da acção e das pretensões que nela formularam, permitindo-lhes ajuizar da viabilidade de recurso aos meios processuais de impugnação.
Compreende-se, assim, que a falta de fundamentação da decisão, quando seja devida, gere a sua nulidade. Tal falta, quer se trate de um mero despacho ou de uma sentença, há de revelar-se por ininteligibilidade do discurso decisório, por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira
Como esclarecem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[3], a propósito do vício previsto no citado dispositivo, “para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta embora esta se possa referir aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.
[…] Para que haja falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, torna-se necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e coloca na base da decisão. Relativamente aos fundamentos de direito, dois pontos importa salientar:
Por um lado, o julgador não tem que analisar todas as razões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes: a fundamentação da sentença contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio a solução adoptada pelo julgador.
Por outro lado, não é indispensável, conquanto seja de toda a conveniência, que na sentença se especifiquem as disposições legais que fundamentam a decisão; essencial é que se mencionem os princípios, as regras, as normas em que a sentença se apoia”[4].
O dever de fundamentação da sentença basta-se com a simples indicação das razões de facto e de Direito que servem de apoio à solução adotada pelo julgador.
Como é entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência, só a falta absoluta de fundamentação penaliza com nulidade a sentença afectada por tal omissão[5]. Como já o Prof. Alberto dos Reis[6] esclarecia, “o que a lei considera causa de nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou a mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz a nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.
Note-se que “da falta absoluta de motivação jurídica ou factual - única que a lei considera como causa de nulidade —há que distinguir a fundamentação errada, pois esta, contendendo apenas com o valor lógico da sentença, sujeita-a a alteração ou revogação em recurso, mas não produz nulidade”[7].
Uma errada, insuficiente ou incompleta fundamentação não afecta o valor legal da decisão, não gerando a sua nulidade: “o vício de insuficiência da decisão de facto é equacionável com base no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), parte final, do CPC, sendo de conhecimento oficioso e suscetível de implicar a ampliação daquela decisão, pelo que a sua eventual invocação pelo apelante não está sujeita aos requisitos impugnativos prescritos no artigo 640.º, n.º 1, do mesmo Código, os quais só condicionam a admissibilidade da impugnação, com fundamento em erro de julgamento, dos juízos probatórios concretamente formulados”[8].
Do vício de nulidade, por falta de fundamentação, não padece a sentença recorrida, na qual estão mencionadas razões que motivam a decisão relativa à matéria de facto, com indicação das provas atendidas, assim como os fundamentos jurídicos que suportam a decisão de mérito da acção.
Improcedem, pois, as alegações recursórias do apelante quanto à invocada nulidade da sentença.
3. Reapreciação da matéria de facto.
Dispõe o n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, estabelecendo o seu nº 2:
“A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”.
Como refere A. Abrantes Geraldes[9], “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”… “afastando definitivamente o argumento de que a modificação da decisão da matéria de facto deveria ser reservada para casos de erro manifesto” ou de que “não é permitido à Relação contrariar o juízo formulado pela 1ª instância relativamente a meios de prova que foram objecto de livre apreciação”, acrescentando que este tribunal “deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem”.
Note-se que a construção da realidade fáctica submetida à discussão não se poderá efectuar de forma parcelar e desconexa, atendendo apenas a determinado meio de prova, ou a parte dele, e ignorando todos os demais, ainda que expressem realidade distinta, a menos que razões de credibilidade desacreditem estes.
Ou seja: nessa tarefa não pode o julgador conformar-se com a análise parcelar e parcial transmitida pelos litigantes, mas antes submetê-la a uma ponderação dialéctica, avaliando a força probatória do conjunto dos meios de prova destinados à demonstração da realidade submetida a debate.
Assinale-se que a construção – ou, melhor dizendo, a reconstrução, pois que é dela que se deve falar quando, como no caso, se procede à ponderação dos factos que por outros foram apreendidos e transmitidos com o filtro da interpretação própria de quem processa essa apreensão – da realidade fáctica não pode efectuar-se de forma parcelar e desconexa, antes reclamando o contributo conjunto de todos os elementos que a integram.
Quer isto dizer que a realidade surge de um conjunto coeso de factos, entre si ligados por elos de interdependência lógica e de coerência.
A realidade não se constrói apenas a partir de um depoimento isolado ou de um conjunto disperso de documentos, ainda que confirmadores de uma determinada versão factual, antes se deve conformar com um património fáctico consolidado de forma sólida, coerente, transmitido por elementos probatórios com idoneidade e aptidão suficientes a conferir-lhe indiscutível credibilidade.
Como se escreveu no acórdão da Relação de Lisboa de 21.12.2012[10], “…a verdade judicial traduz-se na correspondência entre as afirmações de facto controvertidas, relevantes e pertinentes, aduzidas pelas partes no processo e a realidade empírica, extraprocessual, que tais afirmações contemplam, revelada pelos meios de prova produzidos, de forma a lograr uma decisão oportuna do litígio. Sobre as doutrinas da verdade judicial como mera coerência persuasiva ou como correspondência com a realidade empírica, vide Michele Taruffo, La Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2008, pag. 26-29. Quanto à configuração do objecto da prova e a sua relação com o thema probandum, vide Eduardo Gambi, A Prova Civil – Admissibilidade e relevância, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, Brasil, 2006, pag. 295 e seguintes; LLuís Muñoz Sabaté, Fundamentos de Prueba Judicial Civil L.E.C. 1/2000, J. M. Bosch Editor, Barcelona, 2001, pag. 101 e seguintes.
