I. Mesmo que aos co-arguidos, acusados pelos mesmos factos, sejam aplicadas penas diversas não se pode concluir, sem mais, pela violação do princípio da igualdade.
II. Basta que as circunstâncias que depõem a favor de um e outro sejam diversas, para que, nos termos do artigo 71.º/ 2 CPenal, também as penas devam ser diversas.
III. Se o arguido recorrente tem antecedentes criminais e se os factos foram praticados durante o período da suspensão da execução de uma pena de prisão, está justificada a pena mais gravosa que lhe foi aplicada, em relação à que foi aplicada ao co-arguido.
I. Relatório
1. Efectuado o julgamento no âmbito do processo comum colectivo 3/23.7... do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Central Criminal de ... – Juiz ..., através de acórdão proferido a 7.2.2025, foi – no que aqui releva – o arguido AA condenado, pela prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 14.º/1 e 26.º CPenal e 21.º/1 do Decreto Lei 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I-B na pena de cinco anos e três meses de prisão.
2. Inconformado recorre o arguido, para este Supremo Tribunal, rematando o corpo da motivação com as conclusões que se passam a transcrever:
1. A qualidade do produto estupefaciente em causa, apesar de não ter sido determinado o seu grau de pureza relativamente às quantias vendidas a consumidores, constitui um fator de agravação.
2. O período de execução da atividade delituosa foi de 12 meses e 13 dias o, o número de vendas inferior a 8 vendas mensais e as quantidades terão sido reduzidas, porque, na maioria das vezes, equivaleram a pagamentos € 30,00 ou € 40,00, o que tem como consequência o facto de os lucros também serem de expressão reduzida.
3. A conduta do Recorrente não se revestiu de qualquer sofisticação ou elaboração.
4. Os motivos que conduziram à adoção da conduta delituosa – carência económica – não justificam a conduta, mas têm um menor desvalor.
5. O Recorrente, com exceção dos factos em análise e de uma condenação por crimes de diferente natureza, - pela prática de um crime de resistência e coação sobre funcionário, um crime de desobediência e dois crimes de injúria, percorreu a sua já longa vida cumprindo as regras em sociedade, estando social e familiarmente inserido.
6. Posteriormente aos factos, em meio prisional, voltou a adotar uma conduta adequada às regras impostas e recuperou uma ocupação laboral.
7. A admissão, em sede de julgamento, dos factos pelos quais se encontrava acusado, releva a interiorização do desvalor da sua conduta.
8. A conduta anterior e posterior à prática dos factos e a interiorização do desvalor da conduta, revelam que o Recorrente possui a necessária preparação para manter uma conduta lícita.
9. Em obediência ao disposto no art.º 71.º, nos. 1 e 2, do CP, impõem-se uma redução da pena aplicada, para um quantum não superior a cinco anos, porquanto, as circunstâncias que militam a favor do Recorrente se sobrepõem, em nosso entender, às circunstâncias que contra o mesmo depõem, quantum que se mostra suficiente para assegurar as exigências de prevenção geral e especial.
10. O Tribunal a quo ao decidir como decidiu, violou, por erro de interpretação, o disposto no art.º 71.º, do CP.
11. Sendo justa, proporcional e suficiente para assegurar as exigências de prevenção geral e especial, a fixação de uma pena que não exceda os cinco anos de prisão, deve a mesma ser suspensa na sua execução.
12. Tendo em conta toda a factualidade e circunstâncias que avultam dos autos e porque se evidencia a possibilidade séria de fazer um juízo de prognose favorável relativamente à inserção do Recorrente na sociedade, é de suspender a execução da pena de prisão em que venha a ser condenado, em obediência ao disposto no art.º 50.º, do CP.
3. Admitido o recurso e cumprido o disposto no artigo 411.º/6 CPPenal, a ele respondeu o Magistrado do MP na 1.ª instância defendendo a sua improcedência.
4. Remetidos a este Supremo Tribunal de Justiça, em vista dos autos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º CPPenal, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se pela improcedência do recurso defendendo que o Colectivo já ponderou devidamente, no seu percurso lógico-intelectual da formação da pena justa e criteriosa, as concretas circunstância do facto-crime invocadas pelo arguido em seu favor, motivo por que aplicou uma pena bem próxima do limite mínimo da moldura abstracta, ficando, por isso, a questão da suspensão da execução da pena de 05 anos e 03 meses de prisão lógico-legalmente prejudicada.
5. Notificado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417.º/2 CPPenal, o arguido nada disse.
6. Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente Acórdão.
II. Fundamentação
1. Âmbito do recurso
O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente, cfr. artigos 402.º, 403.º e 412.º CPPenal, sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se necessário à boa decisão de direito, de vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º/2 CPPenal, cfr. acórdão de fixação de jurisprudência 7/95, de nulidades não sanadas, n.º 3 do mesmo preceito e de nulidades da sentença, cfr. artigo 379.º/2 CPPenal, na redação da Lei 20/2013.
E, assim sendo, então, a questão suscitada no presente prende-se, primeiro, com a medida da pena e depois, em função e na medida da sua redução, com a possibilidade da suspensão da sua execução.
2. Os factos
Se é certo que no caso concreto não está prejudicado o poder de conhecimento oficioso de vícios da decisão de facto, previstos no artigo 410.º/2 CPPenal, quando constatada a sua presença e a mesma seja impeditiva de prolação da correta decisão de direito, cfr. artigos 432.º/1 alínea c) e 434.º CPPenal, não menos certo é que tal se não verifica.
Como igualmente se não identifica qualquer nulidade das enunciadas no artigo 410.º/3 CPPenal.
Com efeito, da leitura da decisão e, designadamente dos segmentos dos factos provados e da motivação, caldeada com as regras da experiência comum, pois que a outros elementos não pode o Tribunal socorrer-se, não se vislumbra que se patenteie,
- insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, pois não se vê que matéria de facto, com utilidade e pertinência, poderia o tribunal, mais ter averiguado e não averiguou;
- erro notório na apreciação da prova, pois que não existem pontos de facto fixados na decisão recorrida, tão manifestamente arbitrários, contraditórios ou violadores das regras da experiência comum;
- contradição insanável na fundamentação ou entre esta e a decisão, já que não se descortina a existência de factos ou de afirmações que estejam entre si numa relação de contradição.
