ESCRITURA PÚBLICA DE MÚTUO HIPOTECÁRIO
TÍTULO EXECUTIVO
PRESTAÇÕES FUTURAS
Sumário

A falha na junção, com o requerimento executivo, de documento comprovativo da constituição de obrigação prevista em documento exarado por notário, nos casos a que se refere o artigo 707º do Código de Processo Civil, porque não é evidente nem manifesta a insuficiência do título, se detectada na análise liminar do processo deve conduzir a um despacho de convite ao aperfeiçoamento [nº 4 do artigo 726º do Código de Processo Civil], traduzido na intimação à junção desse documento; se detectada em momento posterior, designadamente no âmbito de oposição à execução por meio de embargos, deve também conduzir ao mesmo despacho [nº 1 do artigo 734º do Código de Processo Civil] – tudo isto em respeito ao poder/dever de gestão processual que o nº 2 do artigo 6º do Código de Processo Civil comete ao Tribunal.

Texto Integral

Processo: 968/10.9TBVLG-E.P1





Acordam os Juízes que integram a 3ª secção do
Tribunal da Relação do Porto



Relatório:

“Banco 1..., SA”, com sede na Avª. ..., Lisboa, intentou, perante o extinto 1º juízo da comarca de Valongo, actualmente perante o juízo de execução do Porto (J…), acção executiva para pagamento de quantia certa contra “A..., Ldª”, com sede no lugar ..., ..., ...; “B..., Ldª”, com sede na rua ..., ..., ...; “C..., SA”, com sede na Avenida ..., ..., ...; “D..., Ldª, com sede na Avenida ..., ...; e “E..., Ldª, com sede na rua ..., Porto.
Alegou a exequente, em súmula, no requerimento executivo, que, no exercício da actividade a que se dedica, celebrou com a sociedade “F..., Ldª”, em Junho de 1999, contrato de abertura de crédito até ao montante de € 5 985 574,76, destinando a financiar um empreendimento imobiliário, financiamento remunerado nos termos contratualmente previstos.
Afirma que, para assegurar o cabal cumprimento das obrigações emergentes de tal contrato, nomeadamente o pagamento de capital, juros e despesas, a “F..., Ldª”, constituiu hipoteca sobre diversos imóveis, que identifica.
Invoca que a “F..., Ldª”, utilizou a linha de crédito que lhe foi concedida mas não procedeu ao pagamento das quantias utilizadas, encontrando-se em dívida a quantia global de € 2 143 99,19.
Afirma que diversas fracções dadas de hipoteca à exequente para garantia do pagamento do seu crédito foram adquiridas pelas executadas.
Exige o pagamento de € 2 143 99,19, quantia acrescida de juros moratórios contados, à taxa contratual, no valor diário de € 754,71, acrescido de imposto de selo.
Procedeu-se à penhora dos imóveis dados em garantia e levou-se a cabo a citação das executadas.
Por requerimento junto ao processo de execução a 12 de Dezembro de 2019 [referência nº 24526852], “G... SARL”, constituída ao abrigo da lei do Grão-Ducado do Luxemburgo, com sede em ..., Grão-Ducado do Luxemburgo, nos termos do Decreto-Lei nº 42/2019, de 28 de Março, comunicou nos autos a cessão a seu favor do crédito cujo pagamento é exigido no processo, acordada com a exequente originária por escritura pública de cessão de créditos outorgada a 07 de Outubro de 2019.
Após vicissitudes várias [incluindo um incidente de nulidade de citação da executada “A..., Ldª”, que demorou mais de 2 anos a ser apreciado], a executada “A..., Ldª”, veio deduzir oposição à execução por embargos, nos quais, em súmula, começa por invocar o vício de falta de título executivo, em concreto porque do contrato de financiamento apresentado como título para a execução não resulta em concreto quais os valores entregues à mutuária “F..., Ldª”, e quais as amortizações por esta feitas, o que, na sua opinião, obsta a que se possa afirmar quais os concretos valores em dívida a título de capital, juros e despesas, se é que algum é devido.
Impugna, por isso, as quantias indicadas no requerimento executivo como encontrando-se em dívida.
Defende que a devida concretização de tais elementos apenas poderia ser efectuada no requerimento executivo, e não com o processo de execução em curso.
Exactamente pelos mesmos motivos [isto é, porque não resulta do título dado à execução as concretas entregas de capital feitas a favor da mutuária, nem as amortizações eventualmente por esta realizadas], entende que, face ao título dado à execução, a obrigação exequenda não certa, líquida nem exigível.
Invoca a prescrição do crédito exequendo, defendendo que, entre o momento do incumprimento do contrato de financiamento por parte da mutuária, e da data da citação da embargante para os termos do processo de execução, decorreu o prazo de 5 anos fixado nas alíneas d) e e) do artigo 310º do Código Civil, na interpretação jurisprudencial fixada pelo acórdão uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Setembro de 2022.
Defende que a citação da embargante para os termos do processo de execução apenas a 15 de Abril de 2024 é imputável à exequente, motivo pelo qual entende que apenas a partir dessa data serão devidos juros por parte da embargante.
Requer a suspensão do processo de execução ao abrigo do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 733º do Código de Processo Civil.
Conclui pedindo a procedência dos embargos.
Os embargos foram liminarmente admitidos.
Notificada, a exequente apresentou contestação, na qual, em súmula, defende que os valores em dívida pela mutuária no âmbito do contrato de financiamento invocado no requerimento executivo mostram-se integralmente discriminados no documento nº 51 junto com o articulado que deu início à execução.
Invoca que, nos termos contratados, o extrato da conta de abertura de crédito e os documentos de débito emitidos pela “Banco 1..., SA”, constituem documentos suficientes para prova e determinação dos montantes em dívida, designadamente no âmbito de procedimento judicial.
Entende que a obrigação exequenda mostra-se certa e líquida face ao título executivo, e é exigível, designadamente por força da resolução do contrato de financiamento ou, pelo menos, pela insolvência da mutuária, declarada a 31 de Dezembro de 2008.
Defende ser de 20 anos o prazo prescricional aplicável, designadamente porque o reembolso do financiamento não foi fixado em prestações unitárias, mensais e sucessivas de capital e juros, sendo na sua perspectiva inaplicável a regra fixada na alínea e) do artigo 310º do Código Civil.
Defende que a demora na citação da embargante resulta da conduta negligente do agente de execução, e não da embargada.
Opõe-se à suspensão da execução.
Conclui pedindo a improcedência dos embargos.
Em requerimento avulso [apresentado em juízo a 07 de Outubro de 2024, referência nº 40287310], a embargada procedeu à junção aos autos de extracto bancário da conta corrente invocada no requerimento executivo.
Notificada, a embargante veio impugnar a documentação junta, defendendo que contraria o teor do título executivo apresentado.
Foi então proferido despacho [exarado no processo a 23 de Outubro de 2024, referência nº 464828488] que convidou, a embargada a pronunciar-se quanto às discrepâncias entre o título executivo e aquele documento apontadas pela embargante; as partes a pronunciarem-se quanto à limitação da garantia dada pela hipoteca ao máximo do valor inscrito no registo e a 3 anos de juros.
Na sequência, embargante e embargada deixaram consignadas no processo as suas posições.
A audiência prévia foi dispensada.
De seguida foi proferida decisão que, conhecendo do mérito da causa e fixando o valor desta em € 2 143 999,19, julgou os embargos improcedentes, determinando o prosseguimento da execução para pagamento, pelo património hipotecado da executada [em garantia do crédito exequendo], do capital de € 1 677 294,74, acrescido de 3 anos de juros e imposto de selo sobre juros, às taxas peticionadas, e do valor de comissões de € 148,00.
