I - O incidente de intervenção principal é uma alteração à estabilidade da instância (artigo 260.º do Código de Processo Civil) na sua vertente subjectiva (artigo 262.º, alínea b) do Código de Processo Civil).
II - Os pressupostos da litigância de má fé encontram-se regulados no artigo 542.º citado, podendo distinguir-se entre aqueles que têm natureza subjectiva dos que têm natureza objectiva, havendo tal tipo de litigância quando estão reunidos os pressupostos das duas mencionadas naturezas.
Juízo de Comércio de Amarante - Juiz 1
RELAÇÃO N.º 198
Relator: Alberto Taveira
Adjuntos: Márcia Portela
Artur Dionísio Oliveira
I - RELATÓRIO.
AS PARTES
R.: Massa insolvente de B... S.A.
Intervte principal: massa Insolvente da C... SA
Intervtes acessórios: AA e a
Sociedade D..., Sociedade de Advogados, SP, RL
Para fundamentar a sua pretensão a Autora alega, em síntese, que por via da resolução de negócio, transação judicial homologada por sentença, no Apenso I, comunicada pela Administradora de Insolvência nomeada à Insolvente C... S.A., que veio a ser declarada válida e eficaz, por decisão transitada em julgado em ação que correu termos no J3 deste Juízo de Comércio, o que fez ressurgir automaticamente a situação precedente no que concerne aos efeitos reais causados pelo contrato resolvido, tendo a Autora deixado de ser proprietária dos oito imóveis identificados no artigo 5 da sua petição inicial, pelo que a Ré Massa Insolvente da B... S.A. está obrigada a restituir-lhe o montante de 675.000,00 euros, correspondente ao preço que lhe pagou pela aquisição destes oito prédios.
Requereu a intervenção principal da massa Insolvente da C... e dos terceiros a quem entregou a quantia paga pela Autora, no interesse e por expressa indicação da C..., que foi também interveniente na transação objeto de resolução de negócio, AA e a sociedade D..., Sociedade de Advogados, SP, RL.
Alega a R. que a relação material controvertida nos termos do artigo 30.º do Código de Processo Civil abrange a intervenientes e têm interesse em contradizer a pretensão da A.. Em alternativa, a R. pede a intervenção principal acessória, “tendo em conta a possível acção de regresso”, nos termos do artigo 321.º do Código de Processo Civil.
A A. respondeu, pugnando pela improcedência dos pedidos de intervenção de terceiros formulados pela R. e mais pediu a condenação da R. como litigante de má fé:
“Condenar a Ré como litigante de má-fé ao pagamento de uma multa condigna e de uma indemnização à parte contrária que pague pelo menos os honorários do seu mandatário que se cifram em 49 200€ (40 000€ mais IVA)”.
A R. respondeu ao pedido de condenação como litigante de má fé.
Na fundamentação podemos ler: “Assim, não tendo a Autora interposto a ação também contra a “C..., S.A.”, no caso contra a sua massa insolvente, podia a Ré Massa Insolvente de “B... S.A.” vir pedir a intervenção principal provocada da massa Insolvente da “C..., S.A.”, ao abrigo do disposto no artigo 316.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, como o fez.“.
Na sequência de tal citação, a massa Insolvente da C... veio contestar, pugnando pela sua não condenação a pagar o que quer que seja à Autora, por não ter sido parte da Transação efetuada, já que a mesma ocorreu antes da declaração de insolvência da C..., por isso a massa insolvente nada recebeu e, a existir alguma divida, será sobre a insolvência e não sobre a massa insolvente.
Quanto aos Intervenientes, a título Acessório, AA, apenas juntou procuração a constituir mandatário, e a sociedade D..., Sociedade de Advogados, SP, RL apresentou requerimento onde pugna que a sua intervenção não devia ter sido admitida, já que a quantia recebida e entregue pela Ré foi para pagamento dos honorários pelos serviços prestados à C..., pelo que nada tem a restituir à Ré em caso de condenação desta a pagar à Autora a quantia peticionada.
Foi identificado o objeto do litígio – traduz-se na verificação dos pressupostos para a ré “Massa Insolvente de “B... S.A.” ser condenada à Autora “A... Lda.” a quantia de €675.000,00 (seiscentos e setenta e cinco mil euros), acrescida da quantia de 6.731,51 euros, a titulo de juros de mora, calculados à taxa legal desde 16/01/2023, e dos juros de mora vincendos até integral pagamento. –, enunciados os factos que o Tribunal considerou já provados, por Acordo das partes e por Documentos, e foram fixados os Temas da Prova:
1. Apurar se na data em que foi celebrada a transação judicial no Apenso I, 19.10.2018, sobre os prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob os n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... se encontrava registada a hipoteca voluntária constituída em 03.04.2018 a favor de AA.
2. Apurar se na sequencia da entrega feita pela massa Insolvente da “B... S.A.”, da quantia de 550.000 euros, a AA, através do cheque n.º ... foi efetivamente efetuado o distrate das hipotecas que incidiam sobre os prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob os n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ....
3. Apurar se na sequência das decisões proferidas nos Acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação do Porto e pelo Supremo Tribunal de Justiça, no processo n.º 1044/18.1T8AMT, a massa insolvente da C..., S.A restituiu à massa Insolvente da “B... S.A.” a quantia de 550.000 euros, que esta havia entregue a AA, aquando da transação judicial realizada no Apenso I, para distrate das hipotecas constituídas sobre os prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob os n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ....
4. Apurar se na sequência das decisões proferidas nos Acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação do Porto e pelo Supremo Tribunal de Justiça, no processo n.º 1044/18.1T8AMT, a massa insolvente da C..., S.A restituiu à massa Insolvente da “B... S.A.” a quantia de 125.000 euros que a C..., S.A recebeu através dos cheques n.ºs ..., no valor de 95.0000 euros, e ..., no valor de 30.000 euros, ambos sacados sobre o Banco 1..., S. A. e emitidos, por expressa indicação da C..., S.A, à ordem da C..., S. A. e D..., Sociedade de Advogados SP, RL, respetivamente.
5. Apurar se a Autora age com abuso de direito ao vir peticionar a condenação da Ré B... S.A.” a restitui-lhe a quantia de 675.000,00 euros, por tal quantia não ter ficado na posse da Ré, antes ter sido entregue à C..., S.A e a AA para que os imóveis transumidos à Autora da Transação Judicial que veio a ser objeto de resolução lhe fossem transmitidos livres de quaisquer ónus ou encargos, e sem que tivesse demandado na ação os outros intervenientes em tal transação, designadamente a massa insolvente da C..., S.A, que foi quem beneficiou da resolução do negócio transação em causa, ficando com os imóveis livres do ónus da hipoteca constituída a favor de AA.
6. Apurar se a conduta processual da Autora violou o dever de boa-fé processual, em razão de ter adulterado os factos essenciais em que baseia a sua Ação.
7. Apurar se a conduta processual da Ré violou o dever de boa-fé processual por alegar factos que sabe não corresponderem à verdade e que contradizem frontalmente os factos dados como provados no processo n.º 1044/18.1T8AMT, por decisão transitada em julgado onde igualmente foi parte.
Após audiência de julgamento, é proferida sentença, julgando a demanda procedente.