Por isso mesmo, a “reconstrução” cognitiva da verdade, por via judicial, não tem, nem jamais poderia ter, a finalidade exclusiva de obter uma explicação exaustiva e porventura quase irrefragável do acontecido, como sucede, de certo modo, nos domínios da verdade história ou da verdade científica, muito menos pode repousar sobre uma crença inabalável na intuição pessoal e íntima do julgador. Diversamente, tem como objectivo conseguir uma compreensão altamente provável da realidade em causa, nos limites de tempo e condições humanamente possíveis, que satisfaça a resolução justa e legítima do caso (…)”.
No caso, o recorrente manifesta a sua discordância relativamente à decisão que considerou provados os factos elencados nos pontos 13. (na parte “apenas com limitação de velocidade”), 14.º, 15.º, 16.º e 17.º e que julgou não provada a matéria contida nos n.ºs 1, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9, reclamando desta instância o seu reexame.
Mostrando-se cumpridos os ónus fixados no artigo 640.º do Código de Processo Civil, importa proceder à reapreciação da matéria objecto de impugnação.
O recorrente convoca, além das suas próprias declarações prestadas em audiência de julgamento, prova testemunhal e documental.
De acordo com o n.º 3 do artigo 466.º do Código de Processo Civil, o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.
Lebre de Freitas, cujo pensamento se pode reconduzir à tese do carácter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos em termos de valoração das declarações de parte, defende que “a apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, máxime se ambas as partes tiverem sido efetivamente ouvidas”[11].
Carolina Henriques Martins[12], sustenta, por seu turno que “[...] não é material e probatoriamente irrelevante o facto de estarmos a analisar as afirmações de um sujeito processual claramente interessado no objecto em litígio e que terá um discurso, muito provavelmente, pouco objectivo sobre a sua versão dos factos que, inclusivamente, já teve oportunidade para expor no articulado.
Além disso, [...] também não se pode esquecer o caráter necessário e essencialmente supletivo destas declarações que, na maior parte dos casos, servirá para combater uma fraca ou inexistente prestação probatória.
Caso se considere útil a audição da parte nesta sede quando coexistem outros meios de prova, propomos a sua apreciação como um princípio de prova, equivalente ao mencionado argomenti di prova italiano, que não deixará de auxiliar na persuasão do juiz, mas que apenas o fará em correlação com a restante prova já produzida contribuindo para a sua (des)credibilização, e apenas nesta medida.
Estas são as coordenadas fundamentais para a consideração das declarações de parte no nosso esquema probatório”.
Miguel Teixeira de Sousa, tomando posição sobre a mesma específica questão, escreveu: “Se o princípio de prova é o menor grau de prova admissível e se se atribui esse valor às declarações de parte, então o que não teria nenhum valor probatório em si mesmo (nem sequer como mera justificação) passa a poder ter algum valor probatório, ainda que o menor na escala dos valores probatórios. Mais em concreto: se se atribui às declarações de parte relevância como princípio de prova, isso significa que estas declarações, apesar de não serem suficientes para formar a convicção do juiz nem sobre a verdade, nem sobre a plausibilidade ou verosimilhança do facto, ainda assim podem ser utilizadas para corroborar outros resultados probatórios. A conclusão não deixa de ser a mesma, se se pretender defender (…) que as declarações de parte só podem relevar como princípio de prova.
À medida que se baixa nos graus de prova, mais fácil se torna atribuir relevância probatória a um certo meio de prova. Lembre-se o que sucede em sede de procedimentos cautelares. É exatamente com o intuito de facilitar a prova de um facto que o art. 368.º, n.º 1, CPC aceita, no âmbito destes procedimentos, a mera justificação como o grau de prova suficiente.
Assim, em vez de atribuir às declarações de parte o valor de princípio de prova, melhor solução parece ser o de atribuir a estas declarações o grau normal dos meios de prova, que é o de prova stricto sensu ou, nas providências cautelares, o de mera justificação. Isto significa que, de acordo com o critério da livre apreciação da prova, o tribunal tem de formar uma prudente convicção sobre a verdade ou a plausibilidade do facto probando (cf. art. 607.º, n.º 5 1.ª parte, CPC).
Abaixo desta relevância probatória e da convicção sobre a verdade ou a plausibilidade do facto, as declarações de parte não devem ter nenhuma relevância probatória, nem mesmo para corroborarem outros meios de prova. Esta é, aliás, a melhor forma de combater a natural tendência das partes para só deporem sobre factos que lhes são favoráveis”[13].
Já Mariana Fidalgo[14] especifica: “[...] ponto, para nós, assente é que este meio de prova não deve ser previamente desprezado nem objecto de um estigma precoce, sob pena de perversão do intuito da lei e do princípio da livre apreciação da prova. Não olvidando o carácter aparentemente subsidiário das declarações de parte, certo é que foram legalmente consagradas como um meio de prova a ser livremente valorado, e não como passíveis de estabelecer um mero princípio de prova ou indício probatório, a necessitar forçosamente de ser complementado por outros. Assim sendo, e ainda que tal possa naturalmente suceder com pouca frequência na prática, defendemos que será admissível a concorrência única e exclusiva deste meio de prova para a formação da convicção do juiz em determinado caso concreto, sem recurso a outros meios de prova”.
Após audição das declarações/depoimentos prestados em audiência de julgamento constata-se:
- o Autor descreveu o acidente de viação do qual resultaram os danos na sua viatura, que na altura conduzia, em termos coincidentes com os factos narrados na petição inicial, referindo, no essencial, que na altura circulava na ..., na direcção .../... quando, ao chegar à saída para ..., estando o trânsito imobilizado nas faixas direita e central, uma viatura saiu repentinamente do lado direito para a faixa mais à esquerda, por onde o Autor circulava, transpondo a linha contínua, embatendo na roda esquerda da sua viatura, tendo os dois veículos acabado por ficar “engatados, presos um ao outro”.
