I - Ainda que de uma forma menos conseguida, o Conselho Superior da Magistratura não incorreu na nulidade de omissão de pronúncia arguida pelo Autor dado não ter infringido dever de tomar uma posição sobre a argumentação identificada pelo recorrente, não lhe cabendo, nessa medida e consequentemente, emitir uma pronúncia adicional ou discordante relativamente ao que constava do relatório final.
II – Muito embora se descortine, na plêiade de factos apurados, complexos fácticos que são autonomamente dotados de individualizável relevância disciplinar, o certo é que, globalmente perspetivados, aqueles factos integram um único conjunto uniforme e reconduzível a uma atividade, o que consubstancia uma verdadeira infração permanente.
III – Sendo, na data em que foi determinada pelo CSM a conversão do processo de inquérito em processo disciplinar, que este último se tem por instaurado e tendo tal facto ocorrido antes de decorrido um ano após o último ato delituoso praticado pelo Autor, não se verifica a prescrição da responsabilidade disciplinar do mesmo.
IV - Não existe qualquer norma que determine que, no âmbito do procedimento disciplinar, a utilização/valoração de meios de prova provenientes de um processo-crime esteja subordinada à prolação de qualquer decisão jurisdicional que seja nele tomada ou, sequer, dependente da evolução da respetiva tramitação processual e/ou de vicissitudes que nela hajam (ou não) decorrido.
V - O Autor teve a oportunidade para, em sede de procedimento disciplinar (e, bem assim, no presente processo judicial), contraditar, eficaz e cabalmente, a prova produzida e os factos por ela relevados.
VI - A eventual inadmissão de algum ou de alguns meios de prova no processo-crime relevará, a seu tempo, em sede de revisão da decisão profereida no procedimento disciplinar.
VII - A utilização do meio de prova documental que se reconduz à transcrição de diversos meios de prova constantes do processo penal e da respetiva certidão enviada ao CSM [ interceções telefónicas e ambientais, conteúdo do telemóvel, correio eletrónico, declarações de co-arguidos, depoimentos testemunhais e interrogatório de arguido], não se mostra, em concreto, atentória do conteúdo essencial de um direito fundamental (cfr. n.º 1 e alínea d) do n.º 2 do artigo 161.º do Código de Procedimento Administrativo).
I – RELATÓRIO
1. AA, juiz de direito, com os restantes sinais de identificação constantes dos autos, notificado da douta deliberação do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), de ... de ... de 2024, veio, no dia .../.../2024 e ao abrigo do disposto nos dos artigos 166.º e 169.º do EMJ e artigos 192.º e 78.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, intentar ação administrativa de impugnação para o Supremo Tribunal de Justiça, contra Conselho Superior da Magistratura (CSM), com sede na Rua Duque de Palmela, n.º 23, 250-097 Lisboa, pedindo, em síntese e a final, o seguinte:
«Nestes termos e nos melhores de Direito, deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, e inerentemente :
A) SER RECONHECIDA E DECLARADA PROCEDENTE A EXISTÊNCIA DA SOBREDITA OMISSÃO DE PRONÚNCIA E, CONSEQUENTEMENTE, A NULIDADE DA DECISÃO PROFERIDA PELO PLENÁRIO ORDINÁRIO DO CONSELHO SUPERIOR DE MAGISTRATURA, NOS TERMOS DO ART.º 615.º, N.º 1, AL. D), DO CPC;
B) SER RECONHECIDA E DECLARADA PROCEDENTE A EXISTÊNCIA DOS VÁRIOS VÍCIOS QUE SE RECONDUZEM ÀS SOBREDITAS ANULABILIDADES, POR VIOLAÇÃO DE NORMAS LEGAIS E CONSTITUCIONAIS, E, CONSEQUENTEMENTE, A NULIDADE DA DECISÃO PROFERIDA PELO PLENÁRIO DO CONSELHO SUPERIOR DE MAGISTRATURA NO TOCANTE AOS FACTOS SOB OS N.ºS 12 A 336;
C) SER RECONHECIDA E DECLARADA PROCEDENTE A EXCEPÇÃO DE PRESCRIÇÃO RELATIVAMENTE AOS FACTOS SOB OS N.ºS. 6 A 11;
D) CONSEQUENTEMENTE, QUE SE DETERMINE O ARQUIVAMENTO DO PROCESSO DISCIPLINAR NA SUA TOTALIDADE E SE CONDENE O RÉU A REPOR A LEGALIDADE, COM RESTITUIÇÃO DO AUTOR À SITUAÇÃO EM QUE SE ENCONTRARIA SEM ESSA DELIBERAÇÃO, NOMEADAMENTE, COM A DEVOLUÇÃO DE VENCIMENTOS E RESTANTES QUANTIAS DEVIDAS.»
*
2. O Autor AA, por apenso a esta ação administrativa, veio também deduzir o procedimento cautelar de suspensão da eficácia do ato com o número de processo 12/24.9...-A, que foi indeferido liminarmente por despacho judicial proferido no dia ... de ... de 2024 e que não mereceu qualquer reação adjetiva das partes.
*
3. Citado o Conselho Superior da Magistratura, por carta registada com Aviso de Receção, veio este último apresentar, no dia .../.../2024, contestação onde, muito em síntese, impugnou os factos e os fundamentos de direito invocados pelo mesmo na sua Petição Inicial, tendo concluído tal peça processual, nos seguintes moldes:
«Por tudo o exposto e sem prejuízo da Superior apreciação dos Venerandos Juízes Conselheiros desse Supremo Tribunal de Justiça, deverá a presente ação ser julgada totalmente improcedente.»
*
4. O Ministério Público absteve-se de tomar posição sobre os exatos contornos do litígio vertido na presente ação administrativa [Requerimento de .../.../2024].
*
5. Foi dispensada a realização da Audiência Prévia por despacho do relator proferido no dia .../.../2024, não tendo mesmo tido qualquer oposição por parte do Autor e do Conselho Superior da Magistratura.
*
6. Cumpre decidir, tendo os autos ido aos vistos dos Juízes-Conselheiros.
*
7. Objeto da ação:
• Invalidação da deliberação do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura de ... de ... de 2024, que aplicou ao Autor a sanção disciplinar de demissão;
• Condenação do Conselho Superior da Magistratura no arquivamento do procedimento disciplinar e na reposição em que o Autor se encontraria.
8. Questões decidendas [1]:
• Invalidação da deliberação impugnada em virtude de incursão no vício de “omissão de pronúncia”;
• Invalidação da deliberação impugnada em virtude de incursão no vício de violação de lei, consubstanciada na falta de reconhecimento da extinção da responsabilidade disciplinar quanto a factos ocorridos no 2018;
• Invalidação da deliberação impugnada em virtude da inviabilidade do uso de meios de prova provenientes do processo-crime no procedimento disciplinar.
*
9. Saneamento
O tribunal é competente.
Inexistem nulidades que invalidem todo o processado.
As partes têm capacidade e personalidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas.
Não se verificam nulidades ou outras questões prévias que obviem à apreciação do mérito.
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
10. São relevantes para a decisão da presente causa os seguintes factos:
1. Em ... de ... de 2023, foi remetida ao Conselho Superior da Magistratura pela Procuradoria-Geral Regional do ... «(…) certidão extraída dos autos de inquérito 228/20.7..., por existirem nos autos factos suscetíveis de indiciar a violação, pelo Juiz de Direito, Dr. AA, de infração disciplinar nos termos da definição que consta do art.º 82.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais».
2. Na sequência da abertura de inquérito disciplinar e de proposta do instrutor nesse sentido, em ... de ... de 2023, foi determinada a ampliação do objeto daquele a fim de determinar se o Autor desenvolveria «(…) pelo menos desde 2017, outra atividade profissional relacionada com a intervenção em negócios de grandes dimensões, (…), sendo remunerado por essa atividade”, e para “aferir os termos em que foi efetuada a sua declaração de rendimentos, na sequência da obrigação declarativa que impende sobre magistrados judiciais, designadamente se contempla os rendimentos percebidos nessa outra atividade e mesmo se os mesmos foram fiscalmente declarados (…)».
3. A ... de ... de 2023, o Conselho Permanente deliberou «(…) Apreciada a proposta do Senhor Inspetor Judicial Dr. BB, nos autos de inquérito em que é visado o Sr. Juiz de Direito Dr. AA, foi deliberado por unanimidade instaurar procedimento disciplinar contra o Sr. Juiz de Direito visado, pela prática das descritas infrações muito graves e que o presente inquérito constitua parte instrutória do processo disciplinar, uma vez que ocorreu a audição do Sr. Juiz de Direito visado (art.º 126.º, n.º 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais), isto sem prejuízo de no âmbito do processo disciplinar se recolherem novos elementos de prova designadamente os que decorrem da evolução do inquérito criminal em causa, nomeadamente das provas que resultarem das apreensões efetuadas. (…)».
4. No relatório final, o instrutor exarou «(…) Em primeiro lugar, diga-se que as nulidades específicas do processo penal deverão ser invocadas nesse âmbito, falecendo ao processo disciplinar competências para a apreciação de questões jurisdicionais, como aliás bem refere o arguido no artigo 403 da sua defesa:
“Para além de ser manifesto que as nulidades processuais penais (algumas delas já identificadas ao longo desta pronúncia) não podem ser dirimidas em sede de processo disciplinar, por ausência de competência jurisdicional para o efeito, o processo disciplinar tem de admitir a possibilidade de, ainda, poderem vir a ser invocadas, no processo-crime, outras nulidades, até insanáveis de todo este processo-crime. (…)»
Por fim, o arguido arguirá as nulidades que entender no processo-crime, sendo que naturalmente as decisões tomadas no processo-crime poder-se-ão repercutir no processo disciplinar, mesmo que não esteja pendente, por via da revisão de eventual decisão sancionatória que venha a ser tomada nos presente autos (cfr. art.º 127.º, n.º 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais), sendo que ao contrário do que pretende não está neste momento a invocar os mesmos factos que podem fundamentar a revisão. O que pode fundamentar a revisão da decisão proferida será a eventual declaração de invalidade no processo-crime dos meios de prova que venham a ser utilizados no processo penal, algo que, evidentemente, não pode fazer neste momento.
Assim sendo, julga-se que os presentes autos não devem ser suspensos, prosseguindo os seus ulteriores termos (salvo naturalmente se se entender que as escutas e outros meios de prova não podem valer no processo disciplinar, em que então se poderá ficar a aguardar pela decisão final do processo crime, embora exista matéria como a dos itens 6 a 11 dos factos provados que não se alicerça em prova que apenas pode ser obtida especificamente no processo penal) (…)».
5. Na reprodução escrita das alegações oralmente apresentadas em audiência pública, o Autor, ademais, invocou «(…) - Com efeito, o Relatório Final, à semelhança da acusação, fielmente reproduz a factualidade que a Procuradoria-Geral da República enunciou na certidão de ... ... 2023 que deu origem aos presentes autos de procedimento disciplinar.
- Factualidade essa que o Relatório Final reproduz nos factos dados como provados.
- É incontroverso que o procedimento disciplinar é autónomo e independente do processo-crime, ainda que o seu objeto factual seja o mesmo, pois o plano da censura disciplinar não se confunde com o plano da censura criminal.
- Sucede porem que há, no caso concreto, uma identidade dos factos investigados pelo Ministério Publico e os imputados ao arguido em sede disciplinar.
- Sendo que os dois processas correm em paralelo, contudo a velocidades diferentes. Neste é iminente a decisão final, naquele ainda não foi proferido despacho de encerramento do inquérito, e, por conseguinte, ainda não se iniciou a fase de contraditório em sentido lato.
- Pelo que, antecipar nestes autos o contraditório casuístico dos factos ainda meramente indiciários, quando os autos de processo-crime ainda se encontram em investigação, necessariamente constrangeria o oportuno exercício do direito de defesa naqueles autos. O arguido teria que, aqui, antecipar a defesa a exercer naqueles, pronunciando-se sobre os factos ainda sobre investigação, diminuindo o seu direito de, no futuro, no momento próprio, lançar mão de todos os meios de defesa ao seu alcance. O que se traduziria numa verdadeira indefesa.
- Ao que acresce que, ainda que os Senhores Conselheiros, membros do Conselho Plenário, órgão decisor, reúnam as qualidades próprias, ao nível de conhecimento da Lei, desde logo, para aferir de ilegalidades várias que já se conseguem vislumbrar naqueles autos de processo criminal, sempre se encontrariam impedidos de as sindicar por força da ausência de competência material deste Conselho.
