ARRENDAMENTO
ACORDO QUANTO ÀS OBRAS REALIZADAS NO LOCADO
EFEITOS
Sumário

1 - A cláusula inserta em contrato de arrendamento que determina que a arrendatária não pode efetuar qualquer tipo de obra sem autorização, ficando a mesma obra a pertencer ao locado, sem direito a indemnização, impede que aquela possa pedir à senhoria o valor que despendeu nessa obra.
2 - Cessado o contrato de arrendamento, permitindo a ex-senhoria que a ex-arrendatária permaneça no imóvel até se celebrar um novo contrato de arrendamento, pode configurar-se esse acordo como um contrato inominado, celebrado ao abrigo do disposto no artigo 405.º, do C. C..
3 - Cessando a vigência desse acordo, os donos do imóvel podem pedir a sua restituição a quem o ocupa, correspondendo a reposição ao estado anterior (quando foi inicialmente entregue) à restituição in natura.

Texto Integral

Processo n.º 1255/23.8T8GDM.P1.

João Venade.

António Carneiro da Silva.

Aristides Rodrigues de Almeida.


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1). Relatório.

AA, e mulher, BB, residentes na Rua ..., ..., ..., Maia

propuseram contra

A..., Lda., com sede no Largo ..., sala ..., Gondomar

CC e mulher DD, residentes na Urbanização ..., ..., entrada ..., 2.º esquerdo, Gondomar

Ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação dos Réus a:

«a) Reconhecerem o direito de propriedade dos Autores sobre o prédio descrito na conservatória do registo predial de Gondomar, freguesia ..., sob o número ..., como prédio misto, situado em ..., na Rua ..., ..., com a área total de 5113 m2, a área coberta de 213 m2 e a área descoberta de 4900 m2;

b) Entregarem aos Autores o prédio descrito livre e devoluto de pessoas e coisas;

c) Reporem os terrenos no estado anterior procedendo remoção dos materiais de obras de construção e demolição levadas a depósito e aterro;

d) Demolirem o muro de contenção e reconstruirem muro em pedra no limite da propriedade;

e) Pagarem indemnização pela privação do uso nos meses de janeiro de 2022 a março de 2023, razão mensal de 900,00 €, no valor global de 14.500,00 €;

f) Pagarem indemnização pela privação do uso nos meses de abril de 2023 e seguintes, até entrega efetiva, à razão mensal de 2.000,00 € por mês ou fração;

g) Em alternativa aos pedidos das alíneas b) e c) pagarem indemnização no valor de 30.000,00 €;

h) Pagarem custas e custas de parte.»

Em síntese, alegam que:

. a empresa B..., Lda., deu de arrendamento, em 13/09/2015 a «A...…» os prédios:

. urbano, com o artigo ..., localizado na Rua ..., ..., ..., descrito como prédio em propriedade total com dois andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, uma de “cave”, afeta a armazéns e atividade industrial e, e outra de “cave/rés-do-chão”, afeta a serviços;

. rústico, com o artigo ..., localizado em ..., ..., descrito como Cultura, Hortas e Videira em ramada, com a área total de 0,490000 ha;

. o prazo foi de cinco anos, com início em 04/03/2015, renovável por períodos de 1 ano, mediante o pagamento da renda mensal de 800 EUR, destinando-se o local escritório, armazém, estaleiro e cultivo, não podendo a arrendatária efetuar qualquer tipo de obra sem autorização e ficando a pertencer ao locado, sem direito a indemnização as que fossem efetuadas;

. os Réus CC e DD assumiram a qualidade de fiadores;

. Em 30/11/2021, «B...… celebrou com «A...…» acordo de revogação do contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais acima referido;

. também por acordo, «A...…» não desocupou as instalações, tendo passado a negociar com os Autores, durante o mês de dezembro de 2021, a celebração de um novo contrato de arrendamento;

. no dia 27/12/2021, as condições do novo contrato de arrendamento foram reduzidas a escrito, tendo por objeto os mesmos prédios, consignando-se:

. o Autor AA outorgaria como promitente senhorio;

. a Ré «A...… como promitente arrendatária;

. os Réus CC e mulher DD como promitentes fiadores;

. a Autora mulher BB prestaria consentimento.

. o prazo seria de 5 anos, com início em 01/01/2022, renovável por períodos sucessivos de 1 ano, com renda de 900 EUR/mês, destinado a escritório, armazém, estaleiro e cultivo;

. em matéria de obras, acordou-se que os promitentes arrendatários “não poderão efetuar qualquer tipo de obras, sem o consentimento escrito dos promitentes senhorios”, ficando em qualquer caso “a pertencer ao locado sem direito a indemnização.”.

. os Réus sociedade e pessoas singulares retardaram a assinatura do contrato de arrendamento que deveria ter tido lugar no início do mês de fevereiro de 2022, não pagaram as rendas convencionadas no contrato celebrado;

. em março de 2022, os Réus comunicaram definitivamente a recusa de celebração do contrato;

. os Réus, informando que não pretendiam a celebração do contrato de arrendamento, também informaram que o custo de execução de muro suporte no terreno efetuado pela empresa ascendeu a 8 500 EUR pelo que, pelo valor da benfeitoria, nada teria a pagar até à desocupação das instalações;

. o Autor exigiu a reposição da propriedade nas condições que lhe foram dadas;

. os imóveis são ocupados sem título e em violação do direito de propriedade dos Autores;

. ao longo dos anos, tanto no domínio de vigência do contrato de arrendamento celebrado como em 2022, os Autores, além do mais, edificaram muro de contenção aquém dos limites da propriedade, sem condições de estabilidade e de segurança e que representa perigo para quem circule no prédio situado a cota inferior;

. esse novo muro foi implantado aquém dos limites da propriedade dos Autores, deixando além muros terreno com a largura mínima de 20 centímetros em toda a extensão da propriedade.


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Citados, contestaram os Réus, alegando em síntese que:

. Os Réus fiadores são partes ilegítimas;

. a construção do muro foi necessária e respeitou os limites da propriedade;

. «A...…» gastou nessa obra 8 769,90 EUR.