Foi interposto recurso pela A., no qual arguiu a nulidade da decisão por omissão de pronúncia quanto à litigância de má fé, tendo igualmente recorrido a interveniente Massa Insolvente de C..., SA, com outros fundamentos.
Admitidos os recursos, da A. e interveniente, foi proferido Acórdão por este Tribunal da Relação do Porto nos seguintes termos:
“Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar procedente a apelação, declarando a nulidade da sentença proferida, com devolução dos autos ao Tribunal recorrido para que elabore nova sentença desprovida da nulidade apontada e verificada.”
Baixaram os autos à primeira instância, tendo sido proferida nova sentença.
*
DA DECISÃO RECORRIDA
“Pelo exposto, em conformidade com as disposições legais citadas o Tribunal decide:
I- julgar a ação instaurada pela Autora totalmente procedente, por provada e, em consequência, condenar a Ré Massa Insolvente da B... S.A a pagar à Autora a quantia de €675 000,00 (seiscentos e setenta e cinco mil), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal vencidos desde 16/01/2023, no montante de 6 731,51 euros, e vincendos até efetivo e integral pagamento;
II- Condenar a Interveniente Principal massa insolvente da C... a restituir à Ré Massa Insolvente da B... S.A a quantia de 550 000 euros que esta vai pagar à Autora, a título de enriquecimento sem causa;
II- condenar a Ré Massa Insolvente da B... S.A no pagamento das custas da presente ação.
IV- Absolver a Ré massa Insolvente da B... S.A. do pedido de condenação como litigante de má-fé.”
DAS ALEGAÇÕES
RECURSO I
“Pelo exposto, e com o douto suprimento de V./Ex.as., deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se, nos termos supra, a sentença sub censura.”.
“I – A sentença recorria aplica indevidamente, no que concerne à condenação da Apelante na restituição da quantia de € 550.000,00 euros, o instituto do enriquecimento sem causa (art. 473 e 474.º. ambos do CC), ignorando a sua natureza subsidiária e a existência de normas específicas de insolvência aplicáveis ao caso, designadamente os arts. 120.º e seguintes do CIRE.
II – A condenação da Massa Insolvente da C... a restituir a quantia de € 550.000,00 euros parte de uma leitura, a nosso ver, errada do regime e dos efeitos da resolução de negócios em benefício da massa, ignorando que os atos praticados pela Ré, Massa Insolvente da B... – concretamente, e no que aqui importa, o pagamento da quantia de € 550.000,00 euros a AA -, foram realizados no âmbito de obrigações contratuais assumidas voluntariamente, sem que tal constitua ou configure benefício indevido para a Apelante.
III – A Apelante não foi a beneficiária do pagamento da quantia de € 550.000,00 euros.
IV – Os atos praticados pela Massa Insolvente da B... enquadram-se na figura da gestão de negócios alheios, regulada pelos artigos 464.º e seguintes do Código Civil.
V – Quando muito, a questão poderia ser enquadrada no âmbito deste instituto, e não no do enriquecimento sem causa.
VI – Inexiste enriquecimento líquido da Massa Insolvente, aqui Recorrente:
a. os valores pagos pela Ré forma destinados a satisfazer obrigações legítimas, sem benefício direto para a C...;
b. os imóveis retornaram, entretanto, à Massa Insolvente da C..., exclusivamente por força da resolução em benefício da massa, e não por locupletamento.
VII – A sentença contraria jurisprudência consolidada, que considera inaplicável o enriquecimento sem causa em situações regidas por regimes específicos, como o regime de insolvência.
VIII – Subsidiariamente, sempre se deveria considerar que qualquer eventual obrigação de restituição da Apelante não constitui uma dívida da massa insolvente, mas sim um crédito sobre a insolvência, nos termos do artigo 47.º do CIRE.
IX - A decisão recorrida viola o princípio da igualdade entre credores (par conditio creditorum), ao favorecer a Massa Insolvente da B... em detrimento dos demais credores da C....
X - Haverá, logo, que concluir pela improcedência da restituição a cargo da Apelante, a favor da Ré, devendo revogar-se o segmento da sentença que alude à restituição da quantia de € 550.000,00 euros.”
Apresenta as seguintes conclusões.
A. A recorrente, delimitou o seu recurso, a parte da sentença proferida, recorrendo apenas, naturalmente, quanto ao que lhe foi desfavorável, pelo que constitui apenas o objecto do recurso, aferir da decisão da apelante ter que restituir a quantia de 550.000,00€, a titulo de enriquecimento sem causa, à Ré MI B....
B. Bem andou o tribunal ‘a quo’ ao assim decidir, não merecendo o douto aresto qualquer reparo, pois decidiu de forma justa e legal, o mérito das questões suscitadas nos autos quanto a todos os intervenientes processuais.
C. Face aos factos provados, é inequívoco que no âmbito do acordado e constante da transação celebrada, a MI B... procedeu ao pagamento ao credor hipotecário, extinguindo as hipotecas existentes, em beneficio da C....
D. Perante a anulação da transação e de todos os seus efeitos jurídicos à data da sua celebração, em teoria, deveriam ser repostas as hipotecas, e o credor hipotecário devolver a quantia recebida, mas na prática isso não é possível.
E. Sendo aquela quantia, em teoria a pagar ao credor hipotecário, da responsabilidade da MI C..., da qual ficou exonerada por via do pagamento realizado pela MI B..., é efectivamente neste contexto, e bem, e perante estes factos, que surge, então, a decisão do tribunal ‘a quo’ em condenar a Apelante a restituir a quantia de € 550.000,00 euros à Ré MI B....
F. A Massa Insolvente da C..., enriqueceu, injustificadamente, à custa da Ré, Massa Insolvente B....
G. Ao contrário daquilo que pugna a apelante para contrariar a aplicação do regime jurídico do enriquecimento sem causa, invocando a gestão de negócios, o que está em causa não é o retorno dos prédios para a esfera jurídica da MI C...
H. O que justifica e fundamenta o enriquecimento sem causa da MI C... é a libertação do ónus, esta em ter que pagar a quantia de 550.000,00€ ao credor hipotecário, por ter esse pagamento sido realizado pela Ré MI B....
I. Extinguiu-se uma obrigação da MI C..., da qual ficou liberta, à custa do pagamento da MI B..., pelo que, assim, resultou para a esfera jurídica e património desta, um manifesto e injustificado prejuízo, verifica-se efectivamente um enriquecimento sem causa da MI C....
J. Também não existe por via da douta sentença proferida, qualquer violação das regras do CIRE ou do tratamento de igualdade entre credores, ou qualquer favorecimento de uns em detrimento de outros.
*
RECURSO II
“Atento o exposto, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e, por conseguinte deve ser revogada a parte da douta decisão que absolve a ré massa insolvente do pedido de litigante de má fé e ser substituída por uma outra que considera como provado o tema 7 dos temas de prova e por conseguinte, condene a Ré massa insolvente B... como litigante de má-fé ao pagamento de uma multa condigna e de uma indemnização à parte contrária que pague pelo menos os honorários do seu mandatário que se cifram em 49 200€ (40 000€ mais IVA) “.
