I. Sendo a moldura penal abstracta do cúmulo jurídico estabelecida entre o limite mínimo de 5 anos de prisão (pena parcelar mais elevada) a 35 anos e 4 meses de prisão (soma aritmética das penas parcelares em cúmulo), tendo-se presente que de acordo com o art.º 77.º n.º 2 do Código Penal, o limite máximo não poderá ultrapassar 25 anos, não se afigura excessiva, desproporcional ou injusta a pena única de 16 (dezasseis) anos de prisão, resultante do jurídico que abrangeu a condenação do arguido em outros processos pela prática de vários crimes de crimes de roubo, falsificação, por crime de rapto, de violação e detenção de arma proibida.
II. Para o efeito foram ponderados os factos na sua globalidade demonstrativos de uma ilicitude elevada e praticados com dolo directo e intenso, a personalidade do arguido demonstrativa de uma tendência acentuada para a prática de crimes de roubo, com antecedentes criminais por crimes da mesma natureza, tendo cometido os factos em causa nos autos no período de uma liberdade condicional e ainda o seu modo de vida e condições pessoais, sem atividade laboral, dependendo das ajudas dos progenitores, ambos reformados, consumidor de estupefacientes, decorrendo o seu quotidiano, na data dos factos, junto de grupos de pares conectados a comportamentos desviantes, nomeadamente, consumo e tráfico de estupefacientes, tudo revelador das elevadas necessidades de prevenção especial a que acrescem as elevadas necessidades de prevenção geral.
Questão prévia
Resulta do teor do acórdão cumulatório proferido pela 1 ª instância que os factos dados como provados no processo nº535/23.7PASJM que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Central Criminal de ... - Juiz...no acórdão cumulatório a que se procedeu, datado de 17 de Janeiro de 2025, encontram-se repetidos nos seus precisos termos, os seguintes factos (transcrição):
«A hora não concretamente apurada mas situada entre as 17h45m do dia 18 de Outubro de 2023 e as 19h00m, desse mesmo mês e ano, o arguido AA dirigiu-se ao veículo de marca Volvo, modelo V50, de matrícula ..-CT-.., propriedade de BB, o qual se encontrava estacionado na Rua ..., junto ao n.º ..., em ...
Lá chegado, com um objecto não concretamente apurado, destruiu o vidro da porta traseira, lado direito, o qual partiu, assim logrando, dessa forma, abrir o veículo e introduzir- se no seu interior. Assim, já no interior da viatura, o arguido retirou e levou consigo a carteira a tiracolo que se encontrava colocada debaixo do banco da frente do lado direito, a qual continha: três cartões de cidadão; uma carta de condução; dois cartões de saúde europeus; um cartão de débito do Banco CTT; um cartão de débito do Banco BPI; um cartão de crédito do Novo Banco; um par de óculos de sol, da marca Vilanova, no valor de € 50,00 (cinquenta euros); um par de óculos graduados da marca Okers, no valor de € 50,00 (cinquenta euros); € 25,00 (vinte e cinco euros), em numerário.
Após, nesse mesmo dia, pelas 18h42m, na posse do cartão de débito emitido pelo Banco CTT, titulado pela ofendida, o arguido deslocou-se, ao posto de abastecimento de combustível da “...”, sito na Avenida da ..., em ...e ali efectuou, por meio de contactless do cartão de débito da ofendida, o pagamento da quantia de € 48,50 (quarenta e oito euros e cinquenta cêntimos).
Nesse mesmo dia, pelas 18h50m, o arguido deslocou-se ao posto de abastecimento de combustível da “...”, sito na Avenida da ..., em ... e ali efectuou, por meio de contactless do referido cartão de débito da ofendida, o pagamento da quantia de € 47,40 (quarenta e sete euros e quarenta cêntimos).
Ainda no mesmo dia, pelas 19h00m, o arguido deslocou-se ao posto de abastecimento de combustível da “...”, sito em..., ..., e ali efectuou, por meio de contactless do referido cartão de débito da ofendida, o pagamento da quantia de € 42,80 (quarenta e dois euros e oitenta cêntimos).
No mesmo dia, ainda, pelas 19h07m, o arguido, com recurso ao cartão de débito emitido pelo Banco BPI, titulado pela ofendida, deslocou-se ao posto de abastecimento de combustível denominado “..., sito em ..., ..., e ali efectuou, por meio de contactless do referido cartão de débito da ofendida, o pagamento da quantia de € 31,40 (trinta e um euros e quarenta cêntimos).
No total, ao assim agir, logrou o arguido retirar da conta da ofendida a quantia de € 170,10 (cento e setenta euros e dez cêntimos).
Com a sua actuação, ao estragar o vidro triangular da retaguarda, lado direito, o arguido provocou prejuízos ao veículo propriedade de BB, em valor que não se logrou apurar e que foram pagos pela seguradora.
Ao actuar da forma descrita, agiu o arguido AA de forma livre, e com o propósito concretizado de, da forma descrita, introduzir-se no interior do veículo automóvel propriedade de BB, a fim de ali retirar e levar consigo objectos de valor, que ali encontrasse, o que fez de forma consciente, bem sabendo que a viatura e o que se encontrava no seu interior não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do seu legítimo proprietário, o que representou e logrou conseguir.
Ao actuar da forma descrita, agiu o arguido, de forma livre, e com o propósito concretizado de, das formas descritas, e na posse dos referidos cartões de débito titulados pela ofendida BB, utilizar os mesmos e assim manipular e intervir informaticamente nos terminais de pagamento descritos, e de tal forma, ordenar aos mesmos terminais de pagamento que procedessem ao pagamento das quantias monetárias indicadas e que consubstanciavam compras de produtos por si adquiridos, para após, apossar-se, como se apossou, dos produtos assim pagos, bem sabendo que dessa forma obtinha benefício patrimonial ilegítimo e, consequentemente, prejuízo patrimonial do mesmo valor à lesada, facto que não o impediu de prosseguir com as suas acções, o que representou e logrou conseguir.
Mais sabia o arguido que, com a conduta descrita, praticava actos proibidos e punidos por lei penal».
Todavia esta repetição consta apenas do relatório do acórdão cumulatório, não tendo sido levada em conta para quaisquer outros efeitos no cúmulo jurídico que se realizou onde apenas foram considerados uma única vez os factos em que o arguido foi condenado no mencionado processo nº 535/23.7...
Trata-se, manifestamente, de um lapso de escrita.
Nos termos do artigo 380º, nº1, al.b), do Código de Processo Penal pode o Tribunal oficiosamente ou a requerimento, corrigir a sentença (ou o acórdão) quando a mesma contiver “erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial”.
E nos termos do nº2, do mesmo artigo se já tiver subido recurso da sentença, a correcção é feita, quando possível, pelo tribunal competente para conhecer do recurso.
Deste modo, ao abrigo de tal faculdade corrige-se o acórdão recorrido eliminando-se do mesmo a repetição descritiva supra referida relativa ao processo nº 535/23.7... desde o segmento do repetido que se inicia de novo com o parágrafo :
« A hora não concretamente apurada mas situada entre as 17h45m do dia 18 de Outubro de 2023 e as 19h00m, desse mesmo mês e ano, o arguido AA dirigiu-se ao veículo de marca Volvo, modelo V50, de matrícula ..-CT-.., propriedade de BB, o qual se encontrava estacionado na Rua ..., junto ao n.º ..., em... (…) » e termina nos parágrafos «Ao actuar da forma descrita, agiu o arguido, de forma livre, e com o propósito concretizado de, das formas descritas, e na posse dos referidos cartões de débito titulados pela ofendida BB, utilizar os mesmos e assim manipular e intervir informaticamente nos terminais de pagamento descritos, e de tal forma, ordenar aos mesmos terminais de pagamento que procedessem ao pagamento das quantias monetárias indicadas e que consubstanciavam compras de produtos por si adquiridos, para após, apossar-se, como se apossou, dos produtos assim pagos, bem sabendo que dessa forma obtinha benefício patrimonial ilegítimo e, consequentemente, prejuízo patrimonial do mesmo valor à lesada, facto que não o impediu de prosseguir com as suas acções, o que representou e logrou conseguir.
Mais sabia o arguido que, com a conduta descrita, praticava actos proibidos e punidos por lei penal».
Notifique e anote-se em conformidade a repetição no acórdão recorrido.
*
Acordam na 5ª secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça
I – RELATÓRIO
1. No âmbito do processo comum colectivo nº 535/23.7PASJM.1, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Central Criminal de ... - Juiz..., em que é arguido AA, após realização da audiência a que alude o artigo 472.º do C.P.P., por acórdão cumulatório, proferido em 17 de Janeiro de 2025, integrando as penas em que o arguido tinha sido condenado nos processos nºs. 5776/23.4..., 535/23.7... e 1134/23.9..., todos ali melhor identificados, foi o arguido condenado na pena única de 16 (dezasseis) anos de prisão.
2. Inconformado com o decidido o arguido interpôs recurso do acórdão que dirigiu ao Tribunal da Relação do Porto, tendo este tribunal remetido os presentes autos ao Supremo Tribunal de Justiça, por ser o tribunal competente para conhecer do recurso.
Da motivação do seu recurso o recorrente extraiu as seguintes conclusões (transcrição):
«1ª- A pena única imposta ao ora recorrente é excessiva e deve ser reduzida, nos termos expostos.
2ª- A pena única resultante do cúmulo jurídico deverá, consequentemente, ser reformada e substancialmente reduzida.