Pede a procedência da exceção de ilegitimidade, pugna pela improcedência da ação e, em sede reconvencional, pede a compensação do eventual crédito dos Autores com aquele no valor de 8 769,90 EUR.


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Replicaram os Autores, negando a procedência da reconvenção, aproveitando para se pronunciarem sobre a alegação da exceção de ilegitimidade, defendendo a sua improcedência.

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Foi admitido pedido reconvencional e remetidos os autos aos juízos centrais cíveis face à alteração do valor dos autos e da consequente competência.

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Em sede de despacho saneador, foi julgada improcedente a arguida exceção de ilegitimidade dos Réus/fiadores.

Fixou-se como:

. objeto do litígio – o teor dos pedidos da ação e reconvenção;

. temas de prova:

«1. Apurar se a Ré «A...…», o seu único sócio e gerente, Réu CC e sua mulher, Ré DD, ao longo dos anos abateram árvores, num total de três; depositar resíduos de obras de construção e de demolição a céu aberto, elevando a cota do terreno; edificar muro de contenção aquém dos limites da propriedade e destruir reservatório de água em módulos de betão pré-fabricado.

2. Apurar se o muro foi edificado com pedras não aparelhadas e com entulho, sem condições de estabilidade e de segurança e que representa perigo para quem circule no prédio situado a cota inferior.

3. Apurar se os réus implantaram o novo muro de contenção aquém dos limites da propriedade dos Autores, deixando além muros terreno com a largura mínima de 20 centímetros em toda a extensão da propriedade.

4. Apurar se a intervenção da Ré não foi conhecida, nem consentida, nem autorizada, pelos Autores e anteproprietária.

5. Apurar se a Ré, A..., efectuou todos os trabalhos referentes à reparação e reconstituição do muro de contenção que rodeia a propriedade locada, no valor total de €8.513,48(acrescido de IVA) e que perfaz € 8 769,90.».


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Realizou-se julgamento, tendo sido proferida sentença com o seguinte teor:

«Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente por provada e condenando-se os réus:

a) a reconhecerem o direito de propriedade dos Autores sobre o prédio descrito na conservatória do registo predial de Gondomar, freguesia ..., sob o número ..., como prédio misto, situado em ..., na Rua ..., ..., com a área total de 5113 m2, a área coberta de 213 m2 e a área descoberta de 4900 m2;

b) a entregarem aos Autores o prédio descrito livre e devoluto de pessoas e coisas;

c) a reporem os terrenos no estado anterior procedendo remoção dos materiais de obras de construção e demolição levadas a depósito e aterro;

d) a demolirem o muro de contenção e reconstruirem muro em pedra no limite da propriedade;

e) a pagarem indemnização pela privação do uso nos meses de janeiro de 2022 até entrega efectiva, à razão mensal de 813,00€ por mês ou fracção;

g) em alternativa aos pedidos das alíneas b) e c) a pagarem indemnização a apurar em execução sentença.

Mais se absolvem os réus do demais peticionado.

Julga-se o pedido reconvencional improcedente por não provado, e absolvem-se os autores/reconvindos do pedido contra eles formulados.».

Inconformados, recorrem os Réus, formulando as seguintes conclusões:

«I. Por despacho saneador ficou delimitado como temas da prova que: “1. Apurar se a Ré A..., LDA, o seu único sócio e gerente, Réu CC e sua mulher, Ré DD, ao longo dos anos abateram árvores, num total de três; depositar resíduos de obras de construção e de demolição a céu aberto, elevando a cota do terreno; edificar muro de contenção aquém dos limites da propriedade e destruir reservatório de água em módulos de betão pré-fabricado.

2. Apurar se o muro foi edificado com pedras não aparelhadas e com entulho, sem condições de estabilidade e de segurança e que representa perigo para quem circule no prédio situado a cota inferior.

3. Apurar se os réus implantaram o novo muro de contenção aquém dos limites da propriedade dos Autores, deixando além muros terreno com a largura mínima de 20 centímetros em toda a extensão da propriedade.

4. Apurar se a intervenção da Ré não foi conhecida, nem consentida, nem autorizada, pelos Autores e anteproprietária. 5. Apurar se a Ré, A..., efectuou todos os trabalhos referentes à reparação e reconstituição do muro de contenção que rodeia a propriedade locada, no valor total de €8.513,48(acrescido de IVA) e que perfaz € 8 769,90”

II. Foi dado como não provado que: “Factos não provados: (…)3. O muro foi construído sem condições de estabilidade e de segurança e que representa perigo para quem circule no prédio situado a cota inferior. 4. Os réus implantaram o novo muro de contenção aquém dos limites da propriedade dos Autores, deixando além muros terreno com a largura mínima de 20 centímetros em toda a extensão da propriedade. (…)”.

III. Pelos depoimentos proferidos em sede de audiência e documentos juntos, entende a Ré, não haver fundamento para que a Ré seja condenada no pedido formulado na alínea d) por falta de fundamento.

IV. O muro de contenção foi edificado, após conversações realizadas entre o vizinho do terreno limítrofe – EE – e o Autor/Senhorio.

V. Só depois destas conversações/negociações/acordos, é que a Ré foi contactada e realizou a obra.

VI. Antes da intervenção da Ré, o muro existente era: “uma espécie de muro”; “[um] muro debilitado”, “dividido com pedras mais pequenas”; “com menos altura”; “em algumas partes em forma de talude”; “sem apresentação”; “feito [o muro] com pedra seca do antigamente”; “(…) havia apenas troços de muro, com interrupções”; “algumas partes a ligação entre os prédios era inexistente”; “feita em talude”; “que [o muro] nunca esteve alinhado”; “era um muro velho”.

VII. A intervenção da Ré, na construção do muro, resultou da aprovação do Autor/Senhorio; tendo sido realizada na anuência do vizinho – EE – no que ao limite do terreno diz respeito, traduzindo-se numa benfeitoria para o terreno do Autor.

VIII. Graças à intervenção realizada, o terreno do Autor, ganhou mais espaço útil de ocupação (mercê do arranjo realizado) e ficou mais seguro porquanto foi eliminada a passagem entre os terrenos, pelo que a intervenção só pode ser entendida como benfeitoria.