- a testemunha DD, filha do Autor, que, apesar de não indicada na participação do acidente elaborada pelas autoridades policiais que acorreram ao local do acidente, referiu que seguia no veículo conduzido pelo pai quando ocorreu o embate, relatou que seguiam na faixa da esquerda, que não estava impedida, quando, a determinada altura, um outro veículo, de repente, passou a linha contínua, e “aparece à frente” (“veio para a nossa frente”), e, sem que o pai tivesse tempo de reagir, deu-se o embate.
- a testemunha BB, condutor do veículo ..-..-MZ, também interveniente no acidente, descrevendo em que circunstâncias ocorreu o acidente, precisou que nos momentos que antecederam o embate o trânsito que circulava nas faixas da direita e do meio da autoestrada estava parado, encontrando-se um cão à solta na via e várias pessoas a tentar apanhá-lo.
Porque a faixa da esquerda se achasse desimpedida, os condutores da faixa do meio, por onde circulava o depoente, começaram a aceder à faixa da esquerda, à medida que os condutores que circulavam nesta iam permitindo o ingresso na mesma, o que também ele fez.
Esclareceu que, quando já se achava a circular nessa faixa da esquerda, tendo percorrido já alguma distância, foi embatido na traseira do seu veículo pelo veículo do Autor.
Das demais testemunhas inquiridas, não tendo presenciado o acidente, nada puderam esclarecer acerca da dinâmica do mesmo, apenas relataram o que verificaram no local, com os dois veículos já embatidos, designadamente, posicionamento das viaturas após o embate e quais as partes embatidas.
Quanto à dinâmica do acidente, verifica-se convergência entre as declarações do Autor e o depoimento da testemunha DD, sua filha. Já em relação ao posicionamento das viaturas após o acidente e partes embatidas das mesmas, as versões mostraram-se divergentes, coincidindo o relato da testemunha DD com o da testemunha BB.
A versão do acidente e das circunstâncias que estiveram na sua origem não convencem, não se mostrando minimamente credíveis, não se ajustando às evidências físicas deixadas no local e nas viaturas envolvidas no sinistro.
Com efeito, aquela descrição dos factos não se compatibiliza quer com a posição dos veículos após o embate, ilustrada, de forma convergente, no croqui da participação policial e na fotografia junta com a contestação da Ré, quer com a localização dos danos nas duas viaturas resultantes do embate e com a extensão desses mesmos danos, documentados nas fotografias que constam dos relatórios de averiguações juntos aos autos, realizados, cada um deles, a solicitação das seguradoras de ambos os veículos intervenientes no acidente.
A versão transmitida pelo Autor e sua filha acerca da dinâmica do acidente, isto é, que o condutor do MZ saiu da faixa do meio, onde, com o restante trânsito, estava parado, e, repentinamente, entrou na faixa da esquerda, por onde o Autor circulava, sem que este tivesse tempo de reacção de modo a evitar o embate, não encontra a mínima correspondência nos sinais físicos apreendidos após a eclosão do embate, designadamente, e como se referiu, a posição dos veículos imobilizados, os estragos causados em ambas as viaturas, sua localização e extensão.
O condutor do MZ descreveu, de forma serena e coerente, o acidente e os momentos que o antecederam, concretizando a manobra que efectuou para sair da faixa central, onde o trânsito estava imobilizado e as cautelas tomadas – admitindo, ainda assim, que possa ter “calcado” o primeiro ou segundo metro da linha contínua -, passando a circular na faixa da esquerda, na qual, percorrida alguma distância, foi embatido pelo veículo do Autor que transitava nessa mesma faixa.
Tal depoimento, prestado de forma objectiva e descomprometida, revela coerência, adequando-se os factos narrados aos vestígios resultantes da eclosão do acidente, designadamente, posicionamento final das duas viaturas sinistradas e natureza e localização dos danos resultantes para as mesmas do embate.
Ponderados os elementos probatórios em causa, e analisados os mesmos à luz das regras da experiência comum e da normalidade do acontecer, é possível concluir com segurança bastante que o condutor do MZ, que seguia na faixa central da via, onde o trânsito, tal como na faixa da direita, estava imobilizado, mudou de faixa, para passar a circular na da esquerda, que se achava desimpedida, acionando previamente o sinal luminoso de mudança de direcção.
Não o fez repentinamente, nem quando o veículo conduzido pelo Autor já se encontrava a seu lado, cortando o respectivo sentido de trânsito, como sustenta o demandante.
Transparece antes da prova produzida que o condutor do MZ abandonou a faixa central, onde o trânsito se achava imobilizado, ingressou na faixa da esquerda, pisando, na concretização dessa manobra, parte do traço contínuo marcado no pavimento, e, tendo já percorrido vários metros dessa faixa esquerda, numa distância não concretamente apurada, foi embatido, na sua traseira, pela parte frontal direita do veículo do Autor.
Em conformidade com o exposto, altera-se a matéria constante dos pontos 16.º e 17.º dos factos provados, que passam a ter a seguinte redacção:
Ponto 16º.: Foi o que aconteceu com o condutor do MZ, que acionou o sinal luminoso da esquerda, e chegado ao local onde os veículos da faixa do meio se encontravam imobilizados, ocupou lentamente a faixa da esquerda, depois de transpor parte da linha contínua que separa aquelas duas faixas.