É desta decisão que, inconformada, a embargante vem interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1- “A ação executiva tem de basear-se num título pelo qual se determinam os fins e os limites da ação executiva” (artº 10º, 5. CPC), assumindo, assim, o título executivo a dupla qualidade de condição necessária e suficiente da ação executiva, não podendo a ação executiva ser intentada sem que exista um título executivo – nulla executio sine titulo;
2- Conforme dispõe o art. 715º do CPC quando a obrigação esteja dependente de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, incumbe ao credor provar documentalmente, no próprio requerimento executivo, que efetuou ou ofereceu a prestação;
3- Nessa medida, no processo executivo os documentos que constituem pressuposto específico da ação (título executivo), têm de estar definidos ab initio pelo credor/exequente – como em situações como a que se discute neste processo o impõem os artºs 703º, 1 b), 715º, 1 e 2. e 724º 1 e) do CPC - pelo que entendemos que a junção do “extrato bancário” em 07.10.2024, já no apenso de embargos, fora do requerimento executivo, não é admissível;
4- Na decisão tomada no douto saneador/sentença o Mmo. Juiz a quo não podia considerar o “extrato de crédito” como integrador do título executivo, não podendo sustentar-se no mesmo como prova do crédito reclamado, como fez. (“… como complemento acessório do título executivo, o “extrato de crédito” apresentado com o requerimento de 07.10.2024, composto por 40 páginas, …”);
Sem prescindir,
5- Ainda que, por mera explanação de raciocínio, se considere admissível a junção do documento “extrato de crédito” em sede de embargos pela exequente/embargada como complemento do contrato de abertura de crédito e da nota de débito juntos ao RE como título executivo (Docs. 1 e 51), a decisão proferida no douto saneador/sentença ao dar como provado o ponto 3. permanece, a nosso ver, incorreta;
6- Em nosso entender, o que releva é o estipulado no contrato de abertura de crédito (Doc. 1 RE), ou seja, a disponibilização pela Banco 1... à F... do valor de 1.200.000.000$00/5.985.574,76€, pelo prazo de 3 anos a contar de 25.06.1999, para financiar a construção de um empreendimento imobiliário e a mobilização de tal valor pela mutuária na sequência de vistorias a efetuar pela Banco 1... e em função do grau de realização do investimento financiado apurado em tais vistorias (cfr. nº 2 da cláusula 1ª do documento complementar integra o contrato de abertura de crédito);
7- Mas tal não resulta nem do contrato de abertura de crédito (Doc. 1 RE), nem da nota de débito (Doc. 51 RE), nem do “extrato de crédito” junto em 07.10.2024 em sede de embargos de executado pela exequente/embargada;
8- A exequente nem sequer refere que quantia foi efetivamente utilizada pela F..., apenas alegando que aquela sociedade não cumpriu cabalmente as obrigações decorrentes do contrato de abertura de crédito e deve a quantia reclamada no RE (cfr. artº 4º do RE);
9- A nota de débito junto ao RE (Doc. 51) e o “extrato de crédito” junto ao apenso de embargos em 07.10.2024 constituem documentos particulares alegadamente elaborados pela Banco 1..., exequente inicial, sendo que, quer a nota de débito, quer o “extrato de crédito”, foram feitos no interesse da mesma Banco 1..., nos quais foram lançados datas e valores, mas sem qualquer sustentação documental que possibilite à executada/embargante e ao tribunal verificar a correção de tais elementos;
10- Tais documentos foram devidamente impugnados quer quanto ao seu teor quer quanto ao seu valor probatório, não estão assinados pela mutuária F..., nem há alegação, nem prova, de terem sido enviados àquela sociedade e ter merecido a sua concordância, não podendo, por isso, considerar-se como constitutivos ou recognitivos da obrigação por aquela sociedade de forma expressa ou tácita, como refere o Mmo. Juiz a quo;
11- Os documentos juntos pela exequente no processo principal (Docs. 1 e 51) e em sede de embargos (o “extrato de crédito”) não permitem dar como provado o referido no ponto 3. dos factos provados do saneador/sentença, na parte em que é dito “…com o teor que se dá por reproduzido, constando do mesmo, além do mais, as utilizações de capital e imputação de encargos/juros e amortizações, desde 1999, quanto ao contrato de crédito acima referido...”;
12- Sendo a executada/embargante estranha ao contrato de 25.06.1999 entre a exequente Banco 1... e a mutuária F..., bem como a todo o relacionamento entre ambos, incluindo os documentos juntos pela exequente ao RE e aos embargos, a demora de mais de 14 anos para a executada/embargante ser citada, tudo aliado à declaração de insolvência da mutuária F... em 31.12.2008, evidenciam a extrema dificuldade e, mesmo, impossibilidade, de a executada/embargante obter elementos relativos ao dito contrato de abertura de crédito e seu desenvolvimento por facto imputável à exequente, facto que sempre imporia a inversão do ónus da prova quanto aos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo credor nos termos do nº 2 do artº 344º do CC;
13- Assim, ao contrário do que entendeu o Mmo. Juiz a quo, incumbia à exequente alegar e provar, para além dos valores disponibilizados pela Banco 1... e respetivas datas, os valores e datas das amortizações efetuadas pela mutuária F... na vigência do contrato de abertura de crédito, prova que não fez;
14- Não obstante o “extrato de crédito” junto pela exequente em sede de embargos, não foi junta aos autos toda a documentação necessária para comprovar o valor do crédito concedido à mutuária F... e os valores por esta amortizados, não se conseguindo saber como foi alcançado o valor reclamado na RE, motivo pelo qual deve ser retirado o ponto 3. dos factos dados como provados pela 1ª instância, devendo ser alterada a decisão proferida por este Venerando Tribunal nos termos do artº 662º, 1 do CPC;
15- Reiterando o referido nas conclusões 1ª, 2ª, 3ª e 4ª, conforme alega a exequente no artº 12º do RE o título executivo é o contrato de abertura de crédito de 25.06.1999 celebrado entre a Banco 1... e a sociedade F... (Doc. 1), complementado com a nota de débito junta como Doc. 51;
16- A determinação das obrigações pecuniárias deveria ter sido feita pela exequente logo no requerimento executivo, juntando a documentação pertinente, demonstrativa dos meios concretamente utilizados pela sociedade mutuária para movimentação dos fundos disponibilizados pela exequente e com discriminação dos respetivos montantes e datas, bem como dos valores e datas das amortizações efetuadas;
17- Não resultando do contrato celebrado - ainda que complementado com a nota de débito que constitui o Doc. 51 junto ao RE, impugnado na petição de embargos – a concessão efetiva de qualquer crédito, o que só ocorreria posteriormente com a mobilização pela mutuária do montante disponibilizado, tornava-se necessário que a exequente, logo no requerimento executivo, alegasse e demonstrasse documentalmente que a mutuária F... utilizou efetivamente todo ou parte do montante disponibilizado, como o impõem a o nº 1 do artº 715º e a alínea e) do nº 1 do artº 724º ambos do CPC - o que manifestamente não fez;
18- Sem se conhecer que valores foram disponibilizados pela credora Banco 1..., é impossível determinar os valores em dívida, máxime os valores peticionados no RE;
19- No RE a exequente juntou, para além do contrato de abertura de crédito (Doc. 1), uma nota de débito da sua autoria que constitui o Doc. 51 do RE, que não está assinada pela mutuária F..., documento que foi impugnado na petição de embargos, não podendo, por isso, considerar-se constitutivo ou recognitivo da obrigação por aquela mutuária;