Para proceder a esta enunciada apreciação importa, antes de mais, atentar na matéria de facto julgada provada na decisão recorrida:
1. AA [doravante AA ou arguido] e BB [doravante BB ou arguido] de comum acordo e aceitando a conduta um do outro, decidiram comprar cocaína em conjunto a preço não apurado para a entregar a consumidores dessa substância, em troca do recebimento de quantias monetárias de valor variável, dividindo o produto da venda;
2. Em concretização do acordado, e após a aquisição de cocaína nos moldes descritos em 1), AA, na Rua ..., nas traseiras do Supermercado ..., em ..., quando se encontrava no interior do veículo com a matrícula ..-..-XT, entregou cocaína, em quantidade e grau de pureza não apurados, nos moldes que a seguir se discriminam:
2.1. No dia 01.02.2023, pelas 19:46h, a CC [doravante CC], condutor do veículo com a matrícula ..-VT-.., recebendo em troca a quantia monetária não apurada;
2.2. No dia 03.02.2023, pelas 18:23h, a CC, recebendo em troca a quantia monetária não apurada;
2.3. No dia 06.02.2023, pelas 18:44h, a CC, recebendo em troca a quantia monetária não apurada;
2.4. No dia 09.02.2023, pelas 18:44h, a CC, recebendo em troca a quantia monetária não apurada;
2.5. No dia 16.02.2023, pelas 19:33h, a CC, recebendo em troca a quantia monetária não apurada;
2.6. No dia 23.02.2023, pelas 19:33h, a CC, recebendo em troca a quantia monetária não apurada;
2.7. No dia 24.02.2023, pelas 19:01h, a CC, recebendo em troca a quantia monetária não apurada;
2.8. No dia 22.06.2023, pelas 16:42h, a indivíduo de identidade não apurada, recebendo em troca a quantia monetária não apurada;
3.1. No dia 26.06.2023, pelas 19:29h, no Caminho ..., em ..., ao condutor do veículo com a matrícula ..-80-.., recebendo em troca a quantia monetária não apurada;
3.2. No dia 04.09.2023: 3.2.1. pelas 20:07h, na R ..., ao condutor do veículo com a matrícula ..-..-ZQ, recebendo em troca a quantia monetária não apurada
3.2.2. pelas 20:19h, junto ao restaurante ..., em ..., ao condutor do veículo com a matrícula ..-..-ZQ, recebendo em troca a quantia monetária não apurada
3.3. No dia 02.11.2023: 3.3.1. pelas 19:10h, no Caminho do ..., em ..., ao condutor do veículo com a matrícula ..-..-MS recebendo em troca a quantia monetária não apurada;
3.3.2. pelas 20:26h, junto ao Supermercado ..., a CC, que conduzia o veículo com a matrícula ..-VT-.., recebendo em troca a quantia monetária não apurada;
3.4. No dia 06.11.2023, pelas 20:30h, na R ..., em ..., a DD e a EE, que se faziam
3. Em concretização do acordado em 1), e após a aquisição de cocaína nos moldes aí descritos, AA e BB, no interior do veículo com a matrícula ..-..-XT, entregaram cocaína, em quantidade e grau de pureza não apurados, nos moldes que se seguem:
3.5. No dia 13.11.2023: 3.5.1. pelas 19:50h, no Caminho da ..., em ..., a FF, que se fazia transportar no veículo com a matrícula ..-QN-.., recebendo em troca a quantia monetária não apurada;
3.5.2. pelas 22:26h, no caminho do ..., em ..., a GG, que se fazia transportar no veículo com a matrícula BD-56-PH, recebendo em troca a quantia monetária não apurada;
3.6. No dia 23.11.2023, pelas 16:23h, junto ao Supermercado ..., em ..., ao condutor do veículo com a matrícula ..-30-.., recebendo em troca a quantia monetária não apurada;
3.7. No dia 27.11.2023, pelas 19:21h, no Caminho da ..., em ..., a CC, que se fazia transportar no veículo com a matrícula ..-VT-.., recebendo em troca a quantia monetária não apurada;
3.8. No dia 11.12.2023: 3.8.1. pelas 19:05h, na Rua ..., em ..., ao condutor do veículo com a matrícula ..-ZM-.., recebendo em troca a quantia monetária não apurada;
3.8.2. pelas 19:56h, na Rua ..., em ..., a pessoa de identidade não apurada, recebendo em troca quantia monetária não apurada;
4. No dia 22.01.2024, pelas 18:39h, na E.N. ..., em ..., AA e BB, a partir do interior do veículo com a matrícula ..-..-XT, entregaram a CC, um pacote de cocaína com o peso líquido de 0,752 gramas, recebendo em troca quantia monetária não apurada;
5. No dia 5 de fevereiro de 2024, junto ao Caminho ..., AA colocou, debaixo de pedras, duas embalagens de cocaína, com o peso líquido 1,593 gramas, que havia adquirido nos moldes descritos em 1);
6. Em concretização do descrito em 1) BB, através do telemóvel com do número ... ... .22, contactou:
6.1. HH, a quem, no período temporal compreendido entre 01.02.2023 e 14.02.2024, entregou, no ..., em três diferentes ocasiões, um grama de cocaína, recebendo daquele, em troca, a quantia de € 60 (sessenta euros) por cada grama;
6.2. II, a quem, no período temporal compreendido entre 01.02.2023 e 14.02.2024, entregou, em ..., em quinze diferentes ocasiões, um grama de cocaína, recebendo daquele, em troca, a quantia de € 40 (quarenta euros) por cada grama;
6.3. JJ, a quem, no período temporal compreendido entre 01.02.2023 e 14.02.2024, entregou, junto do bar ..., ..., em dez diferentes ocasiões, um grama de cocaína, recebendo daquele, em troca, a quantia de € 35 (trinta e cinco euros) por cada grama;
7. Em concretização do descrito em 1), AA, contactou telefonicamente:
7.1. KK, a quem, no período temporal compreendido entre 01.02.2023 e 14.02.2024, entregou, em ..., em duas diferentes ocasiões, cocaína, em quantidade e grau de pureza não apuradas, recebendo daquela, em troca, quantia monetária não apurada;
7.2. LL, a quem, no período temporal compreendido entre 01.02.2023 e 14.02.2024, entregou, em ..., durante dois meses, uma vez por semana, um grama de cocaína, recebendo daquele, em troca, € 40 (quarenta euros) por cada grama;
8.1. A MM, no período temporal compreendido entre 01.02.2023 e 14.02.2024, em ..., em três diferentes ocasiões, um grama de cocaína, recebendo, em troca € 30 (trinta euros) por cada grama;
8.2. A NN, a quem, no período temporal compreendido entre 01.02.2023 e 14.02.2024, em ..., em número de vezes não apuradas, uma delas ocorrida no dia 29.01.2024 um grama de cocaína, recebendo daquela, em troca a quantia de € 40 (quarenta euros) e, em número de vezes não apurado, a quantia de € 60 (sessenta euros);
8.3. A OO, no período temporal compreendido entre 01.02.2023 e 14.02.2024, em ..., em cinco diferentes ocasiões, um grama de cocaína, recebendo daquele, em troca, a quantia de € 40 (quarenta euros) por cada grama;