- Tendo sido esta a razão pela qual a defesa apresentada nos presentes autos de procedimento disciplinar, se tenha cingido à deteção e arguição de vícios formais do próprio processo disciplinar, relegando a arguição de nulidades do processo e da prova recolhida nos autos de processo-crime, para a sua sede própria, assim como a impugnação casuística dos factos que (e se) o Ministério Público vier a imputar ao arguido em sede de acusação.
Posto isto,
Mais foi alegado que o Relatório Final estriba-se, sobretudo, cm meios de prova cuja valoração não é consentida no processo Disciplinar.
Sendo que dos 336 pontos de facto considerados como provados no relatório final, apenas os constantes de 1 a 12 não se estribam em prova obtida por métodos ocultos (os pontos de 1 a 4 reportam-se aos elementos bibliográficos do Sr. Magistrado arguido).
Com efeito, como resulta do Relatório Final, a larga maioria dos factos dados como provados (mais de 310 dos 336) estriba-se em escutas telefónicas e gravações de som ambiente, perfeitamente identificadas no documento que constitui o projeto da decisão a proferir por este Conselho.
De seguida, a ora subscritora enunciou, então, os meios de prova que sustentam os factos dados como provados no Relatório Final, cuja valoração não se consente nesta sede. (…)
Acresce que dos elementos constantes dos presentes autos de procedimento disciplinar, emerge que o processo-crime que está na génese da investigação criminal contra o Sr. Magistrado, foi autuado em Lisboa, junto do DCIAP, em ... ... 2018, ao qual foi atribuído o NUIPC ...TELSB.
Sucede que,
- O suspeito (aqui arguido) nunca foi constituído como arguido nesse processo, assumindo, apenas e sempre, a veste de denunciado/suspeito e apenas ele foi investigado nesse processo.
- Após a realização de várias diligências no DCIAP, sobretudo de cariz documental, este processo foi transferido em ... ... 2018 para o Tribunal da Relação do ....
- Em .../.../2019 (onze meses depois), o Magistrado do Ministério Público ao qual foi o mesmo distribuído, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto CC, promoveu nos autos a declaração de segredo de justiça e a realização de escutas telefónicas ao ali denunciado/suspeito, estribadas na eventual prática de crime de branqueamento de capitais.
- Em primeira intervenção nos autos, a Mm.ª Juiz de Instrução Criminal do referido Tribunal Superior, Ex.ª. Sr.ª. Dr.ª DD, proferiu, em .../.../2019, despacho a validar o segredo de justiça e a autorizar a realização de escutas telefónicas, pelo período de 30 dias, ao denunciado suspeito, sendo que tais escutas foram realizadas pela Polícia Judiciária e iniciaram-se em .../.../2019.
- Em .../.../2019, o aludido Magistrado do Ministério Público, por ocasião do termo do prazo concedido, promoveu nos autos a prorrogação das escutas telefónicas por mais 30 dias, suportando-se na eventual pratica de crime de branqueamento e, ainda, numa suposta prática de atividade de intermediação imobiliária.
- Em .../... 2019, a mencionada Juiz de Instrução Criminal proferiu despacho nos autos a indeferir a prorrogação das escutas telefónicas. Sendo que, neste despacho, a Mm". Juiz de Instrução Criminal expressamente refere, para fundamentar o indeferimento da promoção, que inexiste qualquer prática de crime de branqueamento e, além do mais, que uma suposta atividade de intermediação imobiliária não configura a prática de qualquer crime.
- Em .../... 2019, o Magistrado do Ministério Público promoveu nos autos a autorização judicial para registo (captação) de som e imagem respeitante ao denunciado suspeito, ao abrigo da Lei 5 2002, suportando-se, uma vez mais, na eventual pratica de crime de branqueamento.
- Em .../.../2019, a senhora Juiz de Instrução Criminal profere despacho nos autos a indeferir o registo (captação) de som e imagem ao denunciado/suspeito. Nesse despacho, a Mma. Juiz de Instrução Criminal expressamente refere, para fundamentar o indeferimento da promoção e aludindo ao seu despacho de .../.../2019, que inexiste qualquer indício da prática de crime de branqueamento.
- Em .../.../2020, o Inspetor da Polícia Judiciária, EE, afirma em relatório que "não se vislumbra a realização de quaisquer outras diligências", no que é hierarquicamente secundado com a afirmação de "inexistência de elementos que permitam aferir factualidade com relevância criminal no âmbito de corrupção e infrações conexas" e determinando, assim, a remessa do processo ao Ministério Público.
- Em .../.../2020, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto, Sr. Dr. CC, profere despacho no qual exara "determino o arquivamento dos autos".
- Em .../.../2020, a Exma. Sr.ª Procuradora-Geral Regional profere despacho no qual, referindo não concordar com o arquivamento dos autos, determina o prosseguimento destes para averiguação da prática de crimes de natureza fiscal.
- Em .../.../2020 (18 meses após a realização de escutas), a Polícia Judiciária elabora relatório, no qual "transcreve várias das escutas efetuadas entre ...-...-2019 e ...-...-2019", concluindo pela existência de indícios de serviços de intermediação imobiliária, entre o denunciado suspeito e FF, e, inerentemente, eventuais crimes de natureza fiscal, solicitando a transcrição de 29 sessões.
- Destas 29 sessões, 9 destinavam-se a ser juntas aos autos, para continuação da investigação da prática de eventuais crimes de natureza fiscal por parte do denunciado/suspeito e 20 sessões para instruir processo autónomo relativamente a GG por existirem indícios de matéria criminal de natureza corruptiva e afira ("por e no interesse...").
- Em .../.../2020, no seguimento do antecedente relatório, o referido Sr. Procurador-Geral Adjunto promoveu nos autos (fls. 257) que a Mma. Juiz de Instrução Criminal autorize as aludidas transcrições para continuação de investigação nos autos de eventual prática de crimes de natureza fiscal, por um lado, e, ainda, para "efeitos de investigação, em processo autónomo, de factos suscetíveis de configurar a prática de crimes de corrupção e similares por parte de GG".
- Em ...-...-2020, a Mma. Juiz de Instrução Criminal despacha no sentido de autorizar as promovidas transcrições, referindo expressamente que a autorização assenta no "referido pressuposto".
- Isto é, que as transcrições se destinavam a continuar a investigação nos autos, relativamente ao denunciado/suspeito, de matéria indiciária subsumível a crimes de natureza fiscal e, também, que aquelas serviriam para “efeitos de investigação, em processo autónomo, de factos suscetíveis de configurar a prática de crimes de corrupção e similares por parte de GG”.
- Em .../.../2020, a Mma. Juiz de Instrução Criminal produz despacho nos autos, relativamente à certidão a emitir, referindo-se aos elementos da mesma com a expressão "(...) e integrem a certidão nos moldes e para os efeitos já anteriormente especificados".
- Em .../.../2020, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto profere despacho a determinar a extração de certidão "para inquérito autónomo contra GG". Certidão essa emitida em ... ... 2020 (uma quarta-feira).
- Certidão da qual expressamente consta (e apenas) ter sido emitida para instauração de inquérito autónomo contra GG.
- E certidão essa que é apresentada no Tribunal da Relação do ... em .../.../2020 (uma quinta-feira), autuada em conformidade e que origina os atuais autos sob o n.° 228/20.7... TRPRT.
- Em .../.../2020, apresentados os autos ao novo Mm.º Juiz de Instrução Criminal do Tribunal da Relação do ..., já não a Exma. Sra. Dra. DD, foi proferido despacho a validar o segredo de justiça, a autorizar a realização de escutas telefónicas pelo período de 45 dias e, ainda, o registo (captação) de som e imagem - embora, neste último caso, sem qualquer especificação de circunstâncias de modo e lugar, designadamente de colocação de aparelho em interior de automóvel.
- Finalmente, em .../.../2023, o processo 128/18.0... (mais antigo) é apensado ao processo 228/20.7... TRPRT (mais recente).
Note-se, no que não é pouco despiciendo, que no “interrogatório” de arguido não detido, efetuado em .../.../2023 e no âmbito do processo 228/20.7... TRPRT, o arguido é confrontado com os "factos" constantes do processo 128/18.0... ....
Ora, da prova que sustenta esta incursão cronológica decorre que:
O Ministério Público não tomou posição definitiva, em termos de arquivamento ou de acusação, sobre os factos/indícios ali inicialmente denunciados, designadamente em termos de branqueamento, de corrupção, etc.
Ao invés, após mais de 30 meses de investigação, determinou a extração de certidão para instauração de inquérito autónomo, supostamente contra outrem, mas em que os "factos" a serem investigados no processo autónomo instaurado com base na certidão eram os mesmos, estribando-se apenas nas escutas dele provenientes, que os já constantes/investigados no processo 128/18.0... ....
O supostamente indiciado crime de corrupção que serve de ponto de partida ao processo 228/20.7... TRPRT foi investigado no processo 128/18.0... ..., sendo o denunciado/suspeito comum a ambos os processos.
Assim, há que concluir que relativamente às matérias de crime de branqueamento, de crime de corrupção e de crime fiscal, sendo que o segundo foi novamente investigado no processo 228/20.7... TRPRT, não foi efetuado, como legalmente exigido, o competente escrutínio, não tomou o Ministério Público qualquer posição definitiva, em termos de arquivamento/acusação, pelo que, assim sendo, existe falta de promoção pelo Ministério Público relativamente a tais matérias, factualidade indícios,
O que corresponde ao incumprimento do disposto no art.º 48.º do CPP, que, por sua vez, configura a nulidade insanável prevista no artigo 119 al. b) do Código de Processo Penal.
Sendo que o art.º 122.º, n.º 1, dispõe que "as nulidades tornam inválido o ato em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afetar".
Mas mais, no Processo 128/18.0... ... a qualidade funcional do arguido, Juiz não apenas à data dos factos, mas no início e no decurso do inquérito, determinou desde logo o foro próprio e a necessidade de intervenção do Tribunal da Relação, nos termos dos artigos 19.° do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei n.º 21/85, de 30/7) e 12.°, n.º 3, al. a), do CPP.
Sendo que, a dado passo, com base numa certidão obtida junto do Juiz de Instrução Criminal para instauração de novos autos contra terceiros, foi instaurado um novo processo para investigação dos mesmos factos que já tinham sido investigados em processo anterior e relativamente ao mesmo denunciado suspeito.
Ora, esta atuação consubstancia uma violação ao princípio do juiz natural, princípio esse com consagração constitucional e legal, assim como um desaforamento ilícito.
Pois, com base numa certidão dos primitivos autos e subsequente instauração de novo inquérito para apreciação dos mesmos factos indícios já investigados em processo anterior, foi trilhado um caminho de violação das regras atinentes à competência material.
Violação que nasce no momento da instauração do Processo n.º 228/20.7... TRPRT uma vez que é neste momento que se assiste ao desaforamento ilícito, à violação, por afastamento do Juiz de Instrução Criminal ao qual foi naturalmente atribuído o Processo 128/18.0... ..., da competência material resultante da Lei (aqui se incluindo as regras da distribuição de processos).
Esta violação constitui nulidade insanável, conforme ao disposto no art.º 119.°, als. a) e e), do CPP, com as consequências previstas no artigo 122.°, n.º 1 do CPP.
Sendo, ademais, patente que o Ministério Público procedeu a uma verdadeira e autêntica separação de processos, sem que tivesse sido proferido qualquer despacho nesse sentido no processo 128/18.0... ....
E separação factual essa que cessou com a determinação da apensação dos dois processos em .../.../2023, sendo que o processo mais antigo foi apensado ao processo mais recente!
A separação de processos legalmente inadmissível, a separação artificial de processos, mais não é do que uma verdadeira enão consentida violação das regras de competência material, funcional e territorial; regras essas, gerais e abstratas, que determinam "ex-ante" o tribunal competente para o inquérito, instrução e julgamento,
A separação artificial de processos consuma, de facto, uma violação do princípio do juiz natural.
Acresce que o artigo 31.º do CPP determina que, separada a parte de um processo referente à conduta de um dos coarguidos, o tribunal que ordenou a separação processual continua a ser o competente se a separação processual tiver sido determinada por um dos fundamentos invocados no n° 1 do artigo 30.º do CPP.
Concluindo-se, pois, que o artigo 31.º, alínea b), do CPP, consagra expressamente a manutenção da competência do tribunal pré-determinado legalmente para conhecer de processos conexos quando se alteraram os pressupostos que determinaram a agregação, a separação de processos não determina a remessa do processo separado para distribuição, permanecendo ele na mesma secção (no mesmo juiz) do mesmo tribunal.