Ponto 17.º: Após ter circulado pela faixa da esquerda, percorrendo uma distância, não concretamente apurada, de vários metros, o veículo MZ foi embatido na traseira do lado esquerdo pela frente lateral direita do veículo pelo ..-IH-.., conduzido pelo autor, que não conseguiu imobilizar o seu veículo a tempo de evitar aquele embate.
Quanto à demais matéria de facto objecto de impugnação, mantém-se a mesma, sem alterações.
4. Do mérito do julgado.
4.1. Da responsabilidade.
Dispõe o artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Da simples leitura do preceito, resulta que, no caso de responsabilidade por facto ilícito, vários pressupostos condicionam a obrigação de indemnizar que recai sobre o lesante, desempenhando cada um desses pressupostos um papel próprio e específico na complexa cadeia das situações geradoras do dever de reparação.
Reconduzindo esses pressupostos à terminologia técnica assumida pela doutrina, podem destacar-se os seguintes requisitos da mencionada cadeia de factos geradores de responsabilidade por factos ilícitos: a) o facto; b) a ilicitude; c) imputação do facto ao lesante; d) o dano; e) e nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Assim, antes de mais, para que o facto ilícito gere responsabilidade é necessário que o agente tenha actuado com culpa, pois a responsabilidade objectiva ou pelo risco tem carácter excepcional, como se depreende da disposição contida no nº 2 do citado preceito legal.
Com efeito, a responsabilidade civil, em regra, pressupõe a culpa, que se traduz numa determinada posição ou situação psicológica do agente para com o facto. Aqui operam as fundamentais modalidades de culpa: a mera culpa (culpa em sentido estrito ou negligência) e o dolo, traduzindo-se aquela no simples desleixo, imprudência ou inaptidão, e esta na intenção malévola de produzir um determinado resultado danoso (dolo directo), ou apenas aceitando-se reflexamente esse efeito (dolo necessário), ou ainda correndo-se o risco de que se produza (dolo eventual).
Em termos de responsabilidade civil consagra-se a apreciação da culpa em abstracto, ou seja, desde que a lei não estabeleça outro critério, a culpa será apreciada pela diligência de um bom pai de família (in abstracto), e não segundo a diligência habitual do autor do facto ilícito (in concreto)[15]. Como sustenta o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29.01.2008[16], “a lei ficciona um padrão ideal de comportamento que seria o que um homem medianamente sensato e prudente adoptaria se estivesse colocado diante das circunstâncias do caso concreto – critério do “bonus pater familias”; irreleva a diligência normalmente usada pelo agente”.
A culpa define-se, para este efeito, na circunstância de uma determinada conduta poder merecer reprovação ou censura do direito, ou seja, importará sempre avaliar se o lesante, face à sua capacidade e às circunstâncias concretas do caso em que actuou, podia e devia ter agido de outro modo[17].
Causa de um acidente é a acção ou omissão normalmente idónea a produzi-lo. Tem tais características, a acção ou omissão que, no consenso da generalidade das pessoas medianamente prudentes, colocadas nas circunstâncias do caso, e segundo um juízo de prognose póstumo e de acordo com as regras da experiência comum ou conhecida do agente, é apta a produzir o evento danoso[18].
Via de regra, e segundo o disposto no artigo 487.º do Código Civil, incumbe ao lesado a prova da culpa do autor da lesão[19], mas casos há em que a lei estabelece presunções de culpa do responsável.
Nas acções de indemnização por facto ilícito, embora caiba ao lesado a prova da culpa do lesante, essa sua tarefa está aliviada com o recurso à chamada prova de primeira aparência (presunção simples). Em princípio procede com culpa o condutor que, em contravenção aos preceitos estradais, cause danos a terceiros, ideia que pacificamente encontra eco na jurisprudência dos tribunais portugueses.
Ou seja: “sob pena de tornar-se excessivamente gravoso ou incomportável, o ónus probatório instituído no art. 487.º C.Civ. deverá ser mitigado pela intervenção da denominada prova prima facie ou de primeira aparência, baseada em presunções simples, naturais, judiciais, de facto ou de experiência - praesumptio facti ou hominis, que os arts. 349º e 351º C.Civ. consentem, precisamente enquanto deduções ou ilações autorizadas pelas regras de experiência - id quod plerumque accidit (o que acontece as mais das vezes) (…) Como assim, e dum modo geral, a ocorrência de situação que em termos objectivos constitua contravenção de norma(s) do Código da Estrada importa presunção simples ou natural de negligência, que cabe ao infractor contrariar, recaindo sobre ele o ónus da contraprova, isto é, de opor facto justificativo ou factos susceptíveis de gerar dúvida insanável no espírito de quem julga…”[20].
Do acervo factual apurado em julgamento resulta demonstrado que no dia 13 de Maio de 2023, pelas 13h 20m, na Auto Estrada ..., ao km 13,500, na União de Freguesias ... e ..., concelho de Lousada, ocorreu um embate entre o veículo ligeiro de passageiros, matrícula ..-IH-.., propriedade do A. e conduzido pelo mesmo, e o veículo ligeiro de passageiros, matrícula ..-..-MZ, propriedade de BB e por ele conduzido.
Na altura estava bom tempo, o piso achava-se seco e a visibilidade era boa.
A faixa de rodagem, com cerca de 11 metros de largura, dispõe de três vias de trânsito, no mesmo sentido.
O trânsito na via mais à direita e na via do meio encontrava-se parado, uma vez que se encontrava um cão à deriva naquele local e onde várias pessoas tentavam apanhá-lo.