3ª- Foram, assim, violados os artigos 71º do Código Penal, assim como foi desrespeitado o disposto no artigo 30º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
NESTES TERMOS,
e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta,
assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»
3. O Ministério Público, junto da 1.ª instância, respondeu ao recurso requerendo que o mesmo seja julgado improcedente e confirmado o Acórdão recorrido, afirmando, para tanto, em síntese (transcrição):
« O acórdão a quo vislumbrou a existência de concurso superveniente das penas irrogadas nos Proc.s 5776/23.4..., 535/23.7... e 1134/23.9....
A determinação da medida da pena conjunta será encontrada apelando, não apenas aos critérios gerais da culpa e da prevenção, inscritas no art. 71º do CP, mas, outrossim, atendendo ao critério especial decorrente do art. 77º/1, in fine, maxime, a consideração conjuntados factos e personalidade do agente.
Nas palavras de Figueiredo Dias, “Tudo deve passar-se, por conseguinte como o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na sua personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta” – a., ob. cit. § 421.
De acordo com o art. 77º/2 do CP as margens penais do concurso “ tem por limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos (…); e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas”.
Significativamente, à visão atomística inerente à determinação das penas singulares, sucede agora uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global enquanto enquadrada na personalidade unitária do agente.
Na situação concreta, a moldura abstrata da relação superveniente, apresenta, como limite mínimo, cinco anos e, como limite máximo, trinta e cinco anos e quatro meses anos de prisão - legalmente limitada nos vinte e cinco anos - daí resultando a pena única de dezasseis anos decretada.
Eis os fundamentos apresentados pela instância:
“(…) verificamos que o arguido incorreu na prática de crimes violando vários bens jurídico axiologicamente distintos, mormente contra o património, integridade física, liberdade pessoal, liberdade sexual, As necessidades de prevenção especial já se fazem sentir com muita intensidade atentos os seus antecedentes criminais, o que nos leva a afirmar que as penas (até de prisão efectiva) não têm causado um efeito dissuasor da prática de crimes. Tendo, pois, uma conduta desconforme os ditames do direito. Não se poderá olvidar que o arguido se encontrava em regime da liberdade condicional aplicada em 23 de Maio de2023 e os crimes foram cometidos em Outubro de2023, sendo por demais censurável a sua conduta. O que não abona, de todo, o arguido.
A personalidade do arguido ínsita nos factos levados a cabo demonstra que as exigências de prevenção especial se fazem sentir com acuidade.
Não se ignorará que os contatos com o exterior têm sido mantidos através de contatos telefónicos e visitas regulares dos progenitores ao Estabelecimento Prisional do ..., e que o arguido apresenta como projeto de futuro conseguir um enquadramento laboral e reintegrar o agregado familiar de quem acolhe apoio, o que o beneficia e o favorece em termos de ressocialização.”
Associamo-nos, com a devia vénia, a este juízo, nada havendo, por despiciendo, a alterar ou aditar.
Na verdade, convém relembrar que na tarefa de determinação da concreta medida da reação punitiva, vem sendo atribuído pelos nossos Tribunais superior um espaço de liberdade ao decisor, de tal ponto que a alteração de tais decisões apenas ocorrerá em situações de manifesta desproporcionalidade ou de violação regras legais ou empíricas no procedimento de determinação da medida concreta - neste sentido, por todos, vide acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05.04.2017 disponível em www.dgsi.pt
Significativamente, a pena irrogada, projetando-se abaixo do segundo terço da moldura construída, por excesso não peca, apresentando-se justa, adequada e proporcional, sendo confortavelmente suportada pela culpa – cfr. art. 40º/1 e 2, 71º, 77º do CP e 18º/2 da CRP
Em suma, o acórdão sobrevive incólume à censura do recurso e, não padecendo dos vícios de conhecimento oficioso especificados no art. 410º/2-a)-b)-c) do CPP, impõe-se a sua confirmação in totum».
4. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º, do Código de Processo Penal, emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, devendo, em consequência, ser confirmado o acórdão recorrido.
Do seu douto parecer destacam-se os seguintes excertos: (transcrição)
« ( …) 6 – Sobre o concurso de crimes e sua punição, regulam os artigos 77.º e 78.º do Código Penal (…).
É pressuposto do conhecimento superveniente do concurso de crimes a que se reporta este último dispositivo que o agente tenha praticado diversos crimes, antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles, sendo essa a situação que se configura nos autos.
Estando na presença de uma pluralidade de crimes praticados pelo arguido, será de unificar as penas aplicadas por tais crimes, desde que cometidos antes de transitar a condenação por qualquer deles, pois o trânsito em julgado estabelece a fronteira, o ponto de referência ad quem, até onde se pode formar um conjunto de infracções e em que seja possível unificar as respectivas penas, como se refere no acórdão de 16.06.2016 do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo n.º 2137/15.2T8EVR.S1, 3ª Secção, disponível para consulta em www.dgsi.pt/.
Importa também considerar que pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2016, de 26 de Abril, publicado em D.R. n.º 111, Série I, de 09.06.2016, foi fixada jurisprudência no sentido de que “O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso.”
In casu, a decisão recorrida nenhuma reserva suscita, no que se refere às penas englobadas no cúmulo jurídico em foco.
Nem o recorrente questiona tal matéria.
É contra a medida da pena única de 16 anos de prisão aplicada pelo Tribunal a quo que se insurge o recorrente, pugnando pela sua redução – a 6 anos e 8 meses de prisão, ao que parece – sendo este o preciso objecto do recurso.
Numa compreensão muito própria da realidade processual, considera o recorrente que (…) a pena única corresponde quase a cem por cento da soma das penas individuais dos três processos em apreço, contabilizando, para o efeito, as penas únicas aplicadas em cada um dos processos, assim ignorando as penas parcelares de que emergem aquelas.
Acresce que não se entende igualmente em que se baseia o raciocínio do recorrente para defender a redução dessas penas únicas em 40% circunstância vem apontada em abono da pretendida redução da pena única.
As penas a considerar, englobadas no cúmulo jurídico em apreço, são as seguintes:
Nos próprios autos (processo n.º 535/23.7...), o arguido/recorrente foi condenado, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, como reincidente, nos termos dos artigos 75.º e 76.º, também do Código Penal, na pena parcelar de 2 (dois) anos de prisão, e de um crime de abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, p. e p. pelo artigo 225.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena parcelar de 1 (um) ano de prisão (sendo que, em cúmulo jurídico, resultou aquele condenado na pena única de 2 anos e 4 meses de prisão, efectiva);
No processo n.º 1134/23.9..., foi o arguido/recorrente condenado, pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena parcelar de 2 (dois) anos de prisão, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, de dois crimes de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 2, alínea f), todos do Código Penal, na pena parcelar de 4 (quatro) anos de prisão, por cada, de dois crimes de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena parcelar de 3 (três) anos de prisão, por cada, e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 2.º, n.º 1, alínea m), 3.º, nºs 1 e 2, alínea al. b), e 86.º, n.º 1, alínea. d), da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na pena de 1 (um) ano de prisão (sendo que, em cúmulo jurídico, resultou aquele condenado na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão); e,
No processo n.º 5776/23.4..., foi o arguido/recorrente condenado, pela prática, em autoria material, como reincidente e em concurso efectivo e real, de um crime de roubo, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 14.º, n.º 1, 26.º, 30.º, nºs 1 e 3, 75.º, nºs 1 e 2, 76.º, n.º 1, e 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena parcelar de 4 (quatro) anos de prisão, de um crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 14.º, n.º 1, 26.º, 30.º, nºs 1 e 3, 75.º, nºs 1 e 2, 76.º, n.º 1, e 161.º, n.º1, alínea b), do Código Penal, na pena parcelar de 5 (cinco) anos de prisão, de um crime de violação, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 14.º, n.º 1, 26.º, 30.º, nºs 1 e 3, 75.º, nºs 1 e 2, 76.º, n.º 1, e 164.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei n.º 101/2019, de 06.09., na pena parcelar de 4 (quatro) anos de prisão (sendo que, em cúmulo jurídico, resultou aquele condenado na pena única de 7 (sete) anos e 8 (oito) meses de prisão).
É por demais evidente o infundado da pretensão do recorrente em ver reduzida a 6 anos e 8 meses de prisão a pena única a que foi condenado.
Sobre esta problemática, refere-se no acórdão de 21.10.2021 deste Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 64/15.2PBBJA.S1, 5ª Secção, Relator: Conselheiro Eduardo Loureiro:
“A medida concreta da pena do concurso é determinada, tal como a das penas singulares, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, segundo os ditames dos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, havendo, porém, que atender a um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente (artigo 77.º, n.º 1, parte final, ainda do Código Penal).
O que significa que à visão atomística inerente à determinação das penas singulares, sucede, nesta, uma visão de conjunto em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a sopesar a gravidade desse ilícito global enquanto enquadrada na personalidade unitária do agente, «tudo deve[ndo] passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique» cfr. Figueiredo Dias, in "Consequências Jurídicas do Crime", 1993, p. 291 e 292.
E sendo que nessa «avaliação da personalidade – unitária – do agente» releva «sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma "carreira") criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade», que só primeira, que não a segunda, tem «um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta».
E nela assumindo especial importância «a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)» em que são de considerar «múltiplos factores entre os quais: a amplitude temporal da atividade criminosa; a diversidade dos tipos legais praticados; a gravidade dos ilícitos cometidos; a intensidade da atuação criminosa; o número de vítimas; o grau de adesão ao crime como modo de vida; as motivações do agente; as expetativas quanto ao futuro comportamento do mesmo»
Servindo, como já dito, as finalidades exclusivamente preventivas da protecção de bens jurídicos – prevenção geral positiva ou de integração – e da reintegração do agente na sociedade – prevenção especial positiva ou de socialização –, devem elas «coexistir e combinar-se da melhor forma e até ao limite possível» na pena única, «porque umas e outras se encontram no propósito comum de prevenir a prática de crimes futuros».