8.4. A PP, no período temporal compreendido entre 01.02.2023 e 14.02.2024, em ..., em cinco diferentes ocasiões, um delas ocorrida no dia 27.01.2024, um grama de cocaína, recebendo daquele, em troca, a quantia de € 40 (quarenta euros) por cada grama;
8.5. A QQ, no período temporal compreendido entre 01.02.2023 e 14.02.2024, em ..., durante quatro meses, de quinze em quinze dias, um grama de cocaína, recebendo daquele, em troca, a quantia de € 40 (quarenta euros) por cada grama;
8. Em concretização do mencionado em 1), AA e BB, entregaram cocaína, nos moldes que a seguir se discriminam:
9. No dia 14 de fevereiro de 2024: 9.1. Pelas 20:00h, junto ao supermercado ..., em ...: 9.1.1. AA tinha na sua posse: 9.1.1.1. A quantia de € 540,00 (quinhentos e quarenta euros), em numerário;
9.1.1.2. um telemóvel marca NOKIA, cor preta, com o IMEI .............03, cartão SIM da operadora Vodafone nº ... ... .32, de sua pertença;
9.1.1.3. um telemóvel marca NOKIA, cor preta, com o IMEI .............13/6 e IMEI .............21/6, cartão SIM da operadora Vodafone nº .......30, de sua pertença;
9.1.2. BB, tinha na sua posse: 9.1.2.1. um telemóvel da marca Nokia de cor cinzento, com os IMEI: .............36 e .............35 com o cartão SIM inserido referente ao número .......92, sua pertença;
9.1.2.2. um telemóvel da marca Nokia de cor cinzento, com os IMEI: .............83 e .............91 com os cartões SIM inseridos referentes aos números .......58 e .......22, que se encontrava sob interceção (alvos .......40 .......50);
9.1.2.3. Um casaco da marca “Timberland”, pertença de BB;
9.1.2.4. A quantia de € 115 (cento e quinze euros), em numerário;
9.2. Pelas 20:30h, no interior da residência sita na rua do ..., foi encontrado e apreendido, no quarto onde BB pernoita com a sua companheira RR, quando esta o visita: 9.2.1. a quantia de € 460,00 (quatrocentos e sessenta euros), em numerário, que se encontrava dentro de uma mala;
9.2.2. um telemóvel de marca SAMSUNG, de cor preta, com ecrã partido, com capa de proteção, com os I.M.E.I ................/3 e ................./1, sem cartão SIM inserido, que se encontrava dentro de uma gaveta de mesa de cabeceira, pertença de BB;
9.2.3. Um suporte de cartão SIM, da operadora MEO, sem o referido cartão, a que correspondia o número ..................98, com o pin ..55 e Puk ......11, que se encontrava numa gaveta da mesa de cabeceira, pertença de RR
9.2.4. uma folha de papel formato A4, contento, sob a forma manuscrita, contactos telefónicos e um pedaço de folha, contendo, sob a forma manuscrita, contactos telefónicos;
9.3. Pelas 21:00h, na residência sita em caminho da ..., utilizada por BB, foi encontrado e apreendido:
9.3.1. A quantia de € 700 (setecentos euros), que se encontrava na cozinha, dentro de uma mala de viagem, pertença de SS;
9.3.2. A quantia de € 170 (cento e setenta euros), em numerário, que se encontrava na casa se banho, dentro de uma mala de viagem, pertença de TT [doravante TT];
9.3.3. A quantia de 1.500$00 (mil e quinhentos escudos) Cabo- Verdianos, em numerário, que se encontrava na casa se banho, dentro de uma mala de viagem, pertença de TT;
9.3.4. Um par de ténis, da marca New Balance, pertença de BB;
9.4. Pelas 20:44h, no interior da residência sita na rua ..., habitada por AA e UU, foi encontrado e apreendido, no quarto partilhado por ambos:
9.4.1. A quantia de € 1500 (mil e quinhentos euros), num interior de uma mala de UU;
9.4.2. A quantia de € 500 (quinhentos euros), num interior de uma mala de UU;
10. No dia 15 de fevereiro de 2024, na zona de mato, junto à R ..., em ..., AA e BB detinham balança, da marca digital profissional mini, com a referência ........qb, e diversos recortes de plástico, que utilizavam para pesar, dividir e acondicionar a cocaína;
11. As quantias monetárias indicadas em 9.1.1.1., 9.1.2.4., 9.2.1. e 9.4.1. eram provenientes das transações descritas em 6.1. a 6.3, 7 a 7.1., 8.1. a 8.5.;
12. O telemóvel identificado em 9.1.2.2. era usado por AA e BB para contactar consumidores de cocaína;
13. AA e BB atuaram em concretização do acordo comum descrito em 1), aceitando as condutas um do outro, cientes que detinham cocaína para posterior venda e que entregavam cocaína a troco de quantias monetárias, sem que fossem titulares de licença que os habilitasse a tal detenção e entregas, o que, de forma livre e consciente, representaram e quiseram, sabendo que, dessa forma, praticavam conduta proibida e punida por lei;
14. AA iniciou o seu desenvolvimento em Cabo Verde, onde nasceu, junto no seu agregado familiar de origem, constituído pelo próprio, mãe e quatro irmãos, em ambiente isento de conflituosidade, associado a alguns condicionalismos económicos;
15. Concluiu o 4º ano de escolaridade em Cabo Verde, com 14 anos de idade,
16. Aos 16 anos de idade, integrou no mercado de trabalho, no setor agrícola.
17. No ano de 1990 imigrou para Portugal, juntando-se ao pai já aqui residente desde 1972, integrando o mercado de trabalho no setor da construção civil, com 14 anos como pedreiro por conta de outrem e, nos últimos 7 anos, para o mesmo empregador;
18. Entre 1 de fevereiro de 2023 e 14 de fevereiro de 2024, AA:
18.1. Residia na morada indicado em 9.4., com a sua companheira UU, o enteado, de 18 anos de idade (estudante), e filho comum do casal, de 4 anos de idade, numa dinâmica relacional afetiva e isenta de conflituosidade;
18.2. auferia um vencimento médio líquido de € 850,00 (oitocentos e cinquenta euros) mês, complementado pelo vencimento da companheira, que labora como rececionista numa gráfica comercial de ..., no valor de líquido € 1 185,00 (mil cento e oitenta e cinco euros) por mês:
18.3. Suportava a renda da habitação, no valor de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros) por mês, a amortização da sua dívida à Segurança Social, no valor de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) e o infantário do filho comum com UU, no valor de € 240 (duzentos e quarenta euros) mensais;
18.4. Padecia de hipertensão arterial, colesterol elevado e acido úrico, tendo sido vítima de um AVC no ano de 2018, encontrando-se em acompanhamento médico no centro de saúde de ... (médico de família), sujeito a terapêutica medicamentosa;
18.5. Era pessoa calma e sociável e participava na educação do filho menor de idade, com o qual mantinha uma relação privilegiada em termos afetivos.