20- Dos documentos juntos com o requerimento executivo (contrato e nota de débito – Docs. 1 e 51 do RE) não resulta suficientemente demonstrada, por si só, a obrigação exequenda, de acordo com o modo de constituição da mesma prevista nas cláusulas do contrato;
21- Consequentemente, os documentos apresentados - contrato de financiamento reportado no Doc. 1 do RE complementado com o Doc. 51 a ele junto - não são dotados de exequibilidade extrínseca, e, nessa medida, não constituem título executivo;
22- Em suma, a exequente não tem título executivo para demandar a executada/embargante, o que deveria ter conduzido ao indeferimento liminar do requerimento executivo nos termos do artº 726º 2 a) do CPC e, tal não tendo ocorrido, em face da matéria de facto processualmente adquirida, os embargos devem proceder com fundamento na inexistência de título executivo (artº 729º a) do CPC);
Sem prescindir,
23- Ainda que, por mera explanação de raciocínio, se considere admissível a junção do documento “extrato de crédito” em sede de embargos pela exequente/embargada como complemento do contrato de abertura de crédito e da nota de débito juntos ao RE como título executivo (Docs. 1 e 51), manter-se-ia o fundamento para a procedência dos embargos deduzidos pela inexequibilidade do título executivo, em face da ausência do valor probatório do documento “extrato de crédito” como resulta do que em cima se referiu sob as conclusões 5ª a 14ª que aqui se dão por integradas e reproduzidas;
24- Entendemos que, se bem analisada a matéria de facto e o direito consequente aplicável, a decisão da 1ª instância é errada, porquanto os embargos de executado deveriam proceder por inexistência e inexequibilidade do título executivo;
Sem prescindir,
25- Constitui requisito básico e essencial que a obrigação exequenda seja, em face do título executivo, certa, exigível e líquida (artº 713º CPC);
26- Assim, não resultando do contrato celebrado a concessão efetiva de qualquer crédito, o que só ocorreria posteriormente com a mobilização pela mutuária F... dos montantes disponibilizados, tornava-se necessário que a exequente, através de documentação complementar, demonstrasse que a mutuária utilizou efetivamente montantes do contrato de abertura de crédito celebrado em 25.06.1999 e quais os valores amortizados, para assim se alcançar o valor supostamente em dívida reclamado na execução;
27- Resulta do alegado nas conclusões 5ª a 14ª que aqui se dá por integrado emreproduzido que o facto constante do ponto 3 do douto saneador sentença, na parte que refere dar por reproduzido o teor do “extrato de crédito”, no qual consta “além do mais, as utilizações de capital e imputação de encargos/juros e amortizações, desde 1999, quanto ao contrato de crédito acima referido.” não podia ser dado como provado, devendo ser retirado o ponto 3. dos factos provados;
28- A exequente/embargada não juntou aos autos toda a documentação necessária para comprovar o valor do crédito concedido à mutuária F... e os valores por esta amortizados, não se conseguindo saber como foi alcançado o valor reclamado na RE, o que nos coloca em sede de exequibilidade intrínseca, ou da obrigação exequenda, que deve ser exigível, certa e líquida (artº 713º do CPC);
29- No presente caso, faltando tais requisitos, a execução deveria ter sido rejeitada oficiosamente (artº 734º do CPC) e, não o tendo sido em tal momento processual, a executada/embargante opôs-se à execução também com fundamento na inexigibilidade, incerteza ou iliquidez da obrigação exequenda (artºs 728º e 729º, e) do CPC), que entende ocorrer, pelo que, também por esta via, entendemos que os embargos de executado deveriam ter sido dados como procedentes;
30- Ainda que o decidido em 1ª instância fosse correto quanto à existência e exequibilidade do título executivo e aos requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação exequenda, entendemos que a decisão sempre seria censurável relativamente à questão da taxa de juros de 15,45% aplicada sobre o alegado capital em dívida;
31- No contrato de 25.06.1999 entre a Banco 1... e a F..., o que resulta do estabelecido entre as partes nos termos do artº 405º do CC, foi a referência à taxa abstrata em vigor na Banco 1... para operações ativas da mesma natureza, ou seja, operações de mútuo para fomento à construção;
32- A taxa de 11,45%, acrescida de 4% em caso de mora, foi estabelecida no contrato de abertura de crédito em 25.06.1999, por ser a taxa em vigor na Banco 1... para operações ativas da mesma natureza naquele momento temporal;
33- As taxas de juro têm vindo a descer ao longo do tempo, nomeadamente a taxa de juros remuneratórios para operações de mútuo praticadas na Banco 1... para fomento à construção, facto notório do conhecimento público;
34- A executada/embargante não foi parte no contrato de 25.06.1999 e apenas foi citada para os termos da execução em 15.04.2024, por vicissitudes que não podem ser-lhe imputáveis, antes sendo da responsabilidade da exequente/embargada a quem incumbe o impulso processual;
35- A falta de citação da executada/embargante tem como consequência que a obrigação apenas se considere vencida, quanto a ela, com a sua citação, que, no caso concreto, sucedeu em 15.04.2024;
36- Nessa medida, no caso de improcedência dos embargos, a taxa a aplicar sobre capital deve ser a que vigora em 15.04.2024, data da citação da executada/embargante e não a de 15,45% que vigorava em 25.06.1999;
37- A aplicação daquela taxa de 15,45% sobre o capital pelo período de 3 anos – como decidido em 1ª instância - implicará um acréscimo superior a 30% sobre o valor do capital;
38- A obrigação do pagamento da taxa de juros de 15,45% fixada em 25.06.1999, por ser a taxa de referência então em vigor, sempre constituiria verdadeiro abuso de direito na sua vertente do venire contra factum proprium, passível de conhecimento oficioso nos termos do artº 608º, 2. ex vi artº 663º, 2. do CPC;
39- Por tais motivos, sendo a taxa de juros atualmente aplicável pela credora inicial Banco 1... para operações ativas da mesma natureza inferior a 10% (sobretaxa de cláusula penal incluída), deve a condenação da taxa de juros aplicável ao caso concreto ser limitada ao valor máximo de 10%, já com o acréscimo de sobretaxa a título de cláusula penal, alterando-se o decido em 1ª instância em conformidade;
40- Foram violadas as disposições legais que fomos invocando ao longo das conclusões.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se o douto saneador/sentença sendo proferido acordão que declare a procedência dos embargos com a consequente extinção execução ou, sem prescindir, que seja revogado o douto saneador/sentença na parte da condenação relativa aos juros de mora à taxa de 15,45%, fixando-se tal valor no máximo de 10% (sobretaxa da cláusula penal incluída), o que será de inteira
JUSTIÇA.
A embargada apresentou contra-alegações, que termina com as seguintes conclusões:
A) Entende a aqui Recorrida, que o recurso interposto pela Recorrente é uma mera reprodução integral do conteúdo da Oposição deduzida mediante Embargos, apenas e unicamente porque a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, a qual não merece qualquer reparo;
B) O presente recurso, versa quanto à matéria de facto dada como provada – ponto 3 – quer quanto à matéria de direito, considerando a Recorrente, que o douto Tribunal a quo, enferma em erro de julgamento, na análise e apreciação dos factos carreados para os autos e, bem assim, na aplicação do Direito;
C) Desde logo, quanto aos seus efeitos, a apelação interposta pela Recorrente não tem efeito suspensivo, mas sim meramente devolutivo, porquanto não se não se enquadra nas exceções legais que conferem efeito suspensivo, cfr. previsto no artigo 647.º, n. º2 e n. º3, ambos do CPC;