Finalidades – e também culpa – que, tendo intervindo, já, na determinação da medida das penas parcelares, operam aqui por referência ao «conjunto dos factos e à apreciação geral da personalidade», o que «não se confunde com a ponderação das circunstâncias efetuada relativamente a cada crime, que é necessariamente parcelar» e não envolve, por isso, violação do princípio da dupla valoração.
E pena única que, também ela, deve respeitar os princípios da proporcionalidade, necessidade, adequação e proibição de excesso decorrentes do art.º 18º da CRP”.
Seguindo tais directrizes, e considerando agora o caso concreto, importa ter presente, desde logo, a moldura penal abstracta aplicável.
A medida da pena única a aplicar tem o limite mínimo de 5 anos de prisão, correspondente à pena parcelar mais elevada das concretamente aplicadas, e o limite máximo, inultrapassável, de 25 anos de prisão, por força do disposto no artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal (ainda que a soma aritmética das penas concretamente aplicadas aos vários crimes seja de 35 anos e 4 meses de prisão).
Na perspectiva do objecto do recurso, diz-se, na decisão recorrida, na fundamentação da pena aplicada:
(…)
Assim, considerando os factos supra mencionados, verificamos que o arguido incorreu na prática de crimes violando vários bens jurídico axiologicamente distintos, mormente contra o património, integridade física, liberdade pessoal, liberdade sexual, As necessidades de prevenção especial já se fazem sentir com muita intensidade atentos os seus antecedentes criminais, o que nos leva a afirmar que as penas (até de prisão efectiva) não têm causado um efeito dissuasor da prática de crimes. Tendo, pois, uma conduta desconforme os ditames do direito.
Não se poderá olvidar que o arguido se encontrava em regime da liberdade condicional aplicada em 23 de Maio de 2023 e os crimes foram cometidos em Outubro de 2023, sendo por demais censurável a sua conduta.
O que não abona, de todo, o arguido.
A personalidade do arguido ínsita nos factos levados a cabo demonstra que as exigências de prevenção especial se fazem sentir com acuidade.
Não se ignorará que os contatos com o exterior têm sido mantidos através de contatos telefónicos e visitas regulares dos progenitores ao Estabelecimento Prisional do ..., e que o arguido apresenta como projeto de futuro conseguir um enquadramento laboral e reintegrar o agregado familiar de quem acolhe apoio, o que o beneficia e o favorece em termos de ressocialização.
Nestes termos, tudo ponderado, reputamos justo, por equitativo, atento os factos levados a cabo e as condições sócio/familiares supra mencionadas demonstrativas da sua personalidade, a aplicação de uma pena única ao arguido AA, de 16 (dezasseis) anos de prisão (…)».
Nenhuma censura suscita a decisão recorrida, afigurando-se ter o Tribunal a quo apreciado e valorado os elementos a que se deveria atender – a multiplicidade de crimes cometidos, a diversidade e relevo dos bens jurídicos atingidos, a gravidade dos factos e suas consequências, o passado criminal do recorrente a evidenciar a sua propensão para a prática de crimes, tendo os dos autos ocorrido escassos meses volvidos sobre a sua colocação em liberdade condicional, a ausência de perspectiva sustentada de integração social e laboral, apenas contando com o apoio dos pais, o que até agora, pelo menos, não foi suficiente para o afastar de uma vida de marginalidade – sendo de concluir, contrariamente ao pretendido pelo recorrente, que a pena única aplicada, fixada no domínio do segundo terço da penalidade abstractamente aplicável (no concreto, um ano e dezasseis meses aquém do respectivo limite), se configura justa, por adequada e proporcional à gravidade dos factos e à personalidade do agente, e conforme aos critérios definidores dos artigos 40.º, n.º 1 e 2, 71.º e 77.º, do Código Penal, não se descortinando fundamento para que a mesma seja alterada (…)»
5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do CPP, não foi apresentada resposta ao parecer.
6. Colhidos os vistos, não tendo sido requerida audiência, foram os autos julgados em conferência - artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP.
II -FUNDAMENTAÇÃO
1. Questão a decidir
É pacífica a jurisprudência do S.T.J. no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que são de conhecimento oficioso deste Tribunal, como no caso dos vícios enumerados no art.410º, nº 2, do CPP.
Assim sendo, de acordo com as conclusões da respectiva motivação, o objecto do recurso do arguido prende-se com a questão seguinte:
-Excesso da medida concreta da pena única aplicada em cúmulo jurídico
2. É a seguinte a matéria de facto dada como provada pelo tribunal “a quo” transcrição:
« Dos Factos:
a. Nos autos (535/23.7PASJM) o arguido, por acórdão datado de 2/10/2024, transitado em julgado no dia 4/11/2024 foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 204.º n.º1 al. b) do Código Penal, como reincidente, nos termos dos art.ºs 75.º e 76.º, ambos do Código Penal, na pena parcelar de 2 (dois) anos de prisão, bem como pela prática de um crime de abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, p. e p. pelo art.º 225.º n.º1 al. b) do Código Penal, na pena parcelar de 1 (um) ano de prisão. Em cúmulo jurídico na pena única de 2 anos e 4 meses de prisão efectiva.
b. Provou-se nos aludidos autos (com relevância para a presente causa) que:
A hora não concretamente apurada, mas situada entre as 17h45m do dia 18 de Outubro de 2023 e as 19h00m, desse mesmo mês e ano, o arguido AA dirigiu-se ao veículo de marca Volvo, modelo V50, de matrícula ..-CT-.., propriedade de BB, o qual se encontrava estacionado na Rua ..., junto ao n.º ..., em ...
Lá chegado, com um objecto não concretamente apurado, destruiu o vidro da porta traseira, lado direito, o qual partiu, assim logrando, dessa forma, abrir o veículo e introduzir- se no seu interior. Assim, já no interior da viatura, o arguido retirou e levou consigo a carteira a tiracolo que se encontrava colocada debaixo do banco da frente do lado direito, a qual continha: três cartões de cidadão; uma carta de condução; dois cartões de saúde europeus; um cartão de débito do Banco CTT; um cartão de débito do Banco BPI; um cartão de crédito do Novo Banco; um par de óculos de sol, da marca Vilanova, no valor de € 50,00 (cinquenta euros); um par de óculos graduados da marca Okers, no valor de € 50,00 (cinquenta euros); € 25,00 (vinte e cinco euros), em numerário.
Após, nesse mesmo dia, pelas 18h42m, na posse do cartão de débito emitido pelo Banco CTT, titulado pela ofendida, o arguido deslocou-se, ao posto de abastecimento de combustível da “...”, sito na Avenida da ..., em ... e ali efectuou, por meio de contactless do cartão de débito da ofendida, o pagamento da quantia de € 48,50 (quarenta e oito euros e cinquenta cêntimos).
Nesse mesmo dia, pelas 18h50m, o arguido deslocou-se ao posto de abastecimento de combustível da ...”, sito na Avenida da ...em ... e ali efectuou, por meio de contactless do referido cartão de débito da ofendida, o pagamento da quantia de € 47,40 (quarenta e sete euros e quarenta cêntimos).
Ainda no mesmo dia, pelas 19h00m, o arguido deslocou-se ao posto de abastecimento de combustível da “...”, sito em ..., ..., e ali efectuou, por meio de contactless do referido cartão de débito da ofendida, o pagamento da quantia de € 42,80 (quarenta e dois euros e oitenta cêntimos).
No mesmo dia, ainda, pelas 19h07m, o arguido, com recurso ao cartão de débito emitido pelo Banco BPI, titulado pela ofendida, deslocou-se ao posto de abastecimento de combustível denominado “..., sito em..., ..., e ali efectuou, por meio de contactless do referido cartão de débito da ofendida, o pagamento da quantia de € 31,40 (trinta e um euros e quarenta cêntimos).
No total, ao assim agir, logrou o arguido retirar da conta da ofendida a quantia de € 170,10 (cento e setenta euros e dez cêntimos).
Com a sua actuação, ao estragar o vidro triangular da retaguarda, lado direito, o arguido provocou prejuízos ao veículo propriedade de BB, em valor que não se logrou apurar e que foram pagos pela seguradora.
Ao actuar da forma descrita, agiu o arguido AA de forma livre, e com o propósito concretizado de, da forma descrita, introduzir-se no interior do veículo automóvel propriedade de BB, a fim de ali retirar e levar consigo objectos de valor, que ali encontrasse, o que fez de forma consciente, bem sabendo que a viatura e o que se encontrava no seu interior não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do seu legítimo proprietário, o que representou e logrou conseguir.
Ao actuar da forma descrita, agiu o arguido, de forma livre, e com o propósito concretizado de, das formas descritas, e na posse dos referidos cartões de débito titulados pela ofendida BB, utilizar os mesmos e assim manipular e intervir informaticamente nos terminais de pagamento descritos, e de tal forma, ordenar aos mesmos terminais de pagamento que procedessem ao pagamento das quantias monetárias indicadas e que consubstanciavam compras de produtos por si adquiridos, para após, apossar-se, como se apossou, dos produtos assim pagos, bem sabendo que dessa forma obtinha benefício patrimonial ilegítimo e, consequentemente, prejuízo patrimonial do mesmo valor à lesada, facto que não o impediu de prosseguir com as suas acções, o que representou e logrou conseguir.
Mais sabia o arguido que, com a conduta descrita, praticava actos proibidos e punidos por lei penal.»