A viatura segurada da Ré (com a matrícula ..-..-MZ) seguia pela via do meio, contudo o trânsito nessa via encontrava-se parado, tal como na via direita; a via da esquerda encontrava-se livre e o trânsito fluía normalmente.
Em virtude de o trânsito se encontrar completamente imobilizado, lentamente, todos os outros veículos que circulavam na faixa do meio iam integrando a faixa da esquerda – a única por onde se circulava, e onde os respectivos condutores lhes iam permitindo entrar, um a um.
Nestas circunstâncias, o condutor do MZ, chegado ao local onde os veículos da faixa do meio se encontravam imobilizados, acionou o sinal luminoso da esquerda, ocupou lentamente a faixa da esquerda, depois de transpor parte da linha contínua que separa aquelas duas faixas.
Após ter circulado pela faixa da esquerda, percorrendo uma distância, não concretamente apurada, de vários metros, o veículo MZ foi embatido na traseira do lado esquerdo pela frente lateral direita do veículo pelo ..-IH-.., conduzido pelo autor, que não conseguiu imobilizar o seu veículo a tempo de evitar aquele embate.
Perante tal cenário, efectivamente demonstrado nos autos, não pode ser atribuída ao condutor do MZ qualquer responsabilidade pela produção do acidente, mesmo a título de co-causalidade.
Não obstante a infracção estradal por ele cometida ao transpor parte do traço contínuo, não foi esta causal do acidente, nem para ele concorreu.
Ao contrário da versão alegada pelo Autor, não resultou comprovado que o condutor do MZ tenha invadido repentinamente a via por onde aquele circulava, quando o veículo deste já se encontrava a seu lado, cortando a sua linha de circulação, sendo impossível ao mesmo evitar o embate, mostrando-se antes comprovado que o condutor do veículo segurado pela Ré acionou o sinal luminoso da esquerda, ocupou lentamente a faixa da esquerda, onde passou a circular, e tendo percorrido uma distância não concretamente apurada, foi embatido na traseira pela parte frontal direita do veículo do Autor.
Dever-se-á, pois, concluir pela contribuição do Autor na produção do acidente de viação de que foi vítima.
Resta, ainda assim, indagar se concorre alguma outra causalidade para a produção do acidente, mesmo que a título de risco.
Já no Acórdão Relação do Porto, 16.03.73[21] se defendia: “não podendo atribuir-se culpa no acidente a qualquer dos condutores dos veículos colidentes, não obstante a responsabilidade civil brotar, como regra geral, dos factos ilícitos culposos (artº 483º do Código Civil), há que atender à chamada responsabilidade civil objectiva ou pelo risco, a qual se reveste, na nossa lei, de natureza excepcional (artigos 483º, nº2, 499º, e 503º do Código Civil)”.
Defende, sem oscilação, a jurisprudência, ser possível a convolação para a responsabilidade pelo risco do pedido de indemnização fundado apenas na culpa, não provada[22].
Como esclarece o Acórdão da Relação de Évora, de 02.07.75[23]: “ o risco em matéria de acidente de viação provém do perigo que os veículos em marcha representam para a circulação rodoviária e para as pessoas”.
Tem sido largamente debatido na jurisprudência e na doutrina a questão de se saber se, perante a existência de culpa, mas não exclusiva, do lesado no acidente de viação de que foi vítima, e ausência de culpa, pelo menos demonstrada, do condutor do outro veículo automóvel interveniente no mesmo acidente, é admissível o concurso entre culpa e risco, na linha do entendimento da mais recente jurisprudência e doutrina, ou se, como é sustentado pela mais tradicional jurisprudência, a existência de culpa do lesado, ainda que não exclusiva, afasta a possibilidade de concurso com a responsabilidade do titular da direcção efectiva do veículo, assente no risco.
Esta última posição ancora nos ensinamentos do Prof. Antunes Varela para quem o artigo 505º do Código Civil coloca um inultrapassável problema de causalidade: sempre que ocorra uma das circunstâncias nele contempladas (acidente imputável ao lesado, por facto culposo ou não, ou a terceiro, ou quando o acidente tenha resultado de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo) ocorre uma quebra do nexo de causalidade entre os riscos próprios do veículo e o dano, afastando a possibilidade de responsabilidade objectiva do detentor do veículo por risco inerente à sua utilização.
A tese defendida pelo Prof. Vaz Serra, nos trabalhos preparatórios do Código Civil, no sentido da admissibilidade de concorrência entre responsabilidade pelo risco do detentor ou condutor do veículo e responsabilidade emergente de culpa do próprio lesado, não logrou então obter vencimento, não tendo sido acolhida no texto definitivo do aludido diploma a sua proposta de consagração de preceito enunciador dessa possibilidade.
Mas não obstante a sucumbência dessa sua proposta, mesmo após publicação do Código Civil continuou este Professor a defender a tese favorável à admissibilidade da aludida concorrência, argumentando, por um lado, que a expressão “acidente imputável ao lesado” inserida no artigo 505º do Código Civil deve ser entendida com o significado de acidente devido unicamente a facto do lesado, e, por outro, havendo similitude entre a situação de concorrência entre risco e culpa e a situação contemplada no artigo 570º do mencionado diploma, deve este ser aplicado por analogia, o que leva à aplicação das regras gerais sobre a conculpabilidade do lesado.
