PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
NÃO APROVAÇÃO DO PLANO
INSTAURAÇÃO DE NOVO PER
Sumário

I - No âmbito do processo especial de revitalização, a conclusão do processo negocial sem aprovação do plano de recuperação ou sem homologação judicial desse plano, impede a instauração de novo processo de revitalização nos dois anos subsequentes.
II - Só em caso de aprovação e homologação judicial desse plano é possível a instauração de um novo processo especial de revitalização antes de decorrido aquele prazo, mas aí desde que a empresa demonstre, no respetivo requerimento inicial, que executou integralmente o plano antecedente ou que o requerimento de novo processo especial de revitalização é motivado por fatores alheios a esse plano e a alteração superveniente é alheia à empresa.

Texto Integral

Processo n.º 798/25.3T8AVR.P1


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Sumário:

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Relator: João Diogo Rodrigues;
Adjuntos: Des. Alexandra Pelayo;
Des. Ramos Lopes.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório

1- A..., S.A., instaurou, no dia 04/03/2025, o presente processo especial de revitalização pedindo que tal processo seja admitido, com todas as consequências legais, e indicando quem deve ser nomeado para Administrador Provisório.

Baseia este pedido, essencialmente, na circunstância de, após a apresentação e admissão (em primeira instância) de um anterior processo de revitalização, ou seja, após outubro de 2023, terem surgido novos factos que justificam a apresentação deste novo processo de revitalização. Mais concretamente, a sua situação financeira deteriorou-se significativamente no ano de 2024; perdeu, no mesmo ano, dois dos seus principais clientes; houve, ainda nesse ano, profundas alterações no mercado das alcatifas; em finais do ano de 2024, o diretor comercial da empresa no Reino Unido apresentou a sua demissão devido à situação de incerteza da própria Requerente; e uma sociedade do mesmo grupo, a B..., S.A., viu aprovado e homologado um Plano de Recuperação, em tudo similar ao seu, mas que, no seu caso, e apesar da já referida admissão em primeira instância, veio o seu Plano a não ser homologado pelo Tribunal da Relação do Porto, por decisão já transitada em julgado.

Assim, porque desde o encerramento do último processo especial de revitalização, enfrenta circunstâncias imprevistas e supervenientes que comprometeram a sua capacidade de recuperação e se encontra numa situação económica difícil, com necessidade de reestruturar a sua dívida, pretende, com vista a assegurar a sua recuperação económico financeira - que tem por viável-, estabelecer negociações com os seus credores, de modo a concluir com estes um acordo conducente à sua revitalização por meio de aprovação de um plano de recuperação.

2- Liminarmente[1], porém, esta pretensão foi indeferida. Nos seguintes termos:

“Veio a devedora A..., S.A., em 04.03.2025, propor processo especial de revitalização, nos termos que melhor constam das refªs 51560041 e 51750366.

No âmbito do processo especial de revitalização, que correu termos sob o Proc. 3512/23.4T8AVR, apresentado pela devedora em 09.10.2023, foi proferida, pelo Tribunal da Relação do Porto, em 07.05.2024, decisão de não homologação do plano de revitalização aprovado, transitada em julgado em 13.02.2025.

Prevê o art. 17º-F n.º 9 do CIRE que, caso o juiz não homologue o acordo, aplica-se o disposto nos n.ºs 3 a 9 do artigo 17.º-G.

Já o art. 17º-G n.º 8 do CIRE estabelece que o termo do processo especial de revitalização efectuado de harmonia com os números anteriores impede a empresa de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos.

Conforme refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-07-2021, Proc. 1974/20.0T8VRL.G1.S1, in www.dgsi.pt:

“I- O nº 8º, do artigo 17º -F, do CIRE, cuja redacção foi introduzida pelo Decreto-lei nº 79/2017, de 30 de Junho (cfr. respectivo artigo 3º), veio resolver a dúvida interpretativa que se levantava no que respeita a saber se o impedimento de instauração de novo processo especial de revitalização no período de dois anos, previsto no artigo 17º-G, nº 6, abrangia, ou não, as situações em que o plano era aprovado pelos credores mas em que se verificava a recusa da sua homologação judicial.

II- Na estipulação deste prazo de dois anos teve-se em especial consideração a tutela dos interesses dos credores quanto à possibilidade de livre exercício do seu direito de acção para a efectivação dos créditos contra a devedora que, de outra forma, correriam o risco de ficarem sucessivamente bloqueados e paralisados pela instauração de novos processos especiais de revitalização, desde logo, face à aplicação do disposto no artigo 17º-E, nº 1, do CIRE.

III- A “válvula de segurança” contida na parte final do nº 13 do artigo 17º-F, do CIRE, igualmente introduzida pelo artigo 3º do Decreto-lei nº 79/2017, de 30 de Junho, terá o seu campo de aplicação quando estiver em causa o cumprimento ou o incumprimento de plano de revitalização aprovado e homologado judicialmente, atendendo-se, nestas circunstâncias, a eventuais alterações sócio-económicas, empresariais ou outras, especialmente sensíveis e imprevisíveis, que, nada tendo a ver com o plano aprovado, explicam e justificam objectivamente as inultrapassáveis dificuldades em executá-lo, concedendo-se, nesta medida e em termos excepcionais, uma nova oportunidade ao devedor para, sem qualquer dilação temporal, propor de novo a sua recuperação por via do PER.

IV- Inexiste qualquer violação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa em resultado da interpretação que se perfilha das citadas disposições legais, dado que todas as entidades que se encontrarem na situação descrita não poderão beneficiar de uma segunda oportunidade para a instauração de um novo PER, dentro do limite temporal de dois anos indicado.

V- O que o comando constitucional invocado proíbe terminantemente é o arbítrio no tratamento de situações de facto com as mesmas características essenciais, dando o legislador tratamento desigual ao que não é substancialmente diferenciável, fazendo-o sem fundamento material aceitável, sendo certo que nada disso se passa na situação sub judice.”

Pelo exposto, não tendo, ainda, decorrido o prazo de dois anos previsto no art. 17º-G n.º 8 do CIRE, aplicável ex vi art. 17º-F n.º 9 do CIRE, não é legalmente admissível o recurso a novo processo de revitalização por parte da devedora, pelo que se decide indeferir liminarmente o requerimento inicial.

Custas pela requerente – cfr. art. 527º do CPC.

Valor da acção: o indicado na p.i.

Registe e notifique”.

3- Inconformada com esta decisão, dela recorre a Requerente, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:

“A. O presente recurso versa sobre a decisão liminar proferida em sede dos presentes autos, através do qual indeferiu liminarmente o processo especial de revitalização apresentado pela Recorrente nos termos do artigo 17.º-G, n.º 8 do CIRE: “Pelo exposto, não tendo, ainda, decorrido o prazo de dois anos previsto no art. 17º-G n.º 8 do CIRE, aplicável ex vi art. 17º-F n.º 9 do CIRE, não é legalmente admissível o recurso a novo processo de revitalização por parte da devedora, pelo que se decide indeferir liminarmente o requerimento inicial.”