(Segue-se nos termos supra expostos, por lapso de escrita, uma repetição de todos estes factos, situação já abordada e corrigido como questão prévia ao presente acórdão)
c. Nos autos (1134/23.J...) o arguido por acórdão datado de 15/7/2024, transitada em julgado no dia 30/09/2024 foi condenado pela prática de um crime de roubo, p.p. pelo artigo 210º, nº 1 do Código Penal, a pena de 2 (dois) anos de prisão, de um crime de roubo, p.p. pelo artigo 210º, nº 1 do Código Penal, a pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, de dois crimes de roubo agravado, p.p. pelo artigo 210º, nº 1 e 2 alínea b) por referência ao artigo 204º, nº 2 alíneas f) todos do Código Penal, a pena de 4 (quatro) anos de prisão cada; de dois crimes de roubo, p.p. pelo artigo 210º, nº 1 do Código Penal, a pena de 3 (três) anos de prisão cada e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 2º, nº 1 alínea m), 3º, nºs 1 e 2 alínea al.b) e 86.º, al. 1, al. d), da lei 5/2006, de 23.02, a pena de 1 (um) ano de prisão). Em cúmulo jurídico na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.
d. Provou-se nos aludidos autos (com relevância para a presente causa) que:
No dia 11 de Setembro de 2023, cerca das 20h17, os arguidos CC e AA, em conjugação de esforços e de comum acordo, deslocaram-se ao posto de abastecimento de combustíveis da ..., sito na Rua ..., em ....
Para tanto, os arguidos CC e AA utilizaram o veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca Nissan, modelo Qashqai, com a matrícula ..-06-.., pertencente a DD, companheira do arguido CC e consigo residente, o qual era conduzido por CC e, ao lado, no lugar da frente, seguia como passageiro AA.
Ali chegados, o arguido CC parou o veículo no estacionamento do mercado, próximo do referido posto de abastecimento, e aguardou sentado no seu interior, enquanto o arguido AA, utilizando um gorro a tapar-lhe o rosto e luvas calçadas, se dirigiu para o posto de abastecimento.
O arguido AA entrou no posto de abastecimento, mantendo uma das mãos no interior do bolso do casaco, e dirigiu-se a EE (doravante, EE), funcionário do Posto de abastecimento da ..., dizendo “dinheiro, dinheiro!”, “dá-me o dinheiro que está na caixa” e para não fazer movimentos bruscos.
De seguida, EE disse ao arguido AA que ali não havia dinheiro, apenas lá fora na cabine.
O arguido AA disse aEE “então vamos lá à cabine buscar o dinheiro”, “não reajas para a gente não se chatear”, e para andar devagar e não realizar qualquer movimento brusco “para não ter problemas nenhuns”.
De seguida, o arguido AA dirigiu-se e acompanhou EEpara a cabine que se encontrava na parte exterior do estabelecimento.
Naquele local, EE retirou o dinheiro que se encontrava guardado na caixa, no montante total de cerca de €159,98 (cento e cinquenta e nove euros e noventa e oito cêntimos), e entregou-o ao arguido AA.
Após o arguido AA saiu do estabelecimento, dirigiu-se ao parque de estacionamento, entrou na viatura onde o arguido CC o aguardava, e os arguidos abandonaram o local, levando consigo o montante supra mencionado.
*
No dia 11 de Setembro de 2023, cerca das 20h34, os arguidos CC e AA, em conjugação de esforços e de comum acordo, deslocaram-se ao posto de abastecimento de combustíveis da ..., sito em ....
Para tanto, os arguidosCC e AA utilizaram o veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca Nissan, modelo Qashqai, com a matrícula ..-06-.., pertencente a DD companheira do arguido CC e consigo residente, o qual era conduzido porCCe, ao lado, no lugar da frente, seguia como passageiro AA.
Ali chegados, o arguido CC parou o veículo junto ao exterior do posto de abastecimento e o arguido AA, utilizando um boné de pala de cor preta, uma gola de cor escura, casaco com carapuço, de cor verde com letras na parte da frente, calças de cor preta, com duas listas verticais de cor branca e sapatilhas de cor preta, e, munido com um objecto de características não concretamente apuradas, mas semelhante a uma lâmina e cabo de madeira, saiu da viatura e dirigiu-se para o interior do edifício.
De seguida, o arguidoCC conduziu a viatura imobilizando-a uns metros mais à frente daquele posto de abastecimento, e permaneceu no seu interior.
No interior do edifício encontrava-se FF (doravante, FF), funcionária do posto de abastecimento da ....
Acto contínuo, o arguido AA, munido com o objecto descrito em 12, entrou no estabelecimento, avançou no sentido do balcão, onde se encontrava a caixa registadora, e abriu-a, começando a retirar o dinheiro ali existente.
FFainda tentou ir na direcção de AA, mas este, de imediato, alertou para que ficasse sossegada pois assim não lhe iria fazer mal, ao mesmo tempo que dizia insistentemente “Onde está o dinheiro? De certeza que tem mais dinheiro, não é só isto!”.
De seguida, FF dirigiu-se para junto do balcão e entregou ao arguido AA a bandeja da caixa registadora.
O arguido AA retirou o dinheiro que se encontrava na referida bandeja e colocou- o no respectivo casaco, no montante global de cerca de €450,00 (quatrocentos e cinquenta euros), bem como retirou filtros, mortalhas, em valor não concretamente apurado.
Após o arguido AA saiu do estabelecimento, entrou na viatura e os arguidos CC e AA abandonaram o local, levando o
montante e os bens supra mencionados.
*
No dia 13 de Setembro de 2023, cerca das 17h06, os arguidos CCe AA, em conjugação de esforços e de comum acordo, deslocaram-se às instalações da Junta de Freguesia de .../estação dos CTT, sita na Rua da ..., em ....
Para tanto, os arguidosCC e AA utilizaram o veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca Nissan, modelo Qashqai, com a matrícula ..-06-.., pertencente a DD, companheira do arguido CC e consigo residente, o qual era conduzido porCC e, ao lado, no lugar da frente, seguia como passageiro AA.
Ali chegados, o arguido CC parou o veículo junto à entrada do edifício da referida Junta de Freguesia e aguardou sentado no seu interior, enquanto o arguido AA se dirigiu para o interior do edifício, trajando um casaco de fato de treino, de cor escura, com carapuço acoplado, o qual utilizava para lhe cobrir a cabeça; por baixo do carapuço usava ainda um chapéu de pala, também de cor escura, utilizando uma peça de roupa de cor escura a tapar-lhe o rosto, luvas calçadas e exibindo uma faca de cozinha, com lâmina em aço inox, do tipo corto-perfurante, de um só gume, serrilhado, com uma extensão perfurante, total, de 11 cm, uma largura máxima de 1,5 cm e uma espessura máxima de 0,1 centímetros.
No interior do edifício, encontrava-seGG (doravante, GG) eHH(doravante,HH), funcionárias da Junta de Freguesia/estação dos CTT.
Ao entrar no edifício, o arguido AA, sempre empunhando a faca, dirigiu-se a GG e HH dizendo “vocês não façam nada, que isto vai ser rápido” e ordenou-lhes que lhe dessem tudo o que tinham.
De seguida, HH disse ao arguido AA que não tinham dinheiro porque já tinham fechado as contas do dia e o dinheiro tinha sido enviado para a loja CTT.
Nesse momento, o arguido AA dirigiu-se a HHdizendo que se não lhe desse o dinheiro iria à noite passar na habitação desta e iria arrepender-se.
De seguida, o arguido AA vasculhou o interior do balcão, dizendo constantemente “vocês só me estão a fazer perder tempo”.
Acto contínuo, do interior do balcão, o arguido AA retirou e levou consigo os seguintes objectos:
- Um telemóvel da marca Xiaomi, pertencente a GG, de valor não concretamente apurado mas não inferior a €120,00 (cento e vinte);
- Um telemóvel da marca Samsung, pertencente a HH, de valor não concretamente apurado mas aproximado a €500,00 (quinhentos euros);
- Um telemóvel da marca Samsung, pertencente à Junta de Freguesia de..., de valor de valor não concretamente apurado mas não inferior €600,00 (seiscentos euros);
- Uma mala castanha contendo um porta moedas com cartões de identificação e uma carteira com cartões pessoais;
- Um disco rígido, pertencente à Junta de Freguesia de ..., de valor não inferior a €60,00;
- Uma caixa contendo dinheiro em montante não concretamente apurado mas não superior a €100,00 (cem euros).
Após o arguido AA saiu do edifício, entrou na viatura e os arguidos CC e AA abandonaram o local, levando os bens e os montantes supra mencionados.
*
No dia 13 de Setembro de 2023, cerca das 17h18, os arguidos CC e AA, em conjugação de esforços e de comum acordo, deslocaram-se às instalações do Banco CTT de..., sito na Rua do ..., em ....
Para tanto, os arguidos CC e AA utilizaram o veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca Nissan, modelo Qashqai, com a matrícula ..-06-.., pertencente a DD companheira do arguido CC e consigo residente, o qual era conduzido por CC e, ao lado, no lugar da frente, seguia como passageiro AA.
Ali chegados, o arguido CC parou o veículo junto à entrada do edifício do referido posto dos CTT e aguardou sentado no seu interior, enquanto o arguido AA se dirigiu para o interior do edifício, trajando um casaco de fato de treino de cor escura, com letras nas costas, o qual tinha carapuço, que utilizava para lhe cobrir a cabeça, sendo que, por baixo do carapuço, usava ainda um chapéu de pala, também de cor escura e luvas calçadas.
No interior do edifício, encontrava-se II (doravante, II) e JJ(doravante,JJ), funcionárias dos CTT.
Ao entrar no estabelecimento, o arguido AA, proferiu, por diversas vezes, as seguintes palavras: “quietos e calados”.