Como refere Germano Marques da Silva (in "Curso de Processo Penal", 2000,1-201), "deste modo, evita-se a inconstitucionalidade do desaforamento ou violação do princípio do juiz natural, assim se prevenindo o risco da discricionariedade na escolha do tribunal".
Portanto, outra conclusão não se pode extrair senão a de que, com o ato de separação de processos fabricada artificialmente, o processo 228/20.7... TRPRT é insanavelmente nulo.
Seja pela nulidade insanável decorrente da violação do princípio constitucional do juiz natural ou legal (art.º 32.°, n.º 9, da CRP). seja pela nulidade insanável decorrente da violação das regras da competência material (art.º 119.º, al. e), do CPP, com as consequências previstas no artigo 122.º do CPP.
Sendo que todo o descrito está documentado nestes autos disciplinares, tendo sido, de resto, por via deste processo, que se detetou a cumulação de ilegalidades graves e atentórias da Justiça.
Ilegalidades patentes, documentadas e que, no momento próprio, serão suscitadas no processo criminal, mas que os presentes autos de procedimento disciplinar conhecem.
Terminando como se começou, em sede de alegações orais, clamou-se por uma decisão final nos presentes autos que homenageie a Justiça, no estrito respeito pela legalidade.
Respeito pela legalidade que impõe que a factualidade assente em prova cuja valoração não é consentida no plano disciplinar soçobre perante os comandos constitucionais e as disposições legais aplicáveis.
Respeito pela legalidade que faz naufragar toda a factualidade constante da acusação sustentada em prova cuja valoração não é permitida, o que determina a prolação de decisão que assim o reconheça e declare. (…)».
6. Em ... de ... de 2024, o Plenário do Conselho Superior da Magistratura deliberou: [INÍCIO DA TRANSCRIÇÃO PARCIAL DA DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA]
«(…) Com data de ...-...-2023, o Senhor Instrutor – «[c]onsiderando que o processo de inquérito que deu origem ao presente processo disciplinar constitui, conforme deliberação da Secção de Assuntos Gerais do Conselho Permanente do Conselho Superior da Magistratura, datada de .../.../2023, parte instrutória deste mesmo processo, que foi assegurado o direito de audiência (a tomada de declarações foi efetuada na fase de inquérito e agendada também no presente processo disciplinar, tendo o Arguido optado por não as prestar)» –, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 117.º do EMJ, deduziu a acusação contra o Senhor Juiz de Direito Dr. AA (…)
Realizadas as diligências instrutórias requeridas, o Senhor Instrutor elaborou o Relatório final a que se refere o art.º 120.º do EMJ, datado de ...-...-2023 (fls. 362-468), que aqui se dá como integralmente reproduzido, sem prejuízo da transcrição substancial adiante feita.
Depois de mencionar a norma legal ao abrigo da qual é elaborado o relatório e de identificar o arguido, o Senhor Instrutor (em «I – Introito») menciona a instauração de processo de inquérito, determinada pelo Ex.mo Senhor Vice-Presidente do CSM, o seu objeto inicial e a sua ampliação posterior, e o relatório nele elaborado – no qual propôs a instauração de procedimento disciplinar contra o Senhor Juiz de Direito Dr. AA, que o inquérito constituísse a parte instrutória daquele, por ter ocorrido a audição do visado, bem como a suspensão preventiva do exercício de funções para o arguido –, refere a deliberação que acolheu tais propostas e a sua notificação do arguido, a dedução da acusação, em 20-10-2023 – em que foi imputado ao arguido o «cometimento de oito infrações disciplinares muito graves» (que indica sumariamente) e se anunciou a punição de tais infrações «com 8 (oito) sanções de demissão» –, a sua notificação ao arguido, o que (em síntese) este aduziu na sua defesa e o que, a final, requereu, assim como a admissão da defesa e subsequente a audição de quatro testemunhas. (…)
III – Fundamentação de Facto
III - 1 – Factos provados
1 – O Senhor Juiz de Direito AA ingressou no CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS em .../.../1995 (14.º Curso);
Por deliberação de .../.../1997, data de posse de .../.../1997 e com data de efeitos a .../.../1997, foi nomeado Juiz de Direito em regime de estágio e colocado no Tribunal Judicial da Comarca de …, após o que foi nomeado Juiz de Direito e sucessivamente colocado como:
- Auxiliar no Tribunal Judicial da Comarca de ..., por decisão de .../.../1998, com data de posse de .../.../1998 e com data de efeitos a .../.../1998;
- Efetivo no Tribunal Judicial da Comarca de ..., por decisão de .../.../1998, com data de posse de .../.../1998 e com data de efeitos a .../.../1998;
- Efetivo no 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de ..., por decisão de .../.../1999;
- Efetivo no 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de ..., por decisão de .../.../2003, com data de posse de .../.../2003;
- Efetivo no Tribunal de Círculo da Comarca de ..., por decisão de .../.../2010, com data de posse de .../.../2010;
- Efetivo no Tribunal Judicial da Comarca de ... no Juízo de Competência Genérica de ... – Juiz ..., por decisão de .../.../2014, com data de posse de .../.../2014e com data de efeitos a .../.../2014 onde atualmente se encontra colocado.
2 - Tem as seguintes classificações de serviço:
Classificação | Data de Homologação | Tribunais | Período |
Bom | 27/01/2000 | Tribunal Judicial da Comarca de ... | De 18/09/1998 a 17/09/1999 |
Bom com distinção | 19/11/2002 | Tribunal Judicial da Comarca de ... | De 18/09/1999 a .../2001 |
Bom | 22/02/2011 | Tribunal Judicial da Comarca de ... Juízo Criminal da Comarca de ... | De .../2001 a .../2008 |
Suficiente | 12/07/... | 1.º Juízo Criminal da Comarca de .../Tribunal de Círculo da Comarca ... | De .../2009 a .../2014 |
3 - Do registo disciplinar do Senhor Juiz de Direito arguido “nada consta”;
4 - A partir de 2014 tem as seguintes ausências ao serviço:
Ano de 2014
- ...: 1 dia (art.º 10.º, n.º 1 do EMJ)
- 10/03: 1 dia (art.º 10.º, n.º 1 do EMJ)
- 10/04 e 11/04: 2 dias (art.º 10.º, n.º 1 do EMJ)
- ... a ...: 4 dias (Doença)
- ... a ...: 30 dias (Doença)
- ... a ...: 31 dias (Doença)
- ... a ...: 30 dias (Doença)
- ... a ...: 31 dias (Doença)
Ano de 2015
- ... a ...: 6 dias (Licença parental alargada)
- ... a ...: 30 dias (Licença parental alargada)
- ... a ...: 31 dias (Licença parental alargada)
- ... a ...: 26 dias (Licença parental alargada)
- ... a ...: 4 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 31 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
Ano de 2016
- ... a ...: 31 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a 29/02: 29 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 31 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 30 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 31 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 30 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 31 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 31 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 30 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 31 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 30 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 31 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
Ano de 2017
- ... a ...: 31 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 28 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 31 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 30 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 31 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 30 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 31 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 31 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 30 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 31 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 30 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 31 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
Ano de 2018
- ... a ...: 31 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 28 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 31 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 30 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 31 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 30 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 31 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 31 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 30 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 31 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 30 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a 31/12: 31 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
Ano de 2019
- 01/01 a ...: 31 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 28 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 31 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 30 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 31 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 30 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 31 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 31 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a ...: 30 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- ... a 31/10: 31 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
- 01/11 a ...: 27 dias (Assistência a Filho com Deficiência ou Doença Crónica)
Ano de 2020
- ... a ...: 3 dias (férias)
- ... a 31/08: 31 dias (férias)
- ...: 1 dia (art.º 10.º, n.º 1 do EMJ)
Ano de 2021
- ... a ...: 10 dias (férias)
- ... a ...: 13 dias (férias)
- ... a 26/09: 3 dias (Doença CGA – até ao 3.º dia)
- ... a ...: 3 dias (Doença ou internamento CGA – a partir do 4.º dia)
Ano de 2022
- ... a ...: 2 dias (Isolamento profilático)
- ... a ...: 11 dias (férias)
- ... a ...: 13 dias (férias)
Ano de 2023
19/06: 1 dia (Por motivos não imputáveis ao trabalhador)
...: 1 dia (Cumprimento de obrigações)
21/06: 1 dia (art.º 10.º, n.º 1 do EMJ)
5 - Pelo menos desde 2017, o Arguido desenvolveu outra atividade profissional relacionada com a intervenção em negócios de grandes dimensões, designadamente na sua intermediação, estabelecimento de parcerias, assessoria jurídica, sendo remunerado por essa sua atividade, nomeadamente através do recebimento de comissões;
6 – O Arguido tentou proceder à abertura de conta bancária à ordem, em nome do cidadão iraniano HH, a qual teria como objetivo a receção de USD 100.000.000.000,00, mediante conversão em euros, quantia sobre a qual existem fortes suspeitas de ser proveniente de financiamento de terrorismo ou de outras atividades ilícitas, dada a inexistência de justificação para a pretendida operação bancária;
7 – Assim, em ... de ... de 2018, o Arguido dirigiu-se às instalações do ..., sitas na ... II I, ..., onde manteve reunião com JJ, responsável pela Sucursal de ... – ..., do ..., a qual foi agendada através de KK. (cfr. Docs. de fls. 46, 65, imagens de fls. 9 a 12 do Apenso – A, do inquérito n.º 128/18.0... – será doravante a este processo que nos reportaremos quando não se fizer menção de origem);
8 - A reunião teve como propósito a apresentação pelo indicado Dr. AA de um negócio assente na transferência de fundos localizados no estrangeiro e, alegadamente, propriedade de HH, para o referido Banco, mediante quatro transferências de € 25.000.000,00/cada, num total de € 100.000.000,00 milhões de euros. (Docs. de fls. 46 a 58 do apenso F);
9 - Para efetuar o negócio, o Banco teria de constituir o Dr. AA como comissionista, pretendendo este receber comissões da Instituição Financeira por ser o intermediário da transação;
10 - No dia ... de ... de 2018, Dr. AA manteve reunião com a Direção de Negócio Imobiliário do ..., através da SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA CONDICIONAL – NIPC ..., representada por LL, na qual foi apresentada proposta pelo arguido para aquisição pelo valor máximo de € 1.500.000,00, de imóvel propriedade do Banco e localizado em ... - Documento de fls. 65 a 70 - e nos dias ... e ... de ... de 2018, o DR. AA, através do endereço ...@hotmail.com, remeteu ao funcionário do ... MM – ...@....pt comunicações com informação sobre a sociedade adquirente – Docs. de fls. 69 a 70 - concretamente a “..., LDA.”, criada em Dezembro de 2017, com o capital social de 10.000,00 euros, de que é sócio-gerente NN, titular do cartão de cidadão n.º .... (cfr. fls. 14 a 43 do Apenso – B do inquérito n.º 128/18.0...).
Foi o Arguido que conduziu as negociações, no âmbito da sua atividade empresarial;
11 – No dia ... de ... de 2018, o Dr. AA dirigiu-se também à Agência Central do Porto da CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, onde manteve reunião com a gerência, a quem representou a possibilidade de ser aberta uma conta à ordem e em nome de HH, o qual possuiria elevado património financeiro que pretendia transferir/converter em euros e posteriormente investir em países africanos, pretendendo ser retribuído pela angariação do negócio. (cfr. Doc. de fls. 5 a 7, imagens de fls. 7 a 8 do Apenso – A do inquérito n.º128/18.0...);
12 - Entre Janeiro de 2015 e Dezembro de 2020, verificaram-se entradas em numerário na conta bancária n.º ... – ..., titulada por Dr. AA, no valor global de 78.670,00 €, com periodicidade aleatória e sempre de montante inferior a 5.000,00 €. (cfr. Apenso – Investigação Patrimonial e Financeira);
13 - Pelo menos desde Março de 2019 que o Dr. AA e FF (FF) se dedicam à atividade de mediação e promoção imobiliária, em colaboração com GG e a sociedade ..., S.A., nomeadamente na cidade de ... e noutras cidades da área do Grande Porto;
14 - A ... S.A. (NIPC ...), tem, como objeto social, a atividade na indústria de construção civil, empreitadas de obras públicas, compra e venda de bens imóveis e promoção imobiliária, a qual constitui a sua atividade económica principal - CAE ... - Compra e venda de bens imobiliários - tem como funcionário e Administrador Único GG e é detida integralmente pela ... – NIPC ..., a qual tem por atividade principal o arrendamento de bens imobiliários, figurando igualmente nos corpos sociais o referido GG como administrador único;
15 - Pelo menos desde Março de 2019 que o Administrador da ... S.A., GG se associou materialmente ao Dr. AA e a FF, no sentido de, em comunhão de meios e esforços (estes últimos apenas enquanto sócios de facto) e junto de terceiros prosseguirem os interesses daquela sociedade, mediante a aquisição e venda de terrenos para instalação de superfícies de retalho alimentar da cadeia “...”, restaurantes “...”, bem como construção e edificação de projeto de habitação multifamiliar, denominado “...”;
16 - Assim, o Arguido presta serviços de assessoria jurídica e representação informal da ... S.A., FF desenvolve materialmente a gestão e planeamento da obra de edificação do projeto “...” e executa serviços e contactos com terceiros no estrito interesse daquela sociedade comercial, surgindo GG como ... e representante “formal” da sociedade;
- PROJETO IMOBILIÁRIO – ...