D) No que respeita à matéria de facto dada como provada – ponto 3 – a mesma não carece de qualquer alteração pela Veneranda Relação;
E) No caso dos autos, tal como verificou – e bem – o Tribunal a quo, a aqui Recorrida, logo no requerimento executivo, não se limitou a juntar o contrato de abertura de crédito, mas fê-lo acompanhar da nota de débito junta como documento 51 referida nos factos provados;
F) Acresce que, tal como ficou provado, do ponto 2. dos factos provados, resulta da cláusula 12ª do documento complementar do contrato de abertura de crédito, que as partes acordaram que os documentos de débito emitidos pela Banco 1... (Cedente) seriam adequados a provar o valor em dívida, nomeadamente para efeitos de complemento do contrato quanto à sua exequibilidade;
G) Ainda assim, a Recorrida em 07.10.2024, na sequência dos embargos de executado, veio juntar o extrato de conta do contrato de abertura de crédito exequendo, o qual também traduz um dos documentos (tal como os documentos de débito) previstos no contrato como adequado a comprovar as utilizações do crédito e os valores em e onde se verificam todos os movimentos decorrentes da abertura de crédito, nomeadamente, as utilizações de capital, as amortizações efetuadas e o saldo final;
H) Como ficou provado, o próprio contrato prevê que os documentos emitidos pela própria Banco 1... (Cedente), mesmo que emitidos sem a assinatura ou colaboração do devedor/mutuário, são suficientes para fazer prova da divida e da exequibilidade do título;
I) Ainda que, por mera cautela e dever de patrocínio, se entenda que o título executivo apenas se completou com a junção do extrato de crédito nos embargos de executado, como referiu corretamente o Tribunal a quo, nada obstaria que, em caso de o mesmo não ter sido voluntariamente apresentado pela Recorrida – como ocorreu – o Tribunal a quo convidasse a Exequente a fazê-lo, como aperfeiçoamento do requerimento executivo, ao abrigo do princípio do inquisitório;
J) Aliás, a requisição de documentos por iniciativa do próprio Tribunal, tem previsão legal, nos termos e para os efeitos do artigo 436.º CPC, sendo um poder/dever do Juiz, de autorizar ou determinar diligências probatórias, que considere relevantes para a boa descoberta e esclarecimento da verdade;
K) Por outro lado, quanto ao valor probatório do extrato de crédito, do mesmo resulta todos os movimentos referentes às entregas de capital e imputação de encargos/juros e amortizações, desde 1999, quanto ao contrato de abertura de crédito;
L) De salientar que, a Recorrida teve a oportunidade de esclarecer todas as questões colocadas pela aqui Recorrente – em sede de embargos na resposta à impugnação do documento - trazendo esta novamente à colação todas as questões que já anteriormente foram devidamente esclarecidas;
M) Quanto ao montante contratado, a Recorrida esclareceu que a sociedade mutuária estava autorizada a solicitar a libertação até aquele teto máximo – pondendo solicitar uma quantia inferior - tal como consta dos movimentos registados a 25.06.1999;
N) Acresce que, quanto à forma de pagamento, no que aqui releva quanto aos juros, a Recorrida também já esclareceu que a periodicidade de cobrança de juros era trimestral (de acordo com o indexante usado) e não o pagamento semestral;
O) Por fim, quanto à questão da amortização de capital e juros, mais uma vez, a Recorrida vem reiterar, o já exposto em sede de resposta à impugnação nos embargos de executado, o qual foi devidamente comprovado com os documentos que provam os pedidos/autorizações de prorrogação das datas para amortização (inicialmente aprovadas);
P) Pelo que, a Recorrida cumpriu o ónus de demonstração do valor em divida e das utilizações de capital (com referência às datas de libertação) nos termos contratados – para efeitos da constituição do título executivo - não carecendo a douta decisão proferida de qualquer alteração quanto à matéria dada como provada e respetiva aplicação do Direito;
Q) No que toca à matéria de direito - na esteira da argumentação quanto à matéria de facto - quanto à suficiência e exequibilidade do título executivo e a ausência de foça probatória do documento junto “extrato de crédito”, vem, a Recorrente invocar, que andou incorretamente o Tribunal a quo, ao decidir pela exigibilidade, certeza e liquidez da obrigação exequenda, que constituem os requisitos básicos e essenciais da obrigação/titulo executivo (cfr. artigo 713.º do CPC);
R) Como já demonstrámos, a Recorrida procedeu à junção da nota de débito e complementou com o extrato de crédito, o qual reflete todos os movimentos efetuados, mais concretamente, datas/valores das amortizações efetuadas de capital e juros;
S) Nestes termos, a Recorrida, tornou a obrigação certa, líquida e exigível, quer em função do título e da documentação junta quer por toda a sua alegação vertida nos autos, demonstrando/provando a constituição da divida e a sua exequibilidade;
T) Acresce que, sufragamos a posição do douto Tribunal a quo, quanto à argumentação inócua da Recorrente – quer em sede de embargos de executado quer em sede de instância recursiva – sustentada em meras dúvidas e situações hipotéticas de eventuais pagamentos/imputações à divida – superiores às que se encontram refletidas no extrato – sem quaquer concretização, quer quanto ao seu montante quer quanto à data dos aludidos pagamentos e determinado o valor atual em divida;
U) Deste modo, tal como defendido na doutrina e jurisprudência, incumbe o ónus/dever ao executado/embargante, a demonstração efetiva e concretizada dos factos modificativos/impeditivos ou extintivos do direito (cfr. artigo 342.º, n. º2, do CC) e não à Exequente/Embargada;
V) Assim sendo, citando o douto Tribunal a quo, a alegação da Recorrente não traduz alegação de factos adequados a extinguir ou reduzir a dívida exequenda, pelo pagamento, não tendo, na senda da argumentação acima exposta, a virtualidade de obstar ao direito de crédito da exequente peticionado na execução e que decorre do contrato exequendo;
W) Por último, quanto à alegada inaplicabilidade da taxa de juro de 15,45% (a qual já inclui a taxa devida a título de cláusula penal de 3%), tal como decidiu – bem – o Tribunal a quo, não existe sustentação legal que suporte a inaplicabilidade da taxa de 15,45% à aqui Recorrente;
X) Conforme entendeu o Tribunal a quo, a taxa aplicável deve ser a taxa contratualmente fixada, nos termos do artigo 405.º do CC;
Y) Por este motivo, considerando que a Recorrente, embora não seja a mutuária/devedora, mas apenas a proprietária dos imóveis sob os quais foi constituída hipoteca a favor da aqui Recorrida, fica sujeita aos termos e cláusulas do contrato celebrado com a sociedade devedora;
Z) De modo que, fixando-se a taxa de juro aplicável à data da entrada da ação executiva, aplica-se a taxa de 15,45%, tal como consta do requerimento executivo;
AA) Nestes termos, deverá a Veneranda Relação do Porto, concluir pela improcedência do recurso de apelação interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão proferida pela 1.ª instância, nos seus precisos termos.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicável, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá ser considerado improcedente o Recurso interposto, concluindo-se pela improcedência de todas as suas conclusões, assim se fazendo JUSTIÇA.
O recurso foi admitido [despacho de 29 de Abril de 2025, referência nº 471249289] como de apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo, indeferindo-se o pedido de fixação de efeito suspensivo.
No exame preliminar entendeu-se nada obstar ao conhecimento do objecto do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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II - Fundamentação