Após, saltou o balcão junto à caixa n.º 1 e retirou e levou consigo uma gaveta com dinheiro (em numerário), que se encontrava no balcão n.º 1, e uma gaveta com notas, que se encontrava no balcão n.º 2, ao mesmo tempo que se dirigia aII e JJ dizendo- lhes “quietas e caladas, isto é um assalto”.
Após, o arguido AA saiu do estabelecimento, não utilizou as escadas para esse efeito, tendo saltado do alto do patamar para o solo, levando consigo dois sacos.
De seguida, o arguido AA avançou em direcção à viatura automóvel supra identificada, onde se encontrava o arguido CC, atirou os sacos para o banco traseiro, sendo que, ao fazê-lo, um dos sacos caiu no chão, pelo que se debruçou no solo para apanhá-lo.
Simultaneamente, o arguido CC, que se encontrava a acompanhar o sucedido, gritou para o arguido AA “Anda, anda!”.
Acto contínuo, o arguido AA entrou para o banco traseiro, e os arguidos CCe AA abandonaram o local, levando consigo o dinheiro supra mencionado, no montante de €5.088,14, (cinco mil, oitocentos e oitenta e oito euros e catorze cêntimos).
*
O arguido AA, em conformidade com o plano que havia delineado com o arguido CC, não se inibiu de utilizar a intimidação, o objecto descrito em 12, a faca descrita em 22 e a força supra descritas para concretizar os seus intentos, conseguindo atemorizar os vários ofendidos, os quais temeram pela vida e pela integridade física, pondo em causa a respectiva liberdade, toldando-lhes os movimentos e compelindo-os a não reagir.
Os arguidos CC e AA agiram, em união de esforços, divisão de tarefas e em execução de plano conjunto delineado por ambos, com o intuito de fazer seus os bens e as quantias monetárias, integrando-os nas suas esferas patrimoniais, bem sabendo que tais bens e quantias não lhes pertenciam, e que agiam contra a vontade e em prejuízo dos legítimos donos, o que quiseram e conseguiram.
Os arguidosCC e AA agiram com o propósito de deter a faca descrita em 22, conhecendo as respectivas características, destinando a mesma a ser utilizada como instrumento de agressão, não se coibindo de deter aquele objecto, bem sabendo que a respectiva detenção lhes estava vedada por lei e que a mesma se encontrava apta a ser utilizada, mas, ainda assim, quiseram deter tal objecto.
Os arguidos atuaram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
e. Nos autos (5776/23.J...) o arguido por acórdão. datado de 15-07-2024, transitado em julgado a 14-08-2024, o arguido AA foi condenado pela prática, em autoria material, como reincidente e em concurso efectivo e real, de um crime de roubo, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 14.º, nº1, 26.º, 30.º, nºs 1 e 3, 75.º, nºs 1 e 2, 76.º, nº1, e 210.º, nº1, do Código Penal, na pena parcelar de 4 (quatro) anos de prisão; um crime de rapto, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 14.º, nº1, 26.º, 30.º, nºs 1 e 3, 75.º, nºs 1 e 2, 76.º, nº1, e 161.º, nº1, al. b), do Código Penal, na pena parcelar de 5 (cinco) anos de prisão; e um crime de violação, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 14.º, nº1, 26.º, 30.º, nºs 1 e 3, 75.º, nºs 1 e 2, 76.º, nº1, e 164.º, nº1, als. a) e b), do Código Penal (na redacção introduzida pela Lei nº101/2019, de 6.09), na pena parcelar de 4 (quatro) anos de prisão; Em cúmulo jurídico, ao abrigo dos artigos 30.º, nºs 1 e 3, e 77.º, nºs 1 a 4, do Código Penal, na pena única de 7(sete) anos e 8 (oito) meses de prisão.
f. Provou-se nos aludidos autos (com relevância para a presente causa) que:
No dia 11 de Outubro de 2023, cerca das 19h40, o arguido apercebeu-se que a ofendida KK seguia sozinha, apeada, pela Rua ..., no..., em direcção ao seu veículo, da marca “Mercedes”, modelo “C 220”, com a matrícula ..-..-XG, que ali estava estacionado, logo formulando o propósito de se apoderar de bens e dinheiro que a mesma tivesse na sua posse.
Assim, logo que a ofendida estava a entrar para o lugar do condutor do veículo identificado em 1), o arguido entrou para o banco traseiro da mesma viatura e, apontando-lhe um objecto de características que não foi possível apurar em concreto, mas que aparentava tratar-se de uma arma de fogo, ordenou-lhe que fechasse a porta do condutor, o que a mesma fez, por temer pela sua vida.
De seguida, o arguido ordenou, em tom intimidatório, à ofendida que iniciasse a marcha do referido veículo, lhe entregasse a sua carteira e colocasse o seu telemóvel na consola central do veículo, para que o mesmo controlasse tal aparelho.
Após verificar o conteúdo da mencionada carteira, o arguido ordenou à ofendida que se dirigisse a uma caixa Multibanco, para levantarem dinheiro, tendo-lhe, então, dado indicações do percurso a fazer, ordenando-lhe que saísse para a zona industrial do ..., tendo, na Rua ..., ordenado que a mesma parasse a viatura.
Nesta altura, o arguido ordenou à ofendida que ocupasse o banco dianteiro do passageiro do veículo identificado em 1), o que a mesma fez, por temer o comportamento do arguido, tendo este ocupado o respectivo lugar do condutor.
O arguido conduziu, então, o veículo identificado em 1) até à caixa Multibanco existente no Posto dos CTT situado na Avenida ..., na cidade do ..., local onde parou o dito veículo e ordenou à ofendida que fosse levantar o máximo de dinheiro com o cartão bancário que a mesma lhe indicou como tendo dinheiro.
A ofendida, temendo o comportamento do arguido e o uso que o mesmo pudesse fazer do objecto mencionado em 2), deslocou-se até à referida caixa Multibanco, cuja respectiva máquina reteve o cartão que a mesma nela introduziu, não tendo, assim, logrado levantar dinheiro.
Na sequência do descrito em 7), a ofendida regressou ao veículo identificado em 1) e, por receio que pudesse cometer algum engano com outro cartão bancário, sugeriu ao arguido levantar dinheiro através de MBway, exibindo ao mesmo o respectivo código, e dirigiu-se à dita máquina ATM, com vista a levantar o montante de 200 €, o que fez; efectuou novo procedimento para proceder ao levantamento de mais 200 € e, por não dispor de saldo bancário suficiente para esse efeito, tentou levantar a quantia de 50 €, conseguindo obter este valor.
A ofendida regressou à viatura identificada em 1), onde entregou a mencionada quantia total de 250 € ao arguido, que este fez sua; o arguido disse, então, à ofendida que ainda precisava de se deslocar a outro sítio, tendo aquela lhe pedido que a deixasse ir embora, ao que o mesmo não acedeu, encaminhando-se para um bairro, na cidade do Porto, onde foi comprar estupefaciente, que consumiu de imediato.
De seguida, o arguido, continuando a conduzir o veículo identificado em 1), disse à ofendida que ia para o local onde a tinha abordado, dando-lhe a entender que iria, finalmente, libertá-la.
Todavia, já próximo do local indicado em 1), o arguido, com o propósito de satisfazer os seus impulsos libidinosos, disse à ofendida que esta podia “fazer qualquer coisa” por ele, insinuando que a mesma poderia massajar o seu pénis, tendo a ofendida recusado, tentando sempre evitar um confronto com o arguido, por temer a sua reacção, e tentando convencê-lo a libertá-la.
Perante tal recusa da ofendida, o arguido mostrou-se zangado, dizendo-lhe que, uma vez que a mesma não fazia o que ele queria, iria levá-la para um motel e aí faria o que quisesse com ela, ao mesmo tempo que seguiu outro percurso, acedendo à ... e, depois, à A..., em direcção a ....
O arguido conduziu, assim, o veículo identificado em 1) até ao motel ... situado em ..., onde, através da máquina situada na respectiva entrada, conseguiu retirar um bilhete, para aceder a tal estabelecimento.
Aí, o arguido acedeu à garagem de um quarto do aludido motel e a ofendida, receando que o mesmo a forçasse a ter relações sexuais de cópula, caso subissem para o quarto, acedeu fazer-lhe sexo oral na dita garagem.
De acordo com as ordens e sempre temendo o comportamento do arguido, a ofendida despiu-se, deitou-se no banco traseiro do veículo identificado em 1), em decúbito dorsal, e tapou os olhos.
O arguido deitou-se, de barriga para baixo, sobre o corpo da ofendida, a qual se encontrava de barriga para cima, e, ao mesmo tempo que lambia a vagina daquela e aí introduzia os seus dedos, introduziu na boca da ofendida o seu pénis, erecto, fazendo movimentos de vaivém, até que ejaculou no interior da boca daquela, ordenando-lhe que engolisse o sémen ejaculado, ao que a mesma, temendo o comportamento do arguido, obedeceu; estes actos sexuais prolongaram-se durante cerca de 5 a 10 minutos.
De seguida, o arguido ordenou à ofendida que ocupasse o lugar de condutor do dito veículo e deu-lhe indicações para regressarem ao local onde a tinha inicialmente abordado; entretanto, o arguido apoderou-se das cuecas que a ofendida trazia vestidas.
Chegados a esse local, cerca das 21h30, o arguido apoderou-se do telemóvel “Iphone 13 Pro”, com o IMEI ..............56, no valor de cerca de 600 €, pertença da ofendida, do qual retirou o cartão SIM, que entregou àquela, e, após exigir à mesma a indicação do código de acesso ao aparelho, anotou-o; o arguido apoderou-se, ainda, do cartão bancário “Revolut” e do cartão de cidadão da ofendida, os quais fez seus, abandonando, de seguida, o local.