17 - Entre Março de 2019 e Fevereiro de 2020, o Dr. AA e FF negociaram, em nome e no interesse da ... S.A., com OO, a aquisição de um imóvel no concelho de ... com vista ao desenvolvimento de um projeto de promoção e construção imobiliária, destinada a habitação com o qual pretendiam obter cerca de um milhão de euros de lucro em relação ao capital investido. [Alvo ... – Sessão ...];
18 - Nessa conformidade, em ... de ... de 2020, PP, esposa de OO vendeu à ... S.A., pelo preço global de seiscentos mil euros, já recebidos à data da escritura, os seguintes imóveis:
- Prédio misto denominado ..., com a área total de oito mil metros quadrados, sendo a área coberta de quarenta e quatro vírgula cinquenta metros quadrados e a área descoberta de sete mil novecentos e cinquenta e cinco vírgula cinquenta metros quadrados, sito no Lugar da ..., freguesia de ... e ..., concelho de ..., descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o número dois mil setecentos e oito, da freguesia de ..., composto por:
- Prédio rústico com a área total de sete mil novecentos e cinquenta e cinco vírgula cinquenta metros quadrados, composto por bouça e pinhal, inscrito na matriz sob o artigo 657, com o valor patrimonial tributário de 36,58€, pelo preço de quinhentos mil euros;
- Prédio urbano destinado a habitação, composto por casa térrea e dependência, inscrito na matriz sob o artigo 3664, com o valor patrimonial tributário de 13.032,60€, pelo preço de cem mil euros.
19 - No ato da escritura os outorgantes QQ e GG declararam que a aquisição supra não foi objeto de intervenção de mediador imobiliário;
20 - Em ... de ... de 2021, durante o período da tarde, o Dr. AA e GG, em representação da ... S.A., mantiveram reunião técnica na DIREÇÃO MUNICIPAL DE GESTÃO DO TERRITÓRIO DO MUNICÍPIO DE ..., a qual integra os Departamentos de Planeamento e de Urbanismo, com vista à atribuição de “mancha” de capacidade construtiva em parcela adjacente àquela onde a ... S.A. procedeu ao licenciamento de projeto de construção de edifício multifamiliar denominado “...” [Alvo ... – Sessões 7849, 7882, Alvo ... – 6638];
21 - A emissão da “licença de caboucos” pela Câmara Municipal de ... para o início da obra de construção das “...”, denominada por Dr. AA por “a minha obra” demorou 3 meses, atrasando o cronograma do projeto;
22 - Em ... de ... de 2021, o Dr. AA e GG realçaram a atuação do arquiteto RR, sócio da ..., LDA. junto da Presidente da CÂMARA MUNICIPAL DE ... SS e do dirigente do Departamento de Urbanismo TT no que concerne aos interesses de cariz imobiliário da ... S.A., referentes à atribuição de “mancha de capacidade construtiva” no âmbito da revisão do PDM associada ao projeto das ..., bem como do enquadramento de processo de licenciamento de um estabelecimento ... na localidade de ... – .... [Alvo ... – Sessões 9924, 9955, 16581];
23 - A negociação de direitos urbanísticos mantida, nos termos supra, tinha por pressuposto a relação entre o interesse camarário na construção de uma via de ligação entre uma rotunda existente nas imediações do local de edificação do projeto das ... e o ..., com custo de 300.000,00 euros, e de outras cedências não quantificadas por parte da ... S.A., tendo por contrapartida a cedência pela CÂMARA MUNICIPAL DE ... de mancha de construção no montante de 3500 m2 de capacidade construtiva;
24 - De igual modo, a ... S.A. celebrou com o Presidente da CÂMARA MUNICIPAL DE ..., à data UU, “um protocolo” com vista à instalação de superfície comercial, pretensão negada pela Presidente SS, estando em negociação contrapartidas ao nível de atribuição de capacidade construtiva a um determinado lote propriedade daquela sociedade. Contudo, tal atribuição processar-se-ia através de alteração aos índices ou destino previstos em instrumento de gestão territorial para a zona onde se insere o lote, ocorrendo as negociações de forma informal com a Presidente e responsáveis da área, não podendo nada “ficar por escrito” [Alvo ... – Sessão 11953, Alvo ... – Sessão 1894, 7551];
25 - Em ... de ... de 2021, GG solicita ao arquiteto RR que envide esforços na CÂMARA MUNICIPAL DE ... com vista a obter a licença de construção das ... e em ... de ... de 2021, GG comunica ao Dr. AA o teor da reunião mantida com o arquiteto RR, referindo que, relativamente ao PDM, aquilo só se faz em sede de discussão pública, devendo o arquiteto entrar com o pedido, o qual “entra em nome da ..., entra com o processo para aquela situação, que depois fica na discussão, é enquadrada no PDM e depois em Julho vai para publicação” [Alvo ... – Sessão 4349];
26 - Em ... de ... de 2021, o Dr. AA e GG discutiram soluções jurídicas com vista a dar resposta a promitentes compradores – investidores do projeto “...”, em virtude de alegado incumprimento da ... S.A., bem como da venda de apartamento T3 e respetivas tabelas de preços [Alvo ... – Sessões 9965, 9978, 10157, 10214, 10216, 10217, Alvo ... – Sessão 4482];
27 - Em ... de ... de 2021, GG e FF discutiram a tabela de áreas das frações, procurando GG a anuência de FF e do Dr. AA [Alvo ... – Sessão 4545];
28 - Em ... de ... de 2021, o Dr. AA e GG deslocam-se ao escritório de VV, sito na Rua ..., ... – ... [cfr. auto de diligência externa de fls. 425] e no dia ... de ... de 2021, o Dr. AA e GG discutiram o teor do clausulado dos contratos promessa a celebrar com potenciais promitentes compradores, nomeadamente sobre faseamento do pagamento do preço e método construtivo da obra de edificação das ...;
29 - O valor económico do projeto imobiliário das “...” é de 5.158.006,00 € para o promotor e de 5.271.900,00 € após as vendas finais [Alvo ... – Sessão 12885];
30 - Em ... de ... de 2021, GG foi informado pelo arquiteto RR de reunião na CÂMARA DE ... na qual envidou esforços junto do Diretor do Departamento de Urbanismo TT para acelerar a emissão da licença de construção das “...”, referindo que a questão do terreno terá de ser dirimida em sede de discussão pública do Plano, informação que, de seguida, é transmitida ao Dr. AA [Alvo ... – Sessões 6591, 6595, 7601];
31 - Em ... de ... de 2021, GG e o arquiteto RR acordam que é necessário fazer pressão sobre TT e que será útil contactar a Presidente da Câmara com vista à pressão “vir de cima”. GG informou e obteve o acordo de FF e do Dr. AA sobre a necessidade de pressionar a Presidente da Câmara através de WW [Alvo ... – Sessões 8418, 8742];
32 - Em ... de ... de 2021, GG pediu a WW, o qual teria contacto direto com a Presidente SS, que envide esforços junto da mesma, com vista a acelerar a emissão da licença de construção do projeto das ... e de imediato, informou o Dr. AA de tal contacto [Alvo ... – Sessão 9639, Alvo ... – Sessão 11962];
33 - Entre Abril e Maio de 2021, o Dr. AA, FF e GG envidaram esforços diretamente e através de terceiros, nomeadamente WW e o arquiteto RR, para acelerarem o processo de emissão da licença de construção do projeto das ... bem como do deferimento do projeto de arquitetura referente à superfície comercial em ... [Alvo ... – Sessão12388, 14378, Alvo ... – 10530, 12282];
34 - Em ... de ... de 2021, RR informou GG que manteve um encontro com a Presidente SS, a qual “ficou com a anotação dos coisos” confirmando RR que “Ela” já tinha recebido a mensagem de WW [Alvo ... – Sessão 12852];
35 - Em ... de ... de 2021, WW manteve encontro com SS, a qual referiu que ainda não era possível despachar as licenças em virtude da existência de pareceres desfavoráveis [Alvo ... – Sessão 14042];
36 - Em ... de ... de 2021 perante a ausência da emissão de licenças pela CÂMARA MUNICIPAL DE ..., o Dr. AA declarou que vai falar com a Presidente, referindo: “se na quarta de manhã não tivermos na nossa mão eu vou pôr os pés ao caminho” […] [Alvo ... – Sessão 14008];
37 - Em Maio de 2021, o Dr. AA e FF abordam a necessidade de efetivarem o controlo da dinâmica do processo construtivo das “...”, nomeadamente exigindo uma “calendarização” à empresa “...”, referindo o Dr. AA que GG anda “de cabeça perdida” [Alvo ... – Sessão 14291];
38 - Em ... de ... de 2021, o Dr. AA mantém conversação com GG, referindo que é necessário marcar uma reunião de urgência com a Presidente da CÂMARA DE ..., SS, afirmando que vai à ... e se ela não estiver, fala com a secretária dizendo “olhe, esteve aqui AA, que é colega de faculdade dela, por causa da ...” […] [Alvo ... – Sessão 14582, Alvo ... – Sessão 16048];
39 - Em ... de ... de 2021, o Dr. AA reforça junto de GG da necessidade de reunir com a Presidente, referindo o “trunfo da mancha”, a eventualidade de ser celebrado um “contrato de urbanização” e que lhes havia sido dito que “a situação iria ser tratada em sede de PDM”, sendo essencial a referida reunião [Alvo ... – Sessão 15880];
40 - Em ... de ... de 2021, FF e GG abordam a atuação do arquiteto RR referindo FF:
“[FF]: É o que você tem que fazer melhor…eu já disse...olhe...eu já lhe disse a si também já disse isto ao AA… o RR é um técnico….e o técnico, é certo que vive com a assinatura da Presidente, mas o técnico vive com o parecer dos técnicos, e vive com a ajuda dos técnicos de acelerar o processo de fazer isto, fazer aquilo fazer aqueloutro, embora ele oh doutor, ele não precisa de ter muita coisa para o Presidente porque ele é um homem do partido, é um homem do PS, ó doutor, ele pega no telefone tem o que quer da Presidente, ó doutor vamos pôr as coisas como elas são.. o RR precisa é que as coisas, ó doutor olhe lembra-se quando eu lhe digo que mais vale conhecermos os gajos de baixo que os gajos de cima? O RR quer é os gajos de baixo, os gajos que estão na ......que esses é que mexem nos processos ó doutor…e de vez em quando aqui um favor daqui um favor dacolá, atraso daqui atraso dacolá não me fodas a cabeça, ok ó pá desculpa lá, eles vivem é com isto ó doutor o resto é conversa doutor...e o resto é treta….a Presidente ó doutor, ele pode precisar de uma assinatura pode precisar de ajuda…ó doutor mas se ele precisar de mais alguma coisa, mesmo que a Presidente torça o nariz ele é um homem do partido ó doutor esqueça…ele vai bater às portas certas, o irmão dele foi Presidente da ... doutor…
[GG]: Sim…
[FF]: Ó doutor...a família dele tá toda ligada ao...….a mulher dele tá ligada ao ......a mulher dele era a gaja da do, da Presidente da...da ... ou lá o que é…ela era a Diretora do…do ...…depois passou pra ......estamos a falar de pessoas do sistema doutor que não vale a pena...e pessoas que estão há 37 anos aqui na Câmara de ..., ou há 40 e tal anos eu já nem sei...pessoas há 40 anos…[…] [Alvo ... – Sessão 19677];
41 - Nesse mesmo dia GG falou com RR, reforçando a necessidade de emissão da licença de construção e questionando a evolução do assunto da “...” e do PDM. RR informa que o processo está para deferimento final, assinalando que a questão da mancha/PDM está coordenada com XX – Diretor da Direção Municipal ..., o qual “pediu-me mesmo isso, para nos coordenarmos para garantir essa coisa...” [Alvo ... – Sessão 19696, 27137, 28127];
42 - Em ... de ... de 2021, o Dr. AA informou YY da IMOBILIÁRIA ... sobre o estado da emissão da licença do projeto das ..., referindo que os atrasos se devem ao funcionamento dos serviços da CÂMARA DE ..., sendo que a Sr.ª Presidente “fez um pedido expresso para essa ... ZZ [a gestora do processo] desempoeirar a merda do processo”, declarando, na continuidade, que “eu sei que realmente há um pedido expresso da Presidente, oral, é verdade que é oral, mas também não pode ser de outra maneira, lá para a senhora desempoeirar aquela porcaria” […] [Alvo ... – Sessão 16413];