IX. Foi a mesma intervenção autorizada, e tanto assim é que que em momento algum anterior, seja no decurso da intervenção – a qual foi alvo de vigilância por parte dos dois dos vizinhos – como depois houve qualquer interpelação por parte do Autor/Senhorio nesse sentido.

X. A única menção à realização de obra surge apenas numa fase adiantada da negociação de novo contrato quando o Autor/Senhorio percebe que poderá não ser assinado novo contrato (atento à alteração das clausulas previamente acordadas).

XI. O pedido de reconstrução do muro não é admissível, porquanto é contraditório face ao demais pedido de demolir o muro; e de repor o terreno no estado anterior – porquanto o muro não existia anteriormente.

XII. E ainda que se considere que a referida obra não estava autorizada, deve a mesma ser classificada como benfeitoria útil, atento aos argumentos já previamente invocados, e não podendo a mesma ser levantada, é devido à Ré ser ressarcida dos custos, nos termos referidos no pedido reconvencional.

XIII. Deve, pois, ser o pedido, nesta parte, ser julgado improcedente, por não provado e por contradição com os demais pedidos, por se revelar alternativo.

XIV. Deve a intervenção – construção do muro – ser julgada benfeitoria e assim o pedido reconvencional formulado ser julgado procedente por provado, assim alterando a sentença esta matéria.».

Termina, pedindo o provimento do recurso e, em consequência, se absolvam os Réus da alínea d) do pedido e os Autores sejam condenados no pedido reconvencional.


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Os Autores contra-alegaram, pugnando pela manutenção do decidido.

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As questões a decidir são:

. cumprimento dos requisitos previstos no artigo 640.º, do C. P. C. quanto à impugnação da matéria de facto;

. apreciação de factos relativos à existência de muro de delimitação;

. consequência da ocupação de imóvel sem existência de acordo que o permita e

. possibilidade de compensação pelos ocupantes pelo valor de obra que realizaram.


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2). Fundamentação.

2.1). De facto.

Resultaram provados os seguintes factos:

«1. Descrito na conservatória do registo predial de Gondomar, freguesia ..., sob o número ... consta o prédio misto, situado em ..., na Rua ..., ..., com a área total de 5113 m2, a área coberta de 213 m2 e a área descoberta de 4900 m2. Prédio inscrito como da propriedade dos Autores AA e mulher BB, casados no regime da comunhão de adquiridos, pela apresentação 2865 de 2021/12/09.

2. O prédio identificado encontra-se inscrito nas matrizes do concelho de Gondomar, freguesia ... (...), ... e ..., sob os seguintes números de artigo:

- Urbano, com o artigo ..., localizado na Rua ..., ..., ... ..., descrito como prédio em propriedade total com dois andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, uma de “cave”, afecta a armazéns e actividade industrial e, e outra de “cave/rés-do-chão”, afecta a serviços, e o valor patrimonial total de 45.020, €;

- Rústico, com o artigo ..., localizado em ..., ..., descrito como Cultura, Hortas e Videira em ramada, com a área total de 0,490000 ha, e o valor patrimonial actual de 254,59 €.

Prédios inscritos como da titularidade dos Autores AA e mulher BB.

3. A propriedade do prédio esteve registada anteriormente a favor da sociedade por quotas “B..., Lda”, pessoa colectiva NIPC ..., de que os Autores eram únicos sócios; sociedade dissolvida no ano de 2021 e com a respectiva a matrícula cancelada pela Apresentação 4 de 2021/12/10.

4. A Ré A..., Lda, é uma sociedade comercial por quotas, com o capital social de 75.000,00 EUROS, com sede actual no Largo ..., sala ..., ... Gondomar, que tem por objecto: “Indústria de construção civil e empreitadas de obras públicas. Reabilitação de edifícios, infra-estruturas. Compra e venda de bens imóveis. Actividade de engenharia civil e fiscalização de obras”, tendo por CAE Principal ....

5. A sociedade tem por único sócio e gerente, desde o ano de 2012, CC, sendo este também o Beneficiário Efectivo da sociedade.

6. CC e DD são casados entre si no regime de separação de bens.

7. Por contrato de 13 de Fevereiro de 2015 a sociedade B..., LDª deu de arrendamento à Ré A..., outorgando os Réus CC e DD como fiadores, os prédios descritos nos números 1 e 2, supra, pelo prazo de 5 anos, com início em 4 de março de 2015, renovável por períodos de 1 ano, mediante o pagamento da renda mensal de 800 EUROS, destinando-se o local escritório, armazém, estaleiro e cultivo, não podendo a arrendatária efectuar qualquer tipo de obra sem autorização e ficando a pertencer ao locado, sem direito a indemnização as que fossem efectuadas.

8. Em 30 de novembro de 2021 a B... Ldª, representada pelos seus dois sócios e gerentes, ora Autores, celebrou com a A..., LDª, representada pelo seu único sócio e gerente CC, um “Acordo de Revogação de Contrato de Arrendamento Urbano para Fins Não Habitacionais”, celebrado em 13 de fevereiro de 2015, tendo por objecto os prédios identificados nos números 1 e 2 supra.

9. À data da revogação a renda mensal praticada era no montante de 813,00 €.

10. Por acordo entre todas as partes a Ré A... não desocupou as instalações, tendo passado a negociar, durante o mês de dezembro de 2021, com os Autores a celebração de um novo contrato de arrendamento.

11. No dia 27 de dezembro de 2021 as condições do novo contrato de arrendamento foram reduzidas a escrito, consignando-se:

12. Como partes:

- o Autor AA outorgaria como promitente senhorio;

- a Ré A... como promitente arrendatária;

- os Réus CC e mulher DD como promitentes fiadores;

- a Autora mulher BB prestaria consentimento.

13. Como objecto, o prédio da Rua ..., ..., da União de Freguesias ... (...), ... e ....

14. Como prazo, o de 5 anos, com início em 1 de janeiro de 2022, renovável por períodos sucessivos de 1 ano.

15. Como renda, 900 EUROS mensais, a pagar no domicílio dos primeiros ou do seu representante, no primeiro dia útil do mês anterior aquele a que disser respeito.