“1. Nos artigos 5, 12, 13, 14, 15, 17, 18, 19, 20, 21, 22 e 25 da sua contestação a Ré Massa Insolvente B... alega factos que bem sabia não corresponderem à verdade e que contradizem frontalmente os factos dados como provados no processo 1044/18.1T8AMT, por decisão já transitada em julgado e em que a Recorrente e a Ré eram partes
2. O tribunal a quo na decisão recorrida dá como provados os factos B) até N) com base no teor dos factos provados e na decisão final proferida no processo 1044/18.1T8AMT, que correu seus termos no J3 do comércio de Amarante, decisão transitada em julgado em que foram partes a Autora A... e a Ré Massa insolvente de B...
3. O facto provado B) da sentença recorrida contraria frontalmente os factos alegados nos artigo 5, 12, 13, 14, 15, 17, 18, 19, 20, 21, 22 e 25 da contestação da Ré Massa Insolvente B...
4. O tribunal a quo proferiu a sentença recorrida sem que qualquer das partes produzisse qualquer prova testemunhal em sede de audiência de discussão e julgamento
5. o tema de prova 7 elaborado pelo tribunal a quo no despacho saneador proferido em 19 de julho de 2024 com o seguinte teor: Apurar se a conduta processual da ré violou o dever de boa-fé processual por alegar factos que sabe não corresponderem à verdade e que contradizem frontalmente os factos dados como provados no processo n.º 1044/18.1T8AMT por decisão transitada em julgado onde igualmente foi parte deveria ter sido dado como provado
6. o tribunal a quo reconhece que a recorrida alega factos que contrariam frontalmente factos já considerados provados em sentença transitada em julgado da qual foi igualmente parte, mas em vez de considerar como provado o tema de prova 7 e em consequência condenar a Ré como litigante de -má-fé, eufemisticamente considera que foi um comportamento temerário
7. O tribunal a quo teria de condenar a ré como litigante de má-fé seguindo a jurisprudência do STJ designadamente a do Acórdão do supremo tribunal de Justiça de 30/09/2024, em que é relator Araújo Barros que dispõe que
II O artigo 256º do Código de Processo Civil, ao referir, na redação advinda da Reforma de 1995, o dolo ou negligência grave como tipificadores da litigância de má fé, passou a sancionar, ao lado da litigância dolosa, a litigância temerária: quer o dolo, quer a negligência grave, caracterizam hoje a litigância de má fé, com o intuito, como se lê no preâmbulo do diploma, de atingir uma maior responsabilização das partes.
III Litiga de má fé a parte que, verificado que em Acórdão do STJ anterior, proferido em acção ordinária que correu entre as mesmas partes e em que foi expressamente operada a compensação de um crédito que detinha sobre a contraparte, vem requerer procedimento cautelar de arresto para proteger a garantia patrimonial daquele crédito já extinto.
8. No mesmo sentido, temos o acordão do STJ de 18/02/2015 em que é relator Silva Salazar q
9. A douta decisão a quo viola claramente o artigo 542 do CPC”.
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Apresenta as seguintes conclusões.
A. A Autora A..., recorrente, delimitou o seu recurso, a parte da sentença proferida, recorrendo apenas quanto ao que lhe foi desfavorável «…na parte em que não condenou a Ré Massa Insolvente de B... S.A., como litigante de má-fé, ao pagamento de uma multa condigna e de uma indemnização à Autora no montante de 49.200 Euros;»
B. Constitui este e apenas este o objecto do recurso, ou seja, aferir da litigância de má-fé da recorrida e da indemnização no valor pretendido de 49.200,00€.
C. Não existem quaisquer sinais ou evidências de má fé da Ré ora recorrida, tanto mais, que o tribunal ‘a quo’, também deu razão parcialmente à Ré, sendo a acção parcialmente provada.
D. Quanto à litigância de má-fé, diga-se, a Ré não litiga de má-fé, pois, atenta a relação material controvertida, como tal estabelecida e delineada entre a autora e ré, pretendendo a devolução de um valor pago, atenta a invalidade da transacção, e, perante a defesa da ré, atenta a causa de pedir, o teor e contornos da transacção celebrada, os pagamentos efectuados pela ré, e seus destinatários, que foram todos os por si chamados,
E. Pelo que, não se tratou de protelar ou atrasar o que quer que seja, ou de deduzir factos manifestamente falsos ou infundados, pois, não só são verdadeiros, constam expressamente do texto da transacção, como deles a autora tem conhecimento, e não os pode ignorar, e aos mesmos deu causa, pois, também com eles se conformou ao aceitar celebrar como celebrou com esse conteúdo a mesma e única transacção.
F. Pelo que, não litiga a Ré de má-fé, limita-se a exercer o seu legitimo direito de defesa, pretendendo trazer de forma clara, transparente e leal para a lide, todos quantos beneficiaram e receberam o dinheiro que a autora pagou e que agora pretende receber restituído pela ré,
G. Em suma, face ao exposto, não deve a ré ser condenada como litigante de má-fé, nem em multa, nem em qualquer indemnização à autora, muito menos pelo valor de 40.000,00€ (acrescido de IVA), o qual se reputa de manifestamente exagerado e desproporcionado, e não provado quer de facto quer de direito, tendo nomeadamente em conta, a contribuição da responsabilidade da própria autora e ora recorrente para todo este «embroglio».
*
II-FUNDAMENTAÇÃO.
Como se constata do supra exposto, as questões a decidir, são as seguintes:
A) Erro de julgamento quanto à aplicação do instituto jurídico de enriquecimento sem causa aos autos – recurso I.
B) Da verificação da litigância de má fé da R., Massa insolvente de B... S.A. - recurso II.
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OS FACTOS
“A. Factos provados:
Por acordo das partes, atentas as versões constantes dos respetivos articulados, por documentos juntos aos autos com força plena e/ou não impugnados, designadamente o teor da sentença proferida nos autos principais, o teor da transação homologada por sentença no Apenso I, e os documentos juntos a este apenso que se devam considerar com força probatória plena ou que não se devam considerar impugnados, designadamente, o teor dos factos provados no Acórdão proferido no Tribunal da Relação do Porto no processo 1044/18.1T8AMT que correu termos no J3 deste Juízo de Comércio, o Tribunal considerou em sede de Saneador que se encontram provados os seguintes factos:
A) A “B... S.A.” foi declarada insolvente por sentença proferida nos autos principais, em 30.08.2017, transitada em julgado em 20.09.2017.
B) No âmbito do Apenso de Liquidação da massa insolvente da “B... S.A.” foi agendado para o dia 29.11.2017, pelas 14:30 horas, o leilão destinado à venda da totalidade do património da “B... S.A.”, do qual faziam parte 120 lotes, que incluíam todo o equipamento industrial e todos os imóveis de que a insolvente era proprietária.
C) O lote ... era composto pelos seguintes prédios rústicos:
i) Prédio Rústico - Correspondente a um Campo... e Campo 1..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o número ..., e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., freguesia ..., concelho de Paredes;
ii) Prédio Rústico - Campo 2..., Descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o n.º ..., e inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º ..., freguesia ..., concelho de Paredes;
iii) Prédio Rústico - Pastagem e Pinhal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o n.º ..., e inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º ..., freguesia ..., concelho de Paredes;
iv) Prédio Rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o n.º ..., e inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º ..., freguesia ..., concelho de Paredes;
v) Prédio Rústico - Pastagem, ramada e pinhal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o n.º ..., e inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º ..., freguesia ..., concelho de Paredes;
vi) Prédio Rústico Descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o número ..., e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., freguesia ..., concelho de Paredes;
vii) Prédio Rústico Descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o n.º ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º ..., freguesia ..., concelho de Paredes;
viii) Prédio Rústico - Correspondente a um Pinhal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o número ..., e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., freguesia ..., concelho de Paredes;
D) Por contrato promessa datado de 10.07.2016, a B..., S.A. prometeu vender à C..., S.A., que lhe prometeu comprar, pelo preço global de 586.890,00 euros, os prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob os números ..., ..., ..., ..., ... e ..., tendo sido pago a título de sinal, a quantia de 200.000,00 euros.