19. No dia 14/02/2024 deu entrada no Estabelecimento Prisional de ... para cumprimento da medida de coação de prisão preventiva aplicada no presente processo, enquadramento que mantém na atualidade;
20. AA evidencia um adequado entendimento relativamente ao atual contacto com o sistema de justiça, denotando uma postura colaborante;
21. A situação de reclusão implicou o afastamento relativamente ao descendente mais novo, que pela idade não consegue compreender a ausência paterna, beneficiando, neste contexto, de acompanhamento psicológico em contexto escolar, e que a sua companheira ficasse com a responsabilidade exclusiva de garantir a subsistência do agregado;
22. Em meio prisional tem mantido um comportamento adequado com as regras e normas estipuladas, beneficia da normativa integração laboral e usufrui das visitas da atual companheira, que continua a constituir-se um importante pilar afetivo e de suporte para o próprio;
23. AA, por decisão datada de 07.11.2023, transitada em julgado no dia 07.12.2023, proferia pelo Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Local Criminal – Juiz ..., no âmbito do processo n.º 134/22.0..., foi condenado pela prática, em 31.02.2022, de um crime de resistência e coação sobre funcionário, um crime de desobediência e dois crimes de injúria agravada, na pena de um ano e cinco meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de três meses e 15 dias, tendo a pena de multa e pena acessórias sido declaradas extintas pelo cumprimento;
(…)
31. O veículo automóvel com a matrícula ..-..-XT é propriedade de VV, que manteve com AA uma relação de comunhão de cama, mesa e habitação até ao ano de 2017;
32. Após a cessação da comunhão com AA, este mostrou interesse em comprar o veículo a VV, a qual aceitou e cedeu o uso do mencionado veículo àquele, sob a condição de o mesmo ir pagando consoante a suas possibilidades, não tendo aquele, até ao momento, entregado qualquer quantia monetária a VV, a qual desconhecia o uso que AA deu ao veículo automóvel entre 01.02.2023 e 14.02.2024;
33. VV, em audiência de julgamento, requereu que o veículo automóvel com a matrícula ..-..-XT lhe seja devolvido.
3. A medida da pena
1. A fundamentação da decisão recorrida.
“Para proceder à determinação da medida concreta da pena de prisão interessa ter presente o disposto no artigo 71º, n.º 1 do Código Penal, segundo o qual a determinação da pena concreta se faz em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes.
B-1.) Do modelo de determinação da medida concreta da pena:
Vários modelos têm surgido para solucionar a questão de saber a forma como estas entidades distintas (culpa e prevenção) se relacionam no processo unitário da medida da pena.
Face ao disposto no artigo 40.º do Código Penal, que veio tomar posição expressa quanto à questão dos fins das penas, afigura-se-nos inquestionável que é o modelo da “moldura da prevenção” proposto por FIGUEIREDO DIAS [in, "Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime", pág. 285, § 409pp. 227/231], aquele que melhor se adequa ao espírito desta norma, quanto mais não seja por “nela ter sido consagrado o seu pensamento” [assim o afirma JOSÉ GONÇALVES DA COSTA, in RPCC, ano III, 1993, pág. 327].
O que fica dito resulta reforçado pelo facto de o Supremo Tribunal de Justiça, pelo menos na última década, ter acolhido, de modo largamente maioritário, as lições de Jorge de FIGUEIREDO DIAS [sobretudo plasmadas na obra Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime] e de ANABELA MIRANDA RODRIGUES [plasmadas na obra A determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra Editora, 1985]. Isso mesmo é referido, sob uma perspetiva crítica por LOURENÇO MARTINS [In Medida da Pena, Finalidades e Escolha, sobretudo pp. 187 e ss.] Para este autor, o modelo que melhor se adapta ao nosso quadro legal, é o da teoria mista ou integradora dos fins das penas, cujos pressupostos são desenvolvidos a fls. 491/492 da obra citada], e, sob numa perspetiva concordante, por SOUTO MOURA [In estudo intitulado a jurisprudência do S.T.J. sobre a fundamentação e critérios da escolha e medida da pena, publicado in www.stj.pt/documentacao/estudos/penal, pp. 12 e ss.].
Segundo aquele modelo, primordialmente, a medida da pena há de ser dada por considerações de prevenção geral positiva, isto é, prevenção enquanto necessidade de tutela dos bens jurídicos que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida, que fornece uma «moldura de prevenção», isto é, que fornece um quantum de pena que varia entre um ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e onde, portanto, a medida da pena pode ainda situar-se até atingir o limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Através do requisito da culpa, dá-se tradução à exigência de que aquela constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas (limite máximo) – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela dignidade da pessoa do agente. Por último, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva – entre o ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável – podem e devem atuar ponto de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena. Esta deve, em toda a sua extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade [In Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do crime, p. 227 e ss. e, quanto ao juízo de culpa, ANABELA RODRIGUES, in A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, pp. 478 e ss.].
B- 1.1.) Critérios de aquisição e de valoração dos fatores de medida da pena:
Tendo presente o modelo adotado, importa, de seguida, eleger, no caso concreto, os critérios de aquisição e de valoração dos fatores da medida da pena, nomeadamente os referidos nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal.
Neste âmbito, há que ter em consideração:
B- 1.1.1.) A determinação do substrato da medida da pena:
Para efeito de medida da pena o conceito «substantivo» de facto é insuficiente para conter todos os fatores de medida da pena, se se considerar que aquele conceito é somente integrado pelas categorias do tipo-de-ilícito e do tipo-de-culpa. Na medida da pena deve ser tido em consideração um tipo complexivo total, isto é, que não se basta com as categorias do tipo-de-ilícito e do tipo-de-culpa, mesmo quando a elas se acrescente a categoria da punibilidade, mas que abarque a categoria da punição (que suporta a consequência jurídica), integrada pelo princípio da carência punitiva [FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas - Editorial Notícias, 1993, pp. 232/234].