B. Não pode a aqui Recorrente conformar-se com a decisão proferida por este Tribunal, porque: i. por um lado, não poderia ter indeferido liminarmente a admissão do PER ou não poderia ter indeferido da situação superveniente alegada, precisamente por força de se verificar esta alteração superveniente; ii. Por omissão de pronúncia, visto que a sentença a quo não se pronuncia quanto à demonstração por parte da Devedora de que o presente PER é motivado por fatores alheios ao próprio plano e a alteração superveniente é alheia à empresa nos termos do artigo 17.º- F, n.º 14 do CIRE; iii. ter indeferido o per por entender da impossibilidade de apresentação de um novo PER, dentro do prazo de 2 anos de um Per anterior aprovado mas não homologado, neste caso verificar-se-á um erro na aplicação do Direito, até porque a aqui recorrente encontra-se a cumprir um Plano homologado em sede de um PER.

C. A Recorrente, neste momento, encontrar-se a cumprir um plano de revitalização, mais concretamente, ao abrigo do Plano de Recuperação aprovado e homologado no PER n.º 142/14.5T2AVR do Comarca do Baixo Vouga, Aveiro - Juízo do Comércio, por sentença de 6 de agosto de 2014. Protesta-se juntar doc 1.

DO INADEQUADO MOMENTO PARA CONHECER DA (IN)ADMISSIBILIDADE DO PER – do despacho de indeferimento liminar – extemporaneidade

D. Sucede que, não poderia, liminarmente, este Tribunal ter decidido nos termos em que fez, porque, não impende sem mais, no âmbito do PER um poder-dever de controlar, em cada caso concreto, a verificação dos pressupostos de que depende o acesso ao PER e até se é admissível o indeferimento liminar de tal pedido.

E. Entendemos que tal apreciação deveria ser feita, só após ser dada a possibilidade aos Credores e ao Exmo. Sr. AI de se pronunciarem sobre o plano apresentado, a sua viabilidade, bem como as circunstâncias que motivaram o recurso a apresentação de novo PER, dentro do período de 2 anos, e ao abrigo da norma prevista no artigo 17.º - F, n.º 14, que configura uma situação excecional de recurso ao PER sem que tenha sido ultrapassado o referido hiato temporal.

F. E importante uma definição de se saber se ainda antes ou até aquando a prolação do despacho de nomeação do administrador judicial provisório, o juiz deve assegurar-se de que estão reunidos os requisitos materiais e formais de que depende o recurso ao PER – entendendo-se aqui como requisitos materiais que o devedor se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação (artigo 17º-A, nº1), e como requisitos formais a junção dos documentos mencionados nos artigos 17º-A, nº2, e 17º-C, nºs 1 e 3, b) – e se, no caso de não preenchimento desses requisitos, deve o juiz indeferir o requerimento inicial apresentado pelo devedor, não nomeando administrador judicial provisório.

G. O juiz não tem a possibilidade, no curto prazo que a lei lhe comete para proferir o despacho inicial, de aferir, pela consulta dos documentos previstos no artigo 24º, se a situação do devedor é, efetivamente, de insolvência iminente ou de situação económica difícil ou, pelo contrário, de insolvência atual, até porque se trata de um juízo técnico complexo que o juiz faz em processo de insolvência rodeado de contraditório, de meios de prova, alguns vinculados, de um sistema de presunções e de várias regras legais.

H. Obviamente que isto não significa, contudo, que não exista um nível mínimo de controlo, sendo, na verdade, possível o indeferimento liminar do requerimento inicial, desde logo, em caso de insolvência atual comprovada e declarada do devedor, bem como quando o devedor não junte aos autos os elementos considerados indispensáveis à decisão de nomeação do administrador judicial provisório (nomeadamente, a declaração de recuperabilidade emitida pelo devedor e a declaração conjunta com o credor a assumir a vontade de encetar negociações), previstos nos artigos 17º -A e 17º - C, ou não especifique se a sua situação é de insolvência iminente ou uma situação económica difícil, não obstante a concessão de prazo para o efeito pelo juiz, deve este indeferir liminarmente o requerimento de PER.

I. Ou seja perante um requerimento de (re) apresentação a PER, não incumbe ao juiz realizar qualquer atividade tendente à verificação dos requisitos que não seja o controlo da existência da alegação dos requisitos materiais, e da junção dos documentos, ou seja, dos requisitos formais referidos nos artigos 17º-A, nº1), e 17º-A, nº2, e 17º-C, nºs 1 e 3, b), do CIRE, a menos que seja inequívoca a inexistência de um dos requisitos dos quais a lei faz depender a legitimidade ativa para a dedução do pedido, não há que realizar diligências prévias tendentes a fundamentar um indeferimento liminar ou o prosseguimento do processo.

J. Até porque, impor ao juiz que realizasse outras averiguações tendentes ao apuramento da verificação do preenchimento efetivo dos pressupostos materiais de recurso ao PER seria, em sede da prossecução dos fins visados com este instituto, completamente autofágico, ficando este instituto completamente esvaziado de efeito útil e, arriscamos a dizer, raros seriam os processos que ultrapassassem a fase liminar.

K. Até porque o PER é um processo híbrido, composto por uma forte componente extrajudicial, temperada com a intervenção do juiz em momentos chave, máxime no controlo inicial, na decisão de impugnação de créditos, no cômputo dos votos e na decisão de homologação e, para alguns, na declaração de insolvência, vide ainda Acórdão de 14-01-2016 do TRGuimarães, no proc 130/15.4T8MAC.G1, “No processo de revitalização a vontade dos credores assume o primado, confiando-se, quase plenamente, nos mesmos, no administrador judicial, bem como, de certa forma, no devedor, razão pela qual a intervenção do Juiz, neste processo urgente, é limitada, cabendo-lhe quase exclusivamente sindicar o cumprimento das normas aplicáveis enquanto pressuposto da homologação do plano, quer as que contendem com as regras procedimentais, quer as que dizem respeito ao próprio conteúdo do plano.

L. No processo anterior do PER, para efeitos da contagem do prazo de 2 anos só releva o momento da homologação ou não homologação, pelo que, também por aqui, tenhamos de considerar extemporânea a decisão do tribunal recorrido.

M. No seu requerimento de apresentação a PER, a ora recorrente alegou um conjunto de factos que, em tese, consubstanciarão exceção ao hiato de 2 anos necessário para recurso a novo PER, designadamente por preencherem o requisito de alteração superveniente e alheia à empresa.