E) Em 15.12.2017, a massa Insolvente da B..., S.A. outorgou com a C... S.A. um aditamento ao contrato promessa de compra e venda celebrado em 10.07.2016, nos termos do qual a C... prometia comprar os prédios que compunham o lote ... do Auto de Apreensão de Bens, correspondentes aos prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob os n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., pelo preço global de 455 000,00 euros, e assumiu a responsabilidade total por quaisquer direitos que venham a ser reclamados por terceiros no que concerne aos imóveis objeto do negócio, renunciando ao direito de reclamar da massa insolvente o que quer que seja tendo em conta o mesmo objeto do negócio, estabelecendo ainda que o contrato definitivo deveria ser celebrado até ao dia 31.01.2018, incumbindo à C... a marcação da escritura e ainda que o incumprimento pela C... SA dos prazos estipulados ou a não realização do contrato definitivo por facto a ela imputável resultará, automaticamente e sem qualquer outra interpelação, na resolução do contrato por facto imputável à promitente compradora.
F) Na mesma data do aditamento ao contrato-promessa, a C..., SA, representada pelo então legal representante declarou que, caso não consiga cumprir as obrigações emergentes daquele aditamento ao contrato-promessa outorgado a 15.12.2017, designadamente no que respeita aos pagamentos aí consignados e aos prazos aí prescritos, renuncia expressamente e sem qualquer reserva, à possibilidade de interpor, contra a massa insolvente B..., S.A, qualquer ação ou procedimento judicial relacionada com o cumprimento do dito contrato ou com qualquer questão que possa contender com as operações de liquidação do acervo da mesma.
G) Mais declarou que o incumprimento da obrigação supra assumida importa para a C..., SA, a título de cláusula penal, a obrigação imediata de indemnizar a referenciada massa insolvente no montante correspondente ao valor de adjudicação dos prédios objeto do contrato promessa subscrito, no montante de 455.000,00 euros.
H) A Administradora de Insolvência da Massa Insolvente B..., S.A enviou à C..., SA, carta registada com aviso de receção a 20.03.2018, comunicando-lhe que considerava o contrato definitivamente incumprido por motivo imputável a esta última e que a escritura definitiva não iria ser celebrada.
I) Por contrato de compra e venda celebrado em 03.04.2018, a Massa Insolvente da B..., SA e a C..., SA, esta na qualidade de compradora, celebraram contrato de compra e venda dos prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob os números ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... (que compunham o lote ... do Auto de Apreensão de bens), pelo preço de 455.000,00 euros.
J) No apenso I, Ação Comum, no dia 19.10.2018, entre a A..., Lda., a Massa Insolvente de B..., S.A. e a C..., S.A. foi celebrada transação judicial, homologada por sentença proferida na mesma data, nos seguintes termos:
“A) As Rés aceitam a procedência total do primeiro e segundo pedidos efetuados pela Autora, pelo que requerem:
1) Que seja declarado nulo e ineficaz o contrato de compra e venda celebrada no dia 3 de Abril de 2018 (e cuja cópia se junta sob a forma de documento 1) entre a Primeira Ré e a Segunda Ré relativa aos seguintes bens:
a) Prédio Rústico - Correspondente a um Campo... e Campo 1..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o número ..., conforme certidão permanente código de acesso ... (doc. 2) e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., freguesia ..., concelho de Paredes (doc. 3);
b) Prédio Rústico - Campo 2..., Descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o n.º ..., conforme certidão permanente código de acesso ... (doc. 4) e inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º ..., freguesia ..., concelho de Paredes (doc. 5);
c) Prédio Rústico - Pastagem e Pinhal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o n.º ..., conforme certidão permanente ... (doc. 6) e inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º ..., freguesia ..., concelho de Paredes (doc. 7);
d) Prédio Rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o n.º ..., conforme certidão permanente ... (doc. 8) e inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º ..., freguesia ..., concelho de Paredes (doc. 9);
e) Prédio Rústico - Pastagem, ramada e pinhal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o n.º ..., conforme certidão permanente ... (doc. 10) e inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º ..., freguesia ..., concelho de Paredes (doc. 11);
f) Prédio Rústico Descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o número ..., conforme certidão permanente ... (doc. 12) e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., freguesia ..., concelho de Paredes (doc. 13);
g) Prédio Rústico Descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o n.º ..., conforme certidão permanente ... (doc. 14) e inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º ..., freguesia ..., concelho de Paredes (doc. 15);
h) Prédio Rústico - Correspondente a um Pinhal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o número ..., conforme certidão permanente ... (doc. 16) e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., freguesia ..., concelho de Paredes (doc. 17);
Tudo conforme documentos 1 a 17 cujo conteúdo aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os devidos feitos legais.
Por força da anulação supra referida serão repristinados o registo da declaração de insolvência na Conservatória do Registo Predial nos termos da inscrição levada a efeito pela apresentação três mil e cem de vinte e oito de novembro de dois mil e dezassete.
Bem como o registo dos prédios supra identificados a favor da sociedade insolvente pela inscrição AP ... de três de outubro de dois mil e catorze e declaração da insolvência pela inscrição AP ... de vinte e oito de novembro de dois mil e dezassete.
2) Que sejam anulados os registos de aquisição a favor da Segunda Ré e todos os registos subsequentes.
B) No que concerne ao Terceiro pedido, as partes acordam na procedência parcial do mesmo, declarando a Primeira Ré que, pelo presente, declara transmitida à Autora e esta aceita a transmissão da propriedade dos oito bens imóveis supra melhor identificados nas alíneas a), b), c), d), e), f), g), h) - livres de quaisquer ónus ou encargos - pelo preço global de seiscentos e setenta e cinco mil euros, dando a aqui Primeira Ré quitação do preço, declarando nada mais ter a receber da Autora, seja a que título for.
Para pagamento do preço de seiscentos e setenta e cinco mil euros a Autora entrega à primeira Ré na presente data o cheque bancário do Banco 2... n.º ....
C) Dada a procedência dos pedidos principais, os pedidos subsidiários ficam prejudicados, nada havendo a transigir quanto aos mesmos.
D) Os oito prédios são vendidos em sede do processo de insolvência supra referido, completamente devolutos de pessoas e coisas, livre de quaisquer ónus ou encargos, de direitos de servidão, de quaisquer relações locatícias, de comodatos e de direitos de retenção, bem como isentos de IMT ao abrigo do preceituado no n.º 2) do artigo 270 do CIRE e isentos de imposto de selo ao Abrigo da alínea e) do artigo 269 do CIRE
Na presente compra e venda não houve qualquer mediação imobiliária.