16. Como finalidade “escritório, armazém, estaleiro e cultivo”, não podendo ser dado outro fim sem consentimento escrito do senhorio e ficando este com direito a 10% dos frutos das árvores existentes (3 diospireiros, ameixoeira, marmeleiro, figueira e 2 laranjeiras.

17. Em matéria de obras que os promitentes arrendatários “não poderão efectuar qualquer tipo de obras, sem o consentimento escrito dos promitentes senhorios”, ficando em qualquer caso “a pertencer ao locado sem direito a indemnização.”

18. A minuta do contrato foi, por último, enviada por mail para a Ré A... na data de 14 de janeiro de 2022.

19. E a Ré A..., por último, enviou mail de 30 de janeiro com os elementos de identificação dos Réus CC e DD “para retificar no contrato.”

20. Não efectuaram o pagamento das rendas convencionadas no contrato celebrado.

21. Até que, já em março de 2022, comunicaram definitivamente a recusa de celebração do contrato, como tudo resulta da correspondência electrónica mantida entre os dias 2 e 11 de março de 2022.

22. Por mail das 10:25 do dia 2 de março o Autor AA, informou:

“Em virtude de não haver disponibilidade da Vossa empresa para a assinatura do contrato de arrendamento, conforme contrato enviado, e ainda, porque estão a efectuar obras de alteração da topografia do terreno sem autorização e com recurso a materiais também não acordados, venho pelo presente informar que dentro de uma semana será suspenso o fornecimento de energia elétrica e de abastecimento de água, sendo que na presente data estão a ser efetuados contratos para o nome do proprietário.”

23. E, por mail das 12:36 do dia 4 de março o Autor AA, informou:

“Pelo presente informo que o contrato de arrendamento encontra-se disponível no Solicitador FF.

Se pretenderem proceder à assinatura do mesmo devem-se fazer acompanhar dos respectivos cartões de cidadão.”

24. Por mail das 18:47 do dia 11 de março a Ré A... informou: “No seguimento do seu email enviado a 04/03/2022, informamos V.Exa. de que hoje da parte da manhã, o Sr. CC na qualidade de Gerente da A..., Lda., deslocou-se ao escritório do Solicitador FF e foi-lhe comunicado pelo mesmo e pela sua Esposa de que não tinham em sua posse nenhum contrato de arrendamento entregue pelo Sr. AA para ser assinado pelo Sr. CC, assim como desconheciam tal situação.

Posto isto, comunicamos que não temos interesse em continuar a utilizar as instalações localizadas na Rua ..., ..., em ... –Gondomar, sendo que, para libertação das mesmas, necessitamos de um prazo previsível de oito meses.

Mais informamos de que o custo de execução do muro suporte no referido terreno pela nossa Empresa, ascendeu à quantia de 8.500,00 €, pelo que, da nossa parte e pelo valor da benfeitoria, nada mais teremos a pagar até à desocupação das instalações.”

25. E, por mail das 19:02 do dia 11 de março, o Autor acrescentou: “Devia repor a propriedade nas condições que lhe foram dadas. Fez alterações indevidas e com má construção. Segundo me informou o muro mal construído está a prejudicar os limites de propriedade com o vizinho em 20 cm.”

26. Sem o pagamento de qualquer compensação ou remuneração, a sociedade Ré A..., LDA, o seu único sócio e gerente, Réu CC e sua mulher, Ré DD, permanecem a ocupar e a utilizar os prédios da propriedade dos Autores, identificados nos números 1 e 2.

27. A Ré A..., LDA, o seu único sócio e gerente, Réu CC e sua mulher, Ré DD, permitiram-se, ao longo dos anos:

28. Abater árvores, num total de duas.

29. Depositar resíduos de obras de construção e de demolição a céu aberto, elevando a cota do terreno.

30. Edificar muro de contenção.

31. Muro edificado com pedras não aparelhadas e com entulho.

32. Destruir reservatório de água em módulos de betão pré-fabricado.

33. Pelo mail de 11 de março a Ré informou “que o custo de execução do muro suporte no referido terreno pela nossa Empresa, ascendeu à quantia de 8.500,00 €, pelo que, da nossa parte e pelo valor da benfeitoria, nada mais teremos a pagar até à desocupação das instalações.

34. A Ré procedeu à edificação de um muro de contenção com cerca de 50 metros de comprimento sem autorização dos proprietários.

35. E em substituição de um anterior muro em pedra que limitava a propriedade.

36. A construção do muro foi realizada, no ano de 2021, pelos RR, pelo valor de 8.513,48(acrescido de IVA).».

E resultaram não provados:

«1. Os Réus sociedade e pessoas singulares retardaram a assinatura do contrato de arrendamento que deveria ter tido lugar no início do mês de fevereiro de 2022.

2. Os autores poderiam receber a quantia mensal de 2.000,00 €, que corresponderá ao mínimo valor locativo que poderia ser obtido não fora a utilização abusiva.

3. O muro foi construído sem condições de estabilidade e de segurança e que representa perigo para quem circule no prédio situado a cota inferior.

4. Os réus implantaram o novo muro de contenção aquém dos limites da propriedade dos Autores, deixando além muros terreno com a largura mínima de 20 centímetros em toda a extensão da propriedade.

5. Da construção do muro em causa dependia não só a normal e funcional utilização do edifício, como armazém/estaleiro de obra dos RR., bem como a sua própria existência e dos bens que se encontravam no seu interior, que se achavam em risco (com especial gravidade em época de chuvas).».


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2.2). Do recurso.

A). Impugnação da matéria de facto.

Lidas as doutas alegações e conclusões do recurso, não se deteta que, expressamente, tenha sido impugnada qualquer factualidade, provada ou não provada. Os recorrentes aduzem opiniões sobre determinados depoimentos (CC, EE, GG, HH, dois engenheiros civis, declarações do representante da Ré, CC) mas, literalmente, em momento algum, alegam que deve ocorrer a alteração de factos.

No entanto, pode depreender-se que efetivamente pretendem impugnar apenas os factos provados 34 - a Ré procedeu à edificação de um muro de contenção com cerca de 50 metros de comprimento sem autorização dos proprietários – e 35 - em substituição de um anterior muro em pedra que limitava a propriedade -, pois questionam o modo como o tribunal concluiu quanto a tais factos.