B-1.1.2. O princípio da proibição de dupla valoração:
O referido princípio, consagrado no artigo 71º, n.º 3, do Código Penal, implica que não devem ser tomadas em consideração, na medida concreta da pena, as circunstâncias que façam já parte do tipo de crime. Todavia, o que fica dito não obsta em nada a que a medida da pena seja elevada ou baixada em função da intensidade ou dos efeitos do preenchimento de um elemento típico de um elemento típico e, portanto, da concretização deste, segundo as especiais circunstâncias do caso, v.g. não deve ser valorado da mesma forma um sequestro de 3 dias ou de 3 meses [FIGUEIREDO DIAS, ob., cit., pp. 234 e ata da 26º sessão da Comissão Revisora do Projeto da parte geral do Código Penal, in BMJ, 49, pág. 74/75].
a. 1.1. A qualidade dos produtos estupefacientes: A cocaína é um estupefaciente que têm elevado potencial aditivo (vulgo «droga dura»), o que constitui um fator de agravação. Neste sentido aponta o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro que refere que na graduação das penas aplicáveis ao tráfico, deve ser levada em linha de conta a real perigosidade das drogas;
1.2. O número de vendas, período temporal em que durou a atividade de venda e a quantidade detida pelos arguidos: apurou-se que os arguidos venderam durante um ano e treze dias, noventa e cinco doses de cocaína a vinte consumidores, e detinham cocaína, que, em potência, não era suficiente para mais de 10 doses;
1.3. A indeterminação do proveito económico obtido pelos arguidos: não se apurou a preço os arguidos adquiriram a cocaína, como tal, não se apurou qual a margem de lucro dos mesmos;
Ainda neste âmbito importar referir que os fatores que influem na determinação da medida são, muitas vezes, dotados de particular ambivalência. Por exemplo um mesmo fator, na perspetiva da culpa, pode funcionar como agravante e, na perspetiva da prevenção, funcionar com atenuante.
B- 1.2.) Os concretos fatores de medida da pena:
O artigo 71º, n.º 2, do Código Penal elenca, de forma não exaustiva, os concretos fatores de medida de pena que o tribunal deve ter em consideração, os quais, como se infere do que atrás ficou dito, devem valorados de acordo com o modelo adotado e dentro dos limites impostos pelo substrato da medida da pena e o princípio da proibição da dupla valoração.
Tendo presentes estas considerações, entende o tribunal que, no caso dos autos, assume relevância.
a. 1.4. O elevado número de consumidores atingidos: apurou-se que os arguidos venderam a vinte consumidores, o que configura uma disseminação de grau médio;
1.5. A coautoria: enquanto união de esforços que diminui as possibilidades de proteção do bem jurídico e maximiza as hipóteses de êxito da realização típica, constitui motivo de agravação;
1.6. A diferente participação individual na fase executiva do crime: o arguido AA teve maior intervenção na fase executiva do crime, pois assegurou todas as vendas que tiveram lugar desde 1 de fevereiro a 22 de junho de 2022, usou o veículo automóvel que lhe foi cedido pela ex-companheira para a prática do crime sem disso lhe dar conhecimento e, sendo tio do arguido BB, tinha ascendente sobre este;
2. No que se refere ao grau de culpa, assume relevância, como fator de agravação, a elevada intensidade dolosa do crime de tráfico, pois os arguidos agiram sob a forma de dolo direto, que a forma mais gravosa de culpa, o que implica um maior juízo ético-social de desvalor;
3. No que se refere aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins e os motivos que o determinaram, apurou-se que os arguidos visavam suprir a insuficiência dos rendimentos lícitos que auferiam;
4. Relativamente às condições pessoais e situação económica dos arguidos: apurou-se que o processo de desenvolvimento de ambos foi normativo, estando familiar, social e profissionalmente inseridos;
5. Relativamente à conduta anterior aos factos, assume relevância, como fator de atenuação, o facto de o arguido BB ser primário e o facto de o arguido AA ter sofrido uma condenação pela prática de um crime de resistência e coação sobre funcionário, um crime de desobediência e dois crimes de injúria, tendo o arguido praticado o crime em causa nos autos no decurso da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada pela prática do crime de resistência e coação sobre funcionário
6. Relativamente à conduta posterior aos factos: releva o facto de os arguidos terem confessado grande parte dos factos, mas não tendo essa confissão grande relevo, dado que o apuramento dos factos confessados sempre teria lugar através de outros meios de prova;
7. Relativamente à falta de preparação para manterem uma conduta lícita, manifestada no facto nada se apurou;
Sopesando os referidos fatores julga-se adequado, aplicar penas diferentes aos arguidos, devendo AA ser punido com uma pena mais elevada, na medida em que teve maior intervenção na fase executiva do crime, pois assegurou todas as vendas que tiveram lugar em desde 1 de fevereiro a 22 de junho de 2022, usou o veículo automóvel que lhe foi cedido pela ex-companheira para a prática do crime sem disso lhe dar conhecimento, tinha ascendente sobre o arguido BB e praticou o crime do decurso do prazo da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada no âmbito do processo n.º 134/22.0...
Pelo exposto, fixa-se:
- A pena de AA em cinco anos e três meses de prisão;
- A pena de BB em quatro anos e dez meses de prisão”.
2. A isto que contrapõe o arguido?
Invocando a violação do artigo 71.º CPenal, entende o arguido que a decisão recorrida o penalizou de forma clara, para o que bastara comparar, se outros parâmetros não existissem, com a condenação do co-arguido BB - condenado em pena de 4 anos e 10 meses, suspensa na sua execução.
E, assim, defende que a pena deve ser fixada em patamar nunca superior aos 5 anos de prisão, porque considera que as circunstâncias que militam a seu favor se sobrepõem às que contra si depõem.
E, concretamente discorda dos fundamentos, que entende terem sido aduzidos para tal diferenciação:
- o seu único antecedente criminal é de diferente natureza - foi condenado pela prática, em 31.02.2022, de um crime de resistência e coação sobre funcionário, um crime de desobediência e dois crimes de injúria agravada, na pena de um ano e cinco meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de três meses e 15 dias, tendo a pena de multa e pena acessórias sido declaradas extintas pelo cumprimento;
- o alegado ascendente que teria sobre o co-arguido, única e exclusivamente porque era seu tio.
Para o que alinha o seguinte raciocínio:
- sem desprezar a qualidade do estupefaciente em causa, o período de execução da atividade delituosa não é longo, cifrando-se em 12 meses e 13 dias, o número de vendas ronda as 7 vezes e meia mensais e as quantidades são reduzidas, na maioria das vezes o equivalente a € 40,00, o que tem como consequência o facto de os lucros também serem de expressão reduzida;
- atento o número de consumidores atingido e pese embora a afetação da saúde de qualquer indivíduo seja, de per si de lastimar, não podemos deixar de considerar uma reduzida dimensão de disseminação;
- a sua conduta não se revestiu de qualquer sofisticação ou elaboração;
- os motivos que conduziram à adoção da conduta delituosa não justificam, de todo, essa conduta, mas têm um menor desvalor;
- tem averbado um antecedente criminal por crimes de diferente natureza - na sua já longa vida, encontra-se inserido social e familiarmente.
- em meio prisional, voltou a adotar uma conduta adequada às regras impostas e recuperou uma ocupação laboral;
- a admissão, em sede de julgamento, dos factos pelos quais se encontrava acusado, releva, ainda, a interiorização do desvalor da sua conduta.
- a conduta anterior e posterior à prática dos factos e a interiorização do desvalor da conduta, revelam que possui a necessária preparação para manter uma conduta lícita.