Também o Prof. Calvão da Silva vem pugnando pela tese da admissibilidade de concorrência entre culpa do lesado e risco inerente ao veículo, quando ambos os factos em causa contribuem para a produção do dano. Na análise interpretativa que faz do artigo 505º do Código Civil, sustenta este Autor que a ressalva consagrada na parte inicial do preceito (“sem prejuízo do disposto no artigo 570º”) reporta-se à responsabilidade objectiva fixada no nº1 do artigo 503º do citado diploma, pelo que a concorrência entre a culpa do lesado do artigo 570º e o risco da utilização do veículo do artigo 503º resulta do disposto no artigo 505º, só sendo excluída a responsabilidade pelo risco quando o acidente for imputável, ou seja exclusivamente devido, com ou sem culpa, ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando ele resulte, também exclusivamente, de força maior estranha ao funcionamento do veículo.
Isto é, para este autor, sem prejuízo do concurso com a culpa do lesado, a responsabilidade objectiva do detentor do veículo só é excluída quando a acidente se dever unicamente ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando o mesmo resulte exclusivamente de causa de força maior alheia ao funcionamento do veículo.
Também Brandão Proença[24] se tem pronunciado, a propósito da questão em debate, pela necessidade de introdução de uma interpretação mais actualista e harmoniosa dos preceitos em análise, que não exclua liminarmente a possibilidade de concurso entre responsabilidade decorrente do perigo da utilização do veículo e a que deriva de facto (culposo ou não) imputável ao lesado: “numa época em que a relação pura de responsabilidade, nos domínios do perigo criado por certas actividades, se enfraqueceu decisivamente, não parece compreensível, a não ser por preconceitos lógico-formais, excluir liminarmente o concurso de uma conduta culposa (ou mesmo não culposa) do lesado, levando-se a proclamada excepcionalidade do critério objectivo às últimas consequências”[25].
Pode ler-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.10.2007[26]: “a este entendimento doutrinal mais moderno, de afirmação da concorrência do risco com a culpa da vítima – para cujo desenvolvimento é de justiça salientar também o papel dos estudos desenvolvidos por JORGE SINDE MONTEIRO desde há quase 30 anos Cfr. “Responsabilidade civil”, in RDEc., ano IV, n.º 2, Jul./Dez. 1978, pág. 313 e ss., e “Responsabilidade por culpa, responsabilidade objectiva, seguro de acidentes, in RDEc., ano V, n.º 2, Jul./Dez. 1979, pág. 317 e ss. e ano VI/VII, 1980/1981, pág. 123 e ss. – têm aderido outros prestigiados juristas, como ANA PRATA Cfr. o estudo intitulado “Responsabilidade civil: duas ou três dúvidas sobre ela”, in Estudos em comemoração dos cinco anos da Fac. de Direito da Univ. do Porto, 2001, pág. 345 e ss., merecendo referência o actual posicionamento do Prof. ALMEIDA COSTA, que, tendo seguido, durante muito tempo, a posição tradicional, na esteira de A. VARELA, se mostra agora sensível à argumentação de BRANDÃO PROENÇA e dos demais arautos da tese da concorrência “Se um facto do próprio lesado, (...) concorrer com a culpa do condutor, a responsabilidade poderá ser reduzida ou mesmo excluída, mediante aplicação do artigo 570º. E, de igual modo, existindo concorrência de facto de terceiro, quanto à repartição da responsabilidade. Ora, valerá esta doutrina para o caso de haver concurso de facto da vítima ou de terceiro, já não com a culpa do condutor, mas com o risco do veículo? Respondem afirmativamente VAZ SERRA, (...), PEREIRA COELHO, (...), SÁ CARNEIRO, (...), e por último BRANDÃO PROENÇA, (...). Afiguram-se-nos ponderosas as considerações aduzidas, designadamente na perspectiva da tutela do lesado” (Direito das Obrigações, 10ª ed. reelaborada, Almedina, Setembro/2006, pág. 639, nota 1..
Entre os práticos do direito tem sido o Juiz Desembargador AMÉRICO MARCELINO, com argumentação consistente, um estrénuo defensor deste entendimento Cfr. “Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil”, 8ª ed. revista e ampliada, pág. 309 e ss.”.
E acrescenta o mesmo acórdão: “…não podemos deixar de ponderar a justeza da crítica, que à corrente tradicional tem sido dirigida, de conglobar, na dimensão exoneratória da norma do art. 505º, tratando-as da mesma forma, situações as mais díspares, como sejam os comportamentos mecânicos dos lesados, ditados por um medo invencível ou por uma reacção instintiva, os eventos pessoais fortuitos (desmaios e quedas), os factos das crianças e dos (demais) inimputáveis, os comportamentos de precipitação ou distracção momentânea, o descuido provocado pelas más condições dos passeios, uniformizando, assim, “as ausências de conduta, as condutas não culposas, as pouco culposas e as muito culposas dos lesados por acidentes de viação”, “desvalorizando a inerência de pequenos descuidos à circulação rodoviária”, e conduzindo, muitas vezes, a resultados chocantes.
Tal corrente mostra, ademais, na sua inflexibilidade e cristalização, uma insensibilidade gritante ao alargamento crescente, por influência do direito comunitário – e tendo por escopo a garantia de uma maior protecção dos lesados – do âmbito da responsabilidade pelo risco, que tem tido tradução em vários diplomas (a que faremos alusão mais adiante) cujo relevo maior radica, por um lado, na exigência, como circunstância exoneratória, de culpa exclusiva do lesado, e, por outro, na expressa consagração, no sector da responsabilidade civil do produtor ou fabricante de produtos defeituosos, da hipótese de concorrência entre o risco da actividade do agente e “um facto culposo do lesado” (art. 7º/1 do Dec-lei 383/89, de 6 de Novembro).