Ou seja, não se indicando expressamente qual o facto em questão nem se autonomizando qual o sentido com que deveria ter sido julgada tal factualidade, pensamos ainda assim que:

. por ser a única factualidade que é mencionada como sendo motivo de discórdia com a decisão recorrida;

. essa discordância ser manifestada no sentido de que houve autorização e de que não existia muro anterior, apenas algumas pedra (uma espécie de muro);

. indicando-se excertos de depoimentos que se debruçam sobre essa mesma matéria, pode concluir-se que estão cumpridos os requisitos do artigo 640.º, n.º 1, do C. P. C., pelo que se irá apreciar da manutenção do facto.

Assim:

Facto provado 34.

Após audição de toda a prova, pensamos que não há motivo para alterar a factualidade provada, a qual tem por base o alegado pelos Autores no artigo 51.º, da petição inicial. Na verdade, não há qualquer depoimento de testemunhas que possa levar a concluir, com o mínimo grau de segurança, que os proprietários do terreno consentiram/autorizaram a construção do referido muro.

EE, dono de prédio confinante, referiu que falou com II (proprietário/senhorio) sobre a necessidade de construção de muro e que o mesmo lhe terá dito que isso teria de ser o inquilino a realizar. Mais referiu que ela própria (testemunha) construiu um pedaço do muro novo; no entanto, não podemos dar como provado que houve autorização pelo dono do imóvel em causa sem existir ou a confirmação da parte do próprio dono nesse sentido (em julgamento ou através de mensagem/comunicação da sua parte).

Essa confirmação não existe já que não houve a audição, em julgamento, de qualquer dos Autores.

Antes de se analisarem eventuais documentos, em termos de prova testemunhal também não há qualquer outro depoimento relevante, nomeadamente o indicado pelos recorrentes – HH -. Quando este se refere a que documentava, com fotografias, que tem no seu Android para comunicar ao proprietário/senhorio II, não se estava a referir ao muro mas sim a que os inquilinos estavam a usar o terreno como lixeira, colocação de entulho e criação de porcos, comunicando tal situação para manifestar desagrado ao proprietário/senhorio pelo tipo de situação que tinha permitido.

Quanto ao muro, só referiu que achava que tinha sido feito pelo CC (Réu) mas nada adiantou sobre a mencionada autorização.

Das outras testemunhas ouvidas, os engenheiros (JJ e KK) apenas falaram sobre a estética e segurança do muro.

GG (filho de EE), somente referiu, sobre esta matéria, que o pai se queixou ao senhorio e que este disse que nada podia fazer pois tinha a ação já a correr.

Quanto ao depoimento de parte do Réu, tendo o mesmo dúvidas iniciais sobre se alguma vez teria falado com o senhorio sobre a construção do muro, passando depois a ter mais certezas na parte final do depoimento, naturalmente que não pode ter a consistência suficiente para se dar como provada aquela autorização. Aliás, o depoimento estriba-se em que o vizinho EE tinha-lhe dito que tinha de ser ele, inquilino, a realizar a obra e que então assim o fez, o que é algo pouco compreensível de suceder pois se existe uma eventual necessidade de se construir um muro, não se decidirá com base no que um vizinho diz: ou se fala diretamente com a pessoa ou não se fala e avança-se. Não se decide baseado no que um terceiro refere que lhe foi transmitido, não sendo verosímil esta versão.

Se porventura assim foi (o senhorio autoriza através de um terceiro vizinho), temos que em sede de um julgamento é insuficiente dar como provada essa autorização com base no que um terceiro afirma que lhe foi dito por outra pessoa.

Documentalmente, também inexiste qualquer prova dessa autorização. Não há qualquer documento de onde ressalte que foi dada, não servindo para tal que, no acordo de revogação (documento n.º 8, junto com a petição inicial) não se faça menção à construção do muro ou a uma atuação ilícita do inquilino nessa parte pois, desde logo, nesse acordo, não se faz menção a qualquer causa de revogação pelo que, do seu teor, não se pode retirar o motivo dessa cessação contratual.

O Réu CC referiu ainda que essa revogação serviria apenas para mudar a identidade do senhorio em virtude da insolvência da sociedade senhoria, pelo que fica a dúvida sobre se não se estaria perante uma revogação combinada para não vigorar ou para ter uma vigência muito curta por muito tempo que, por qualquer motivo (fixação de renda superior no novo contrato, atendendo ao que o mesmo Réu afirmou) acaba por se efetivar.

Assim, não se pode retirar da revogação de um contrato que, não fazendo menção à construção do muro, tudo o que se passava em relação ao mesmo estava autorizado.

Em termos de comunicações, temos o mail enviado por AA em 11/03/2022 (cerca de um mês antes da propositura da ação), em resposta à missiva do Ré «A...…», referindo que não pretendia celebrar o novo contrato e que pedia o valor da construção do muro, onde aquele proprietário refere que deverá a mesma Ré repor o prédio à situação anterior, sendo que o muro está mal construído e a violar limites de propriedade.

Não se pode retirar, destas comunicações, que tenha havido autorização/consentimento já que essa questão não é abordada nem se pode concluir que seguramente essa autorização tinha sido dada – o proprietário pretende sempre a demolição do muro, seja pela reposição ao estado anterior, seja pela indicação de motivos para a sua demolição – pouca fiabilidade construtiva e violação de terrenos de terceiros -.

Mantém-se assim a prova deste facto.


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Facto 35.

Os recorrentes pugnam que não existia um muro anterior àquele que foi construído pela Ré/arrendatária. Mas, até pelo teor da sua versão, se pode ficar com dúvidas sobre se não existia mesmo um muro pois, na contestação, faz-se referência a «reparação do muro de vedação da propriedade, o qual se encontrava em risco de derrocada,…, reparação do referido muro de contenção,… repor o mesmo muro antigo existente no local, de acordo com o que, então, existia em termos de tamanho, largura, estabilidade e segurança,… reparação necessária e urgente do muro de contenção do locado – artigos 18, 21, 24 e 31, desse articulado -.