N. É evidente que o recurso ao PER, em tese, pode prestar-se a aproveitamentos abusivos, com fins dilatórios, em prejuízo dos credores, mas sempre tais comportamentos são passíveis de sanção, se vier inequivocamente a provar-se tal abuso, desde logo nos termos previstos no artº 17º-D, nº12, do CIRE, mas também em sede de litigância de má-fé, ou até a jusante, se a insolvência vier a ser declarada, em sede de incidente de qualificação de insolvência.

O. Todavia, e no caso vertente, essa apreciação por parte do tribunal recorrido sem que haja sido dada a possibilidade de os credores se pronunciarem sobre um plano de recuperação, aprovando-o ou rejeitando-o, e sem que o administrador judicial provisório se haja pronunciado sobre as alegadas alterações supervenientes e alheias à empresa requerente e sem que haja apresentado o subsequente parecer fundamentado sobre se o plano apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma, afigura-se-nos extemporâneo.

P. Mais tarde até poderá vir a ser prolatado despacho de não homologação (ou de homologação), mas nesta altura a decisão do tribunal recorrido foi, com o maior e devido respeito, extemporânea.

Q. Só depois se pode colocar a questão de qual a disposição legal aplicável (artº 17º-F ou 17º-G), daí que não haja de fazer considerações neste recurso sobre uma hipotética aplicabilidade do artº 17º F, nº14, do CIRE em caso de conclusão do processo negocial sem a aprovação do plano de recuperação, a que se refere o artº 17º-G do CIRE.

R. Extemporaneidade esta que se alega e pretende ver reconhecida com as demais legais consequências.

Sem prescindir do supra exposto, e apenas por cautela jurídica,

DA NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA

S. Como supra se referiu, o Requerimento Inicial sustenta as razões pelas quais entende a Recorrente estar em condições para recorrer a novo PER.

T. A recorrente está a cumprir um Plano aprovado e homologado pelos seus credores – acima já identificado.

U. Sucederam situações que motivaram um pedido de alteração do plano homologado, ou seja, do PER n.º 142/14.5T2AVR do Comarca do Baixo Vouga, Aveiro - Juízo do Comércio, por sentença de 6 de agosto de 2014.

V. Designadamente a crise do sector a nível mundial, advinda do Covid e da Guerra da Ucrânia, em que o Grupo liderado pela aqui recorrente não conseguiu atingir os níveis de atividade e rentabilidade mínimos para o cumprimento do serviço da dívida, factualidade que mais se verificou com a forte subida das taxas de juro a partir de Agosto de 2022, o que levou a recorrente e a “B...” tenham decidido apresentar um novo processo especial de revitalização - no ano de 2023 – sendo que o da aqui recorrente tramitou com o nº 3512/23.4T8AVR, - Tribunal de Aveiro.

W. Plano este que embora tivesse vindo a ser aprovado e homologado em 1.ª instância, acabou por via a não ser homologado por decisão do Tribunal da Relação de 2024.

X. Conforme consta na PI apresentada, após a apresentação do Per de 2023, que, na essência, pretendia alterar as condições de Plano anterior que estavam em curso, surgiram novas e supervenientes situações (anos de 2024 e 2025) que motivaram a apresentação a novo PER para modificar as condições do Plano que tem vindo a ser cumprido (ou seja, do PER n.º 142/14.5T2AVR do Comarca do Baixo Vouga, Aveiro - Juízo do Comércio, por sentença de 6 de agosto de 2014).

Y. Em sede de requerimento inicial veio a Requerente explicar devidamente a sua situação, bem como o porque deveria o novo PER ser admitido, nomeadamente os fundamentos que levam a que esta sociedade se encontre numa situação excecional e superveniente que possibilita a apresentação do novo PER, supervenientes seja ao Per de 142/14.5T2AVR seja inclusivamente, ao Per n.º nº 3512/23.4T8AVR.

Z. Tudo isto na esteira da sua leitura do artigo 17º-F, nº14 do CIRE que “é aplicável o disposto no n.º 8 do artigo seguinte, contando-se o prazo de dois anos da decisão prevista no n.º 7, exceto se a empresa demonstrar, no respetivo requerimento inicial, que executou integralmente o plano ou que o requerimento de novo processo especial de revitalização é motivado por fatores alheios ao próprio plano e a alteração superveniente é alheia à empresa.”.

AA. Ou seja, e analisando e conjugando com o n.º 8 do art. 17º-G do CIRE pode ser apresentado novo PER nos dois anos seguintes ao encerramento de um anterior, se houver factos supervenientes que justifiquem essa nova apresentação. […], independentemente de Per homologado ou não homologado, a verdade é que a situação atual da A... veio a alterar-se significativamente e disso deu nota na sua PI detalhadamente.

BB. Nunca o Tribunal a quo se pronunciou, verificando-se uma total omissão de pronúncia que acarreta a nulidade da decisão, como também um vicio da decisão por falta de pronúncia quanto aos fundamentos de verificação de situação superveniente excecional para admissibilidade do PER, que assim qui se invoca.

CC. Como já aclarado, a sentença em crise será, sempre e de todo o modo, nula, já que, de uma forma, diga-se inovadora, o Tribunal a quo acabou por na prática não se pronunciar sobre questões que se devia ter pronunciado e que foram expressamente alegadas pelas partes, limitando-se a citar um acórdão.

DD. A omissão de pronúncia é um vício gerador de nulidade da decisão judicial que ocorre quando o tribunal não se pronuncia sobre questões com relevância para a decisão de mérito e é referida ao concreto objeto que é submetido à cognição do tribunal, correspondendo aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir (ou seja, às concretas controvérsias centrais a dirimir).

EE. No caso aqui em apreço, verifica-se que, de facto, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a viabilidade do recurso ao PER nos termos do artigo 17.º - F, n.º 14 do CIRE, limitando-se a indeferir o requerimento por não ultrapassados dois anos desde o último PER., tudo isto, também em clara violação do artigo 608º, nº2 do CPC, que refere “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação”.

FF. Desta forma, encontra-se configurada uma nulidade de sentença prevista na alínea d) do nº1 do art. 615º do CPC - omissão de pronúncia, nulidade que pelo presente se alega e pretende ver reconhecida com as demais consequências legais

DA INAPLICABILIDADE DA LIMITAÇÃO TEMPORAL DO ARTIGO 17ºG, Nº8 AO CASO CONCRETO / DA APLICABILIDADE DO ARTIGO 17ºF, Nº14 DO CIRE

GG. Caso efetivamente fosse pretensão do despacho/sentença recorrido indeferir o recurso a novo PER nos termos do artigo 17.º- G, n.º 8, por considerar inaplicável à situação dos autos o disposto no n.º 14, do artigo 17.º - F do CIRE, sempre deveremos dizer e invocar perante este Tribunal que tal entendimento é dissonante da letra da Lei, da intenção do legislador e inaplicável à situação da aqui recorrente.