No interior do veículo identificado em 1), o arguido deixou um fio em metal prateado, com um pendente composto por um crucifixo, com a imagem de Cristo, em metal prateado.
No dia 12.10.2023, o veículo identificado em 1) apresentava dois vestígios lofoscópicos de natureza digital, apostos na face exterior do aro vertical da porta do condutor, correspondentes aos dedos indicador e médio da mão direita do arguido; e na manete de velocidades, apresentava vestígios biológicos de um perfil genético individual masculino coincidente com o perfil do arguido.
Numa mancha das calças que a ofendida trazia vestidas aquando dos factos supra descritos, foi detectada a presença de um perfil genético de mistura (feminino e masculino), compatível com os perfis da ofendida e do arguido, e do haplótipo do cromossoma Y, coincidente com o haplótipo do arguido. Na mancha das cuecas mencionadas em 17), foi detectada a presença de uma mistura de haplótipos do cromossoma Y, com um dos componentes compatível o haplótipo do arguido. Na zona genital da ofendida – nos pequenos lábios – foi detectada a presença de um haplótipo do cromossoma Y, incompleto, coincidente com o haplótipo do arguido.
No dia 23 de Outubro de 2023, cerca das 17h20, o arguido foi localizado, em ..., seguindo, como passageiro, no veículo da marca “Nissan”, modelo “Qashqai”, com a matrícula ..-06-.., encontrando-se na posse dos seguintes objectos:
a) um telemóvel, da marca "Vodafone", modelo "785", com o IMEI .............14, com a respectiva bateria "TLi014A1" e com o cartão SIM da operadora "Vodafone", com o número ...........8;
b) um telemóvel da marca "Nokia", modelo "1800", com o IMEI .............44, com a respectiva bateria, da marca "Mobi Wire", e com cartão SIM da operadora "MEO", com o número ...........42 (a que corresponde o número .......13), com o código PIN ..50;
c) um cartão para suporte do cartão SIM (sem cartão SIM) nº....... ...........64, da operadora da rede móvel "MEO", com o código PIN ..36 e código PUK .......9;
d) um cartão para suporte do cartão SIM (sem cartão SIM) nº....... ...........42, da operadora da rede móvel "MEO", com o código PIN ...0 e código PUK .......4;
e) um papel manuscrito, com a inscrição do número de telefone .......13;
f) uma pulseira, de cor preta e em corda entrelaçada; e
g) um relógio de pulso, de cor azul, com bracelete em borracha preta, da marca "SPORT WR-5BAR", usado pelo arguido no dia dos factos.
23. Nas circunstâncias de tempo e lugar indicadas em 22), encontravam-se no interior da viatura identificada em 22):
a) uma mochila preta, sem marca ou outra referência, pertencente ao arguido e contendo: peças de vestuário; cartões de crédito e de débito, emitidos por diferentes entidades bancárias e referentes a diversas pessoas; e três pares de cuecas femininas, sendo duas destas de cor preta, uma delas rendada e pertença da ofendida, e outra de cor branca e rendada;
b) uma mochila, de padrão camuflado, da marca "YIWA", contendo peças de vestuário e outros artigos;
c) uma bolsa, de forma cúbica e com as cores vermelha e cinzenta, contendo peças de vestuário, designadamente: uma sweatshirt, de cor verde, da marca ROL Y, tamanho L, com bordado na zona do peito, do lado esquerdo, com a inscrição "frutaria ...", que o arguido trazia vestida na data indicada em 1);
d) um saco desportivo, de cor azul-escuro, da marca "Kipsta", contendo peças de vestuário e outros artigos; e
e) um saco plástico, de cor azul, contendo peças de vestuário.
Na data indicada em 22), pelas 17h55, o arguido detinha, na sua residência, sita na Av ..., em ..., um par de calções, da marca “Top Way 1971”, tamanho M, de tons azuis e padrão axadrezado, que o mesmo trazia vestidos na data indicada em 1).
Ao actuar conforme supra descrito, o arguido agiu com o propósito, concretizado, de fazer seus o dinheiro e os objectos indicados em 9) e 18), sabendo que tais bens não lhe pertenciam e que agia contra a vontade da sua legítima dona, e que, para tal efeito, empunhou, inicialmente, diante da ofendida um objecto que aparentava ser uma arma de fogo, o que sabia ser adequado a causar-lhe, como causou, e, não obstante, quis proceder desse modo.
O arguido actuou com o propósito, concretizado, de deslocar a ofendida para local diverso daquele onde a mesma se encontrava e obrigá-la a manter consigo relação sexual, sabendo que, para o efeito, empunhou, inicialmente, diante daquela um objecto que aparentava ser uma arma de fogo e que, desta forma, a fazia temer pela sua vida e pela sua liberdade sexual e a impedia de se movimentar livremente, mais sabendo que procedia sempre contra a vontade da ofendida e, não obstante, quis agir do modo supra descrito.
Ao actuar conforme descrito em 15) e 16), o arguido agiu com o propósito, concretizado, de satisfazer os seus instintos libidinosos, sabendo que actuava contra a vontade da ofendida, que a constrangia à prática dos actos sexuais supra descritos e que, para o efeito, usou da sua força física e de intimidação e, não obstante, quis agir desse modo.
O arguido agiu sempre voluntária, livre e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
g. Mais se provou que:
AA mantinha-se integrado no agregado familiar constituído pelo próprio e pelos progenitores, desde 23-05-2023, altura em que saiu em liberdade condicional, após cumprimento de uma pena de seis anos e oito meses de prisão, por crimes de roubo e roubo agravado.
O agregado familiar reside em habitação própria, com adequadas condições de habitabilidade e conforto, inserida em meio rural, onde não são identificados fenómenos sociais problemáticos ou de relevância em termos de exclusão de contextos antissociais.
Sem atividade laboral o arguido apresentava uma situação precária, dependendo das ajudas dos progenitores, ambos reformados, auferindo os mesmos de um valor total de 1028€ líquidos mensais.
O seu quotidiano decorria junto de grupos de pares conectados a comportamentos desviantes, nomeadamente consumo e tráfico de estupefacientes.
Consumidor de estupefacientes desde os 19 anos, assinala uma progressão significativa dos seus comportamentos aditivos, revelou dificuldades recorrentes ao longo dos anos em inverter estes comportamentos e em preservar abstinência daquelas substâncias, com manutenção da ligação muito inconsistente e irregular no que diz respeito ao acompanhamento no âmbito da problemática aditiva.
Presentemente apresenta como retaguarda o apoio dos progenitores, que o visitam regularmente no estabelecimento prisional e que reiteram o apoio ao arguido quer em meio prisional quer em meio livre.
O percurso escolar do AA teve início em idade própria, tendo concluído o 9º ano de escolaridade.
Iniciou posteriormente atividade laboral em diversos setores, na área do calçado, construção civil e jardinagem, porém os consumos de estupefacientes vieram a condicionar o exercício laboral, interrompido por sucessivas detenções.
AA deu entrada como preventivo, no Estabelecimento Prisional do ... em 24-10-2023, à ordem do processo 5776/23.4... do Juízo Central Criminal ...– J..., acusado de um crime de furto qualificado e abuso de cartão de garantia.
Relativamente ao seu percurso criminal AA evidência reduzida reflexão face ao cometimento dos crimes, e a respetiva reação penal, justificando com a dependência aditiva.
Em contexto prisional o arguido não regista qualquer incidente disciplinar, correspondendo de forma adequada ao normativo vigente, mantém ocupação laboral na lavandaria desde 21-02-2024.
Clinicamente não conserva apoio, mostrando-se, porém, disponível para acompanhamento no âmbito da especialidade de psicologia.
Os contatos com o exterior têm sido mantidos através de contatos telefónicos e visitas regulares dos progenitores ao Estabelecimento Prisional do ....
AA, apresenta como projeto de futuro conseguir um enquadramento laboral e reintegrar o agregado familiar de quem acolhe apoio.
O arguido foi condenado:
i) Por acórdão transitado em julgado no dia 30/11/2009, pela prática de um crime de roubo a Fevereiro de 2009, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão suspensa na sua execução, por igual período, com regime de prova.
ii) Por acórdão transitado em julgado no dia 13/12/2010, pela prática de um crime de roubo e um crime de falsificação, respectivamente, no dia 29/12/2008 e em Dezembro de 2008, na pena única de 2 dois anos e 10 meses, suspensa por igual período.
iii) Por acórdão transitado em julgado no dia 31/12/2010, pela prática de 3 crimes de falsificação e 3 crimes de roubo, em 8/12/2008, na pena única de 6 anos de prisão.
iv) Por acórdão transitado em julgado em 17/1/2011, pela prática de 1 crime de violência depois de subtracção, a 9/8/2007, na pena de 4 anos de prisão.
v) Por acórdão transitado em julgado no dia 13/6/2011, pela prática de 1 crime de roubo, a 19/1/2009, na pena de 3 anos de prisão.
vi) Por acórdão transitado em julgado no dia 22/9/2011, pela prática de um crime de roubo a 6/1/2009, na pena de 3 anos de prisão.
vii) Por acórdão transitado em julgado no dia 29/9/2011, pela prática a Dezembro de 2008, de 2 crimes de roubo, na pena única de 3 anos de prisão
viii) Por acórdão transitado em julgado no dia 17/4/2012, pela prática de dois crimes de roubo, respectivamente, a 22/12/2008 e a 29/12/2008, na pena única de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período.
ix) Por acórdão cumulatório transitado a 30/5/12, na pena única de 6 anos de prisão.
x) Por acórdão transitado em julgado no dia 30/9/2013, pela prática de um crime de roubo, a 13/1/2005, na pena de 2 anos de prisão.
xi) Por acórdão cumulatório, transitado em julgado a 4/8/2014, na pena única de 8 anos e 6 meses de prisão.
xii) Por acórdão transitado em julgado no dia 8/5/2017, pela prática de 3 crimes de roubo, sendo um deles a 29/6/2016 e os outros dois a 16/6/2013, na pena única de 6 anos e 8 meses de prisão.
xiii) Por acórdão transitado em julgado em 14/8/2024, pela prática de um crime de roubo, um crime de rapto e um crime de violação, todos ocorridos a 11/10/2023, na pena única de 7 anos e 8 meses de prisão»
3. Na fundamentação de direito do acórdão recorrido, consta, na parte relativa à determinação das penas concretas e única a aplicar ao arguido (transcrição):
«Parafraseando PAULO DÁ MESQUITA, in O Concurso de Penas, 1997, pp. 16 e ss., no sistema português a punição dos agentes por uma pluralidade de crimes, numa primeira fase do processo lógico subjacente à decisão judicial, dá, necessariamente, origem a uma pluralidade de penas.