43 - Em ... de ... de 2021, FF enviou mensagem escrita ao Dr. AA na qual lhe transmite o conteúdo que lhe foi remetido por terceiro, presumivelmente, funcionário da Câmara Municipal de ... – “Está com a ... ZZ para informar. Ainda não abriu o E-doc...confirmado com a própria ...” [Alvo ... – Sessão 16968];
44 - No seguimento, GG mantém encontro com pessoa não identificada com a qual fala “sobre a licença de ...”, sendo que a interlocutora se terá obrigado a falar com “Ela” nesse dia ou na segunda-feira seguinte [........2021] [Alvo ... – Sessão 26979];
45 - Em ... de ... de 2021, o processo estaria em condições de deferimento final, sugerindo RR que GGdesse um “empurrãozinho” enviando email para a Presidente [Alvo ... – Sessão 27529];
46 - No dia ... de ... de 2021, da parte da manhã, o Dr. AA, FF, GG e um terceiro indivíduo, mantiveram reunião na CÂMARA MUNICIPAL DE ... [Alvo ... – Sessão 28576, 28579 e auto de diligência externa de fls. 1911];
47 - Em ... de ... de 2021, GG prestou esclarecimentos ao Dr. AA e FF sobre a evolução da emissão da licença de construção bem como a negociação referente à atribuição da mancha de capacidade construtiva, referindo GG que só dá continuidade em troca da mancha, nos termos do acordado. Contudo, essa atribuição “não vai ficar em acordo nenhum assinado, nem vai existir protocolo nenhum!” Assim, na licença vai ficar condicionada à construção do arruamento e em contrapartida, “o ..., agora na revisão do PDM vai deixar-me lá a tal dita mancha de construção” [Alvo ... – Sessão 29162, 29174];
48 - Em ... de ... de 2021, FF transmitiu ao Dr. AA que “tirou o dossier todo da ...” o qual lhe foi enviado por email, referindo que “continua tudo igual” e deve ser dada nota disso mesmo a GG [Alvo ... – Sessão 81703];
49 - Em ... de ... de 2021, FF transmitiu ao Dr. AA que o seu “colega da Câmara de ...”, o informou que, mediante consulta do programa informático de gestão o processo de licenciamento ainda estaria a ser movimentado [Alvo ... – Sessão 112154, Alvo ... – Sessões 2605, 2609, 2640, 2641, 2648];
50 - Em ... de ... de 2021 o Dr. AA e FF discutem os termos da “sociedade de facto” mantida com GG e a ... S.A. e as condições subjacentes ao negócio das “...” [Alvo ... – Sessão 2847];
51 - E em meados de Outubro de 2021, devido aos problemas no licenciamento e execução do projeto das ..., após uma reunião ocorrida no café ..., na cidade do ..., FF incompatibilizou-se com GG exigindo sair do “negócio” [Alvo ... – Sessão 129881, Alvo ... – Sessão 3420];
52 - No período decorrido entre Outubro de 2021 e ..., o processo de licenciamento das “...” não conhece desenvolvimentos formais, não obstante FF e o Dr. AA fazerem uso de um funcionário da Câmara Municipal de ... que lhes comunica, de forma recorrente, o estado/tramitação do processo de licenciamento e contrato de urbanização [Alvo ... – Sessões 3977, 4065, 4067, 4097];
53 - Em ... de ... de 2022, GG informou terceiro da existência de um protocolo com a CÂMARA DE ..., da interligação de tal instrumento com a construção de uma ligação estradal entre a rotunda existente e o ..., estando prevista a cedência de terrenos em troca da cedência de mais um polígono de construção junto à referida rotunda [Alvo ... – Sessão 43989];
54 - Em ... de ... de 2022, FF informou terceiro que a sua fonte de informação na CÂMARA MUNICIPAL DE ... o informou que “a mancha de baixo já está designada”, e corresponderá a cerca de 3800, 3900 metros quadrados de construção, o que, após pagamento da construção da via e do preço do lote resultaria um lucro de 1,6 milhões para GG e 1,6 milhões a dividir entre o Dr. AA e FF [Alvo ... – Sessão 7333];
55 - Em ... de ... de 2022, GG mantém conversação com o arquiteto RR, na qual este informa que pressionou o Diretor Municipal da ... XX com vista a obter o ofício rapidamente. Na sequência, RR informa que o período de discussão pública do plano de urbanização do ... sairá no prazo de 15 dias, e, concomitantemente, deverão reunir na ... para fixarem “os termos em que aquilo pode evoluir” pois será necessário fazer uma reclamação em sede de discussão pública e obter o necessário provimento. RR refere que “se isso for combinado previamente não tem qualquer questão” [Alvo ... – Sessão 47319];
56 - Em ... de ... de 2022, GG é informado por RR que o processo está fechado e será enviado nesse dia para a Presidente, bem como do facto de o período de discussão pública da revisão do plano de urbanização se ter iniciado dia 8, sendo que irá ser proposto o que foi combinado no sentido de exponenciar ao máximo o interesse da ... S.A. [Alvo ... – Sessão 48701];
57 - Em ... de ... de 2022, GG mantém conversação com RR o qual lhe comunica que os processos chegaram hoje à Presidente, está tudo a ser finalizado até sexta-feira. De igual modo, RR refere que o Diretor do Departamento do Urbanismo TT terá referido que é necessário rapidamente levantar o alvará das ... pois o prédio cresceu sem licença e aquele dirigente camarário tem medo [Alvo ... – Sessão 49323];
58 - Em ... de ... de 2022, FF é informado do ofício emitido pela CÂMARA MUNICIPAL DE ..., solicitando que o mesmo lhe seja remetido de forma a enviar o documento para o Dr. AA [Alvo ... – Sessão 8187];
59 - Em ... de ... de 2022, GG mantém conversação com RR, na qual discutem os contornos dos parâmetros urbanísticos [área de 2000 m2 acima do solo estando a ocupar o máximo do terreno] da proposta “combinada” com XX [Alvo ... – Sessões 51898 e 51901];
60 - E nesse mesmo dia FF mantém conversação com terceiros sobre a ação judicial que vai colocar contra GG, em comunhão de esforços com o Dr. AA, “o qual não pode interpor a ação agora pois irá ser testemunha” [Alvo ... – Sessões 8314, 8347, 8353];
61 - Em ... de ... de 2022, GG mantém conversação com o arquiteto RR, na qual referem o Plano de Pormenor do .... RR afirma que reclamaram dentro da consulta pública e está à espera de reunião com XX para concertar essa reclamação, a qual sugere a colocação no plano daquela mancha de construção com a obrigatoriedade da cedência [Alvo ... – Sessão 54638];
62 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA debate com FF a proposta de acordo com GG relativamente ao projeto das “...”, sendo que a atribuição da “mancha construtiva” pela CÂMARA MUNICIPAL DE ... não se cifrou em 3500 m2, mas sim em 2031 m2, sendo que com “corpos balançados serão 2500, 2600” [Alvo ... – Sessão 410689];
63 - O preço indicativo para o metro quadrado de construção em altura na cidade de ... cifra-se aproximadamente em 1.000,00 euros, pelo que a mais valia atribuída à ... S.A. se cifrará em cerca de 2.500.000,00 euros [dois milhões e quinhentos mil euros];
64 - Em ... de ... de 2022, FF informou terceiro que GG já enviou email na qual aparece a “nova mancha de implantação, tudo direitinho com a coisa da Presidente” [Alvo ... – Sessão 9708];
64 – Em ... de ... de 2022 FF informou terceiro que GG já enviou email na qual aparece a “nova mancha de implantação, tudo direitinho com a coisa da Presidente” [Alvo ... – Sessão 9708];
65 - Em ... de ... de 2022 o Dr. AA refere a FF que GG está a resolver os problemas do projeto das “...” [Alvo ... – 12 Jul. 2022 12-00-12 [entre minuto 2:44 e 4:20]];
66 - No decurso do mês de Julho de 2022, o Dr. AA tentou chegar a um acordo com GG relativamente ao diferendo das “...” [Alvo ... -27 Jul. 2022 ... [A partir do minuto 22:27]];
67 - Em ... de ... de 2022 o Dr. AA referiu a terceiro que a sociedade de AA está em tribunal, referindo que estão em causa 650.000,00 euros, afirmando que GG se aproveitou do facto de as coisas estarem em nome dele formalmente [... 2022 10:51:51 [a partir do minuto 11:35 até 13:52]];
68 - Pelo Aviso n.º .../2008 publicado no Diário da República,... série – N.º ...– ... de ... de 2008, a CÂMARA MUNICIPAL DE ... publicou o Regulamento do plano de urbanização para o complexo desportivo do Mar e sua envolvente;
69 - Pelo Aviso n.º .../2022 publicado no Diário da República, ... série – N.º ... – ... de ... de 2022, a CÂMARA MUNICIPAL DE ... publicou a abertura do período de discussão pública, da 1.ª alteração ao Plano de Urbanização do ... do ... e sua envolvente;
70 - O período de discussão pública da 1.ª alteração ao Plano de Urbanização do Complexo ... ... e sua envolvente decorreu entre ... e ... de ... de 2022, tendo sido recebidas 5 participações;
71 - A participação n.º 4, apresentada em nome de ... S.A., contribuinte nº ..., com sede na ..., contacto de email - ...@....pt, expôs e requereu:
“Para o referido terreno está prevista a construção de um conjunto de Infraestruturas que estão a ser executadas no âmbito do processo recentemente licenciado com o n.º do processo .../... LOEOT.
No âmbito do referido licenciamento foram cedidos ao Município um conjunto de terrenos para áreas verdes de acordo com a portaria ...B/2008 de .... Resultam ainda assim, como área remanescente e após a construção do arruamento aí previsto, duas áreas de terreno que se mantêm na posse da requerente, uma a norte (A e outra a sul do referido arruamento.
Tendo em conta o hipotético interesse do Município na área de terreno a norte para inclusão na área de parque urbano (PU) prevista na Planta de Zoneamento, vem a ora requerente propor que na parte de terreno que remanesce da operação urbanística anteriormente referida localizado a sul do novo arruamento seja considerada uma edificação com uma área de aproximadamente 2.000m2 de construção acima do solo que equivaleria à área que esta se propõe ceder (2041m2) anteriormente referida a norte do arruamento no âmbito desta proposta.
Esta área poderia ser cedida desde já, ficando como cedência antecipada na futura operação urbanística da edificação anteriormente referida.”;
72 - Em sede de resposta a ... informou:
“A participação n.º 4 e n.º 5, vêm levantar uma temática importante, mas não expressa neste Plano, face à data em que foi elaborado. Na realidade o Plano tem alguns “Espaços Verdes” a integrar o Domínio Público Municipal, sem saber como e quando vêm a público.
Assim, os requerentes, ao terem como intenção uma operação urbanística específica para um local onde todo o seu terreno está zonado como “...”, vêm-se impedidos do seu direito abstrato à edificação. Este direito abstrato encontra-se plasmado como parte de um sistema perequativo, publicado em sede do PDMM revisto em 2019.
Aplicando-se esse sistema supletivamente, uma vez que o Plano de Urbanização do ... e sua Envolvente o ouvisse quanto a esta matéria, significaria que a Câmara Municipal, através do Fundo Municipal de Sustentabilidade Ambiental e Urbanística (FMSAU), deveria compensar ou expropriar, em prazo razoável a determinar.
Uma vez que a maior parte da área do Plano já está edificada, poucas parcelas sobram para aplicar um sistema perequativo global, competente e equilibrado.
A soluções propostas são equilibradas e sustentam-se na própria lógica do PDMM, ao proporem uma cedência próxima da cedência de o,5 m2 por m2 de construção, previsto no “Encargo Padrão” do artigo n.º 95.º do Regulamento do PDMM.
Deste modo, estabeleceram-se duas UOPG (UOPG 2, UOPG 3) para além da existente (UOPG 1), de modo que internamente os proprietários possam, através da edificabilidade concedida, ceder as áreas previstas no Plano.