E, dos depoimentos de testemunhas, nomeadamente EE, se efetivamente se referiu a uma espécie de muro, o certo é que também referiu que que se tratava de um muro debilitado, construído com pedras mais pequenas, por vezes só em talude/terreno inclinado. Ou seja, seria um muro delimitador mas em impressivas más condições de conservação.

Mesmo no depoimento de parte acima referido não se nega que existia um muro, o que se refere é que havia partes de muro e que se demoliu o que existia.

Das fotografias juntas pelos Autores com a petição inicial – documento n.º 14 -, com as dificuldades inerentes à audição de prova quando a testemunha analisa um documento, pensamos que se pode retirar que na segunda foto (no que pensamos que se fotografa parte do muro que terá sido edificado pela própria testemunha EE, nas suas palavras, em termos semelhantes ao que existia), é que existiria uma muro com pedras colocadas umas em cima das outras mas que, com o decurso do tempo, se teriam soltado definitivamente ou estavam pouco fixas.

Assim, pensamos ser correto entender que inexistia um muro; pode é precisar-se que o mesmo teria partes em que já não estaria totalmente edificado, tendo pedras soltas (já que nalguns sítios só existiria terreno inclinado).- A redação atual dá a entender que havia um muro contínuo que delimitava toda a propriedade o que pode não ser correto por já haver partes em que assim não sucedia.

Deste modo, o facto provado 35 passa a ter a seguinte redação:

Em substituição de um anterior muro construído em pedra que limitava, em certos troços, a propriedade, muro que tinha pedras soltas e, nalguns pontos, não existia.


*

B). Da análise jurídica.

Os Réus pretendem que sejam absolvidos do decidido na alínea d) do dispositivo e que seja procedente o pedido reconvencional.

Naquela alínea determinou-se que os recorrentes demolissem o muro de contenção que edificaram e reconstruíssem muro em pedra no limite da propriedade que derrubaram para ser substituído por aquele.

Dos factos, resulta que a Ré «A...…», por contrato de 13/02/2015 arrendou a «B..., Lda.» dois prédios (referidos nos factos provados 1 e 2), unificados num prédio misto, por 5 anos, com início em 04/03/2015, renovável por períodos de 1 ano, destinando-se a escritório, armazém, estaleiro e cultivo, não podendo a arrendatária efetuar qualquer tipo de obra sem autorização e ficando a pertencer ao locado, sem direito a indemnização, as que fossem efetuadas.

Esse contrato, por mútuo acordo (revogação), foi cessado em 30/11/2021, sendo que houve negociações para se celebrar um novo, o que não se logrou conseguir.

E, tendo por base o objeto do recurso, sabemos que:

. a Ré «A...…» o seu único sócio e gerente, aqui recorrente/Réu CC e sua mulher, também recorrente/Ré DD, ao longo dos anos, tiveram determinado tipo de atuação, incluindo edificar muro de contenção, com cerca de 50 metros de comprimento sem autorização dos proprietários, muro esse efetuado em substituição de um anterior outro muro construído em pedra que limitava, em certos troços, a propriedade, muro que tinha pedras soltas e, nalguns pontos, não existia.

Esse muro foi construído em 2021 (facto provado 36).

Os Autores alegam, por um lado, que o muro foi construído sem a sua autorização e por outro, que foi construído aquém dos limites da propriedade dos Autores, deixando além muros terreno com a largura mínima de 20 centímetros em toda a extensão da propriedade – artigos 51.º a 53.º, da petição inicial -.

E depois, na réplica (apresentada em 01/09/2023), os mesmos Autores, agora na qualidade de reconvindos, pronunciando-se sobre a reconvenção em que é pedido o pagamento do custo de edificação do novo muro, alegam que:

. a construção foi efetuada para remediar situação de perigo a que a reconvinte deu origem com a colocação de entulho, elevando a cota do terreno;

. a intervenção da Ré apresenta condições de instabilidade e de insegurança suscetíveis de causarem colapso sobre o prédio do vizinho – artigos 19.º a 22.º -.

Como se denota, não resulta provado nem o motivo porque se edificou o muro nem que o mesmo não apresente condições de segurança nem sequer que tenha havido prejuízo para a proteção (pelo muro) de parte dos terrenos dados em arrendamento.

Importa assim aferir se existe algum tipo de atuação ilícita pela Ré «A...…» ao construir o referido muro; e se, à partida, o muro terá sido construído antes da revogação do contrato de arrendamento (a revogação ocorreu em 30/11/2021, ou seja, muito perto do final de 2021) – foi nesse pressuposto que os Réus o alegaram-, o certo é que dos factos não resulta o período concreto desse ano em que a obra foi realizada.

Assim, ir-se-á aferir se, edificado o muro na vigência do contrato de arrendamento, a mesma foi lícita ou não e se, porventura realizada fora dessa vigência, qual a sua validade.

B1). Obra realizada na vigência do contrato de arrendamento.

No contrato de arrendamento prevê-se expressamente que a arrendatária só pode realizar obras desde que autorizadas, por escrito, pelo senhorio – cláusula 5.ª -.

Está provado que não houve autorização para a realização dessa obra (facto provado 34).

Deste modo, se não se obteve autorização para realizar aquela obra, não havendo convenção que excecione o disposto, em termos gerais, no artigo 1043.º, n.º 1, do C. C. - na falta de convenção, o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato –, tem de concluir-se que, ao entregar os terrenos, tem de o fazer no estado em que os recebeu – sem muro de contenção e com um muro construído, em pedra solta, em pé em determinados sítios e noutros não.

Há ainda que analisar o artigo 1111.º, do C. C. que dispõe que:

1). As regras relativas à responsabilidade pela realização das obras de conservação ordinária ou extraordinária, requeridas por lei ou pelo fim do contrato, são livremente estabelecidas pelas partes.

2 - Se as partes nada convencionarem, cabe ao senhorio executar as obras de conservação, considerando-se o arrendatário autorizado a realizar as obras exigidas por lei ou requeridas pelo fim do contrato.