O concurso de penas é, pois, um dos casos de aplicação a um agente de uma pluralidade de penas parcelares em virtude de concurso de crimes, com uma especificidade por força do art.º 77.º n.º1 do Código Penal - não se adicionam materialmente as penas mas procede-se a um cúmulo jurídico como forma de encontrar uma pena única.
Um concurso de crimes (uma pluralidade de infracções cometidas pelo mesmo agente) pode dar origem a um concurso de penas, quando as diversas infracções tiverem sido cometidas antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer delas, regulado pelos art.ºs 77.º e 78.º ambos do Código Penal, ou a uma sucessão de penas, em todos os outros casos de uma pluralidade de crimes praticados por um mesmo agente, i.é., quando, por exemplo, tendo sido praticadas duas infracções pelo mesmo agente, a segunda tenha sido cometida depois do trânsito em julgado da condenação pelo primeiro crime. Aqui, as regras da punição operam, exclusivamente, por referência a cada um dos crimes em concurso, ou seja, verifica-se uma acumulação material de penas, sendo que a sucessão de penas pode dar lugar, a uma punição por reincidência (art.ºs 75.º e 76.º do Código Penal).
O Ac. da RP, de 10 de Novembro de 1999, CJ, T5, p. 226, decidiu que se o arguido depois de condenado por um crime por sentença transitada em julgado comete um novo crime, está-se perante uma sucessão de penas, e não em presença de uma situação que impunha o cúmulo jurídico.
No caso em apreço analisemos o disposto no art.º 78.º n.º1 do Código Penal, o qual rege sobre o conhecimento superveniente do concurso:
Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.
Ou seja, o art.º 78.º permite que o julgador possa conhecer um concurso de penas, apesar de já ter transitado em julgado a decisão relativa a um dos crimes em concurso, desde que verificados os seus restantes requisitos.
Impõe o art.º 77.º n.º1 do Código Penal (ex vi art.º 78.º) na medida da pena são considerados, em conjunto os factos e a personalidade do agente.
Segundo FIGUEIREDO DIAS, in Direito Penal – As consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1994, p. 291:
“Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (…) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”
Conforme mencionado nos ACS do STJ de 29/4/2010 e de 21/6/2012, disponíveis no site www.dgsi.pt, as penas suspensas extintas pelo cumprimento não integram no cúmulo.
Com efeito, parafraseando o Ac. do STJ de 20/4/2017, Procº 176/10.9IDBRG.S1, disponível no site www.dgsi.pt, a pena única do concurso, por conhecimento superveniente, deve englobar todas as penas, ainda que suspensas, pelos crimes em concurso, decidindo-se, após a determinação da pena única, se esta deve, ou não, ser suspensa.
No concurso de crimes superveniente não devem ser englobadas as penas suspensas já anteriormente declaradas extintas, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do CP, pois, não tendo sido cumpridas as penas de prisão substituídas e, portanto, não podendo as mesmas ser descontadas na pena única, tal englobamento só agravaria injustificadamente a pena única final.
*
Posto isto, analisemos as diversas penas parcelares em que o arguido foi condenado.
O n.º2 do art.º 77.º, menciona que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
No caso em apreço, a moldura abstracta do concurso situa-se entre 5 anos de prisão (pena parcelar mais elevada) a 35 anos e 4 meses de prisão (soma aritmética das penas parcelares em cúmulo), tendo-se presente que de acordo com o art.º 77.º n.º 2 do Código Penal, o limite máximo não poderá ultrapassar 25 anos.
Não há dúvida que na apreciação ou fixação de pena conjunta, o legislador ressalvou expressamente as situações de "penas de natureza distinta", conforme se afere do n° 3 do artigo 77°, do CP.
Contudo, o legislador limitou esta ressalva, às penas de prisão e multa, situações em que a diferente natureza destas se mantém.
No que concerne às penas de substituição o Professor Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, a págs. 295 (§ 430) afirma o seguinte:
«Nas hipóteses que ora consideramos, bem pode acontecer que uma das penas seja uma pena de substituição de uma pena de prisão. Não há na lei qualquer critério de conversão desta para efeitos de determinação da pena conjunta. Também aqui, pois, como atrás (supra § 419), valerá para o efeito a pena de prisão que foi substituída e também aqui, uma vez determinada a pena do concurso, o tribunal decidirá se é legalmente possível e político-criminalmente conveniente a substituição da pena conjunta de prisão por uma pena não detentiva».
Não distingue o legislador nem tem distinguido a jurisprudência, para dar tratamento diferente às diferentes penas de substituição, nesta concreta questão da realização do cúmulo jurídico.
Como provisórias que são ou como condicionadas se encontram, as penas de substituição perdem a sua autonomia para efeitos da realização do cúmulo.
Parafraseando Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, fls. 246, “ se a anterior condenação transitada em julgado incluir uma pena de substituição o tribunal pode revogar a pena de substituição no concurso de crimes realizado após o conhecimento superveniente de novo crime. O tribunal deve verificar se estão reunidos os requisitos da pena de substituição em relação à nova pena conjunta do concurso”.
Ou seja, só depois de realizado o cúmulo, pode/deve voltar a ser ponderada a aplicação de uma pena substitutiva quanto à pena conjunta que resultar do cúmulo efectuado.
Assim, considerando os factos supra mencionados, verificamos que o arguido incorreu na prática de crimes violando vários bens jurídico axiologicamente distintos, mormente contra o património, integridade física, liberdade pessoal, liberdade sexual, As necessidades de prevenção especial já se fazem sentir com muita intensidade atentos os seus antecedentes criminais, o que nos leva a afirmar que as penas (até de prisão efectiva) não têm causado um efeito dissuasor da prática de crimes. Tendo, pois, uma conduta desconforme os ditames do direito.
Não se poderá olvidar que o arguido se encontrava em regime da liberdade condicional aplicada em 23 de Maio de 2023 e os crimes foram cometidos em Outubro de 2023, sendo por demais censurável a sua conduta.
O que não abona, de todo, o arguido.
A personalidade do arguido ínsita nos factos levados a cabo demonstra que as exigências de prevenção especial se fazem sentir com acuidade.
Não se ignorará que os contatos com o exterior têm sido mantidos através de contatos telefónicos e visitas regulares dos progenitores ao Estabelecimento Prisional do Porto, e que o arguido apresenta como projeto de futuro conseguir um enquadramento laboral e reintegrar o agregado familiar de quem acolhe apoio, o que o beneficia e o favorece em termos de ressocialização.
Nestes termos, tudo ponderado, reputamos justo, por equitativo, atento os factos levados a cabo e as condições sócio/familiares supra mencionadas demonstrativas da sua personalidade, a aplicação de uma pena única ao arguido AA, de 16 (dezasseis) anos de prisão»
4. Apreciando
Quanto à medida da pena única.
No caso do recurso dos autos não está em causa discutir a medida das penas parcelares aplicadas nos processos em que o arguido foi condenado, importando, tão somente analisar o acórdão recorrido, que procedeu à realização do cúmulo jurídico que abrangeu aquelas penas parcelares aplicadas e condenou o arguido na pena única de 16 anos de prisão.
O recorrente de forma vaga e abstracta fundamenta a sua discordância relativamente à pena única fixada, afirmado que a mesma é excessiva e que na sua fixação foram violados os artigos 71º do Código Penal e o disposto no artigo 30º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, devendo a pena única ser substancialmente reduzida para 6 anos e 8 meses, muito aquém da pena única fixada de 16 anos.
Para tanto baseia o seu raciocínio defendendo uma redução de 40% sobre cada uma das penas únicas em que o arguido foi condenado nos processos que integram o cúmulo, nos seguintes termos:
Processo 5776/23.4... – pena única 7 anos e 8 meses x 40% = 3 anos e 2 meses de prisão;
Processo 533/23.7... – pena única 2 anos e 4 meses x 40%= 11 meses e 20 dias de prisão;
Processo 1134/23.9... – pena única 6 anos e 6 meses x 40%= 2 anos, 7 meses, 20 dias de prisão.
O que totalizaria a soma de «cerca de 6 anos e 8 meses» pena única em que o arguido deve ser condenado.
Ora, salvo o devido respeito, o raciocínio feito está errado, uma vez que. o cúmulo jurídico se efectua a partir de cada uma das penas parcelares em que o arguido foi condenado, em cada um dos processos que integram o cúmulo, e não, tendo em conta as penas únicas já resultantes dos cúmulos jurídicos efectuados em cada um dos processos, tudo conforme previsto nos arts. 77º e 78º do Código Penal.