Nas UOPG, deve ser tomada em consideração o normativo do PDMM relativo à execução em “Áreas Urbanas Disponíveis a Consolidar” (AUDAC), artigo n.º 89.º do seu regulamento, que é deste modo introduzido no Plano, com as necessárias adaptações, pelo artigo n.º 38.º do Regulamento deste Plano, para garantia de coesão territorial e dos direitos dos particulares.
Denota-se, ainda relativamente ao desenho do edificado e das parcelas a procura de um equilíbrio entre as parcelas de terreno e as volumetrias previstas na Planta de Zonamento, de modo a poder permitir eventuais operações urbanísticas isoladas, além da justa distribuição da edificabilidade.
Assim, as soluções urbanísticas para a UOPG 2, UOPG 3 serão consideradas na Planta de Zonamento e no Regulamento do Plano.”;
73 - Pelo edital n.º .../2023 - 1.ª Alteração do Plano de Urbanização Para o ... e Sua Envolvente, SS, Presidente da CÂMARA MUNICIPAL DE ..., torna público que a 1.ª alteração do Plano de Urbanização para o ... e sua envolvente, foi publicada sob o aviso n.º .../2022, no Diário da República, ... série – n.º .../2022, de ..., nos termos do n.º 2 do art.º 192.º do decreto-lei n.º 80/2015 de 14 de maio, ganhando eficácia jurídica nos termos do n.º 1 do artigo 191.º do decreto-lei n.º 80/2015 de 14 de maio;
74 - Dos factos supra descritos e do teor da participação apresentada pela ... S.A., não se verifica a referência a qualquer “Protocolo” outorgado entre aquela empresa e a CÂMARA MUNICIPAL DE ... que se constituísse em instrumento apto a garantir direitos de cariz urbanístico, designadamente capacidade construtiva, existindo um conluio entre responsáveis da CÂMARA MUNICIPAL DE ..., mediante o qual são defendidos os interesses imobiliários da ... S.A. – GG – Dr. AA – FF, traduzidos no: i - deferimento de projeto e emissão de licenças com celeridade excecional em comparação com os demais particulares; ii - execução de obras sem a licença adequada e com conhecimento dos serviços camarários; iii - celebração de convenções/acordos informais/verbais referentes à atribuição de direitos de edificação em sede de alteração de instrumento de planeamento e gestão territorial com base em “protocolos” sem validade jurídica determinada; que serão beneficiados, em virtude de os mesmos serem representados pelo arquiteto RR, o qual terá um tratamento privilegiado pelo facto de ser o arquiteto do “sistema”;
75 - O custo para a ... S.A. da construção da via exigida e base da atribuição de “mancha de capacidade construtiva” teria um custo aproximado de 300.000,00 euros, sendo que o valor da referida capacidade construída a atribuir se cifrará em cerca de 2.500.000,00 euros;
... S.A. – ...
76 - A ... S.A. tem como atividade principal a compra e venda de bens imobiliários apresentando o CAE 68100;
77 - A ..., LDA. é uma sociedade por quotas que tem como objeto a gestão, exploração e administração de bens imóveis, próprios ou alheios, através de qualquer tipo contratual, afetos ao desenvolvimento de qualquer atividade comercial, industrial ou agrícola, incluindo os utilizados como estabelecimentos comerciais, nomeadamente supermercados; a compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim; a prestação de serviços de consultoria em todas as áreas relacionadas com a gestão, exploração e administração dos referidos bens imóveis; e a título acessório, o comércio por grosso e a retalho de géneros alimentares, não alimentares e produtos de consumo em geral;
78 - AAA, titular do CC ..., exerceu funções na ..., LDA. (doravante ...) no período compreendido entre Setembro de 2019 e Setembro de 2021, tendo no seu conteúdo funcional a gestão de Projetos (PROJECT ...) na área da expansão [cfr. auto de pesquisa em fontes abertas];
79 - Desde data não concretamente apurada o suspeito Dr. AA mantém relacionamento pessoal com BBB, o qual é amigo do supra referido CCC [Alvo ... – Sessões, 292756, 316304];
80 - Na prossecução dos interesses da ... S.A., e em comunhão de esforços com GG, o Dr. AA prometeu, através de BBB, o qual “fez a ponte”, a CCC vantagem patrimonial com vista a proporcionar à ... S.A. mais valias em relação à concorrência, nas relações comerciais mantidas com a ... no domínio da promoção imobiliária [Alvo ... – Sessão 316304];
81 - Assim, pelo menos desde ..., a ... S.A., procedeu à negociação simultânea de diversos terrenos, denominados “posições” com a ..., designadamente nas localidades de ..., ... – ..., ...e ...;
82 - No domínio dessas negociações CCC atuava em favor dos interesses da ... S.A., ora seguindo as instruções diretas de Dr. AA ora prestando informação privilegiada [Alvo ... – Sessões 8071, 8721, auto de diligência externa, gravação e transcrição de fls. 1958, 1966];
83 - Nesse contexto, no dia ... de ... de 2021, CCC, através de BBB, informou o Dr. AA que a aquisição da posição de ... já está autorizada pela .... Na sequência, Dr. AA pede “urgência” em relação a ..., referindo que “era bom para todos”! [Alvo ... – Sessão 9566];
84 - Em ... de ... de 2021, GG solicitou ao Dr. AA que obtivesse informação junto de CCC se a perspetiva de negócio referente a “...” é garantida, após a obtenção da aprovação do projeto de arquitetura na CÂMARA MUNICIPAL DE .... De imediato, o Dr. AA contactou BBB, no sentido de este colocar a questão a CCC, explicando-lhe que, no âmbito desse licenciamento, estão a tratar “diretamente com a presidente da câmara”, só que “há técnicos” que levantaram algumas questões de mobilidade, o que atrasou o processo [Alvo ... – Sessões 9911, 9914, 9955];
85 - Em ... de ... de 2021, o Dr. AA e GG avaliam uma possibilidade de aquisição de imóvel na zona do centro de ..., referindo o Dr. AA que contactará CCC e questionará o preço que a ... estará disposta a pagar [Alvo ... – Sessão 10157];
86 - Entre 22 e ... de ... de 2021, o Dr. AA transmitiu a GG que foi informado por CCC, por intermédio de BBB, que ... estará aprovado, ... já estaria a ser efetuada a minuta do contrato, passando inclusive a informação “confidencial” que o terreno promovido pela ... S.A. para a instalação do Entreposto da ... em ... seria o favorito [Alvo ... – Sessões 10298, 10402, 10404, Alvo ... – Sessões 5425, 5751];
87 - No decurso do mês de ..., o Dr. AA manteve diversos contactos com o intermediário BBB, no sentido de informar do avanço dos processos de licenciamento em ... e ... – ..., solicitando, de igual modo, os favores de CCC nas demais negociações em curso em ... e ... referindo, inclusive, conversas mantidas por “WHATSAPP” com CCC [Alvo ... – Sessões 10823, 11513, 11932];
88 - Em ... de ... de 2021, o Dr. AA e GG discutem a estratégia negocial relativa à posição de ... – ..., referindo o Dr. AA que a ... (empresa concorrente da ... S.A.) “não tem neste momento ninguém dentro da ... para trabalhar” [Alvo ... – Sessão 7136];
89 - Em ... de ... de 2021, o Dr. AA refere a GG que, no diálogo mantido com CCC relativamente à negociação de terrenos, assumiu “o compromisso do maior sigilo possível”, sendo todas as informações prestadas “em off” [Alvo ... – Sessões 11312, 12294];
90 - Em ... de ... de 2021, o Dr. AA informou GG que vai reunir com CCC questionando sobre quais posições pretende que sejam faladas com o funcionário da ..., sendo nomeadas as posições de ..., ..., ... e ... – .... Após a reunião, o Dr. AA transmite o resultado da mesma a GG. [Alvo ... – Sessões 8742, 8774];
91 - Em ... de ... de 2021, o Dr. AA pediu a BBB para pressionar CCC a definir se a posição de ... interessa, e em caso afirmativo, para o comunicar, de forma ao Dr. AA se encontrar com BBB para “combinar o resto” [Alvo ... – Sessão 11943]. O Dr. AA transmite a GG que CCC revelou interesse na posição de ..., aventando a possibilidade de reunião pessoal com CCC para este informar de um “valor” para a aquisição [Alvo ... – Sessões 11947, 11950];
92 - No dia ... de ... de 2021, CCC comunicou telefonicamente a GG que ligasse com o Diretor de Expansão da ... DDD por causa do projeto de ..., sem referir que essa chamada foi efetuada por indicação sua [Alvo ... – Sessão 17383];
93 - No dia seguinte, CCC informou GG que o projeto de ... já foi submetido na Câmara Municipal [Alvo ... – Sessão 17609];
94 - No dia ... de ... de 2021, o Dr. AA é informado por GG que o ofício de licenciamento será emitido pela CÂMARA MUNICIPAL DE ... nesse dia, prevendo-se a escritura com a ... para o dia seguinte [Alvo ... – Sessões 15413, 15414];
95 - E no dia ... de ... de 2021, a ... S.A., representada por GG, efetuou escritura de compra e venda da posição de ... devidamente licenciada à ..., representada por EEE e DDD [Alvo ... – Sessão 15538];
96 - Consequentemente, em ... de ... de 2021 AA refere a GG que “têm de falar por causa de CCC”, referindo que “temos de lhe dizer depois qualquer coisa e combinar como é que isto vai ser”, advertência a que GG responde com “está bem, está bem” [Alvo ... – Sessão 15638];
97 - E, de imediato, o Dr. AA mantém conversação com BBB na qual o informa da realização da escritura de ..., sendo que BBB refere que já falou com CCC e que “ele não quer estar” sendo o assunto tratado entre o Dr. AA e BBB. No seguimento, o Dr. AA afirma “a nossa palavra é só uma” e “que o cheque só entrou hoje e, portanto…” [Alvo ... – Sessão 15688];
98 - Em ... de ... de 2021, o Dr. AA mantém conversação com BBB na qual adia o encontro que iam manter para “resolver…ahh…aquela coisa”, afirmando o Dr. AA que “eu vou ter consigo, e a gente acerta aqui uma data para cumprir com o prometido”, reiterando que, em encontro a manter, acertam “em concreto, a data da …do cumprimento da nossa obrigação” [Alvo ... – Sessão 15997];
99 - Em ... de ... de 2021, o Dr. AA é informado por BBB que se encontrou com CCC nesse dia, referindo a AA que “quando quiser lhe ligar por causa do café…para tomar o café…quanto tiver lá com o seu amigo, esteja à vontade que ele já sabe” [Alvo ... – Sessões 16112, 16142, 16351];
100 - Em ... de ... de 2021, o Dr. AA efetua chamada telefónica com CCC, na qual o informa que está na companhia de GG, que já falou com “o nosso amigo FFF”, referindo que “ficou combinado um café para o fim do mês” e questiona CCC “se pretende estar nesse café?” ao que CCC refere que FFF falou consigo e por isso “não é necessário” [Alvo ... – Sessão 16572];
101 - Na sequência, BBB solicita a realização do pagamento em diversas ocasiões, concretamente:
- em ... de ... de 2021 - o Dr. AA é informado por BBB que CCC perguntou sobre o “café” referindo o Dr. AA que GG tem estado adoentado e ele [Dr. AA] não quer “propriamente estar a falar por telefone” [Alvo... – Sessão 16999];
- em ... de ... de 2021, o Dr. AA adverte GG que é necessário “falar da questão…que eu tenho de dar satisfações…temos de falar da questão do CCC e por aí fora”, “que é para as pessoas não pensarem que a gente desapareceu”, referindo GG “Sim, sim” [Alvo... – Sessão 17064];