Esta evolução legislativa não pode, a nosso ver, ser ignorada, e dela devem ser retiradas “as devidas consequências para uma actualização interpretativa da rigidez normativa do Código Civil, tanto mais que a partir de meados da década de 80 passaram a coexistir dois regimes diferenciados, ou seja, o rígido sistema codificado e uma série de subsistemas imbuídos de um escopo protector e direccionado para os lesados” Autor e loc. cits. na nota anterior, pág. 29.
Como não deve ser ignorado o papel das directivas comunitárias no domínio do seguro obrigatório automóvel e a sua influência no direito da responsabilidade civil do próprio Código Civil. Sendo embora certo que, como é entendimento do Tribunal de Justiça, “na falta de regulamentação comunitária que precise qual o tipo de responsabilidade civil relativa à circulação de veículos que deve ser coberta pelo seguro obrigatório, a escolha do regime de responsabilidade civil aplicável aos sinistros resultantes da circulação de veículos é, em princípio, da competência dos Estados-Membros”, não deixa de ser igualmente verdade que as soluções decorrentes da interpretação das disposições das directivas ou do seu efeito útil penetram (ou devem penetrar) as legislações nacionais nesse domínio; e a sua influência no direito português é visível, quer na erradicação, do texto do art. 504º, dos limites aí estatuídos para a responsabilidade do transportador a título gratuito, quer na alteração dos limites máximos indemnizatórios do art. 508º.
A corrente jurisprudencial tradicional é igualmente insensível à filosofia que dimana do regime, estabelecido no Código do Trabalho, para os acidentados laborais, onde se estabelece que o dever de indemnização do empregador só é excluído se o acidente “provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado”.
Estas são razões com força suficiente, a nosso ver, para pôr de remissa a interpretação jurisprudencial a que vimos aludindo”.
A propósito do acórdão citado, a cuja fundamentação também adere, esclarece o acórdão da Relação de Coimbra de 03.06.2008[27]: “está em causa neste aresto a interpretação que parte significativa da nossa doutrina vinha adiantando, com base na crítica ao entendimento tradicional de referir o sentido exoneratório do artigo 505º do CC a todas as situações de culpa do lesado ou de causalidade exterior ao lesante”.
Explica o acórdão da mesma Relação de 29.05.2012: “A doutrina dominante [...] era (…) a de uma interpretação estritamente causalista da norma contida no artº 505 do Código Civil que enfatizava o primado da culpa, não admitindo qualquer solução ponderativa: a concepção, mais preocupada com a função reparadora da responsabilidade civil e com a tutela da vítima e que, em coerência rejeitava a visão absorvente da culpa do lesado, era nitidamente minoritária.
Simplesmente, é claro que o entendimento, doutrinaria e jurisprudencialmente dominante, do problema – assente numa solução extremista de tudo ou nada [...] – uniformiza as ausências de conduta, as condutas não culposas, as pouco culposas e as muito culposas dos lesados por acidentes de viação e desvaloriza a inerência de pequenos descuidos à circulação rodoviária, conduzindo, por vezes, a resultados chocantes, formalmente exactos mas materialmente inexplicáveis [...].
Sensível ao irrecusável desamparo do lesado que decorre de uma leitura da norma considerada à luz estrita da causalidade – sobretudo nos casos em que o dano é atribuído exclusivamente a uma falta leve do lesado e à conduta inesperada de pessoas desadaptadas ao tráfego [...], em atenção à pouca mobilidade e à dificuldade de percepção da pessoa idosa ou deficiente e à normal imprudência da criança que se atravessa de repente na via ou que corre atrás de uma bola – e impressionada pelo nada indemnizatório como preço de pequenos descuidos, a doutrina mais recente orienta-se para a admissibilidade da concorrência do riso com a culpa do lesado, ou mais exactamente, do concurso do risco com o facto, culposo ou não, da vítima, só excluindo a responsabilidade objectiva do detentor do veículo quando o acidente seja devido, com ou sem culpa, unicamente ao próprio lesado ou a terceiro [...].
E a jurisprudência não deixou de se mostrar permeável a esta evolução doutrinária. Exemplo acabado disso mesmo é, decerto, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 2007 [...] que – de forma não inteiramente acorde – concluiu que o artº 505 do CC deve ser interpretado no sentido de que nele se acolhe a regra do concurso a culpa do lesado com o risco próprio do veículo, ou seja que a responsabilidade objectiva do detentor do veículo só é excluída quando o acidente for devido unicamente ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte exclusivamente de causa de força maior estranha ao funcionamento do veiculo”.
Entendendo ser cada vez mais defensável uma interpretação actualista do artigo 505.º do Código Civil, que não exclui a possibilidade de concorrência com a responsabilidade objectiva resultante do risco subjacente à utilização de veículo interveniente em acidente de viação, de acordo com os fundamentos espelhados na doutrina citada e jurisprudência mais recente, designadamente no mencionado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.10.2007, sempre, no caso concreto, se afigura inaplicável tal entendimento, por se concluir que foi a actuação negligente do próprio Autor a concorrer, de forma exclusiva, para a produção do acidente.
Com efeito, como sustenta a sentença sob recurso, “...o apurado comportamento do autor viola frontalmente o disposto nos arts. 3º, n.º 2, 18º, n.º 1, e 24º, n.º 1, do Código da Estada (na versão em vigor à data do factos).
E estas infracções estradais, para além de terem sido causais, conferem presunção simples ou natural de negligência, pois que dúvidas não temos que os eventos estão compreendidos nos riscos que as citadas normas pretendem evitar, sendo certo que essas presunções não se mostram elididas por qualquer circunstância de facto apurada.