Como é sabido, o teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta, onde sintetiza as razões da sua discordância com o decidido e resume o pedido [nº 4 do artigo 635º e artigos 639º e 640º, todos do Código de Processo Civil], delimita o objecto do recurso e fixa os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente.
Assim, atentas as conclusões do recorrente, mostram-se colocadas à apreciação deste tribunal as seguintes questões, enunciadas por ordem de precedência lógico-jurídica:
A) A falta de título executivo;
B) A certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação de pagamento cujo cumprimento é exigido na execução;
C) O cálculo dos juros da obrigação exequenda.

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Delimitado o objecto do recurso, importa conhecer a factualidade em que assenta a decisão impugnada.

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Factos Provados (transcrição):
1- A Banco 1..., S.A. deduziu a execução apensa, em 11.03.2010, nomeadamente contra A..., Lda., esta enquanto proprietária registada de frações autónomas sobre as quais a exequente beneficia de hipoteca registada a seu favor, em garantia de crédito concedido, em 1999, a F..., Lda., conforme requerimento executivo, com o teor que aqui se dá por reproduzido.
2- A exequente apresentou, a acompanhar o requerimento executivo, como título executivo
a. contrato de “Abertura de Crédito de Crédito…” datado de 25.06.1999, celebrado entre a Banco 1... e a F..., Lda., como teor que aqui se dá por reproduzido, constando do mesmo, além do mais, o seguinte:
“(…)













(…)








(…)





(…)”;

b. juntamente com nota de débito junta como documento 51 do requerimento executivo, com o teor que aqui se dá por reproduzido, constando do mesmo, além do mais, o seguinte:
“Deve…
CAPITAL…………………………….€ 1.677,294,74
JUROS DE 27/01/2008 A 10/03/2010……………..
………………………………………….€ 466.556,45
COMISSÕES……………………………… € 148,00
SOMA………...……………............€ 2.143.999,19”
3- A exequente, em sede dos presentes embargos, juntou, como complemento acessório do título executivo, o “extrato de crédito” apresentado com o requerimento de 07.10.2024, composto por 40 páginas, com o teor que se dá por reproduzido, constando do mesmo, além do mais, as utilizações de capital e imputação de encargos/juros e amortizações, desde 1999, quanto ao contrato de abertura de crédito acima referido.
4- A Banco 1..., S.A., emitiu, por referência ao contrato de abertura de crédito acima referido e dirigido à F..., Lda., os escritos juntos com o requerimento de 04.11.2024, com o teor que se dá por reproduzido, sendo, em síntese, os seguintes:
a. Em 19.06.2002, o primeiro escrito junto, constando do mesmo o seguinte:



b. Em 31.12.2002, o segundo escrito junto, constando do mesmo o seguinte:



c. Em 20.06.2003, o terceiro escrito junto, constando do mesmo o seguinte:



5- A execução foi deduzida em 11.03.2010 …
6- … Vindo, na sequência do despacho de 12.03.2024, que declarou a falta de citação da executada A..., Lda., a concretizar-se a citação desta, após penhora, por carta registada com AR assinado em 15.04.2024, conforme AR junto na execução.
7- A sociedade F... LDA. foi declarada insolvente por sentença de 31.12.2008, com registo da insolvência sob a ap. 2, de 06.01.2009, conforme certidão do registo comercial junta com os embargos, tendo o processo de insolvência sido encerrado por decisão de 12.05.2016, com registo sob a ap. 3, de 08.07.2016.
8- As frações autónomas “AN”, “BA”, “BJ”,”BH”, “BG”, “BB”, “BU”, “BS”, “BQ”, “BN”, “BV”, “K” da propriedade horizontal que veio a ser constituída no prédio hipotecado no contrato acima referido, descritas na Conservatória do registo predial de Valongo sob o nº 3355/19971218-Valongo foram registadas posteriormente à hipoteca a favor da executada A..., Lda. – cfr. certidões de registo predial juntas na execução.

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Factos Não Provados:

Nenhum.

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A)
Defende a embargante não dispor a exequente de título que de imediato a habilite a lançar mão de processo executivo destinado a obter o pagamento do que afirma estar em dívida pela insolvente “F... Ldª”.
Isto porque, na sua perspectiva, por um lado, «os documentos que constituem pressuposto específico da ação (título executivo), têm de estar definidos ab initio pelo credor/exequente» [conclusão 3ª], não sendo de admitir a junção de qualquer documento complementar em momento posterior do processo [conclusões 3ª e 4ª e 15ª a 22ª]; por outro, os documentos apresentados pela exequente para demonstrar a efectiva utilização da quantia disponibilizada [a nota de débito junto ao requerimento executivo como documento nº 51 e o “extrato de crédito” junto através do requerimento de 07 de Outubro de 2024] «foram feitos no interesse da mesma Banco 1..., nos quais foram lançados datas e valores, mas sem qualquer sustentação documental que possibilite à executada/embargante e ao tribunal verificar a correção de tais elementos» [conclusão 9ª], tendo sido oportunamente impugnados pela embargante, e por isso não podendo sem mais constituir fundamento do ponto 3- da matéria de facto considerada provada [conclusões 10ª a 14ª].

Com todo o devido respeito, desde logo parece evidente que a recorrente, quanto ao segundo argumento que invoca, confunde o plano da mera aparência do direito feito valer na execução [é que apenas essa aparência releva no momento da apreciação da força executiva de um documento] com o da efectiva demonstração dos seus pressupostos.
Mas vejamos.
A análise da questão deve principiar pela referência à natureza e função do título executivo no âmbito do processo de execução.
Com a atribuição dessa qualidade a determinados documentos, em função da sua natureza e características, a lei permite a quem naquele figura como credor encetar de imediato as diligências necessárias à satisfação coactiva do seu crédito sem ter de previamente recorrer a uma acção declarativa.
A classificação de um documento como título executivo é, pois, uma questão de política legislativa, prosseguindo a harmonização entre a segurança jurídica e a celeridade e eficácia do sistema.
“A razão por que a lei assinou ao título executivo a função que lhe é peculiar encontra-se realmente na relação em que o título está para com o direito substancial do exequente. As exigências da lei quanto à formação do título, os requisitos necessários para que o título tenha força executiva destinam-se a estabelecer a garantia ou a dar a segurança de que onde está um título executivo está ao mesmo tempo um direito de crédito” [Prof. Alberto dos Reis, “Processo de Execução”, Coimbra Editora, 3ª edição, 1985, 1º volume, páginas 106 e 107].
Presume-se, face ao que aparentemente resulta do documento, que o mencionado no documento/título executivo corresponde à realidade, e que, de facto, o credor é credor e o devedor é devedor.
Mas pode não ser assim, o que é precisamente objecto de discussão em sede de embargos.
Da breve exposição que antecede pretende-se apenas concluir que a qualidade de título executivo apenas atribui um específico direito a quem no documento figura como credor – o direito de agir judicialmente através do processo de execução para fazer valer o crédito indiciado no documento [«A particular situação de facto que justifica o processo executivo impõe-lhe, porém, pressupostos próprios, específicos, (designadamente…) a presença de um título como meio de certificação do direito ou obrigação. (…) Por esta sua característica o título é, assim, algo que faz as vezes do direito que vai ser realizado, e se lhe substitui (…)» (Prof. Anselmo de Castro, in “A Acção Executiva Singular Comum”, Coimbra Editora, 3ª edição, 1977, páginas 12 e 15)].
Se a aparência do crédito invocado se confirma, então o processo de execução segue os seus normais termos; se, pelo contrário, o executado demonstra que a versão que resulta do título é falsa, a execução cessa – essencial é que do título se retire a aparência suficiente da existência, certeza, liquidez e exigibilidade de um crédito [“O título executivo espelha não a certeza do direito do exequente mas tão só a probabilidade ou aparência dele” (acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23 de Março de 1999, publicado na Colectânea de Jurisprudência, 1999, tomo II, página 26); «apesar de o título executivo não se confundir com o documento que o materializa, a função probatória do documento constitui pressuposto da sua função executiva. Como sublinhado por José Lebre de Freitas, «o título executivo extrajudicial constitui documento probatório da declaração de vontade constitutiva duma obrigação ou duma declaração directa ou indirectamente probatória do facto constitutivo duma obrigação e é este seu valor probatório que leva a atribuir-lhe exequibilidade» (A Acção Executiva cit., pp. 83-84). É por isso que o documento constitui a base da acção executiva, independentemente da actual existência da obrigação, a qual não é, por via de regra, questionada neste tipo de acção» (acórdão do Tribunal Constitucional nº 847/2014, de 03 de Dezembro, disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20140847.html)].
E é por isso corrente a afirmação do título executivo como condição necessária e suficiente da execução, definindo os fins e os limites desta [nº 5 do artigo 10º do Código de Processo Civil] – precisamente em função da aparência do crédito que incorpora/indicia.
E é, também por isso, que a mera impugnação, por parte do embargante, do conteúdo do documento a que a lei reconhece força executiva obviamente não afasta, nem poderia afastar, essa possibilidade de servir de base a uma execução [os embargos deduzidos a execução fundada em outro título que não sentença ou requerimento de injunção tornado executório supõem sempre uma alegação de defesa (artigo 731º do Código de Processo Civil), a que se deverá seguir a sua prova (esta constitui, de há décadas, a orientação absolutamente pacífica dos nossos tribunais superiores – cfr, por todos, o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 12 de Fevereiro de 2003, processo nº 02B4577, disponível em www.dgsi.jstj.pt/)].
Assim, cumpre deixar claro que à força executiva do título, criando a mera aparência do direito ao respeitar os cânones legais para o efeito previamente definidos, é indiferente a posição que o executado possua ou venha a tomar relativamente a esse direito [veja-se como mesmo na hipótese prevista nos nºs 3 e 4 do artigo 715º do Código de Processo Civil a oposição do executado apenas pode ser feita valer em momento posterior ao início da execução] – e, por isso, para aferir da força executiva do documento apresentado pelo exequente mostra-se de todo em todo irrelevante que a recorrente, em embargos de executado, tenha ou não impugnado seja o que for.