HH. É inequívoco que a situação excecional de recurso ao PER dentro dos dois anos após um outro PER, se aplica à situação dos presentes autos por duas ordens de razões;

II. A primeira é que o legislador, quis colocar e colocou o atual nº9 e o nº 14 no art.º 17 F do CIRE sob a epígrafe “Conclusão das negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização da empresa”, ou seja, quis colocar estas normas nos casos em que se obtém a aprovação de um plano de recuperação – isto é em que a maioria e quórum legalmente previstos se verificam e votam favoravelmente o plano.

JJ. A alteração preconizada no artigo 17-F do CIRE, e sobretudo a inclusão do seu atual nº 14º, respeita o que foi pretendido pelo legislador no sentido em que pretendeu de facto criar uma “válvula de escape” a situações excecionais, permitindo ao devedor, dentro de certas condicionantes, o benefício do prazo.

KK. Neste plano de exceção, condicionante da realidade empresarial como um todo, coloca-se a questão se é lícito coartar ao tecido empresarial a possibilidade de justificadamente, demonstrar a necessidade de um novo PER, com base num contexto absolutamente diferente do anterior e ao qual é estranho.

LL. Com o devido respeito, a intenção do legislador ficou bem clara na letra da Lei.

MM. Também como decorre da questão prévia aqui invocada e replicada, é por demais evidente que a situação da Recorrente alterou em momento posterior ao 1.º PER e por factos totalmente alheios à própria empresa.

NN. Todas as situações ali invocadas alteraram diametralmente o mercado onde atua a Recorrente, alterando também a posição da mesma, a título individual, no mercado em que atua e, com grande relevo, circunstâncias relativas a empresas do grupo, com financiamentos, créditos, fluxos, fornecedores etc. cruzados e integrados pelas várias empresas, passiveis de constituir uma situação superveniente e alheia à Recorrente.

OO. Todo este circunstancialismo não foi incluído e integrado no PLANO QUE FOI APROVADO (independentemente da sua homologação judicial ou não).

PP. Pelo que, se efetivamente foi essa a pretensão do Tribunal recorrido, parece manifesto que a sentença não efetuou uma correta interpretação da norma prevista no artigo 17-F, n.º 9 do CIRE e desconsiderou, por completo, a norma prevista no n.º 14 do mesmo artigo, cuja aplicabilidade se impunha no presente caso.

QQ. O legislador, no atual n.º 14 do art.º17-F do CIRE, veio, através do atual n.º 9 do mesmo artigo, dizer em que momento é que se faz a contagem do prazo de dois anos – remetendo para o n.º 7 - para planos homologados e não homologados e abre um regime excecional para duas situações em concreto: “(1) exceto se a empresa demonstrar, no respetivo requerimento inicial, que executou integralmente o plano ou (2) que o requerimento de novo processo especial de revitalização é motivado por fatores alheios ao próprio plano e a alteração superveniente é alheia à empresa”.

RR. O n.º 14 do art.º 17.º-F do CIRE não colide com o n.º 9, do mesmo artigo, gera complementaridade e que se aplica as exceções ali contidas a todos os casos de aprovação (com ou sem homologação), esta tese é reforçada, pelo próprio texto da lei, quando manda, no atual n.º 14 do art.º 17.º-F, contar dois anos da decisão de HOMOLOGAÇÃO OU DE NÃO HOMOLOGAÇÃO, sinal inequívoco de que aquele número se aplica, também, às duas situações.

SS. É evidente que o legislador com a sua alteração pelo Decreto - Lei 79/2017, de 30 de junho, não quis estabelecer um regime que prejudicasse as empresas e as encaminhasse para a insolvência, mesmo não preenchendo os requisitos do pedido de insolvência, como é que presente caso.

TT. Quis apenas clarificar a dúvida doutrinal e jurisprudencial que vinha a acumular-se, não pretendendo, contudo, reduzir o escopo de aplicação do artigo 17.º - F, n.º 14–que remete expressamente para a decisão de homologação/não homologação!

UU. Por seu turno, a Recorrente e como aqui se reproduziu, almejou demonstrar que o recurso a um novo PER antes decorridos 2 anos assenta e justifica em causas absolutamente excecionais da conjetura nacional e internacional e ainda da aprovação de um PER por parte de uma empresa irmã do grupo, o que consubstancia uma alteração superveniente das circunstâncias que estiveram envolvidas no primeiro PER.

VV. O Tribunal a quo dispunha de todos os elementos para decidir diferentemente, caso tivesse apreciado, como devia, os argumentos aduzidos pela Recorrente, não se limitando a restringir, sem mais, o direito da Recorrente à sua revitalização, caso essa não foi a intenção do legislador.

WW. O recurso a esta possibilidade, de cariz absolutamente excecional, não se confunde com os fundamentos que subjazem à limitação temporal de 2 anos, a qual foi criada e pensada, para circunstâncias normais e com uma finalidade preventiva que se aceita como perfeitamente compreensível.

XX. Nada disso colide com a exceção em apreço, antes a reforça e se compatibiliza com os princípios que levam a considerar, como é exemplo no caso de um plano aprovado, mas não homologado, merece, dentro de certas circunstâncias, uma nova oportunidade.

YY. E, faça-se a competente ressalva, a apresentação do presente PER não tem qualquer intuito dilatório ou de prejudicar os Credores, outrossim, tem o intuito único de revitalizar a empresa e possibilitar a sua subsistência e recuperação no mercado em que atua.

ZZ. E, caso o Tribunal a quo venham efetivamente a considerar que o presente PER tem ou teve algum intuito abusivo ou dilatório – o que se rejeita – terá ao seu dispor outros institutos jurídicos para punir e sancionar tal atuação ao abrigo da lei especial do CIRE, nomeadamente as previstas no artigo 17.º-D, n.º 12, do CIRE, mas também em sede de litigância de má-fé, ou até a jusante, se a insolvência vier a ser declarada, em sede de incidente de qualificação de insolvência. Não, através de um indeferimento liminar, que ocasionará prejuízos graves não apenas à Devedora, mas também aos respetivos credores envolvidos.

AAA. Tudo ponderado, atento os argumentos aduzidos, nos termos do disposto no art.º 17-F, n.º 14 do CIRE, é forçoso concluir que deve ser concedida a possibilidade à Recorrente cujo plano anterior, apesar de aprovado, não foi homologado, o recurso a um novo procedimento especial de revitalização antes de decorridos dois anos desde que seja capaz de demonstrar que “é motivado por fatores alheios ao próprio plano e alteração superveniente é alheia à empresa”, como o fez devida e tempestiva!