102 - Ao final do dia, o Dr. AA afirma que pelo facto de não ter estado com GG, “aquilo que eu tenho para lhe dar em mão, ainda não há nada em mão, pela simples razão de que ele nem sequer teve hipótese de ir buscar…as coisas em mão, percebe?” [Alvo... – Sessão 17068];
103 - Em ... de ... de 2021, o Dr. AA é informado por BBB que CCC está incomodado. Na sequência, o Dr. AA refere que ia explicar direitinho, assim, “agora vai-se começar a fazer a extração, e como sabe, a extração não se faz de uma vez só e, portanto, é uma questão de fazer a extração, reunir o bolo e entregar”. Na sequência, o Dr. AA refere que ocorreram imprevistos que atrasaram e tinham compromissos mais urgentes a que não podiam fugir. Contudo, no início da semana seguinte, irão dar início ao processo. O Dr. AA refere que, naquele preciso momento, está a almoçar com GG, o qual está a ouvir a conversa [Alvo... – Sessões 17303, 17366, 20116];
104 - Em ... de ... de 2021, o Dr. AA e BBB encontraram-se no Posto de Abastecimento de Combustível GALP, sito na Estrada..., na zona dos ... [residência de BBB] [Alvo... – Sessão 20568, cfr. auto de diligência externa de fls. 1702];
105 - Em ... de ... de 2021, o Dr. AA questiona GG “Como é aquilo para o CCC e lá para o outro, como é que estamos com isso?”, referindo GG que está à espera da realização da escritura do ... em ... [Alvo... – Sessão 20974];
106 - Em ... de ... de 2021, o Dr. AA recebe mensagem escrita de BBB referindo que tinham combinado tomar café nesse dia [Alvo ... – Sessão 21172];
107 - Em ... de ... de 2021, o Dr. AA recebe mensagem escrita de BBB referindo “se consegue resolver hoje o assunto que falamos?” [Alvo 117069060 – Sessão 21417];
108 - Em ... de ... de 2021, CCC mantém conversação com GG na qual lhe solicita “que lhe faça chegar isso de ...” [Alvo ... – Sessão 25719];
109 - Em ... de ... de 2021, o Dr. AA recebe mensagem escrita de BBB referindo “conseguiu resolver o assunto que falamos?” [Alvo ... – Sessão 33633];
110 - Em ... de ... de 2021, BBB informa CCC que se encontrou com o Dr. AA, o qual transmitiu que a resolução está pendente do licenciamento em ... [Alvo ... – Sessão 300];
111 - Nos dias ... e ... de ... de 2021 BBB e CCC discutem a forma de abordar “a pessoa de ...”, por referência a GG, ficando acordado que CCC indicará BBB para falar diretamente com GG [Alvo ... – Sessões, 377, 589, 994, 1826];
112 - Em ... de ... de 2021, pelas 17:00 horas, o Dr. AA encontra-se com BBB no Posto de Abastecimento GALP sito na ... [cfr. auto de diligência externa de fls. 1881];
113 - Em ... de ... de 2021, o Dr. AA recebe mensagem escrita de BBB questionado se “há novidades?”, respondendo Dr. AA que lhe ligará, mas “pensa que sim” [Alvo ... – Sessões 68981, 68993, Alvo ... – Sessão 1872];
114 - Em ... de ... de 2021, CCC efetua comunicação telefónica com GG na qual lhe solicita o agendamento de um “cafezinho” para falarem, informando posteriormente BBB [Alvo ... – Sessões 29729, 29762, Alvo ... – 2477];
115 - Nesse mesmo dia, o Dr. AA efetua comunicação telefónica com GG na qual refere: “Lá o CCC e companhia pá…fogo, são uns chatinhos pá…tem alguma previsão disso?” Na sequência, GG informa o DR. AA que CCC irá deixar de ser funcionário da ..., ao que o Dr. AA replica: “Olhe, é uma grande poupança. Ó GG, é uma grande poupança, digo-lhe já, resolvemos este e o resto é tudo uma grande poupança.” O Dr. AA insta GG a dizer a CCC diretamente que “houve aqui um problema com o ..., como sabe, mal eu tenha a escritura feita, dou-lhe aquilo que está combinado, ponto final parágrafo” [Alvo ... – Sessão 29779];
116 - Em ... de ... de 2021, pelas 09:13, BBB mantém conversação com CCC na qual o aconselha a dizer que deixou “tudo pronto” referente a ... e ... [Alvo ... – Sessão 2504];
117 - Em ... de ... de 2021, pelas 9:30 GG e CCC encontram-se no ..., sito na Praça .... ..., ... [cfr. auto de diligência externa de fls. 1958]. No decurso do encontro CCC comunica a GG que vai abandonar a ..., informando-o, contudo, que “... já está”. Na sequência, refere-lhe que relativamente à relação de GGcom o Diretor de Expansão da ... DDD: “tudo o que precisar da minha parte, também o posso ajudar, se calhar não vá tanto por aí vá mais por ali porque ele tem uma personalidade delicada” [cfr. auto de diligência externa, gravação e transcrição de som ambiente de fls. 1958];
118 - Pelas 10:25 BBB envia mensagem escrita ao Dr. AA com o teor “Dr. AA quando puder ligue p.f.”;
119 - Em ... de ... de 2021, pelas 12:40, o Dr. AA e GGalmoçaram no restaurante ..., sito na Rua ..., ... [cfr. auto de diligência externa de fls. 1966]. No decurso do almoço, o Dr. AA efetua chamada telefónica com pessoa que nomeia por “FFF” na qual foi percetível ouvir as seguintes passagens:
120 - Dr. AA: minuto 2:45 – Não, isso não, desculpe, mas não é verdade [silêncio]. Não, desculpe, mas não é verdade. O doutor GG… pronto, mas eu vou dizer, eu vou dizer, até porque o doutor GG já ia preparado para esse assunto, ele até pensava que era apenas sobre isso, ele até [impercetível] com a questão bem sabida e, portanto, ele explicou-lhe direitinho, ele pensa que o CCC percebeu perfeitamente, que ele precisa de fechar o dossier da ... para ge…, para gerar dividendos. E ele sabe perfeitamente que o dossier de ... em princípio, será fechado ou hoje ou amanhã e que a escritura será feita três dias, quatro dias depois, o CCC sabe disso perfeitamente. Por isso é que ele diz: com esse dinheiro [impercetível] mas é com a ... que sim senhora, que estes compromissos, que ele reiterou, que estes compromissos serão prioritários como é evidente;
121 - Dr. AA: minuto 4:17 – Desculpe, agora fez-me uma pergunta, mas não eu não percebi [silêncio] sim, [silêncio] sim;
122 - Dr. AA termina a chamada telefónica e inicia conversação com GG;
123 - Dr. AA: minuto 5:40 – Ele queria deixar em aberto os dossiers, os outros dossiers, ... e eu: não, fechei logo. Não, não há nada. O único que estava […], assinado, digamos, no consulado do CCC é ... e ele estava a dizer qualquer coisa [impercetível] estar em aberto significa [impercetível] Está em aberto. Então e agora? Não está nada fechado. A única coisa que foi fechada no consulado dele, do CCC foi ... e [inaudível] mais nada;
124 - Dr. AA: minuto 7:01 – Mas não é só isso, aquilo é, ele deu-nos informações privilegiadas relativamente à concorrência, sobre preços, etc, influenciar [inaudível] [cfr. auto de diligência externa, gravação e transcrição de som ambiente de fls. 1966];
125 - Durante os meses de ..., BBB questiona, em diversas ocasiões, CCC sobre se já falou com GG e se o licenciamento do projeto do ... em ... já “saiu” [Alvo ... – Sessões 1458, 1821, 2051, 2590, 3034];
126 - De facto, em ... de ... de 2021, CCC efetua comunicação telefónica com GG na qual o questiona como está o processo de ... e concluindo afirmando “alguma coisa que precise da minha parte, dê-me um toque”. [Alvo ... – Sessão 31768];
127 - Em ..., GG informou CCC que os problemas no licenciamento do ... de ... estarão em fase final de resolução, circunstância que CCC comunica a BBB [Alvo ... – Sessões 5041, 5202, 6414, 6462, Alvo ... – Sessão 8672];
128 - De facto, em ... de ... de 2021, o Dr. AA questiona novidades sobre ... pois está a ser pressionado por CCC através do intermediário BBB [Alvo ... – Sessão 36628];
129 - Em ... de ... de 2021, CCC informa GG que ... já tem “luz verde” [Alvo ... – Sessão 38191];
130 - Em ... de ... de 2021, BBB informa CCC que a escritura do ... de ... vai ser celebrada com a ... S.A. em ... [Alvo ... – Sessão 7618];
131 - Em ... de ... de 2021, o Dr. AA e BBB abordam a falta de comunicação com GG referindo o Dr. AA que relativamente à escritura de ... sairá dinheiro para pagar a CCC e BBB bem como o próprio também tem dinheiro a receber [Alvo ... – Sessão 217656];
132 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA mantém conversação com BBB na qual o questiona sobre quando é que “GG ficou de entregar o dinheiro ao CCC”, que seriam “50 + 10” [Alvo ... – Sessão 292756];
133 - Em ... de ... de 2022, pelas 16:20, CCC encontrou-se com GG no café ..., sito na ... ..., na localidade do ..., ocasião em que pediu autorização para dar o número de GG a “BBB, o amigo do Dr. AA” [cfr. auto de diligência externa, gravação e transcrição de som ambiente de fls. 3005 e 3008];
134 - Nesse mesmo dia, pelas 17:53, o Dr. AA é informado por BBB que GG não assumiu as obrigações de pagamento a CCC, disponibilizando-se o Dr. AA para confrontar GG, afirmando que “os compromissos são para se cumprir”. Na sequência, BBB marca um encontro com GG referindo que é o amigo de CCC e foi apresentado através de AA [Alvo ... - Sessão 316304, Alvo ... – Sessão 50833];
135 - Em ... de ... de 2022, BBB encontrou-se com GG no café ..., sito na Praça Dr. ..., na localidade do ..., declinando o ... da ... S.A. ter acordado pagar qualquer comissão a CCC referindo que “o Dr. AA nunca me falou em 50.” [cfr. auto de diligência externa de fls. 3043];
136 - Na sequência, GG mantém conversação com a companheira GGG, na qual lhe refere o teor da reunião com BBB, afirmando que o Dr. AA prometeu a CCC e BBB o valor de 60.000,00 euros por cada negócio que fosse efetuado com a ... no âmbito do exercício de influência de CCC para permitir a aprovação das operações [Alvo ... – Sessão 51321 / Alvo ... – Sessões 15519, 15575];
137 - Em ... de ... de 2022, pelas 15:14, CCC encontrou-se com GG no café ..., sito na Praça Dr. ..., na localidade do ..., na qual CCC refere que conheceu o Dr. AA através de BBB, referindo GG que “jamais entregaria dinheiro a terceira pessoa sabendo que era para C.” [cfr. auto de diligência externa de fls. 3063];
138 – O Dr. AA e GG, na qualidade de representantes e no interesse da ... S.A., ofereceram, em data não concretamente apurada, a quantia de 50.000 euros a CCC e 10.000 euros a BBB para que aquele, no âmbito das suas funções de gestor de projeto no Departamento de Expansão da ..., prestasse informações confidenciais relativas a estratégias negociais, preços de aquisição de “posições” bem como pela capacidade de influenciar os demais funcionários e superiores hierárquicos no sentido de privilegiar os interesses económicos da ... S.A. em detrimento dos demais operadores económicos, provocando dessa forma uma restrição ilícita à concorrência com o inerente prejuízo para a ..., bem como para os demais concorrentes. Tais factos traduziram-se numa efetiva vantagem para a ... S.A. e para o Dr. AA no processo de compra e venda de imóvel, sito na cidade de ... para a instalação de um estabelecimento da ...;
BRANQUEAMENTO
139 - O Dr. AA dispõe de uma vasta rede de contactos para efeitos da introdução no sistema bancário de elevadas somas de fundos em criptomoeda de proveniência ilícita, por inexistência de suporte válido para a sua circulação e introdução no mercado, tendo, para o efeito, montado diversas “estruturas” em vista da concretização dessas operações.
FUNDOS OBTIDOS ILICITAMENTE PELO GRUPO DO...