A Primeira Ré procede nesta data aos seguintes pagamentos:
550.000 euros a AA, NIF ..., Casado com BB no regime de Separação de bens, residente na Rua ..., ..., ..., Paredes, através do cheque n.º ... para distrate das hipotecas que incidem sobre os imóveis, registadas pela AP ... de 2018/04/03 distrate esse que se encontra assegurado, conforme declaração que se junta sob a forma de documento 18 e cujo conteúdo aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais.
125 000 euros à Segunda Ré para pagamento de benfeitorias, através dos cheques n.ºs ..., no valor de 95.0000 euros, e ..., no valor de 30.000 euros, ambos sacados sobre o Banco 1..., S. A. e emitidos, por expressa indicação da Segunda Ré, à ordem da C..., S. A. e D..., Sociedade de Advogados SP, RL respetivamente.
A Segunda Ré desiste do pedido reconvencional formulado na Contestação.
A Segunda Ré declara expressamente que renuncia ao recebimento de qualquer quantia para além dos 125 000 euros supra referidos, seja do Autor, seja da Primeira Ré, seja da leiloeira E... S.A., NIPC: ..., que mediou o negócio anulado pela presente transação.
Se por qualquer motivo - que apenas por mera cautela se admite – o registo de aquisição dos imóveis supra referidos livre de quaisquer ónus ou encargos for recusado pela Conservatória do Registo Predial, a Primeira Ré vincula-se a colaborar em tudo o que for necessário para efetuar o registo, designadamente celebrando escritura publica de compra e venda.
A escritura de compra e venda será celebrada no dia hora e local indicado pela Autora, que terá de enviar carta registada para a morada da Sra. Administradora da Insolvência, sita na Rua ..., ... ..., com antecedência de 10 dias relativamente à data da escritura que for designada.
E) Custas a meias por Autora e Ré C..., S.A., prescindindo todas as partes de custas de parte.”
K) Por cartas registadas com aviso de receção, datadas de 30.05.2019, a Administradora de Insolvência da C..., S.A., comunicou à A..., Lda. e à Massa Insolvente de B..., S.A, a resolução do negócio de transação judicial celebrada a 19.10.2018, celebrado entre a insolvente C..., S.A., a Autora A... e a Ré Massa Insolvente de B... no âmbito do processo n.º 1211/17.5T8AMR-E, apenso ao processo de insolvência da sociedade B..., S.A.
L) No processo n.º 1044/18.1T8AMT, de ação declarativa sob a forma de processo comum de impugnação da resolução de negócio em favor da massa insolvente, a A..., Lda. e a Massa Insolvente da B..., SA, requereram que na procedência da ação, fosse revogada a aludida resolução de negócio levada cabo pela Sr.ª Administradora de Insolvência da C..., S.A., e declarada a validade do negócio jurídico posto em crise (transação, homologada por sentença transitada em julgado).
M) No Acórdão proferido no processo n.º 1044/18.1T8AMT, pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 26.10.2022, foi acordado:
“(i) não tomar conhecimento do objeto do recurso da Recorrente «A..., Lda.» relativo à respetiva Conclusão 18., quando se refere ao artigo 120.º do CIRE, e do recurso da Recorrente «Massa Insolvente de B..., S.A.» relativo às respetivas Conclusões t) a w) e y) (quando se refere ao artigo 120.º, 2 e 4, do CIRE);
(ii) julgar improcedentes ambas as revistas, no objeto admitido e conhecido, confirmando-se o acórdão recorrido.”
N) No Acórdão proferido no processo n.º 1044/18.1T8AMT, pelo Tribunal da Relação do Porto, em 08.06.2022, foi acordado: “conceder provimento ao presente recurso de apelação, revogando a sentença recorrida e declarando improcedente a ação de impugnação da resolução em favor da massa insolvente deduzida pelas Autoras.”
O) Por carta registada com data de 16.01.2023, a “A..., Lda.” interpelou a Administradora de Insolvência da “B... S.A.” para proceder à devolução da quantia de seiscentos e setenta e cinco mil euros que corresponde à contraprestação paga pela compra na venda anulada na sequência das decisões proferidas pelo Tribunal da Relação e pelo Supremo Tribunal de Justiça no processo n.º 1044/18.1T8AMT.
P) A massa Insolvente da “B... S.A.” não procedeu à devolução da quantia de 455.000,00 euros que lhe fora paga a título de preço pela C..., S.A, no ato da escritura realizada em 3 de abril de 2018.
Q) Com data de 03.04.2018, entre a C..., S.A e AA foi celebrado um contrato de Mútuo Com Hipoteca mediante o qual o segundo emprestou à C..., S.A a quantia de €550.000,00 (quinhentos e cinquenta mil euros), que esta recebeu por meio de transferência bancária, e para garantia do bom pagamento de tal quantia acrescida em caso de mora de uma sobretaxa de quatro por cento ao ano a titulo de juros moratórios, das despesas judiciais e extrajudiciais que a parte credora fizer, bem como a titulo de incumprimento da quantia de duzentos e cinquenta mil euros, a C..., S.A constituiu hipoteca voluntária, a favor do primeiro contratante sobre os prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob os números ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., que nessa mesma data havia adquirido à “B... S.A.”.
Assim, com base em tal documento, consideram-se também provados os seguintes factos:
1. Na data em que foi celebrada a transação judicial no Apenso I, em 19.10.2018, sobre os prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob os n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... encontrava-se registada uma hipoteca voluntária a favor de AA, constituída em 03.04.2018, para garantia do pagamento da quantia de 550.000 euros, acrescida de 4% em caso de mora, despesas de 22.000 euros, até ao montante máximo assegurado de 638 000 euros, sendo o sujeito passivo “C..., S.A.”,
2. Na sequencia da entrega feita pela massa Insolvente da “B... S.A.” a AA, através do cheque n.º ..., da quantia de 550 000 euros, foi efetuado o distrate das hipotecas que incidiam sobre os prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob os n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., mostrando-se as mesmas canceladas pela AP ... de 25.10.2018.
B. Factos não provados:
Com interesse para o objeto do presente litígio não se provaram quaisquer outros factos essenciais, nomeadamente:
a) Na sequência das decisões proferidas nos Acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação do Porto e pelo Supremo Tribunal de Justiça, no processo n.º 1044/18.1T8AMT, a massa insolvente da C..., S.A restituiu à massa Insolvente da “B... S.A.” a quantia de 550.000 euros, que esta havia entregue a AA, aquando da transação judicial realizada no Apenso I, para distrate das hipotecas constituídas sobre os prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob os n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ....
b) Na sequência das decisões proferidas nos Acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação do Porto e pelo Supremo Tribunal de Justiça, no processo n.º 1044/18.1T8AMT, a massa insolvente da C..., S.A restituiu à massa Insolvente da “B... S.A.” a quantia de 125.000 euros que a C..., S.A recebeu através dos cheques n.ºs ..., no valor de 95.0000 euros, e ..., no valor de 30.000 euros, ambos sacados sobre o Banco 1..., S. A. e emitidos, por expressa indicação da C..., S.A, à ordem da C..., S. A. e D..., Sociedade de Advogados SP, RL, respetivamente..“.
*
DE DIREITO.
A)
Argumenta a apelante que à factualidade provada foi indevidamente aplicado o instituto do enriquecimento sem causa, por entender que a Massa Insolvente de C... enriqueceu injustificadamente à custa da R. Massa Insolvente de B....