Ora, a ser assim, como entendemos que é, como o autor, enquanto condutor do outro veículo interveniente no acidente, não respeitou as regras que lhe eram impostas pelas citadas normas estradais, é possível dirigir-lhe um juízo de censura, o qual assenta precisamente no facto de não ter observado as regras estradais que se lhe impunham no caso concreto, e cuja observância teria permitido evitar o embate, que se não previu tinha obrigação de prever”.
Note-se que, não obstante a via da esquerda, por onde o Autor circulava, se achar desimpedida, na via do meio e na via da direita, o trânsito estava imobilizado, encontrando-se um cão à deriva naquele local e várias pessoas que tentavam apanhá-lo.
Sendo dia, fazendo bom tempo, havendo boas condições de visibilidade, e tendo a via no local traçado recto, facilmente o Autor se terá apercebido do que se estava a passar à sua frente, pelo que lhe era exigível que adequasse a sua condução e a velocidade que imprimia à sua viatura àquelas condições, de modo que lhe permitisse imobilizá-la sem embater em qualquer obstáculo (designadamente, o animal ou as pessoas que procuravam detê-lo) que eventualmente pudesse surgir à sua frente.
Tais cuidados não foram, podendo sê-lo, adoptados pelo Autor e por isso, e apenas por isso, veio a embater no veículo segurado pela Ré, que, provindo da via do meio, circulava já na via por onde o Autor seguia, à sua frente.
Deve, assim, concluir-se que a produção do acidente ficou a dever-se em exclusivo a culpa do próprio lesado, o que constitui circunstância excludente da responsabilidade da demandada pela reparação dos danos sofridos pelo Autor.
Improcedem, consequente, as conclusões de recurso, impondo-se a manutenção do decidido.
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………………………………
………………………………
Custas: pelo apelante, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Notifique.
Acórdão processado informaticamente e revisto pela 1.ª signatária.
Porto, 4/6/2025
Judite Pires
Ana Luísa Loureiro
Manuela Machado
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[1] Cf. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil anotado”, vol. V, pág. 137.
[2] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 686.
[3] “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 687 e seguintes.
[4] Cf. em idêntico sentido, Acórdão STJ de 19/03/02, “Rev. nº 537/02-2ª sec., Sumários, 03/02”; Acórdão Relação de Coimbra de 16/5/2000, www.dgsi.pt; Acórdão STJ de 13/01/00, “Sumários, 37-34”; Acórdão Relação Lisboa, de 01/07/99, BMJ 489-396.
[5] Cf., entre outros, Pais do Amaral, “Direito Processual Civil”, 7ª ed., pág. 390, e os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27.4.2004 e de 10.4.2008, o acórdão da Relação de Lisboa de 17.1.1999, BMJ 489/396, e ainda os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13.1.2000, de 26.2.2004, de 12.5.2005 e de 10.7.2008, o primeiro in Sumários, 37º, pág. 34 e, os restantes, em www.dgsi.pt.
[6] “Código de Processo Civil anotado”, vol. 5º, pág. 140.
[7] Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, pág. 141.
[8] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.03.2018, processo 290/12.6TCFUN.L1.S1, www.dgsi.pt.
[9] “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, Almedina, pág. 224 e 225.
[10] Processo nº 5797/04.2TVLSB.L1-7, l1-7, www.dgsi.pt.
[11] “A Acção Declarativa Comum, À Luz do Processo Civil de 2013”, Coimbra Editora, 2013, pág. 278.
[12] “Declarações de Parte”, Universidade de Coimbra, 2015, pág. 58.
[13] https://blogippc.blogspot.pt/2017/01/jurisprudencia-536.html#links, texto publicado a 20.01.2017.
[14] “A Prova por Declarações de Parte”, FDUL, 2015, pág. 80.
[15] Acórdão do STJ, 18.05.2006, procº nº 06B1644, www.dgsi.pt. [16] www.dgsi.pt.
[17] cf. Antunes Varela, “Revista de Legislação e Jurisprudência”, ano 102º, pág. 8 e ss.
[18] Neste sentido, Acórdão Relação do Porto, 14/3/89, BMJ 385º, 603.
[19] O que, de resto, se coaduna com as regras gerais da repartição do ónus da prova, plasmadas no artigo 342º do Código Civil, já que a culpa, sendo um dos pressupostos que integra e fundamenta o dever de indemnizar, é um facto constitutivo do direito a que o lesado se arroga; cf. ainda, neste sentido, entre outros, Acórdãos do STJ, 12.07.2005, 21.11.2006, 13.11.2008, Acórdão desta Relação, de 21.09.2004, todos em www.dgsi.pt.
[20] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.2009, Processo n.º 04B2638, www.dgsi.pt.
[21] BMJ 226º-271; cfr. ainda Acórdão Relação de Coimbra, 25.07.75, BMJ 251º-213, Acórdão Relação de Coimbra, 02.02.82, Colectânea de Jurisprudência 1982, 1, 95.
[22] Entre outros, Acórdão Relação de Lisboa, 09.05.78, Colectânea de Jurisprudência 1978, 3, 921; Acórdão Relação de Coimbra, 18.02.76, Colectânea de Jurisprudência 1976, 1, 33; Acórdão Relação Évora, 02.07.75, BMJ 250º- 219; Acórdão Relação de Lisboa, 03.07.74, BMJ 239º-255.
[23] BMJ 250º-219.
[24] “A conduta do lesado como pressuposto e critério de imputação do dano extracontratual”, Almedina, Coimbra, 1997.
[25] Ob. cit., pág. 276.
[26] Processo nº 07B1710, www.dgsi.pt.
[27] Processo nº 801/2002.C1, www.dgsi.pt.