BBB. Em face de tudo quanto exposto, a sentença recorrida viola várias disposições e principio legais, nomeadamente, confiança, segurança jurídica, princípios orientadores do PER, direito acesso do direito e à justiça, pelo que, ao indeferir o PER apresentado pela Recorrente, a decisão recorrida violou o n.º14 do artigo 17.º-F do CIRE, artigo 20.º da CRP, artigo 628.º do CPC, e preconizou uma interpretação e aplicação errónea dos artigos 17º-F, nº9 e 17º-F, nº8, artigo 17.º-C, n.º 4 e 17º-E todos do CIRE, não podendo permanecer na ordem jurídica em face da sua ilegalidade.

CCC. Não no sentido de inaplicabilidade dos dois anos – situação esta que o legislador veio tornar clara com a alteração legislativa – outrossim, com a questão do regime excecional se aplicar também às situações em que o plano não foi homologado judicialmente, mas nas quais se verificam a situação excecional legalmente prevista.

DDD. Se a limitação tem aplicabilidade geral, também o regime de exceção obrigatoriamente o tem, até porque não pretendeu o legislador dividir aquele regime excecional do artigo 14.º consoante os casos em que o plano foi aprovado, mas depois não homologado ou homologado judicialmente.

EEE. Se o tivesse pretendido, tê-lo-ia o legislador deixado expresso na letra da lei, em vez de fazer a referência expressa à decisão de HOMOLOGAÇÃO OU DE NÃO HOMOLOGAÇÃO, sinal inequívoco de que aquele número se aplica, também, às duas situações.

FFF. Nada disso colide com a exceção em apreço, antes a reforça e se compatibiliza com os princípios que levam a considerar, como é exemplo no caso de um plano aprovado, mas não homologado, merece, dentro de certas circunstâncias, uma nova oportunidade.

GGG. Sendo evidente que mesmo nas situações em que o plano de recuperação tenha sido aprovado pela maioria dos seus credores nos termos previstos no artigo 17º-F, nºs 1 a 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, sempre que o processo venha a ser encerrado devido a uma decisão de não homologação, desde que se mostrem verificados os requisitos legais exigidos para o efeito, o requerente pode apresentar-se a novo processo de revitalização na hipótese de se encontrar em situação económica difícil e com motivos supervenientes e alheios à empresa, sem necessidade de aguardar o prazo de dois anos.

HHH. Por outro lado, a situação da aqui recorrente é diferente da que se versa na Sentença ora recorrida, pois que a aqui Recorrente está a implementar um PER que foi aprovado e homologado (PROC n.º 142/14.5T2AVR do Comarca do Baixo Vouga, Aveiro - Juízo do Comércio, por sentença de 6 de agosto de 2014). Protesta juntar 1 documento.

III. Esta teve na sua vida dois momentos excecionais, supervenientes ao 1.º PER aprovado e homologado, que permitiam alterar as circunstâncias do Plano em execução. E este tema deveria ter sido colocado, quanto muito, a discussão dos seus credores.

JJJ. Estando a ser concretizado um Plano subsequente a um PER, nem sequer se deveria aplicar as disposições citadas pela sentença recorrida, que tem em si e como base a não homologação de um Plano anterior.

KKK. Neste nosso caso, temos um Plano homologado que está em execução e se pretende ver alterado.

LLL. Ao contrário das situações tipo em que alegadamente o plano não reúne as condições legais para poder ser aceite pelo tribunal e vincular todos os credores envolvidos, defendendo (não sendo essa a nossa opinião) que não faz sentido algum permitir ou conceder nos tempos mais próximos (concretamente no período temporal de dois anos) nova oportunidade para a instauração de outro PER, com todas as consequências profundamente prejudiciais para a efectivação dos direitos dos respectivos credores que se lhe encontram automaticamente associadas.

MMM. Mais dizendo quem perfilha tal entendimento, que se o plano não reunia as condições legais para poder ser aceite pelo tribunal e vincular todos os credores envolvidos, não faz sentido algum permitir ou conceder nos tempos mais próximos (concretamente no período temporal de dois anos) nova oportunidade para a instauração de outro PER, com todas as consequências profundamente prejudiciais para a efetivação dos direitos dos respectivos credores que se lhe encontram automaticamente associadas.

NNN. Mas admitem os defensores de tal entendimento, que a lei diferentemente admite que, uma vez homologado judicialmente um plano de recuperação, “….encontrando-se em curso o seu cumprimento ou verificando-se a superveniente dificuldade da recuperanda em cumpri-lo, se ficar demonstrado (pela requerente) de que tal se ficou a dever a factores alheios ao plano e a alterações (sérias, imprevistas e insuperáveis) alheias ao controlo da empresa, se dê então a possibilidade (compreensível) de instauração de novo PER, sem dilação temporal…”

OOO. Mais dizendo que tal se justifica e aceita pela segurança e credibilidade que resultam da vigência de um anterior plano homologado judicial e que só não foi devidamente executado pelo facto de o devedor, querendo, não o poder, sem culpa, realizar. - O que no caso sucedeu igualmente.

PPP. Na situação sub judice, a homologação do plano teve lugar no Processo PER n.º 142/14.5T2AVR do Comarca do Baixo Vouga, Aveiro - Juízo do Comércio, por sentença de 6 de agosto de 2014

QQQ. Pelo que, também por esta factualidade, não está violados os artigos 17º-G, nº 6 e 17º-F, nº 8, do CIRE.

RRR. Devendo pois ser alterada a decisão tomada pela 1.º instância.

DA INCONSTITUCIONALIDADE DA INTERPRETAÇÃO CONFERIDA AO ARTIGO 17.º- F, n.º 14 do CIRE PELO TRIBUNAL A QUO

SSS. Não se deve esquecer que esta norma se enquadra no âmbito de um regime excecional, em que é necessário que exista uma alteração substancial do mercado ou outro factor exógeno à empresa que embora não ligado com o Plano, surta como efeito a necessidade de a empresa apresentar novo Plano, tendo o anterior sido homologado ou não.

TTT. Não se pode aceitar que possa existir, no CIRE, tamanha violação do princípio da igualdade, que originasse regimes diferentes de possibilidade de aceder a um novo PER, em casos de aprovação de um Plano que foi homologação e outro que aprovado não foi homologado.

UUU. Para além de consubstanciar uma ilegalidade, constituirá com toda a certeza uma inconstitucionalidade da norma, ao ser interpretada esta norma como limitativa de recurso àquele procedimento pelos motivos aduzidos.

VVV. O que se discute - na génese - é a possibilidade de uma empresa, que por situações terceiras a si mesmas e recentes, poder ou não lançar mão de um meio de se recuperar, in casu, por via de um PER.

WWW. Correríamos o risco de uma mesma empresa, que tenha um Per aprovado e homologado, ser acometida por fatores terceiros e supervenientes, que levaram a uma necessidade recente de reformular toda a sua relação com credores, por fatos em nada relacionados com o anterior PER, em nada relacionados com questões técnicas jurídicas do anterior PER – ter a possibilidade de recorrer a um novo Per (dentro prazo de 2 anos); e, a mesma empresa, nas mesmas circunstancias não lhe ser permitido optar pela ferramenta de recuperação denominada Per, caso tenha se apresentado nos dois anos anteriores a um Per, que até sendo aprovado, não foi homologado (às vezes até por um erro técnico do seu mandatário).