Que não é aplicável ao caso dado o carácter subsidiário do instituto, pois que está regulado no CIRE, no que diz respeito aos efeitos da resolução em benefício da massa insolvente – artigo 126.º, n.º 1 do CIRE. Sustenta que “os resultados da aplicação do instituto da resolução em benefício da massa são, em princípio, inter partes, e em tudo semelhantes às consequências da declaração de nulidade.”
Que a interveniente em consequência da resolução em benefício da massa a R. B... não pagou os 550.000,00 € à interveniente/apelante massa insolvente C..., mas sim a outro interveniente, AA. “O(o)s atos praticados pela Massa Insolvente da B..., nomeadamente o pagamento da quantia de € 550.000,00 euros ao credor hipotecário, enquadra-se na figura da gestão de negócios alheios, regulada pelos arts. 464.º e seguintes do CC”. Isto é, “a Ré assumiu voluntariamente o pagamento de obrigações que não eram da sua responsabilidade, visando garantir a venda dos bens imóveis à Autora.”
Por outro lado, a apelante sustenta que ainda que seja aplicável o regime do enriquecimento sem causa, sempre não estaria preenchido o requisito do enriquecimento líquido.
Por último, entende a apelante que a existir uma obrigação de restituição, sempre a mesma não seria uma dívida da massa insolvente, mas sim um crédito sobre a insolvência.
A decisão viola “o princípio da igualdade entre credores, ao impor uma obrigação desproporcional à Massa Insolvente da C..., 60 – Em favorecimento claro, e indevido, da Massa Insolvente da B....”
Por sua vez, a apelada, massa insolvente B..., vem argumentar que “é inequívoco que no âmbito do acordado e constante da transação celebrada, a MI B... procedeu ao pagamento ao credor hipotecário, extinguindo as hipotecas existentes, em beneficio da C....
Perante a anulação da transação e de todos os seus efeitos jurídicos à data da sua celebração, em teoria, deveriam ser repostas as hipotecas, e o credor hipotecário devolver a quantia recebida. (…)
Sendo aquela quantia, em teoria a pagar ao credor hipotecário, da responsabilidade da MI C..., mas da qual ficou exonerada por via do pagamento realizado pela MI B...,
É efectivamente neste contexto, e bem, e perante estes factos, que surge, então, a decisão do tribunal ‘a quo’ de condenar a Apelante a restituir a quantia de € 550.000,00 euros à Ré MI B....
Assim, efectivamente, a Massa Insolvente da C..., enriqueceu, injustificadamente, à custa da Ré, Massa Insolvente B....”
Por sua vez a sentença proferida pela primeira instância apresenta a seguinte argumentação.
Na sequência da demanda em que era A. A... e RR. massa insolvente B... e C..., em que era pedida a anulação da venda de imóveis realizada entre as RR. (sendo B... vendedora e C... compradora), as partes chegaram a acordo, efectuaram transacção pela qual as RR. aceitam declarar nula a venda ocorrida, e bem como declara a 1.ª R. massa insolvente B... que transmite para a A. A... a propriedade dos ditos imóveis, livre de ónus pelo preço de 675.000,00€, que pagou em cheque. Na dita transacção a 1.ª R. massa insolvente B... procedeu ao pagamento da quantia de 550.00,00€ a AA para distrate das hipotecas e a quantia de 125.000,00€ à 2.ª R. C... para apagamento de benfeitorias.
Foi pela massa insolvente C..., aqui interveniente, resolvido em favor da massa o negócio em causa – transacção, e com tal fundamento decidiu-se na sentença em crise ser obrigação da R. massa insolvente B... de devolver à A. A... tudo aquilo que recebeu.
Sobre este primeiro fundamento, não foi posto em causa pelas partes.
A questão que teremos de apreciar nestes autos diz respeito ao segundo segmento da sentença – determinar se a R. massa insolvente B... pode exigir da interveniente massa insolvente C... a quantia de 550.000,00€, ora peticionado pela A..
A M.ma Juíza assinala que ambas as RR. no processo onde ocorreu a transacção se obrigaram a um conjunto de obrigações, compra e venda de um conjunto de imóveis da massa insolvente B... à A.... Mais resulta que R. massa insolvente B... tendo recebido o pagamento do preço da A., logo de imediato entregou a um terceiro AA de 550.000,00€ para distrate de hipotecas sobre tais bens e o restante 125.000,00€ à C... a título de benfeitorias.
Dado que a C... foi declarada insolvente, o negócio aludido e decorrente da transacção foi objecto de resolução em benefício da massa e, portanto, ficou sem efeito jurídico.
Conclui a M.ma Juíza que em consequência da resolução do negócio, as partes intervenientes devem restituir tudo aquilo que foi prestado ou se a restituição em espécie não for possível será restituído o valor correspondente. A A... devolveu os imóveis à massa insolvente B..., que por sua vez os veio restituir à C.... Em consequência, a A... tem direito a ser restituída das quantias que entregou, no valor de 675.000,00€.
Da factualidade resulta ter a massa insolvente B..., com o produto da venda (transacção), cumprido uma obrigação da C... (agora massa insolvente), distrate das hipotecas, tudo de modo a que a alienação dos imóveis à A... pudesse ocorrer. A obrigação de pagar o distrate era da C..., mas que em consequência da transacção foi a massa insolvente B... quem saldou tal obrigação, entregando os 550.000,00€ a AA.
Não sendo possível repristinar o ónus da hipoteca sobre os imóveis, estes ficaram livres e desonerados de quaisquer ónus. Sendo que por consequência da resolução do negócio, levada a cabo pelo Administrador de Insolvência da insolvência da C..., esta ficou com os imóveis sem ónus e encargos e livre da dívida que era garantida pelas hipotecas.
O credor hipotecário AA não foi interveniente na transacção, sendo apenas beneficiário, pelo que a A. nem a massa insolvente B... não podem vir pedir-lhe a devolução da quantia recebida, com fundamento na dita transacção e ou na resolução em benefício da massa. E tendo a C... sido declarado insolvente, também esta não pode restituir à massa insolvente B... o valor por esta pago em seu nome a terceiro credor hipotecário (a R. massa insolvente C... libertou-se da dívida que era garantida pelas hipotecas, tendo a mesma sido saldada com o pagamento feito pela massa insolvente B...).
Não é possível repristinar o ónus da hipoteca e bem como a dívida, existente entre a massa insolvente C... e o terceiro AA.
Feita este percurso “jurídico” da questão em apreço, a M.ma. Juíza, de modo acertado, entendeu que somente recorrendo à figura jurídica do enriquecimento sem causa é possível dar solução ao litígio.
É acertada a afirmação feita na fundamentação: “não tendo sido celebrada qualquer Transação, os prédios que estavam na propriedade da C..., desde a venda efetuada em 03.04.2018, caso fosse julgada improcedente a ação interposta pela Autora no Apenso I, tais prédios manter-se-iam na propriedade da C..., o que faria com que para a Ré massa Insolvente da C... teriam sido apreendidos tais prédios onerados com uma hipoteca, que garantia um empréstimo de 550 000 euros, sendo que esta hipoteca fora constituída após a C... ter comprado tais prédios à massa Insolvente da B..., pelo preço de 455.000,00 euros.