Defende, então, o arguido que,
- se é verdade que o crime que deu origem aos presentes autos foi cometido durante o período final da suspensão daquela pena, é igualmente verdade que parte da sua condenação – multa e pena acessória – se encontram extintas por cumprimento, o que o coloca numa condição mitigada que não devia ter sido valorada a seu desfavor, ou melhor, tão a seu desfavor;
- no que respeita ao alegado ascendente, parece pouco, da prova produzida em audiência de julgamento, para além do laço familiar, nada se apurou no sentido da conclusão a que chegou.
E, assim, conclui ser a sua pena excessiva, impondo-se a sua redução e, depois, a verificar-se o requisito formal – aplicação da pena não superior a cinco anos – deve a mesma ser suspensa na sua execução.
E, para a aplicação desta pena de substituição, invoca as seguintes circunstâncias:
- encontra-se familiar e socialmente integrado e, antes de privado da liberdade teve uma atividade laboral;
- em meio prisional, retomou uma ocupação laboral;
- apenas com exceção do período correspondente aos factos, evidencia capacidade para cumprir as regras e obrigações a que está sujeito, mesmo em meio prisional;
- beneficia do apoio no seio da família, o que constitui um factor de proteção, no momento da sua restituição à liberdade.
Sendo certo, ressalta, o arguido, que,
- não resultou provada qualquer carência ao nível da sua capacidade de autocensura e de descentração, nem ao nível do pensamento crítico e consequencial;
- alguma fragilidade que se lhe possa imputar poderá ser combatida no seio da comunidade, designadamente, através da suspensão da execução da pena, com regime de prova, que será, também, essencial para acompanhar a sua reintegração no mercado laboral;
- tem uma precária saúde por ter sido vítima de um acidente vascular cerebral, contando já com cerca de 1 ano e 1 mês de privação da liberdade, o que contribui, necessariamente, para a atenuação das exigências de prevenção especial e também tem um impacto positivo nas exigências de prevenção geral.
3. Vejamos.
Como é sabido a questão da medida da pena não é do conhecimento oficioso por parte do tribunal de recurso.
Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena, o juiz serve-se do critério global contido no artigo 71.º CPenal - diploma a que pertencerão as disposições legais doravante citadas sem menção de origem - estando vinculado aos módulos – critérios de escolha da pena constantes do preceito. Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.
O dever jurídico, substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo da decisão sobre a determinação da pena.
Acerca da questão da cognoscibilidade, controlabilidade da determinação da pena, no âmbito do recurso, há que dizer que a intervenção do tribunal nesta sede, de concretização da medida da pena e do controle da proporcionalidade no respeitante à sua fixação concreta, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada.
Vem-se entendendo que se pode sindicar a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação dos factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro de prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada.
Com efeito, o recurso não se destina a proceder a uma nova determinação da pena, mas, apenas, a verificar o respeito por aqueles critérios que presidem à sua determinação, com eventual correção da medida da pena aplicada se o caso a justificar.
Ultrapassada que está a fase da consideração, como ponto de partida para a determinação da medida concreta da pena (onde, coincide a aplicada nos autos) o do ponto médio da sua moldura abstracta, bem como o de ser esta a matéria onde transparece e se assume na plenitude, a arte de julgar, como ponto incontornável de partida e de chegada, temos que a operação de determinação da medida da pena, se faz em função dos critérios gerais de medida da pena, seja, a culpa do agente e as exigências de prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
Dispõe o artigo 40.º que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, n.º 1 e, que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, n.º 2.
As finalidades da pena são, nos termos do artigo 40.º, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Não tendo o propósito de solucionar por via legislativa a questão dogmática dos fins das penas, a disposição contém, no entanto, imposições normativas específicas que devem ser respeitadas: a formulação da norma reveste a “forma plástica” de um programa de política criminal cujo conteúdo e principais proposições, cabe ao legislador definir e que, em consequência, devem ser respeitadas pelo juiz.
A norma do artigo 40.º condensa, assim, em três proposições fundamentais o programa político criminal sobre a função e os fins das penas: protecção de bens jurídicos e socialização do agente do crime, sendo a culpa o limite da pena mas não o seu fundamento.
Por sua vez, nos termos do artigo 71º/1 e 2, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, em cada caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a seu favor ou contra ele.
Considerando, nomeadamente, nos termos do n.º 2 desta norma:
“a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência:
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”.
A este processo deve presidir uma preocupação de tratamento justo do caso concreto, adequado à vontade e intenções da lei, que haverá que passar pela escolha de reacção sancionatória com aptidão e eficácia bastantes à ideal/tendencial protecção do bem jurídico violado e à dissuasão da prática de novos crimes, constituindo a retribuição justa do mal praticado, dando satisfação ao sentimento de justiça e segurança da comunidade e contribuindo, na medida do possível, para a reinserção social do delinquente.
A culpa constitui, assim, o limite inultrapassável do quantum da pena, dentro é certo da sub-moldura da prevenção geral e ponderadas as necessidades que o agente apresente em sede de prevenção especial.
Esta medida concreta da pena a aplicar ao arguido, tendo em atenção que a mesma assenta na “moldura de prevenção”, cujo máximo é constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa do caso e cujo mínimo resulta do quantum da pena imprescindível, no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, deve ser encontrada dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, artigos 40.º/2 e 71.°/1.
Isto é, se a culpa constitui o fundamento e o limite da pena, as suas finalidades são a prevenção geral e especial.
O modelo de determinação da medida da pena que melhor combina os critérios da culpa e da prevenção é, como ensina o Professor Figueiredo Dias, “aquele que comete à culpa a função, única, mas nem por isso menos decisiva, de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral, de integração, a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos, dentro do que é consentido pela culpa e, cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto de pena, dento da referida “moldura de prevenção”, que sirva melhor as exigências de socialização ou, em casos particulares, de advertência ou segurança do delinquente” in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, Abril - Dezembro 1993, 186-187.
Está aqui em causa a prática pelo arguido, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º/1 do Decreto Lei 15/93, a que corresponde, em abstrato, a moldura penal de prisão de 4 a 12 anos.
A medida da pena é determinada a partir do que resulta dos factos provados (e do que deles se pode deduzir) em relação a cada arguido que tenha cometido um ilícito penal e não a partir de considerações, por si, feitas, que não se extraem ou que não encontrem apoio nesses mesmos factos dados como provados.
Tendo, então, presente que a culpa constitui o limite inultrapassável do quantum da pena, dentro é certo da sub-moldura da prevenção geral e ponderadas as necessidades que o agente apresente em sede de prevenção especial, a propósito da fixação e determinação da medida concreta da pena, no caso em apreço, perante a factualidade provada, há que convocar os seguintes factores:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente.