XXX. O foco é e deverá ser, o fato superveniente e a possibilidade de recuperação.

YYY. A génese da introdução do Processo Especial de Revitalização, no nosso ordenamento jurídico, foi arranjar um mecanismo que permitisse às empresas a sua recuperação, evitando-se a Insolvência das sociedades e todas as suas consequências nefastas.

ZZZ. Qualquer entendimento que destoe do aqui perfilhado, sempre enferma em patente inconstitucionalidade.

AAAA. Violando normas várias, como o acesso à justiça, aos tribunais e o direito à tutela jurisdicional efetiva.

BBBB. Mas também, e em primeiro plano, violação do Princípio da Igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.

CCCC. Isto porque, em situações iguais – isto é, em que o plano foi de facto aprovado e votado - mas, apenas o juiz na qualidade em si investida, mas sempre de interveniente alheio ao acordo e ao seu cumprimento, não homologa o mesmo – uns gozarão da prerrogativa prevista no n.º 14 do 17.º - F, e outros não.

DDDD. Isto é, dois planos aprovados, não terão a possibilidade de se apresentar a novo PER, ainda que prove que requerimento de novo processo especial de revitalização é motivado por fatores alheios ao procedimento que antecedeu e a alteração superveniente é alheia à empresa.

EEEE. Pois, num caso o mesmo foi homologado e no outro não.

FFFF. Criando assim uma desigualdade entre as empresas que se apresentam a PER, desigualdade esta sem qualquer justificação válida, lógica ou sequer compreensível!

GGGG. Principalmente quando esta interpretação não tem qualquer respaldo na lei, sendo absolutamente extensiva e desproporcional.

HHHH. O legislador previu o acesso a novo PER conforme reputou por adequado, no âmbito da ampla liberdade de conformação e regulação de que dispõe, porém, a interpretação aqui conferida é totalmente violado o princípio da igualdade das empresas e dos agentes económicos que viram a sua situação alterada, supervenientemente, por fatores alheios à empresa.

IIII. Ademais, o artigo 17.º-F do CIRE foi concebido como um instrumento de exceção, aplicável em casos em que fatores externos e imprevisíveis impõem uma revisão do plano, independentemente de este ter sido homologado ou não.

JJJJ. Qualquer interpretação que introduza discriminações arbitrárias entre situações idênticas colide com o princípio da proporcionalidade e com a missão do sistema jurídico de assegurar a justiça material.

KKKK. O Tribunal Constitucional tem sido claro ao reiterar que o princípio da igualdade não consente diferenças de tratamento que não se fundamentem em razões objetivas, racionais e proporcionalmente justificáveis.

LLLL. A interpretação restritiva conferida pelo Tribunal a quo falha em atender a estes requisitos, violando direitos constitucionais fundamentais.

MMMM. Por fim, o regime do PER tem como objetivo último a preservação da atividade económica e do tecido empresarial, promovendo a continuidade das empresas em dificuldades.

NNNN. Importa sublinhar que o princípio da igualdade não se limita a uma visão formal, mas inclui também uma dimensão material, exigindo que o legislador e os tribunais assegurem que tratamentos diferenciados não resultem em injustiças substanciais. Assim, ao impedir que empresas em situações idênticas acedam ao PER devido a fatores alheios à sua atuação, está-se a comprometer o núcleo essencial do princípio da igualdade.

OOOO. Limitar o acesso ao PER por razões que não encontram suporte claro na lei é, além de inconstitucional, uma ofensa ao próprio propósito que orientou o legislador.

PPPP. Sendo, assim, a decisão inconstitucional, o que se invoca e pretende ver reconhecido com as demais legais consequências”.

Termina pedindo que se julgue procedente o presente recurso e, consequentemente:

“a) A sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância ser revogada por ser extemporânea; ou, a sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância ser declarada nula por omissão de pronúncia;

b) Subsidiariamente, a sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos, sem embargo de mais tarde se deixar aos credores e ao Exmo. Sr. Administrador de Insolvência pronuncia devida e fundamenta relativamente à pretensão da Recorrente de se apresentar a PER por força de a sua situação de facto se enquadrar no regime excecional previsto no artigo 17.º - F, n.º 14 do CIRE.

c) Cumulativamente, ser declarada inconstitucional a interpretação conferida pelo Tribunal de Primeira Instância ao artigo 17.º - F, n.º 14;

d) Ou, por fim, ser aceite o presente PER com referência à alteração superveniente ao PER que se encontra atualmente em vigor e que foi homologado por sentença no âmbito do proc. n.º 142/14.5T2AVR do Comarca do Baixo Vouga, Aveiro - Juízo do Comércio”.

4- Não consta que tivesse havido resposta.

5- Recebido o recurso nesta instância e preparada a deliberação, importa tomá-la.


*

II- Mérito do recurso

A- O objeto dos recursos, em regra e ressalvadas, designadamente, as questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente [artigos 608º, nº 2, “in fine”, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” artigo 17.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE)].

Assim, tendo em consideração este critério, resume-se este recurso a saber se:

a) A decisão recorrida foi extemporaneamente proferida;

b) Essa mesma decisão é nula, por omissão de pronúncia;

c) A Apelante podia ter recorrido a este processo de revitalização, mesmo sem ainda terem passado dois anos sobre a decisão de não homologação do plano apresentado no âmbito do anterior processo de revitalização (Processo n.º 3512/23.4T8AVR);e,

d) A interpretação do artigo 17.º-F, n.º 14, do CIRE, por parte do Tribunal recorrido, é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade e do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva.


*

B- Tendo em conta os factos referidos no relatório que antecede e na decisão recorrida – que são os únicos relevantes – vejamos, então, como solucionar estas questões:

Quanto à primeira, ou seja, quanto à alegada extemporaneidade da decisão recorrida, por alegadamente o juiz, na perspetiva da Apelante, não poder indeferir liminarmente a petição inicial, mesmo concluindo que o processo de revitalização não é admissível por não ter decorrido o prazo legal em relação à decisão final tomada em anterior processo de revitalização e não estarem verificados os requisitos para prescindir desse prazo, a nossa resposta é linearmente negativa.

Com efeito, ainda que se admita que ao juiz não compete, em regra[2], avaliar, liminarmente, se o devedor se encontra ou não em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente, embora suscetível de recuperação (requisitos materiais), já lhe compete, pelo contrário, verificar os requisitos formais (artigo 17.º-B, n.ºs 1 a 4, do CIRE) e também os pressupostos processuais, indeferindo a petição inicial liminarmente quando faltar algum deles que seja de conhecimento oficioso e insanável. O artigo 27.º, n.º 1, do CIRE (aqui aplicável por força do disposto no artigo 14.º-A, n.º 3, do mesmo Código), é inequívoco a esse propósito: o juiz deve indeferir liminarmente a petição inicial quando, para além do mais, “ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis de que deva conhecer oficiosamente”.