Assim, não fora tal Transação, e a massa Insolvente da B... nada teria recebido da Autora, a título de preço, por isso, também nada teria agora de restituir à Autora, mas também nada teria entregado ao AA, em 19.10.2018, daí que se manteria a hipoteca sobre os identificados prédios, pois a divida manter-se-ia, e teriam de ser apreendidos para a insolvência da C... com esse ónus.(…)
Porém, por via da resolução de tal transação vê-se agora a massa Insolvente da B... no dever de restituir à Autora desta ação a quantia a de 675.000 euros, que dela recebeu a título de pagamento do preço, quando nenhum beneficio para si resultou com a entrega de tal quantia, já que os prédios inicialmente eram da sua propriedade, vendeu-os à C..., pelo preço de 455.000,00 euros, e com a Transação efetuada, manteve o preço recebido que lhe fora pago pela C..., mas da quantia recebida e que lhe foi paga pela Autora, com nada ficou para si, pois foi integralmente entregue tal quantia, sendo uma parte para pagar a divida da C... ao credor hipotecário, o montante de 550 000 euros, sem cujo pagamento os prédios continuariam onerados pela hipoteca, e a outra parte, 125.000 euros entregou à própria C..., para ressarcimento das benfeitorias realizadas nos mesmos prédios.
Daqui, cremos, decorre a existência de um manifesto e injustificado empobrecimento da massa insolvente da B..., que se vê condenada a restituir à Autora a quantia de 675.000 euros, quando não ficou com tal quantia para si, antes a tendo entregue a terceiros, uma parte para distrate da hipoteca constituída a favor da C... e a outra à própria C... para pagamento de benfeitorias realizadas nos prédios objeto da Transação.
Sendo tal empobrecimento por contraposição com o enriquecimento, sem causa, da massa insolvente da C..., no tocante à quantia que por via dessa Transação fora entregue pela massa insolvente da B... ao AA.
Com efeito, antes da Transação efetuada e que foi objeto da resolução, para a massa insolvente da C... apenas poderiam ter sido apreendidos os referidos oito prédios onerados com uma hipoteca, a qual garantia o pagamento da divida no montante de 550.000 euros, e por via da Transação e da sua subsequente resolução, tais prédios vieram a ser apreendidos para a insolvência da C... livres de ónus e encargos.
Sendo que a pessoa que permitiu que ficassem libertos de tal divida e do respetivo ónus de hipoteca fora a massa Insolvente da B..., a qual não era a responsável pelo pagamento desta divida, antes era a própria insolvente C....
Donde, existirá inegável prejuízo da Ré massa Insolvente da B..., que vai ser condenada a pagar à Autora o preço por esta entregue na Transação resolvida, a quantia de 675.000 euros, com um enriquecimento da massa insolvente da C..., que ficou libertada da hipoteca que onerava os mesmos prédios, que lhe foram restituídos com a resolução da mesma transação, ao ter visto ser paga a divida garantida pela mesma hipoteca, no montante de 550.000 euros.
Assim, no caso sub judice, concretizada a resolução de negócio levada a cabo pela Sr.ª Administradora de Insolvência da insolvência da C..., deixou de subsistir a causa que justificava a deslocação pecuniária da massa insolvente da B... para o referido AA, pagamento da uma divida que era da responsabilidade da C... e que estava garantida pela hipoteca objeto de distrate, por via do pagamento feito pela Ré, a qual já não poderá ser colocada na situação que existia antes da Transação.
Daí cremos ser inegável que não existe causa justificativa para que seja a Ré massa Insolvente a ficar empobrecida do montante de 550.000 euros, por si pago ao terceiro, AA, que era credor da C..., e como não será possivel repristinar tal divida nem tal hipoteca, que incidia sobre os prédios apreendidos para a massa insolvente da C..., então, cremos que, efetivamente, se verifica um enriquecimento injusto da interveniente Principal, a massa insolvente da C..., já que ficou livre do referido ónus e na mesma medida do empobrecimento da Ré.”
Na decisão judicial quanto ao incidente de intervenção de terceiros, principal provocada, alegou a R. como fundamento para o chamamento que a relação controvertida diz respeito à interveniente massa insolvente C..., por ter sido interveniente na transacção naqueloutro processo.
O incidente de intervenção principal é uma alteração à estabilidade da instância (artigo 260.º do Código de Processo Civil) na sua vertente subjectiva (artigo 262.º, alínea b) do Código de Processo Civil).
“A intervenção principal implica, quando admitida, a modificação subjetiva da instância (art. 262-b), mediante a constituição de novo sujeito processual na posição de autor ou réu, em litisconsórcio com os autores ou réus primitivos. Fala-se assim, correntemente, de litisconsórcio sucessivo.”, JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, in Código de Processo Civil anotado, Vol 1.º, 4ª ed., pág. 622.
Ora, contra a interveniente, massa insolvente C..., no início da lide não foi deduzido qualquer pedido por parte da A.. Por força do deferimento do incidente, nos termos do artigo 316.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, sempre a chamada poderia ser condenada no pedido.
O equívoco da primeira instância diz respeito ao que consta na decisão do incidente de intervenção, “a Autora deveria “ab inicio” ter intentado a presente ação também contra a outra parte do negócio (transação) celebrado, para que a decisão a proferir possa pôr termo em definitivo ao litigio e resolva todas as questões que se colocam por via dos efeitos da resolução operada, tratando-se, pois, de um litisconsórcio necessário passivo, cuja preterição conduz à verificação da exceção dilatória nominada de ilegitimidade passiva, de conhecimento oficioso, e caso não seja sanada, conduz à absolvição da Ré da instância, cfr. artigos 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, alínea e), e 578.º, todos do Código de Processo Civil.”
O pedido de condenação, o único formulado, é contra a R. massa insolvente B...: “condene a Ré a pagar à Autora a quantia de 675.000,00€ (seiscentos e setenta e cinco mil), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal desde 16/01/2023, que na presente data se liquidam em 6 731,51€, até efectivo e integral pagamento.”, correspondente à restituição do preço que a A. pagou pelos imóveis ─ os € 665.000,00, sendo que por força do incidente de intervenção da chamada massa insolvente C..., também a mesma fica na posição de ré.
Ora o incidente de intervenção de terceiros, principal provocada, formulado pela R. B... da chamada massa insolvente C... não foi nos termos do artigo 317.º do Código de Processo Civil “Sendo a prestação exigida a algum dos condevedores solidários, o chamamento pode ter por fim o reconhecimento e a condenação na satisfação do direito de regresso que lhe possa vir a assistir, se tiver de realizar a totalidade da prestação.
“1. No campo da responsabilidade solidária, o devedor demandado sozinho está sujeito a ser condenado no pagamento da totalidade da prestação (arts. 512º e 518° do CC), mas goza do direito de regresso sobre cada um dos condevedores (arts. 497º, nº 2, 521º, nº 1, e 524º do CC). 2. Por via do incidente da intervenção principal passiva dos demais condevedores, o réu primitivo, no próprio processo em que é demandado, pode obter o reconhecimento desse direito de regresso sobre cada chamado e a respetiva condenação em conformidade, para a hipótese de ter de cumprir por inteiro perante o credor demandante.“, ANTÓNIO ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS PIRES DE SOUSA, in Código de Processo Civil Anotado, Vol I, 2019, pág, 369. Nas palavras de JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 4ª ed., pág, 633, “Trata-se aqui, não da condenação do chamado perante o autor-credor, mas da sua condenação perante o réu primitivo, devedor solidário que, pagando ao credor, fica com direito de regresso contra o chamado”
Em momento algum a R. veio formular pedido de incidente de intervenção da massa insolvente B... pretendendo fazer valer reconhecer o direito de regresso perante a interveniente massa insolvente C... e a respectiva condenação em conformidade.