Como se disse, defende também a recorrente a necessidade de o título executivo se mostrar perfeitamente cristalizado e definido no momento da apresentação do requerimento executivo em juízo, não podendo ser complementado por documentação junta posteriormente.
Mas de todo não parece que assim deva ser.
Em certos casos, como é sabido, «o legislador admite que alguns elementos da obrigação exequenda possam não constar do documento que serve de título executivo, mas de outro documento com força executiva própria ou emitido em conformidade com o documento autêntico ou autenticado apresentado como título executivo, considerando que tal constitui garantia suficiente da existência da dívida» [acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08 de Novembro de 2018, processo nº 2896/17.8T8LOU-A.P1, disponível em www.dgsi.jtrp.pt].
É o caso das situações enquadráveis no artigo 707º do Código de Processo Civil, designadamente o processo executivo fundado em documento exarado por notário em que se convencionem prestações futuras, admitindo a lei a exequibilidade desse documento mediante a demonstração, por documento passado em conformidade com as cláusulas dele constantes, que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes.
Obviamente, a falta de um tal documento apenas suscita a dúvida quanto à (in)existência da obrigação exequenda documentada no título dado à execução [afigura-se evidente que o simples desconhecimento sobre se um determinado acto foi ou não praticado não permite sem mais afirmar se o foi ou não] – e é absolutamente certo que apenas a manifesta falta ou insuficiência do título pode ser fundamento de indeferimento liminar do requerimento executivo [alínea a) do nº 2 do artigo 726º do Código de Processo Civil].
Logo, a falha na junção, no requerimento executivo, de documento comprovativo da constituição de obrigação prevista em documento exarado por notário, porque não torna evidente nem manifesta a insuficiência do título, se detectada na análise liminar do processo deve conduzir a um despacho de convite ao aperfeiçoamento [nº 4 do artigo 726º do Código de Processo Civil], traduzido na junção desse documento; se detectada em momento posterior, designadamente no âmbito de oposição à execução por meio de embargos, deve também conduzir ao mesmo despacho [nº 1 do artigo 734º do Código de Processo Civil] – tudo isto em respeito ao poder/dever de gestão processual que o nº 2 do artigo 6º do Código de Processo Civil comete ao Tribunal.
Do que resulta [dir-se-ia obviamente] não assistir razão à recorrente quando pugna pela impossibilidade de a exequente, em cumprimento do disposto no artigo 707º do Código de Processo Civil, apresentar, no âmbito dos embargos deduzidos, a documentação apta a demonstrar ter-se constituído a obrigação prevista na escritura pública dada à execução como pressuposto da exequibilidade desta.
O artigo 715º do Código de Processo Civil, que a recorrente esgrime em sua defesa, e como decorre da simples constatação da inserção sistemática da norma [fora do Título I do Livro IV do Código de Processo Civil, especificamente referente aos tipos e requisitos do título executivo; antes inserido no Título II do mesmo Livro IV, regulando as disposições gerais da execução, imediatamente após a enunciação do princípio de a obrigação constante do título executivo dever ser certa, líquida e exigível (artigo 713º do Código de Processo Civil)], não dispõe quanto à exequibilidade do título apresentado como fundamento da execução, mas antes quanto à exigibilidade da obrigação nele documentada [e não já quanto à certeza e liquidez da mesma - como linearmente decorre da circunstância de se referir aos casos de a obrigação exequenda estar dependente de condição suspensiva ou de prestação por parte de credor ou de terceiro].
E, ainda assim, mesmo este artigo 715º do Código de Processo Civil claramente admite a posterior prova pelo exequente dos requisitos da exigibilidade da dívida já constituída, e expressamente até mesmo no âmbito da oposição à execução – designadamente, que a condição ou prestação de que depende a obrigação exequenda foi satisfeita ou cumprida [nº 2 a 5 do artigo 715º do Código de Processo Civil].
Como título executivo na situação em apreço foi apresentada escritura pública que documenta a celebração de contrato de abertura de crédito em conta até ao limite de € 5 985 574,76 a favor da hoje extinta sociedade “F..., Ldª”, concedido pela “Banco 1..., SA”.
Já no âmbito deste apenso de oposição por embargos [requerimento de 07 de Outubro de 2024, referência nº 40287310], a exequente juntou extracto bancário emitido pela “Banco 1..., SA” [a mutuante, aqui originariamente exequente], relativo aos diversos movimentos efectuados no âmbito do contrato de abertura de crédito de que beneficiou a sociedade “F..., Ldª”, detalhados desde 25 de Junho de 1999 até 26 de Maio de 2009, no qual se mostram especificadas, com total clareza, as diversas utilizações de capital feitas, as amortizações realizadas, e os débitos considerados a título de juros e despesas, concluindo pela indicação de se encontrar em dívida, a título de capital, a 26 de Maio de 2009, € 1 677 248,66.
A prova da constituição de obrigações futuras convencionadas em acordo celebrado perante notário pode ser feita, como decorre da letra do artigo 707º do Código de Processo Civil, por documento passado em conformidade com as cláusulas do contrato.
Ora, da escritura pública dada à execução linearmente decorre que a antecessora da agora exequente e a mutuária “F..., Ldª”, convencionaram [cláusula 12ª do documento complementar à escritura pública dada à execução] «que o extracto da conta desta abertura de crédito e os documentos de débito emitidos pela Banco 1... e por ela relacionados com esta operação serão havidos, para todos os efeitos legais, e, designadamente, para efeitos do disposto no artigo 50º do Código de Processo Civil, como documentos suficientes para prova e determinação dos montantes em dívida, tendo em vista a exigência, justificação, ou reclamação judicial dos créditos que deles resultarem, em qualquer processo».
Escusado seria recordá-lo, em 1999 [ano da celebração do contrato que nos ocupa] vigorava o Código de Processo Civil na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro, e o seu artigo 50º corresponde, palavra por palavra, no que aqui interessa [a única diferença para a redacção hoje vigente, aqui notoriamente inócua, prende-se com a referência aos actos de outras entidades com competências semelhantes à dos notários], à redacção do artigo 707º do actual Código de Processo Civil.
Concluindo, nesta parte, nada obsta a que o documento destinado a demonstrar o cumprimento do disposto no artigo 707º do Código de Processo Civil seja apresentado pelo exequente em momento posterior ao requerimento executivo.
O que sucedeu no caso em apreço.
Quanto a esta questão improcede o recurso.