Ora, o impedimento de instauração de novo processo de revitalização sem que tenham passado dois anos sobre o encerramento do anterior (artigo 17.º-G, n.º 8, do CIRE) e sem que ocorra qualquer ressalva a essa regra (v.g. artigo 17.º-F, n.º 14, do CIRE), é justamente uma exceção desse tipo, ainda que inominada. Perante ela, o tribunal está impedido de conhecer de mérito (artigo 576.º, n.ºs 1 e 2, do CPC). E, nessa medida, porque o que está em causa é a própria admissibilidade do processo, essa exceção não pode deixar de ser liminarmente conhecida[3]. Até porque se o não for e houver razões para a julgar procedente, todo o restante processado é inútil.

Ora foi justamente essa a atitude adotada pelo Tribunal recorrido. Considerando que ainda não tinha decorrido o prazo para a instauração deste processo de revitalização (por reporte ao termo do anterior), indeferiu liminarmente o requerimento inicial.

Consequentemente, tendo em conta este fundamento, nada há a censurar nessa atitude. Ou seja, em resumo, não há razões para considerar extemporânea a decisão recorrida.

Quanto à questão seguinte, daquilo que a Apelante se queixa é de a referida decisão ser nula, por omissão de pronúncia. Isto porque nela não se teria assumido posição sobre a viabilidade do “recurso ao PER nos termos do artigo 17.º - F, n.º 14 do CIRE, limitando-se a indeferir o requerimento por não ultrapassados dois anos desde o último PER”.

Ora, é a própria Apelante quem, a este respeito, se vem desdizer, quando, na parte final da motivação do seu recurso, vem invocar a “inconstitucionalidade da interpretação conferida ao artigo 17.º - F, n.º 14 do CIRE pelo Tribunal a quo”. Sinal, portanto, de que teve a referida questão como abordada naquela decisão.

E, de facto, assim ocorreu. Não de forma própria e muito alargada, mas, ainda assim, assumindo como sua a posição expressa no sumário do Aresto nela citado, ou seja, o Ac. do STJ, de 13/07/2021, Processo n.º 1974/20.0T8VRL.G1.S1, no qual se considerou, entre outros aspetos, que “[a] “válvula de segurança” contida na parte final do nº 13 do artigo 17º-F, do CIRE, (…) introduzida pelo artigo 3º do Decreto-lei nº 79/2017, de 30 de Junho [atual n.º 14 do artigo 17.º-F, do CIRE, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro], terá o seu campo de aplicação quando estiver em causa o cumprimento ou o incumprimento de plano de revitalização aprovado e homologado judicialmente, atendendo-se, nestas circunstâncias, a eventuais alterações sócio-económicas, empresariais ou outras, especialmente sensíveis e imprevisíveis, que, nada tendo a ver com o plano aprovado, explicam e justificam objectivamente as inultrapassáveis dificuldades em executá-lo, concedendo-se, nesta medida e em termos excepcionais, uma nova oportunidade ao devedor para, sem qualquer dilação temporal, propor de novo a sua recuperação por via do PER”. Ou seja, dito por outras palavras, o aludido preceito não permite a instauração de um novo processo especial de revitalização no período de dois anos subsequentes à recusa da homologação judicial de um plano de recuperação em processo antecedente e só o permite, na hipótese contrária, isto é, se houver a homologação desse plano e no caso de se verificar o referido condicionalismo (“alterações sócio-económicas, empresariais ou outras, especialmente sensíveis e imprevisíveis, que, nada tendo a ver com o plano aprovado, explicam e justificam objectivamente as inultrapassáveis dificuldades em executá-lo”).

Consequentemente, portanto, entende-se que não está verificada a referida omissão de pronúncia, nem a nulidade que lhe está legalmente associada (artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC).

Esclarecida esta questão, importa solucionar uma outra que se prende precisamente com a interpretação a dar ao já referido artigo 17.º-F, n.º 14, do CIRE, na sua redação atual (dada pela Lei n.º 9/2022): se a já indicada, no sentido de que este preceito tem o seu campo de aplicação confinado à hipótese de cumprimento ou incumprimento de plano de revitalização aprovado e homologado judicialmente em processo antecedente ou se, diversamente, também pode ser instaurado novo processo especial de revitalização, no caso de ter havido recusa dessa homologação. Isto porque a Apelante defende esta última solução, para a hipótese de ter havido, como diz que houve no seu caso, alteração superveniente das circunstâncias em que foi baseada a aprovação do plano, ainda que este não tivesse sido homologado judicialmente.

Pois bem, se atentarmos no disposto no artigo 17.º-G, n.º 8, do CIRE, facilmente verificamos que a conclusão do processo negocial sem aprovação de plano de recuperação, impede a empresa de recorrer a novo processo de revitalização nos dois anos subsequentes. “O termo do processo especial de revitalização efetuado de harmonia com os números anteriores – prescreve esse preceito - impede a empresa de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos”. E igual impedimento há no caso do juiz não homologar o acordo. O artigo 17.º-F, n.º 9, do CIRE, di-lo claramente.

A questão que se coloca, porém, é a de saber se, havendo alteração superveniente das circunstâncias, é de admitir uma exceção àquelas regras. Isto porque o artigo 14.º-F, n.º 14, do CIRE, refere que “[é] aplicável o disposto no n.º 8 do artigo seguinte [ou seja, o termo do processo de revitalização impede a empresa de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos], contando-se o prazo de dois anos da decisão prevista no n.º 7, exceto se a empresa demonstrar, no respetivo requerimento inicial, que executou integralmente o plano ou que o requerimento de novo processo especial de revitalização é motivado por fatores alheios ao próprio plano e a alteração superveniente é alheia à empresa[4].

Ora, a decisão prevista no referido n.º 7 do mesmo artigo 17.º-F, é de “homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação”. Daí que o Apelante considere que a mencionada exceção é também aplicável ao caso de ter sido aprovado, mas não homologado o plano de recuperação, e não apenas no caso de ter havido aprovação e homologação desse mesmo plano.

Não é, todavia, assim. A exceção prevista no dito n.º 14 do artigo 14.º-F, do CIRE, só é aplicável na última hipótese mencionada (aprovação e homologação do plano).