Ora, por um lado, pensamos que não existe prova de que a obra em causa seja de conservação, ordinária (para manter o prédio nas suas condições de preservação) ou extraordinária (necessárias por defeito de construção por facto fortuito ou por força maior[1]). Não consta dos factos que a construção do muro tenha sido uma obra de conservação/reparação do que anteriormente existia até porque se trataria de uma construção (muro antigo) que já não cumpria totalmente a função de delimitar o terreno. Não estaria em causa a mera conservação mas sim já uma obra mais profunda (uma obra nova) que ultrapassaria a noção de uma obra daquela índole.

Mas, de qualquer modo, sempre essa obra, de conservação ou de outra monta, por expresso acordo das partes, além de não poder ser efetuada sem o consentimento escrito do senhorio, ficaria a pertencer ao locado sem direito a indemnização – facto provado 7, que reproduz as cláusulas 5.ª e 6.ª do contrato de arrendamento -.

Nesta última afirma-se que as obras efetuadas nos termos da cláusula anterior ficarão a pertencer ao locado sem direito a indemnização, ou seja, naturalmente referindo-se às obras aprovadas já que as não aprovadas nunca poderiam ser aceites pelo senhorio como sendo ressarcíveis quanto ao seu valor, os contraentes estabeleceram que nunca dariam origem a indemnização ao arrendatário.

Assim, quando a arrendatária realizou o muro, já sabia que, mesmo que houvesse acordo do senhorio para a sua realização, contratualmente não tinha direito a receber qualquer valor.

Nem se pode equacionar, com sucesso, a aplicação do disposto no artigo 1046.º, n.º 1, do C. C., que dispõe que «Fora dos casos previstos no artigo 1036.º, e salvo estipulação em contrário, o locatário é equiparado ao possuidor de má fé quanto a benfeitorias que haja feito na coisa locada.».

Na verdade, não estando em causa a reparação urgente de alguma parte do locado (ou pelo menos não resultando provada essa urgência), poderia colocar-se a possibilidade de a arrendatária poder ser compensada pela benfeitoria que teria realizado, nos termos do artigo 1273.º, n.º 1, do C. C. que dispõe que:

Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.

O artigo 1275.º, n.º 2, do C. C. exclui a compensação pelo gasto em benfeitorias voluptuárias.

Sucede que, como vimos, o contrato de arrendamento exclui a compensação por quaisquer obras, ou seja, mesmo as obras que sejam benfeitorias, ainda que autorizadas ou licitamente realizadas, ficariam a pertencer ao locado, sem direito a indemnização pelo que também por este prisma a recorrente/arrendatária não tem direito a receber qualquer valor pela obra que realizou.[2]

Poderia questionar-se da proporcionalidade dessa cláusula e de eventual uso excessivo/abusivo da mesma (redundando em abuso de direito, nos termos do artigo 334.º, do C. C.) mas não dispomos de dados factuais para poder concluir pela afirmativa. Na realidade, desconhece-se se o valor da renda que foi fixada já considerou essa disposição (por exemplo, sendo mais reduzida do que seria se tivesse de haver indemnização) ou se a arrendatária não perspetivou como relevante essa matéria por ter entendido que dispunha de capacidade económica para realizar obras ou então que, porventura erradamente, nunca tenha previsto que tivesse de construir um muro.

Não há prova de qualquer atuação da senhoria que demonstre que, expressa ou implicitamente, consentia na realização de obras e aceitava compensar o seu valor à arrendatária[3].

Note-se que esta construção surge sem demonstração/prova do motivo, nomeadamente, de que fosse uma obra necessária para exercer a atividade da arrendatária – não há menção, nos factos, sequer a que tipo de atividade em concreto se dedicou a sociedade arrendatária[4] -, nem que tenha melhorado o imóvel (o senhorio pode não querer um muro assim construído por, nomeadamente, querer adaptá-lo para arrendamento urbano e ter de ocorrer a demolição do mesmo).

Assim, aquele eventual abuso de direito (por exemplo, a senhoria sabia, no momento da contratação, que era necessária a construção de um muro para a arrendatária exercer a sua atividade, em melhores condições do que aquele que existia e depois de construído, porventura melhorando o imóvel, não aceita compensar o arrendatário) não está demonstrado.

Conclui-se assim que a recorrente não podia ter construído o referido muro sem autorização da senhoria e que, não só por a construção ser ilícita como também por ter acordado em que não recebia qualquer indemnização por essa construção, não tem direito a ser reembolsada do custo que teve com essa construção.

Tal significa que foi correta a decisão de determinar a demolição da construção pois tem a recorrente/inquilina de entregar o locado tal como o recebeu e também o foi a decisão de improceder o pedido reconvencional de pagamento do custo com a construção do muro.

Quanto à reconstrução do muro anterior, nesta sede declarativa, o que se pode concluir é que, tendo a arrendatária de entregar o imóvel como o recebeu, terá efetivamente de reconstruir o muro tal como ele antes existia – com pedras soltas, não existindo nalguns pontos -. Poderia eventualmente ter-se alegado e provado que essa reconstrução era um ato inútil atento o estado do muro, impossível de realizar pois não se conseguiria colocar as pedras tal como se encontravam ou economicamente irrelevante mas nem este circunstancialismo (nem outro com efeito semelhante) se alegou e demonstrou.

Por isso, para cumprir tal reposição ao estado em que recebeu o locado, tem de reconstruir o muro antigo.

Como se está numa ação em que a causa de pedir já não é a celebração do contrato de arrendamento (já findo) mas antes a violação do direito de propriedade dos Autores, estando provado que os Réus pessoas singulares também edificaram o muro– factos 27, 30 e 36 -, têm também estes de ser condenados a restituir o terreno sem aquela obra e com a reconstrução em questão (note-se que já transitou a decisão quanto à obrigação de restituição do imóvel pelos Réus – alínea b), do dispositivo, não impugnado pelos recorrentes -).


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B2). Obra realizada depois da cessação do contrato de arrendamento.

Se eventualmente o muro foi construído após a cessação do contrato de arrendamento, normalmente, tal também teria como consequência que, decorrendo da obrigação de restituir o locado após essa cessação (artigo 1038.º, i), do C. C.) nas condições em que o recebeu (citado artigo 1043.º, n.º 1, do C. C.), teria de ser demolido, salvo acordo expresso noutro sentido (remete-se para o que já acima referimos).