B)
Defende a recorrente que a obrigação exequenda não é certa, líquida nem exigível face ao título dado à execução [conclusões 25ª a 29ª].
Isto porque continua a entender que o extracto da conta de abertura de crédito contratada [recorde-se, somente junto nesta fase de embargos] apenas poderia ser junto com o requerimento executivo, e da documentação inicialmente apresentada não decorrem, além do mais, os valores de facto utilizados pela mutuária “F..., Ldª”, nem as amortizações por esta eventualmente realizadas.
Mais uma vez se diga não lhe assistir razão.
Ultrapassada a questão da (in)exequibilidade do título apresentado, repete-se que o indeferimento liminar do requerimento executivo apenas será admissível verificando-se excepções dilatórias insupríveis, ou quando se mostre evidente e manifesto, face aos elementos disponíveis, a inexistência de factos constitutivos ou a existência de factos impeditivos ou extintivos da obrigação exequenda [alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 726º do Código de Processo Civil].
É claro, estando a certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação exequenda dependentes de uma prestação por parte do credor [no caso dos autos, a efectiva disponibilização das quantias ao abrigo do contrato de abertura de crédito], a demonstração do cumprimento dessa prestação, e por isso da certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação exequenda, deve por princípio ser feita no requerimento executivo [nº 1 do artigo 715º do Código de Processo Civil].
Mas nada permite afirmar, como pretende a recorrente, que essa prova apenas possa ser feita no requerimento executivo.
A situação é idêntica à acima analisada a propósito da análise feita à (in)exequibilidade do título – não resultando do documento se a entrega foi ou não foi feita, ou se ocorreram ou não amortizações de capital, obviamente apenas podemos duvidar que o tenham sido.
Se a dúvida existe, não é evidente a inexigibilidade, iliquidez e incerteza da obrigação, justificando-se o convite ao aperfeiçoamento para esclarecimento da situação através da apresentação da documentação em falta.
Se o convite ao aperfeiçoamento é possível, obviamente pode e deve ser endereçado mesmo no âmbito dos embargos de executado [nº 1 do artigo 734º do Código de Processo Civil] – e por isso inexiste qualquer fundamento para desconsiderar o extracto de conta apresentado nos autos através do requerimento de 07 de Outubro de 2024, eliminando o ponto 3- da matéria de facto provada.
O facto de a recorrente, obviamente, ser terceiro relativamente ao negócio celebrado entre a “F..., Ldª”, e a “Banco 1..., SA”, com todo o devido respeito, é aqui irrelevante – é que, no caso de o dono da coisa ser pessoa diferente do devedor, é-lhe lícito opor ao credor os meios de defesa que o devedor tiver contra o crédito [nº 1 do artigo 698º do Código Civil].
Ora, na relação entre a “F..., Ldª”, e a “Banco 1..., SA” [em cuja posição a agora exequente sucedeu], e por força acordado na cláusula 12ª do documento complementar à escritura dada à execução, não constituía válido meio de defesa ao dispor da mutuária a mera impugnação do teor do extracto de conta relativo ao crédito contratado – pelo contrário, deve presumir-se a sua exactidão.
E deste extracto de conta resultam clara e linearmente todas as operações a débito e a crédito levadas a cabo no âmbito da relação jurídica a que se refere, designadamente, e ao contrário do que a recorrente incompreensivelmente afirma nas conclusões 13ª, 14ª, 20ª e 28ª do seu recurso, o valor do crédito efectivamente concedido, e o valor das amortizações feitas pela mutuária – mas respondendo ponto por ponto às dúvidas pela recorrente enunciadas a fls 7 e 8 das suas alegações, facilmente constatamos que:
a) a aparente discrepância entre o valor indicado no contrato de abertura de crédito como disponibilizado à mutuária em 25 de Junho de 1999 [€ 897 836,21] e os valores constantes do documento junto pela recorrida a 07 de Outubro de 2024 como utilizados pela mutuária nesse mesmo dia 25 de Junho de 1999 [2 x € 49 879,79] é obviamente explicável pela própria natureza do contrato em questão – a mutuante coloca à disposição do mutuário um valor que ele pode utilizar no todo ou em parte; no caso, a “F..., Ldª”, do valor global de € 897 836,21 nesse momento à sua disposição [mas recorde-se que o valor total do crédito possível ascenderia a perto de € 6 milhões, obviamente a ser libertado de forma faseada, como decorre do ponto 2 do artigo 1º do documento complementar], a 25 de Junho de 1999 apenas utilizou € 99 759,58; mas é claro que posteriormente fez novas utilizações [a 18 de Agosto de 1999, a 20 de Setembro de 1999, a 24 de Setembro de 1999, etc, etc], como lineamente decorre do documento em causa;
b) as dúvidas da recorrente quanto à contabilização dos juros facilmente se desvanecem se se conjugar o vertido na cláusula 2ª do contrato de abertura de crédito [onde se diz que o vencimento dos juros dá-se «a uma taxa nominal variável indexada à “Lisbor” a 3 meses»], com o estabelecido na cláusula 3ª do documento complementar [«os juros, calculados dia a dia, sobre o saldo do capital em dívida, serão pagos em prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira em 25 de Setembro de 1999 e cada uma das restantes no final de cada um dos semestres seguintes»] – ou seja, no acordo ficou consignado a variação da taxa de juro remuneratório aplicável de acordo com a taxa de referência a 3 meses, pelo que a cada 3 meses deveria ser feita a liquidação dos juros devidos [naturalmente, com o lançamento do valor dessa liquidação no extracto de conta associado ao contrato, como se mostra feito]; o pagamento desses juros é que deveria ocorrer semestralmente, com início a 25 de Setembro de 1999, o que não sucedeu [pelo menos nenhum lançamento relativo a pagamento de juros vencidos foi feito a 25 de Março de 2000], e por isso se compreende, por exemplo, que a 31 de Março de 2000 a “Banco 1..., SA”, tenha cobrado juros de mora;
c) a última dúvida da recorrente quanto ao teor do documento junto a 07 de Outubro de 2024 imediatamente se dissipa se a recorrente se recordar que a mutuária simplesmente não pagou a totalidade do valor em dívida na data contratualmente para tal fixada após as prorrogações do contrato – 17 de Dezembro de 2003; e, por isso, dir-se-ia obviamente, o extracto associado ao contrato foi reflectindo as movimentações relevantes no deve e haver entre as partes, posteriores a 17 de Dezembro de 2003, como o lançamento de juros ou os pagamentos parcelares feitos.