Na verdade, se atentarmos na redação desta norma (elemento literal que deve servir de base e de limite a qualquer interpretação - artigo 9.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil), facilmente verificamos que nela se exige que a empresa demonstre, no requerimento inicial, que “executou integralmente o plano” ou, não o tendo executado, que o seu incumprimento resultou de fatores “alheios ao próprio plano” e a alteração superveniente é alheia à empresa. Sinal, portanto, que o plano em causa estava em vigor. E, para estar em vigor, carecia de ser judicialmente homologado para vincular a empresa e todos os credores (artigo 17.º-F, n.º 11, do CIRE).

É pressuposto, portanto, do novo processo de revitalização que o plano apresentado no antecedente processo foi não só aprovado, mas também judicialmente homologado. Só nesta hipótese é que o novo processo de revitalização pode ser instaurado antes de decorridos dois anos sobre a decisão de homologação do plano aprovado no processo de revitalização precedente.

Como se refere no aludido Ac. do STJ de 13/07/2021, “[o] sistema legal instituído, contrariando a aparente generalidade ou abrangência da previsão do nº 13 [atual n.º 14] do artigo 17º-F, do CIRE, continua a não permitir – após a entrada em vigor das alterações promovidos pelo artigo 3º do Decreto-lei nº 79/2017, de 30 de Junho – a instauração de um segundo PER no período de dois anos subsequente à recusa da homologação judicial de um processo antecedente.

O que - continua o mesmo Aresto - se compreende.

Se o dito plano não reunia as condições legais para poder ser aceite pelo tribunal e vincular todos os credores envolvidos, não faz sentido algum permitir ou conceder nos tempos mais próximos (concretamente no período temporal de dois anos) nova oportunidade para a instauração de outro PER, com todas as consequências profundamente prejudiciais para a efectivação dos direitos dos respectivos credores que se lhe encontram automaticamente associadas.

O que a lei diferentemente admite, em termos muito mais restritos do que pretendido pela recorrente, é que, uma vez homologado judicialmente o plano de recuperação, encontrando-se em curso o seu cumprimento ou verificando-se a superveniente dificuldade da recuperanda em cumpri-lo, se ficar demonstrado (pela requerente) de que tal se ficou a dever a factores alheios ao plano e a alterações (sérias, imprevistas e insuperáveis) alheias ao controlo da empresa, se dê então a possibilidade (compreensível) de instauração de novo PER, sem dilação temporal.

O que se justifica e se aceita pela segurança e credibilidade que resultam da vigência de um anterior plano homologado judicial e que só não foi devidamente executado pelo facto de o devedor, querendo, não o poder, sem culpa, realizar”[5].

Daí que, em resumo, se conclua, que só na hipótese de estarmos perante um plano de recuperação aprovado e judicialmente homologado, a lei admite, nas circunstâncias excecionais descritas, que, antes de decorridos dois anos sobre a decisão de homologação desse plano, possa ser instaurado novo processo de revitalização.

O que, manifestamente, não é o caso.

Com efeito, o plano a que a Apelante se refere, aprovado no âmbito do processo n.º 3512/23.4T8AVR, não foi judicialmente homologado, por decisão proferida por este Tribunal da Relação do Porto, no dia 07/05/2024, já transitada em julgado (em 13/02/2025). Logo, quando foi instaurada esta ação (04/03/2025) ainda não tinha decorrido o prazo para a Apelante o poder fazer, pelo que a sua pretensão não podia deixar de ser, como foi, liminarmente indeferida.

E não se diga que a Apelante tinha instaurado um outro processo de revitalização, que está a cumprir.

Com efeito, nem a Apelante juntou aos autos, como tinha protestado fazer, a certidão referente a esse processo, nem foi essa a causa de pedir nesta ação. Foi, antes e apenas, a alteração de circunstâncias em relação ao plano aprovado (mas não homologado) no processo antes referido (3512/23.4T8AVR).

Por conseguinte, também por esta via, não pode ser aceite o presente processo de revisão.

E a tal não obsta a alegada inconstitucionalidade que a Apelante imputa à referida interpretação do aludido artigo 14.º-F, n.º 14, do CIRE.

Com efeito, o princípio e direito que a Apelante tem por violados com tal interpretação, ou seja, o princípio da igualdade e o direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva (artigos 13.º e 20.º n.º 1, da CRP), têm como pressuposto que, no âmbito do processo de revitalização, um plano de recuperação aprovado mas não homologado judicialmente, é igual a um plano de recuperação aprovado e que foi objeto dessa homologação.

Ora, não é assim.

Com efeito, um plano de recuperação pode ser aprovado pela maioria dos credores e, ainda assim, violar regras substantivas ou procedimentais que comprometam a sua validade jurídica. E isso não é indiferente. Designadamente, para os credores que viram as suas posições jurídicas afetadas, já que, em caso de homologação do plano, terão necessariamente de lhe obedecer (artigo 17.º-F, n.º 11, do CIRE).

Acresce que, ao contrário do que a Apelante dá a entender, o plano de recuperação não visa tutelar apenas a posição do devedor. Nem mesmo dos credores que se pronunciaram no sentido dessa aprovação. Visa, sim, harmonizar, dentro dos possíveis, os vários interesses em conflito, em ordem a dar-lhes uma satisfação exequível.

Deste modo, portanto, entende-se que a já falada interpretação do artigo 14.º-F, n.º 14, do CIRE, não é inconstitucional.

Em resumo, o presente recurso é de julgar improcedente e confirmada a decisão recorrida.


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III – Dispositivo

Pelas razões expostas, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso e, consequentemente, confirma-se a decisão recorrida.


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- Em função deste resultado, as custas deste recurso serão pagas pela Apelante - artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Porto, 4/6/2025
João Diogo Rodrigues
Alexandra Pelayo
João Ramos Lopes
______________
[1] Após ter sido pedido o acompanhamento do Processo n.º 3512/23.4T8AVR, o envio de certidão da decisão de não homologação do plano de revitalização aí proferida, com nota de trânsito em julgado, e de ter sido notificada a Requerente para “juntar aos autos nova proposta de plano, que concretize os pagamentos que se propõe realizar aos credores, e, bem assim, os documentos previsionais de onde resulte, de forma fundamentada, que é expectável que a requerente consiga concretizar os pagamentos a que se propõe”.
[2] Pois que se, por exemplo, a situação de insolvência for inequívoca e houver indicadores do uso abusivo deste processo, impõe-se proceder de modo contrário – Neste sentido, Ac. RC de 19/01/2015, Processo n.º 9425/15.6T8CBR.C1, consultável em www.dgsi.pt.
[3] No sentido de que este impedimento deve ser liminarmente conhecido, Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 8ª edição, Almedina, pág. 449, Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, PER, O Processo Especial de Revitalização, Coimbra Editora, 2014, págs. 33 e 34.
[4] O sublinhado é da nossa responsabilidade.
[5] No mesmo sentido, Ac. RP de 13/07/2022, Processo n.º 820/22.5T8STS.P1, consultável em www.dgsi.pt e, na doutrina, Maria do Rosário Epifânio, ob. cit., pág. 529.