Por outro lado, também não se vislumbra qualquer apoio legal para a redução em uma qualquer percentagem, designadamente de 40% , como defende o recorrente das penas únicas resultantes de cada um dos cúmulos jurídicos, a fim de se apurar a pena única do concurso superveniente.
O concurso faz-se a partir das penas parcelares e nunca com base nas penas únicas.
Como critério especial, dispõe o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, sobre as regras da punição do concurso de crimes (artigo 30.º, n.º 1), que, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, formada a partir da moldura do concurso, para cuja determinação, seguindo-se os critérios da culpa e da prevenção (artigo 71.º), são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (n.º 1 do artigo 77.º, in fine), com respeito pelo princípio da proibição da dupla valoração.
Aqui se incluem, designadamente, as condições económicas, familiares e sociais, como a sua inserção na sociedade, na comunidade em que reside e sua situação laboral, reveladoras das necessidades de socialização, a receptividade das penas, a capacidade de mudança em consequência, a susceptibilidade de por elas ser influenciado e as qualidades da personalidade manifestadas no facto, nomeadamente, a falta de preparação para manter uma conduta lícita.
Vem sendo jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça que, com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, em termos gerais, mas também, especialmente, pelo seu conjunto, enquanto revelador da dimensão e gravidade global do seu comportamento.
No dizer do Professor FIGUEIREDO DIAS “[...] tudo deve passar-se (...) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique[...]”, devendo na avaliação unitária da personalidade do agente relevar “[...]sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira» criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta [...]”.Por outro lado, dentro deste contexto, será óbvio dizer que igualmente que assume “[...] grande relevo a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização) [...]”- Citado no Ac. do STJ de 25.09.2024, proferido no proc. 3109/24.1T8PRT, 3ª secção, e v. ainda, o acórdão de 25.10.2023, Proc. 3761/20.7T9LSB.S1, em www.dgsi.pt, e jurisprudência nele mencionada e igualmente citado no acórdão recorrido.
No mesmo sentido afirma, Claus Roxin, in Derecho Penal, Parte General, Tomo II, Especiales Formas de Aparición del Delito, Civitas e Thomson Reuters, 2014, na Seccion 11ª, sob a epigrafe “Concursos”, op. loc. cit. pág. 991 “Com a valoração global dos factos opera a personalidade do autor». A este respeito haverá que tomar em conta juntamente com a sua sensibilidade à pena sobretudo a sua maior ou menor culpabilidade em relação à totalidade do sucesso. Também é importante determinar “se os vários factos puníveis procedem de uma tendência criminal ou nos factos imprudentes de uma disposição de ânimo geral de indiferença ou se pelo contrário se trata de delitos ocasionais sem vinculação interna” .
Como refere Cristina Líbano Monteiro (A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166) o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente.
No mesmo sentido, afirma-se no acórdão do STJ, de 31.03.2011, proferido no Processo 169/09.9SYLSB.S1, in www.dgsi.pt, « (…) a pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção - dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes».
Em suma, para a determinação da medida concreta da pena conjunta é decisivo que se obtenha uma visão de conjunto dos factos que tenha em vista a eventual conexão dos mesmos entre si e a relação com a personalidade de quem os cometeu.
As conexões ou ligações fundamentais, na avaliação da gravidade do ilícito global, são as que emergem do tipo e número de crimes; da maior ou menor autonomia e frequência da comissão dos delitos; da igualdade ou diversidade de bens jurídicos protegidos violados; da motivação subjacente; do modo de execução, homogéneo ou diferenciado; das suas consequências e da distância temporal entre os factos – tudo analisado na perspetiva da interconexão entre todos os factos praticados e a personalidade global de quem os cometeu, de modo a destrinçar se o mesmo tem propensão para o crime, ou se, na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos, devendo a pena conjunta refletir essas singularidades da personalidade do agente.
A revelação da personalidade global emerge essencialmente dos factos praticados, mas também importa ponderar as condições pessoais e económicas do agente e a sua receptividade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado, elementos particularmente relevantes no apuramento das exigências de prevenção.
Cumpre salientar, também, que na determinação da pena conjunta, impõe-se, igualmente, atender aos “princípios da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso” (Ac. STJ de 10-12-2014, processo n.º 659/12.6JDLSB.L1.S1, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais, Ano de 2014), impregnados da sua dimensão constitucional, pois que «[a] decisão que efectua o cúmulo jurídico de penas, tem de demonstrar a relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação – conjunta – dos factos e da personalidade, importando, para tanto, saber – como já se aludiu – se os crimes praticados são resultado de uma tendência criminosa ou têm qualquer outro motivo na sua génese, por exemplo se foram fruto de impulso momentâneo ou actuação irreflectida, ou se de um plano previamente elaborado pelo arguido», sem esquecer, que «[a] medida da pena única, respondendo num segundo momento também a exigências de prevenção geral, não pode deixar de ser perspectivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente: a razão de proporcionalidade entre finalidades deve estar presente para não eliminar, pela duração, as possibilidades de ressocialização (embora de difícil prognóstico pelos antecedentes)» (assim, Ac. STJ de 27-06-2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1).
Como este Supremo Tribunal de Justiça vem considerando de forma reiterada e preponderante, o critério da determinação da medida da pena conjunta do concurso – determinação feita em função das exigências gerais da culpa e da prevenção – impõe que do teor da decisão conste uma especial fundamentação, em função de tal critério. «Só assim – afirma-se no acórdão de 06-02-2014, proferido no processo n.º 6650/04.9TDLSB.S1- 3.ª Secção – se evita que a medida da pena do concurso surja consequente de um acto intuitivo, da apregoada e, ultrapassada, arte de julgar, puramente mecânico e, por isso, arbitrário».
Posto isto, e atendendo a que a pena única corresponde a uma pena conjunta, segundo um princípio de cúmulo jurídico, pelo qual a partir das penas parcelares que foram aplicadas a cada um dos crimes é construída a moldura penal do concurso, tendo como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, e, como limite máximo, a soma das penas concretamente aplicadas, sem, todavia, exceder os 25 anos de pena de prisão (artigo 77.º n.º 2, do Código Penal) temos que, no caso concreto, a moldura abstracta do concurso situa-se entre 5 anos de prisão (pena parcelar mais elevada) a 35 anos e 4 meses de prisão (soma aritmética das penas parcelares em cúmulo), tendo-se presente que, de acordo com o art.º 77.º n.º 2 do Código Penal, o limite máximo não poderá ultrapassar 25 anos.
Nos termos expostos e partindo desta moldura penal abstracta, no caso concreto, há que considerar que:
A ilicitude dos factos é muito elevada atenta a natureza e pluralidade dos bens jurídicos violados, mormente contra o património, integridade física, liberdade pessoal e liberdade sexual. O modo de execução mostra um completo sentimento de impunidade e total indiferença e à vontade na violação dos bens jurídicos em causa.
Na componente subjectiva da ilicitude o dolo é directo e intenso.
As necessidades de prevenção especial mostram-se, igualmente, muito elevadas, atento os inúmeros antecedentes criminais do arguido por crimes de roubo, crimes de falsificação, crime de violência depois de subtracção tendo sido já condenado em penas suspensas e efectivas o que nos leva a afirmar que as penas que como os factos revelam não têm causado um efeito dissuasor no prosseguimento da actividade criminosa do arguido. O arguido demonstra, pois, uma conduta desconforme os ditames do direito.
Agravando as necessidades de prevenção especial o facto de o arguido ter praticado os factos em causa nos autos (processo nº 535/23.7...) em Outubro de 2023, no período em que se encontrava em regime da liberdade condicional aplicada em 23 de Maio de 2023.
As exigências de prevenção geral, traduzidas na necessidade de reafirmar a validade da norma violada aos olhos da comunidade, são muito elevadas, dada a natureza e gravidade dos crimes em causa nos autos e a elevada frequência com que se vem verificando na nossa sociedade causadora de grande instabilidade social.
Tudo visto e ponderado verifica-se que os factos cometidos pelo arguido não foram acidentais no seu percurso de vida, revelando, antes, uma forte inclinação do mesmo para a prática criminosa de natureza grave relacionada com crimes de roubo que protegem bens jurídicos como o património e a integridade física dos ofendidos.
Deste modo, considerando a globalidade dos factos, a personalidade do arguido demonstrativa de uma tendência acentuada para a prática de crimes de roubo e o seu modo de vida e condições pessoais, isto é, sem atividade laboral, dependendo das ajudas dos progenitores, ambos reformados, consumidor de estupefacientes e decorrendo o seu quotidiano, na data dos factos, junto de grupos de pares conectados a comportamentos desviantes, nomeadamente, consumo e tráfico de estupefacientes, tudo revelador das elevadas necessidades de prevenção especial a que se juntam as elevadas necessidades de prevenção geral, mostra-se adequada a pena única de 16 anos de prisão em que o arguido foi condenado, pelo acórdão recorrido, pena esta que se revela equilibrada e ajustada aos critérios e princípios estabelecidos nos artigos 18.º, n.º 2, da Constituição, e 71.º, n.ºs 1 e 2, e 77.º, n.º 1, do Código Penal.
III - DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em negar total provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando-se integralmente o acórdão condenatório recorrido.
Custas pelo arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5UC – cfr art. 513º do CPP, art. 8º nº5 do RCP e Tabela III a que se refere aquele preceito.
(certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP)
Supremo Tribunal de Justiça, 28 de Maio de 2025
Os juízes Conselheiros,
Ana Costa Paramés (Relatora)
José Piedade (1º Adjunto)
Ernesto Nascimento (2º Adjunto)