A inversão do ónus da prova que a recorrente defende [conclusão 12ª] obviamente não tem razão de ser.
É que o nº 2 do artigo 344º do Código Civil tem ínsito um juízo de censura à parte que tiver tornado impossível [ou pelo menos muito difícil] a prova ao onerado, e dos autos não resulta qualquer elemento que permita sequer supor ter a exequente, ou a “Banco 1..., SA”, praticado seja que acto for levantando à recorrente mínima dificuldade de se inteirar do valor exactamente em dívida pela “F..., Ldª”, no âmbito do contrato que nos ocupa – é que, por um lado, sendo obviamente obrigação da recorrente saber ter adquirido um imóvel onerado com hipoteca constituída para garantia de uma dívida de terceiro, o mínimo cuidado que se lhe exigia seria acompanhar a evolução dessa dívida, seja junto do devedor, seja junto do credor; por outro, declarada a insolvência do devedor, facilmente a recorrente poderia obter, junto desse processo de insolvência, todos os elementos necessários [designadamente os documentais] a conhecer o exacto valor em dívida.
Conclui-se, pois, inexistirem dúvidas quanto à certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação exequenda.
Também aqui improcede o recurso.


C)
Defende a recorrente que, no contrato celebrado entre a “Banco 1..., SA”, e a “F..., Ldª”, foi apenas feita referência à taxa abstracta em vigor na “Banco 1..., SA”, para operações de mútuo à construção, e, porque a taxa aplicável a esse tipo de operações tem vindo a descer, bem como porque a recorrente apenas foi citada para os termos da execução a 15 de Abril de 2024, a dívida exequenda apenas se pode considerar vencida quanto a si a partir dessa data, e sendo os juros calculados à taxa moratória em vigor para este tipo de operações nessa data [conclusões 30ª a 36ª].
E, defende ainda, impor à recorrente a obrigação de pagar juros moratório à taxa de 15,45% por ser a taxa vigente em 1999 traduz actuação em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium [conclusão 38ª].

Com todo o devido respeito, também aqui a recorrente se enreda numa sucessão de equívocos.
Em primeiro lugar, a recorrente não está em mora; nestes autos não está em causa qualquer dívida sua vencida.
Quem não pagou no momento em que devia foi a “F..., Ldª”, e é apenas o atraso no pagamento por esta devido que constitui a mora aqui relevante.
Apenas sucede que à satisfação da indemnização devida por esse atraso está afecto um imóvel hoje pertença da recorrente – hipótese que a recorrente obviamente tinha a obrigação de conhecer no momento em que adquiriu tal imóvel.
Tão só.
Em segundo lugar, o teor do contrato é claríssimo quanto à obrigação de pagamento de juros em caso de mora [artigo 4º do complemento complementar ao contrato] – são devidos à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor na “Banco 1..., SA”, para operações activas da mesma natureza [11,45% em Junho de 1999], acrescida de uma sobretaxa até 4%/ano, a título de cláusula penal.
Ou seja, contratualmente não se mostra prevista a aplicação de uma taxa de juro moratório fixa.
E, recordando que a 11 de Março de 2010 [data da instauração da execução] a exequente exigia o pagamento de € 1 677 294,74 a título de capital e € 466 556,45 a título de juros moratórios vencidos desde 21 de Janeiro de 2008, facilmente constatamos que a taxa média anual considerada foi de 13,01646%, e não 15,45%.
Em terceiro lugar, é no caso notoriamente irrelevante que a taxa de juro remuneratório mais alta em vigor para operações activas da mesma natureza junto da “Banco 1..., SA”, seja actualmente [isto é, 2024 e/ou 2025] inferior a 10%/ano.
Pelo simples motivo de, como se refere na decisão recorrida [em cumprimento do disposto no nº 2 do artigo 693º do Código Civil], os juros moratórios aqui a considerar são apenas os relativos a 3 anos – ou seja, 2008, 2009 e 2010.

Por último, simplesmente não se vê qual a actuação da recorrida em abuso de direito a que a recorrente se refere.
Ocorre actuação com abuso de direito quando o titular deste excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico e social desse direito [artigo 334º do Código Civil].
A confiança inter-subjectiva constitui noção pré-jurídica a que o direito reconhece relevo fundamental, tornando-a critério de regulação.
«Assim tem de ser, pois poder confiar é uma condição básica de toda a convivência pacífica e da própria possibilidade da comunicação dirigida ao entendimento, ao consenso e à cooperação (logo, da paz jurídica)» [Prof. Baptista Machado, in “Tutela da Confiança e Venire Contra Factum Proprium”, Obras Dispersas, volume I, Braga, 1991, página 352].
Assim, a tutela da legítima confiança manifesta-se na concreta regulamentação de diversos institutos do direito civil, muitas vezes como limitadora dos efeitos resultantes da aplicação estrita das normas positivas.
Revela-se, desde logo, naquele que actua segundo a boa fé normativa, por esse motivo beneficiando de protecção [fundada na confiança legítima que está na base da conduta] em detrimento daquele que confia na aplicação estrita do direito.
Que a não aplicação de uma norma para tutela da legítima expectativa representa a escolha entre duas condutas que se norteiam pela confiança [de um lado, confiança no recto e honesto actuar, em valores que enformam e são prosseguidos pelo ordenamento jurídico; de outro, a confiança na aplicação do direito] constitui factor a ter sempre presente quando se analisa e decide o caso concreto.
Neste sentido, aliás, o artigo 334º do Código Civil apenas considera ilegítimo o exercício de um direito quando revele excesso manifesto dos limites impostos pela boa fé.
Isto porque aquele a quem o ordenamento jurídico reconhece um direito deve confiar que livremente o pode exercer, apenas de tal devendo ser impedido quando clamorosa, manifesta e intoleravelmente viole a ideia de Justiça ou o sentimento jurídico socialmente dominante.
Por outro lado, a boa fé [quer no sentido psicológico, enquanto ignorância desculpável; quer no sentido normativo, enquanto dever de conduta] não é um sentimento, uma névoa difusa que cada um pode invocar a seu favor sempre que lhe falece outro abrigo; é sim, e deve ser, um essencial instrumento técnico-jurídico, de contornos e aplicação precisos.
No caso em apreço, a recorrida instaurou em 2010 o processo de execução de que os presentes embargos constituem apenso.
E, 15 anos volvidos, continua pacientemente à espera de receber o valor que lhe é devido e cujo pagamento o imóvel pertença da recorrente garante.
Esta garantia a que o imóvel estava e está afecto sempre foi do conhecimento da recorrente, independentemente da sua citação para os termos do processo apenas ter ocorrido em 2024 – pelo que simplesmente não se vê a que título a recorrente pode ter razoavelmente confiado que a garantia não seria feita valer em toda a sua extensão, designadamente quanto a juros.
E não se vê que qualquer actuação da actual exequente ou da sua antecessora “Banco 1..., SA”, tenha por qualquer forma contribuído para o indiscutível atraso que o processo conheceu.
Não ocorre o abuso invocado.
O recurso improcede na íntegra.

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Sumário – nº 7 do artigo 663º do Código de Processo Civil:
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Dispositivo:

Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a 3ª secção deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

Custas a cargo da recorrente – artigo 527º do Código de Processo Civil.

Notifique.









Porto, 2025/6/4.

António Carneiro da Silva
Isabel Peixoto Pereira
Manuela Machado