Estamos perante a violação de um bem jurídico de grande importância na vida em sociedade, a saúde públicas, fundamental e suporte que alicerça a vida em sociedade, que aqui se materializa, em concreto, em factos com elevado grau de ilicitude, ponderando a forma de actuação - em co-autoria – durante cerca de 1 ano, traduzida na venda de um produto de elevada danosidade e potencial de adição, cocaína, inserida no anexo B) do Decreto Lei 15/93, a, pelo menos, a 20 consumidores diferentes, num total que ascende a 95 doses
b) A intensidade do dolo ou da negligência.
A culpa do arguido é de normal intensidade a nível de dolo directo, não mitigado por qualquer circunstancialismo.
Isto porque, apesar da actuação com dolo directo, tal não se traduz, de forma necessária, numa culpa de elevada intensidade – como se decidiu.
Com efeito, dolo directo não significa dolo intenso, não significa intenção criminosa de grande intensidade. Significa, tão só, que o agente actuou com vontade dirigida à realização do facto. De resto, a materialidade provada evidencia, também, aqui, uma mediana, absolutamente normal, intensidade dolosa, no cometimento dos factos. Estamos, com efeito, perante um caso absolutamente paradigmático, sem nada de realce que o distinga da normalidade, em relação à forma de cometimento deste ilícito penal, na sua vertente, que se pode resumir, por facilidade de expressão, de “dealer” de carro, meio de transporte utilizado e privilegiado na entrega do estupefaciente.
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram.
Naturalmente que subjacente à actuação do arguido, está o objectivo de angariar proventos económicos, tirando partido da margem de lucro que o tráfico de cocaína - ainda que na fase final do canal de distribuição – produz.
Que não sendo significativa, ainda assim, é de molde a tornar muito difícil que alguém abandone tal actividade ilícita, voluntariamente.
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica.
O arguido é, também, aqui por facilidade de expressão, pessoa pobre e0 de modesta condição social e estava, ao tempo, inserido, em termos sociais, profissionais e familiares.
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime.
O arguido, por decisão de 7.11.2023, transitada em julgado no dia 7.12.2023, foi condenado pela prática, em 31.02.2022, de um crime de resistência e coação sobre funcionário, um crime de desobediência e dois crimes de injúria agravada, na pena de um ano e cinco meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de três meses e 15 dias, tendo a pena de multa e pena acessórias sido declaradas extintas pelo cumprimento;
Donde decorre que praticou os factos, aqui em apreciação, no decurso do período de suspensão da execução daquela pena de prisão.
Sendo certo ainda que confessou grande parte dos factos provados, contudo, sem grande relevo, dado que o apuramento dos factos confessados sempre teria lugar através de outros meios de prova.
Finalmente, as prementes necessidades de prevenção geral, designadamente, a particular ressonância que estes crimes – que ocorrem com, cada vez maior, inusitada e assustadora frequência, à escala nacional e global - sempre provocam na comunidade.
Como decidiu este Supremo Tribunal no acórdão de 9.6.2004, processo 04P1128, consultado no site da dgsi, “os tráficos de droga constituem, hoje, nas sociedades desenvolvidas, um dos factores que provoca maior perturbação e comoção social, tanto pelos riscos (e danos) para bens e valores fundamentais como a saúde física e psíquica de milhares de cidadãos, especialmente jovens, com as facturas devastadoras nas famílias e na coesão social primária, os comportamentos desviantes conexos sobretudo nos percursos da criminalidade adjacente e dependente, como pela exploração das dependências que gera lucros subterrâneos, alimentando economias criminais, que através da reciclagem contaminam a economia legal.
O reconhecimento do fenómeno e da comoção social que provoca, faz salientar a necessidade de acautelar as finalidades de prevenção geral na determinação das penas como garantia da validade das normas e de confiança da comunidade, mas, do mesmo passo, não podem ser descuradas as finalidades de reinserção dentro do modelo de prevenção especial”.
E, finalmente, as, igualmente, prementes, necessidades de prevenção especial, pois que o arguido foi já julgado e condenado, mormente, em pena de prisão, ainda que por crimes absolutamente diversos, tendo praticado estes factos durante o período de suspensão da execução de tal pena de prisão.
Isto apesar de estar inserido, ao tempo dos factos, em termos familiares, profissionais e sociais, o que, no entanto, não serviu de suficiente elemento de dissuasão, de bloqueio do seu desígnio criminoso.
Perante os factos provados e as considerações tecida na decisão recorrida, que culminaram com a aplicação das penas de 5 anos e 3 meses de prisão, para o tio e de 4 anos e 10 meses par ao sobrinho, há que dizer, desde já, se qualquer rebuço, que assiste fundamento na causa de irresignação do arguido quanto ao pretenso ascendente que tinha para com o sobrinho.
Com efeito, tal não resulta de qualquer facto provado, nem o conjunto da materialidade apurada permite extrair tal ilação ou conclusão.
As regras da experiência comum tanto permitiriam afirmar que o tio tinha ascendente sobre o sobrinho, como que era este que tinha ascendente sobre o tio. Da mesma forma, que nenhum tivesse ascendente sobre o outro.
Resta a questão dos antecedentes criminais e da vigência, ao tempo da uma pena de prisão suspensa na sua execução.
Diz o arguido que a responsabilidade penal assume carácter pessoal e que abrir a possibilidade de dois factos de idêntica gravidade virem a ser punidos com penas de magnitude diferentes, consoante as exigências de intimidação e prevenção geral (que de resto são, pela sua natureza, variáveis consoante o momento e o lugar), colidiria com o próprio principio da igualdade perante a lei, artigo 13.º da CRP e atentaria contra o princípio da dignidade da pessoa humana, ínsito no artigo 1.º do texto constitucional.
Como vimos já, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente, desde logo, atendendo-se a todas as circunstâncias que deponham a seu favor ou contra ele.
E, como resulta do artigo 29.º cada comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente do grau de culpa dos outros.
Estamos numa situação de co-autoria, de actuação de todos mediante prévio acordo e em conjugação de esforços, vontades e intentos, visando o mesmo objectivo.
Actuação concertada – independentemente dos proventos que cada um receberia, ou mesmo que não recebesse, pela sua actuação, visto tal não ser elemento do tipo.
Como se sabe, para a co-autoria não é indispensável que cada um dos intervenientes participe em todos os actos para a obtenção do resultado pretendido, bastando que a actuação de cada um, embora parcial, seja um elemento componente do todo responsável à sua produção.
Sobre a questão do princípio da igualdade, invocada pelo arguido, cumpre referir o seguinte.
No plano constitucional, ao lado do princípio da igualdade, artigo 13.º, ao menos no mesmo plano, situam-se os princípios da proporcionalidade, da adequação, da necessidade e da justiça, artigo 18.º.
Assim, o que no caso sujeito a invocação daquele princípio impõe é saber se o recorrente foi discriminado.
O princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei abrange a igualdade de aplicação do direito e relaciona-se estreitamente com a vinculação jurídico-material do juiz a tal princípio.