No caso concreto, foi acordado entre as partes que, cessado o contrato, a arrendatária podia manter-se no locado, conforme facto provado 10: Por acordo entre todas as partes a Ré A... não desocupou as instalações, tendo passado a negociar, durante o mês de dezembro de 2021, com os Autores a celebração de um novo contrato de arrendamento.

Se a obra foi realizada durante esse período (ou seja, dezembro de 2021), temos alguém que está a ocupar o terreno, não ao abrigo de um contrato de arrendamento (já revogado) mas de uma outra figura: permissão do proprietário em que o arrendatário aí permaneça.

Poderia pensar-se que esse acordo consistiria num comodato, sendo este o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir – artigo 1129.º, do C. C. -. No entanto, desconhece-se se ocorreu gratuidade nessa permissão, afigurando-se até que a senhoria entendia que o valor da renda nova negociada deveria ser paga (artigo 41.º da petição inicial); seja como for, não está demonstrado que essa ocupação fosse gratuita, o que afasta a qualificação do contrato como comodato.

Pensamos que houve uma permissão temporária de permanência no imóvel, como que condicionando a sua restituição à não celebração de um novo contrato de arrendamento, no que nos atrevemos a classificar como um possível contrato inominado de uso de imóvel sob condição resolutiva (artigo 270.º, do C. C.)[5], celebrado ao abrigo da liberdade contratual (artigo 405.º, do C. C.).

De qualquer modo, está sempre em causa (como está quando vigora um contrato de arrendamento) o direito de propriedade da Autora sobre o imóvel pelo que, resultando provado que, a ocupação se exerce em modos não consentidos, como foi a construção do muro sem a autorização da proprietária, assiste-lhe direito a que essa violação seja cessada, pugnando pela restituição in natura do seu imóvel (ao invés de indemnização em espécie), sem a realização de obra ilícita na sua propriedade, nos termos dos artigos 1311.º e 483.º, do C. C..[6]

E, se eventualmente houvesse algum valor a pagar pela ex-arrendatária naquele período, teríamos então um acordo de gozo por tempo indeterminado do imóvel e sujeito a resolução, mediante pagamento de um valor, permitindo assim buscar nas regras do contrato de arrendamento (atenta a omissão sobre este aspeto no acordo e por ser uma figura muito semelhante, o regime a aplicar quanto a obras realizadas pela recorrente.

Se fosse gratuito, poderia buscar-se na figura do comodato, atenta a mesma omissão de previsão entre as partes, saber se, tendo a recorrente construído o muro, poderia de algum modo ser ressarcida.

Ora, em qualquer dos dois regimes, determina-se que a pessoa que edifica a obra é equiparada a uma possuidora de má-fé (artigos 1046.º, n.º 1 e 1138.º, n.º 1, do C. C.), havendo que recorrer ao disposto no já citado artigo 1273.º, n.º 1, do C. C.. E, quanto à noção de benfeitoria, temos que o artigo 216.º, do C. C. as define como:

1. Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.

2. As benfeitorias são necessárias, úteis ou voluptuárias.

3. São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.».

Pelo que acima referimos, pensamos que não se pode classificar a construção de um novo muro como visando evitar a deterioração do terreno (e do próprio muro) sendo antes a edificação de algo novo que não teve por finalidade reparar o que já existia. Conforme referido pelo Ac. do S. T. J. de 19/05/2011, processo n.º 892/05.7TBSTC.E1.S1, www.dgsi.pt, são benfeitorias necessárias os melhoramentos indispensáveis à manutenção (conservação) e funcionamento da coisa enquanto unidade económica, apta a desempenhar a função ou atividade para a qual foi destinada ou que nela tem vindo a ser exercida; no caso concreto, não se alega, nem se demonstra, que fosse necessária a construção de um muro para a recorrente/arrendatária poder exercer a sua atividade.

Quanto a ser uma benfeitoria útil, inexiste qualquer prova sobre se a construção em questão aumentou o valor do prédio, sendo que as voluptuárias sempre estariam excluídas (artigo 1275.º, n.º 2, do C. C.).

Deste modo, os Autores, como proprietários do imóvel em causa, pedem a sua restituição, querendo ser ressarcidos em espécie com a sua devolução tal como o entregaram, e antes da atuação ilícita da Ré «A...…» (que é quem ocupa o imóvel, findo o contrato de arrendamento), não havendo base legal para que a mesma possa contrapor um seu crédito (custo de construção do muro) como meio de compensação.

Os Réus, pessoas singulares, também são condenados face ao que já acima mencionamos. Assim, conclui-se pelo acerto da decisão recorrida que pugnou pela entrega do imóvel nestes termos e julgou improcedente o pedido reconvencional, confirmando-se a mesma, improcedendo assim o recurso.


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3). Decisão.

Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.

Custas do recurso pelos recorrentes.

Registe e notifique.


Porto, 2025/06/04.
João Venade
António Carneiro da Silva
Aristides Rodrigues de Almeida
_________________
[1]Sobre estas duas noções de benfeitorias, Pinto Furtado, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, 4.ª, página 844.
[2]Pensamos ser este o entendimento da decisão desta Relação e secção, datada de 08/05/2025, relatora Ana Vieira, www.dgsi.pt: assiste o direito ao autor o direito de exigir a restituição do prédio ou locado como o mesmo se encontrava à data da celebração do contrato vigente (…) com as respetivas benfeitorias. Tal resulta do teor da cláusula sexta (refere-se que no fim do contrato o prédio “deverá ser entregue ao senhorio, nas mesmas condições em que o recebeu nesta data”).
[3] A título de mero exemplo, veja-se Ac. do S. T. J. de 08/11/2022, processo n.º 542/18.1T8MNC.G1.S1, www.dgsi.pt em que esta questão do abuso de direito é apreciada numa situação semelhante.
[4] Resultou não provada essa alegação: 5. Da construção do muro em causa dependia não só a normal e funcional utilização do edifício, como armazém/estaleiro de obra dos RR., bem como a sua própria existência e dos bens que se encontravam no seu interior, que se achavam em risco (com especial gravidade em época de chuvas).».
[5] As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva.
[6] O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence e Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação, respetivamente.