Deste modo, não tem razão de ser a condenação da interveniente pagar à R. a quantia de 550.000,00€.
Pelo exposto haverá que proceder a apelação, pelas razões expostas.
*
B)
A apelante A., A..., vem sustentar que a R. massa insolvente B... alega factos na sua contestação que bem sabia não corresponder à verdade e terem sido dados como provados contrários aos alegados.
Na sentença decidiu julgar não verificada o comportamento processual da R. massa insolvente B... como de litigante de má fé, tendo-se fundamentado que o comportamento processual por ser qualificado de temerário quando formula pretensão que já foi apreciada em anterior demanda judicial. Entendeu-se que por outro lado na tramitação processual teve vencimento parcial a sua pretensão, designadamente quando deduziu pedido de intervenção principal da massa insolvente C..., que foi condenada.
Vejamos.
Dos requisitos da litigância de má fé.
Dispõe o artigo 542.º, n.º 1 e 2, com a epígrafe, “Responsabilidade no caso de má-fé – Noção de má-fé”, do Código de Processo Civil o seguinte:
“1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2 - Diz -se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
Artigo 543.º, “Conteúdo da indemnização”
“1 - A indemnização pode consistir:
a) No reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos;
b) No reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência direta ou indireta da má-fé.
2 - O juiz opta pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé, fixando-a sempre em quantia certa.
3 - Se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, são ouvidas as partes e fixa-se depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte.
4 - Os honorários são pagos diretamente ao mandatário, salvo se a parte mostrar que o seu patrono já está embolsado. “
No artigo 8º do Código de Processo Civil consagra-se o chamado dever de boa fé ou de probidade processual, constituindo a mais grave violação desses deveres a litigância de má fé.
O instituto da litigância de má fé é um instituto tipicamente nacional (ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Litigância de Má Fé, Abuso de Direito de Ação e Culpa "In Agendo", Almedina, 2006, págs. 15 e ss) que tem por finalidade positiva que a conduta das partes se afira por padrões de probidade, verdade, cooperação e lealdade, ou seja, visa claramente afastar condutas contrárias a esses princípios.
Os pressupostos da litigância de má fé encontram-se regulados no artigo 542.º citado, podendo distinguir-se entre aqueles que têm natureza subjectiva dos que têm natureza objectiva, havendo tal tipo de litigância quando estão reunidos os pressupostos das duas mencionadas naturezas.
No que respeita aos pressupostos subjectivos, tradicionalmente só havia litigância de má fé quando pelo menos uma das partes tivesse agido com dolo.
Mas, a partir de 01 JAN 1997 – como corolário de uma maior relevância concedida aos deveres de cooperação aquando das alterações introduzidas pela Reforma de 1995/1996 – os pressupostos subjectivos alargaram-se e assim quem actuar com negligência grosseira pode e deve ser condenado como litigante de má fé.
Quanto aos pressupostos objectivos é de distinguir a má fé substancial, da má fé instrumental:
Haverá má fé substancial se o “litigante usa de dolo ou má fé para obter decisão de mérito que corresponde à verdade e à justiça” e haverá má fé instrumental “se a parte procura sobretudo cansar e moer o seu adversário ou somente pelo espírito de fazer mal, ou na expectativa condenável de o desmoralizar, de o enfraquecer, de o levar a uma transacção injusta” – cfr. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, II Vol., págs 163/164.
Ou, nas palavras de FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, in Direito processual Civil, 2.ª ed., vol. I, pág., 129 e 130, “A violação drástica do princípio da cooperação e do dever de boa-fé processual diz-se “litigância de má-fé”, a qual pode desdobrar-se em má-fé subjectiva (conhecimento ou não ignorância da parte da conduta processual anómala) ou má-fé objectiva (se infractora dos padrões de comportamento normalmente exigíveis. (…)
A má-fé processual pode ser substancial ou instrumental: - substancial, se a conduta das partes se subsumir na previsão da al. a) ou da al. b); instrumental, se a conduta se conduzir a uma qualquer das situações configuradas nas alíneas c) e d), todas essas alíneas do citado nº 2 do art. 542º (…)“.
Nos termos do citado artigo 542.º, deve ser condenado como litigante de má fé todo aquele que, com dolo ou negligência grave, deduz pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não podia ignorar, devendo ainda ser condenado como tal quem tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa ou aquele que tiver violado gravemente os deveres de cooperação ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A litigância de má fé pode levar à aplicação de duas sanções: a multa e a indemnização, devendo a multa ser fixada entre 2 e 100 UC’s (artigo 27.º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais), mas, a sua decisão não pode ser arbitrária, devendo ser tomada com base na maior ou menor intensidade da culpa revelada.
A condenação da parte como litigante de má-fé depende das circunstâncias concretas do caso em apreço, exigindo-se especiais cautelas e elementos seguros que apontem, de forma evidente, para um comportamento processualmente doloso ou gravemente negligente.
Fixadas, deste modo, as normas legais e os pressupostos relativos à litigância de má fé, e regressando ao caso em apreço, é de manter o decidido pela primeira instância, nos precisos termos em que o foi.
Na verdade, o comportamento processual da R., massa insolvente B..., raia a litigância temerária e o comportamento negligente. Tal como refere a M.ma Juíza, a R., ao longo da tramitação processual não pode ser qualificada de dolosa ou gravemente negligente. Pois por um lado se pode constatar haver a R. alegado factos e que ficou provada factualidade contrária. Contudo, por outro lado, também se constata haver deduzido incidente de intervenção de terceiros, que foi deferido e a final foi a interveniente condenada, tudo com matéria factual conexa com aqueloutra.
Não fica assim demonstrada ter a R. com a alegação atrás referida protelado, atrasar, ou impediu a resolução do litigio querendo com tal obter um ilegítimo direito ou prestação.
Soçobra assim, a pretensão da apelante, mantendo-se assim o decido em primeira instância.
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III DECISÃO
a) Mantendo-se o segmento decisório referido em I) «julgar a ação instaurada pela Autora totalmente procedente, por provada e, em consequência, condenar a Ré Massa Insolvente da B... S.A a pagar à Autora a quantia de €675 000,00 (seiscentos e setenta e cinco mil), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal vencidos desde 16/01/2023, no montante de 6 731,51 euros, e vincendos até efetivo e integral pagamento», e em IV «Absolver a Ré massa Insolvente da B... S.A. do pedido de condenação como litigante de má-fé»; e
b) Revogando a condenação da interveniente aludida em II) «Condenar a Interveniente Principal massa insolvente da C... a restituir à Ré Massa Insolvente da B... S.A a quantia de 550.000 euros que esta vai pagar à Autora, a título de enriquecimento sem causa».
Custas a cargo da A., apelante, na proporção do decaimento (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil).
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Porto, 04 de Junho de 2025
Alberto Taveira
Márcia Portela
Artur Dionísio Oliveira
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[1] O relator escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.
[2] Seguimos de perto o relatório elaborado pelo Exmo. Senhor Juiz.