Este Supremo Tribunal já teve ocasião de se pronunciar sobre a aplicação do princípio da igualdade no domínio da aplicação da pena, cfr. acórdão de 16.2.2006, processo 06P124-5.ª onde se citam outros que assim se pronunciaram:
“ A aplicação das sanções penais aos factos, sendo estes praticados por individualidades que se determinam e agem por motivos e segundo uma compleição somático-psíquica diferente, movimenta uma multitude de factores endógenos e exógenos, pelo que logo se evidencia a dificuldade de considerar duas situações como iguais, a merecerem tratamento sancionatório exactamente igual.
No âmbito do direito e processo penal a noção de justiça relativa mostra-se mais profícua, na medida em que atende à globalidade dos factos e à personalidade dos agentes, apreciados no seu conjunto, proporcionando, em bloco, uma comparação das situações na sua relação com a pena a aplicar a cada um deles, acórdão de 26.9.2001, processo 1287/01-3.ª.
“Mesmo que aos co-arguidos, acusados pelos mesmos factos, sejam aplicadas penas diversas não se pode concluir, sem mais, pela violação do princípio da igualdade. Basta que as circunstâncias que depõem a favor de um e outro sejam diversas, para que, nos termos do artigo 71.º/ 2 CPenal, também as penas devam ser diversas.
Mas mesmo que as circunstâncias tivessem sido idênticas, sempre seria preciso demonstrar que a pena do arguido não estava dentro dos limites definidos na lei e referidos no artigo 71.º CPenal. É que, em direito penal vigora, acima de tudo mais, o princípio da legalidade, pelo que, não é pelo facto de um caso ser apreciado em termos de fixação de pena benevolamente que nos deva conduzir a procedimento idêntico, mas ilegal, em relação a outro julgamento para outro arguido, acórdão de 26.3.1998, processo 1483/97.
“O princípio constitucional da igualdade a que o arguido faz apelo com fundamento em suma em que a pena que sofreu não é igual à dos outros co-arguidos não tem qualquer razão de ser, não só porque igualdade não se confunde com igualitarismo e implica, mesmo, tratamento diferente para o que é diferente, como também, no caso, as condições pessoais são claramente distintas”, acórdão de 3.4.2003, processo 975/03-5.ª.
“Assim, verificando-se idêntico circunstancialismo relativamente a dois arguidos do mesmo processo, autores do mesmo crime de tráfico de estupefacientes, impõe aquele princípio da igualdade que a pena a aplicar a ambos seja idêntica”, acórdão de 17.12.1997, processo 1156/97.
“Na individualização da pena o juiz deve procurar não infringir o princípio constitucional de igualdade, o qual exige que na individualização da pena não se façam distinções arbitrárias.
Sem deixar de se reconhecer que considerações de justiça relativa impõem que se considerem na fixação de penas em casos de comparticipação as penas dos restantes co-autores, importa notar que a questão das disparidades injustificadas nas penas deve gerar essencialmente uma resposta sistémica, tendente a, em geral, compreender e reduzir o fenómeno.
No plano constitucional, ao lado do princípio da igualdade, e diríamos mesmo acima, situam-se os princípios da proporcionalidade, da adequação, da necessidade e da justiça.
Não se poderia atribuir, em recurso, ao recorrente uma pena menor do que a merecida, se erradamente a 1.ª instância houvesse aplicado em situação idêntica tal pena mais favorável, por ser tal comportamento violador das regras a respeitar na fixação da pena e que a mera invocação do princípio da igualdade não permite ultrapassar”, acórdão de 29.4.2004, processo 3253/03-5.ª .
“Tendo o tribunal recorrido optado por um critério de igualdade entre os arguidos relativamente aos crimes de roubo por que foram condenados, pois ambos agiram com o mesmo grau de ilicitude e de culpa e ambos têm antecedentes criminais, há que fazer, contudo, uma distinção entre eles, ainda que pequena, pois o recorrente, ao contrário do seu co-arguido, tem tido períodos em que mostra alguma inserção social e essa circunstância é-lhe favorável.
Ao não fazer essa distinção, o tribunal violou os critérios legais de graduação da pena, previstos no artigo 71.º CPenal, acórdão de 12-6-03, processo 1678/03-5.ª”.
Ora, da decisão recorrida consta bem explicitadas, de forma bastante, as circunstâncias ponderadas na determinação da medida da pena, bem como a relevância que lhes foi atribuída - de onde sobressai o apontado contexto dos antecedentes criminais do arguido.
E, assim, se não se pode concordar com a maior responsabilidade do tio em relação ao sobrinho, pela simples verificação do grau de parentesco (e o facto de ainda assim o tio ter tido maior número de intervenção do que o sobrinho, tal facto só, por si, não tem a virtualidade, por desprezível, para afirmar um maior grau de ilicitude ou de culpa), não há margem para dúvida de que a necessidade de prevenção especial em relação ao primeiro faz toda a – aliás, pequena - diferença em relação ao segundo.
Com efeito numa moldura penal abstracta de 4 a 12 anos de prisão, ao sobrinho foi aplicada a pena de 4 anos e 10 meses e ao tio, a pena de 5 anos e 3 meses de prisão.
Uma diferença residual, afinal de, 5 meses de prisão. Não indiferente, na sua repercussão, é certo, em termos de possibilidade de ponderação da suspensão da execução da pena.
Mas ainda assim, sem que se justifique qualquer intervenção correctiva deste Supremo Tribunal.
Nenhuma das considerações acerca da dogmática do direito penal e nenhuma das circunstâncias, por si só, ou todas ponderadas, em conjunto, de entre as tecidas e alegadas pelo arguido, permite fundamentar a redução da medida concreta da pena.
A pena imposta ao arguido revela-se adequada, justa e proporcional ao respectivo graus de culpa, à sua pessoal intervenção nos factos e respectivas personalidades, sendo, naturalmente “puxada para cima” no patamar da prevenção especial, em termos absolutos.
E, da mesma forma, em termos de justiça relativa, no confronto com a pena imposta ao sobrinho.
E, assim, em função da manutenção da dimensão da pena do arguido, mostra-se precludida, prejudicada, a possibilidade de suspensão da execução da pena, por carência de um dos seus pressupostos, atento o preceituado no artigo 50.º/1.
Em conclusão, improcede, assim, na totalidade o recurso do arguido.
III. Dispositivo
Por todo o exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA.
Custas pelo arguido, com taxa de justiça que se fixa em 4 UC,s, artigos 513.º/1 e 514.º/1 CPPenal e 8.º/9 e Tabela III do RCProcessuais.
Certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e, assinado eletronicamente por si e pelos Srs. Juízes Conselheiros adjuntos, nos termos do artigo 94.º/2 e 3 CPPenal.
Supremo Tribunal de Justiça, 2025MAI28
Ernesto Nascimento - Relator
José Piedade - 1.º Adjunto
Ana Paramés – 2.ª adjunta