140 – O Dr. AA engendrou soluções com vista a possibilitar a transferência de fundos obtidos “Grupo do ...”, de forma a “bancarizar” os mesmos e possibilitar dessa forma a sua integração na esfera dos membros do grupo, em que são intervenientes:
- HHH[HHH]
- III [III]
- JJJ[JJJ]
- KKK[KKK]
141 - Em circunstâncias não concretamente apuradas FF questionou os seus conhecidos HHH e III sobre a possibilidade e viabilidade de fazer circular um grande montante de fundos em criptoativos provenientes de práticas criminosas e possibilitar a sua integração na esfera dos beneficiários das mesmas;
142 - Assim, em ... de ... de 2021, o Dr. AA e FF, cerca das 15:00, encontraram-se com um individuo denominado “III”, o qual viria a ser identificado cabalmente como “III” [cfr. auto de diligência externa de fls. 505];
143 - Em ... de ... de 2021, pelas 20:34, o Dr. AA refere ao amigo advogado VV que tem um assunto “à parte” que necessita do “KNOW HOW” daquele e passará pelos seus contactos “lá fora”. [Alvo ... – Sessão 14382] e pelas 22:28, o Dr. AA questiona a amiga advogada LLL sobre as hipóteses de “bancarizar” e introduzir no sistema bancário português uma grande quantidade de fundos em numerário que estariam localizados em ..., afirmando o Dr. AA que o grande problema é “conseguir bancarizar lá [em ...] o dinheiro e fazer a transferência em simultâneo”, pois “em relação a transferir o dinheiro para cá [...] e depois justificar o dinheiro cá, isso, eu [Dr. AA] já tenho tudo montado” [Alvo ... – Sessão 14386];
144 - Em ... de ... de 2021, pelas 22:02, o Dr. AA refere a VV que se enganaram nas contas sendo percetível que se estão a referir a um número com grandeza relevante, afirmando o Dr. AA da necessidade de questionar terceiro individuo sobre o número de “CONTAINERS” [contentores] e usando a expressão “através de meio seguro” [Alvo ... – Sessão 14620];
145 - Em ... de ... de 2021, pelas 19:08, o Dr. AA refere a VV que a modalidade escolhida deverá ser a “transferência” em detrimento de “...” de forma a VV manter a sua “comissão” [Alvo ... – Sessão 15794] e em ... de ... de 2021, ambos se encontraram, durante a tarde, no ... sito na Rua ... – ..., o qual é comumente referido por “bomba” [Alvo ... – Sessões 20556, 20561. Cfr. auto de diligência externa de fls. 1702;
146 - Em ... de ... de 2021, pelas 23:27, o Dr. AA efetua chamada telefónica para individuo que identifica por JJJ, passando, de imediato, o equipamento telefónico para alguém que denomina por “GG”. Os interlocutores JJJ [posteriormente cabalmente identificado como JJJ] e GG [posteriormente cabalmente identificado como KKK] discutem questões de índole tecnológica referentes à circulação de “...” (carteira digital que armazena somas em dinheiro ou cartões de crédito e débito operando transações em meio digital) na rede “...” (rede que anonimiza o tráfego na internet, oculta o endereço IP e a atividade de navegação redirecionando o tráfego da WEB por uma série de ROUTERS; anonimiza o tráfego da web com uma técnica de criptografia especial além de um navegador da web, o ... também fornece serviços ... por meio de sua rede ... para permitir o anonimato de sites e servidores.
Um endereço WEB [ponto]..., acessível exclusivamente através do navegador ..., protege a identidade do site e dos visitantes.) mediante carregamento através do sistema “...”, utilizando uma metodologia “para não haver ...”, (processo fundamental que define e permite as relações entre empresas e utilizadores. Este procedimento ... é o primeiro passo para que uma pessoa se torne cliente ou utilizador registado de uma organização ou empresa com ... combatendo as políticas ... a fraude de identidade e demais fraudes associadas ao comércio digital – online) tendo tudo sido feito de forma “anónima”, utilizando “número descartável, email e dados e as ... de igual forma”, referindo-se à “transferência de fundos” que irão ser direcionados para uma “Corretora”, a qual “tem um instrumento financeiro e depois é lá dentro que vai ser feita a jigajoga” [Alvo ... – Sessão 20697];
147 - Em ... de ... de 2021, pelas 11:15, o Dr. AA informa JJJ que será melhor ocorrer uma reunião presencial com KKK para verificar os pormenores técnicos, instruindo JJJ “a não tentar mais, para não despoletar qualquer tipo de…qualquer tipo de alerta” [Alvo ... – Sessão 20708];
148 - Em ... de ... de 2021, pelas 15:22, o Dr. AA mantém conversação com MMM na qual refere a necessidade de reunirem com KKK em momento anterior ao encontro com JJJ, afirmando o Dr. AA que “é uma questão de cautela, do princípio da cautela” [Alvo ... – Sessão 20941];
149 - Pelas 15:30, o Dr. AA é informado por FF “que estão aqui os gajos a perguntar-me a hora para amanhã” [Alvo ... – Sessão 20951];
150 - Em ... de ... de 2021, pelas 10:57, JJJ insta o Dr. AA a viabilizar a transferência de “um milhão” em “... ou ...” (criptomoeda de código aberto), porque tem “lá os gajos do outro lado com seiscentos e quarenta mil em dinheiro à espera do meu ok, e eu dei-lhes o meu ok ontem, depois da gente ter falado” [Alvo ... – Sessões 21298, 21316, 21318];
151 - Em ... de ... de 2021, pelas 16:52, o Dr. AA discute com MMM o valor atribuído às despesas da operação, referindo que duzentos e cinquenta mil euros é um valor muito elevado e “nunca foi falado” [Alvo ... – Sessão 24280];
152 - Em ... de ... de 2021, pelas 23:16, JJJ envia mensagem a terceiro referindo que é o “JJJ da parte do NNN” [Alvo ... – Sessão 118];
153 - No decurso da interceção mantida ao suspeito é percetível que o mesmo, sem causa profissional aparente, lida com quantias pecuniárias elevadas “55500 mais FEE”, e em numerário “preciso de notas de 50 de preferência” [Alvo ... – Sessões 1324, 1325];
154 - Mediante pesquisas efetuadas nas bases de dados disponíveis da PJ foi possível apurar que JJJ não possui qualquer referência no sistema. Contudo, OOO, conhecido pela alcunha de “NNN” se encontra associado a duas sociedades [...LDA. - NIPC .../..., LDA. - NIPC ...] associadas, genericamente, à transação de criptomoedas e serviços financeiros associados, tendo o referido “NNN” sido detido em ........2019 e sujeito a termo de identidade e residência no âmbito do inquérito registado com o NUIPC 3277/18.1... por factos conexionados com Branqueamento de Capitais. De igual forma consta dos inquéritos 604/20...., 670/20.3..., 1528/19.4..., 100/17.8... e 254/16.0... conexionados igualmente com Branqueamento de Capitais e Burla Informática e nas Telecomunicações. Ademais, surge como interveniente/suspeito em cerca de duas dezenas de inquéritos em que se investigam factos de natureza similar;
155 - Por sua vez, a ...LDA. surge como interveniente/suspeita em 25 inquéritos associados a uma vasta panóplia de ilícitos típicos, designadamente acesso ilegítimo por meio informático, burla por meio informático, sabotagem por meio informático, extorsão, branqueamento de capitais;
156 - Em ... de ... de 2021, entre as 19:30 e as 20:00, o Dr. AA e FF encontram-se “na bomba” com HHH (HHH, na qual abordam temática associada “a deixar cair o cartão” e que “aquilo que ele queria fazer de outra maneira é possível” e o Dr. AA refere “movimentos, que ninguém vá bater a…” e “eu pago os 30.000 euros, se alguém roubou alguém, é o que eles dizem, não queremos guerras, nós, estou-lhe a dizer” [Alvo ... – Sessões 124, 126, 135, 137, 138, 141];
157 - Em ... de ... de 2021 pelas 14:00, o Dr. AA informa FF que é preciso dizer a HHH para ter calma pois há muita informação para analisar. De igual modo, insta FF a dizer a JJJ para “devolver a PEN” bem como questionar HHH “se caso for necessário chegar rapidamente ao JJJ, se há algum problema?” [Alvo ... – Sessão 180];
158 - A partir da primeira quinzena de Agosto de 2021, não foi possível apurar o desenvolvimento concreto das relações entre os suspeitos supra, por ter havido desacordo quanto aos valores a cobrar na operação de branqueamento supra indiciada.) [Alvo ... – Sessão 607];
159 - Não obstante, em 26 de Março de 2022, o Dr. AA refere que a PPP que “JJJ, o primeiro que apareceu”, era engenheiro informático e foi por isso que “a gente na altura, meteu as coisas a andar, tendo o mesmo levado BTC’s”, contudo “ser engenheiro informático não chega” [Interceção ambiental viatura - ...2... 12];
Dr. AA - Grupo ... – GG
160 – O Dr. AA desenvolveu esforços junto de terceiros com vista a encontrar soluções de “colocação” (Colocação - colocação dos bens a branquear dentro do sistema económico-financeiro, com o objetivo de o converter para outro meio, preferencialmente anónimo, de forma a evitar “rasto documental” e dificultar o estabelecimento de ligação com a sua origem (crime precedente) através das seguintes atividades: Bancos – colocação no circuito financeiro de depósitos ou aplicações; Casas de câmbio; sector imobiliário; sociedade e empresas em falência; comércio de bens de elevado valor unitário; jogos de fortuna e azar/casino/jogo online, entre outras) e “circulação” (múltiplas operações, por exemplo, transferências de fundos, por vezes em mais do que um país, bem como usando zonas com regimes especiais (OFF-SHORE) território que detenha sistemas de proteção especiais de forma a distanciar a sua origem criminosa, eliminado qualquer vestígio sobre a sua proveniência e propriedade) de outros fundos de natureza presumivelmente ilícita na posse do “Grupo ...”;
161 - Em ... de ... de 2021, o Dr. AA mantém encontros pessoais com MMM e GG [Alvo ... – Sessões 35956, 36052]. O Dr. AA refere a GG que o Banco existe em ..., pelo que “não será necessário ir ao estrangeiro”, sendo que “se for em Lisboa, alguém vai lá consigo para lhe abrir as portas” [Alvo ... – Sessão 36229, 39606];
162 - Em ... de ... de 2021, cerca das 15:30, o Dr. AA e GG encontram-se “na bomba”, e, no decurso do mesmo, GG mantém comunicação com o gestor de conta na Caixa Geral de Depósitos, ao qual questiona se “os TPA admitem para descarga de um contrato promessa compra e venda, com pagamento com cartão, seis números”, referindo a necessidade de pagamento por um individuo estrangeiro de 30 milhões de euros a título de sinal referente a contrato promessa a celebrar pela ... S.A. [Alvo ... – Sessões 27947, 27960, 27961, 27986, cfr. auto de diligência externa de fls. 1864];
163 - Em ... de ... de 2021, cerca das 11:00, o Dr. AA e GG encontram-se no café ...e nos dias seguintes tratam de ultimar a criação de página com domínio na internet associada a investimentos, efetuando o Dr. AA diversos contactos nesse sentido e deslocação ao ginásio [Alvo ... – Sessões 28047, 28243, 28372, 28374, 28377, Alvo ... – Sessão 1576];
164 - Em ... de ... de 2021, durante a tarde, o Dr. AA, MMM e presumivelmente QQQ encontram-se no “ginásio” [Alvo ...];
165 - Em ... de ... de 2021, o Dr. AA e GG ultimam procedimentos para a criação da página ....pt a qual posteriormente será acedida por um terceiro que “poderá fazer o que bem lhe apetecer” [Alvo ... – Sessões 28403, 28451, 28493, 28495, 28506];
166 - Em ... de ... de 2021, pelas 22:04, o Dr. AA dá instruções a GG para carregar os “TEMPLATES”, utilizado para fazer com que o site tenha uma matriz gráfica específica, sendo que será KKK a colocar a página online, ocorrendo, contudo, problemas técnicos [Alvo ... – Sessões 28640, 28729, 28760];
167 - Entre 19 e ... de ... de 2021, o Dr. AA, GG, MMM e pelo menos KKK mantêm encontros pessoais e ultimam a construção de uma página – site de investimentos financeiros associados ao imobiliário [Alvo ... – Sessões 58852, 65043, Alvo ... – Sessões 28824, 28872, 28949, 28961, 28983, 29042, 29096, 29100, 29387];
168 - Em ... de ... de 2021, GG encontrou-se com o Dr. AA nas imediações do ginásio “...”;
169 - A página/sítio em criação “...”, pretendia permitir a realização de operações de investimento imobiliário bem como a efetivação de “reembolsos antecipados” associados a contratos de mútuo que seriam submetidos digitalmente [Alvo ... – Sessão 29158];
170 - Em ... de ... de 2021, o Dr. AA e MMM combinam ir buscar um objeto “lá acima”, por referência às instalações do ginásio “...”. [Alvo ... - Sessões 69950, 70047, 70049, 70050 [Alvo ... – Sessões 3410, 3459];
171 - Nesse dia, pelas 16:23, o Dr. AA refere a GG que “já vai ter aquilo pronto” e marcam um encontro no dia seguinte para efetuarem “a revisão final” [Alvo ... – Sessões 29746, 29853];
172 - Em ... de ... de 2021, durante a manhã, o Dr. AA mantém encontro com MMM e QQQ no ginásio. Posteriormente, almoça com GG no restaurante Marujo, sendo que, pelas 19:36, em conversação telefónica, o Dr. AA e MMM dialogam sobre informação em formato digital que foi prestada a GG, referindo o Dr. AA que “as pessoas têm de se convencer que isto é um negócio absolutamente normal, em que, como se tu fosses ao Banco ou uma empresa…as pessoas se vêm aqui muitos zig-zag começam a dar passos atrás” [Alvo ... – Sessão 70609, 70865, 70870, 70958, 70963, 71008/ Alvo ... – Sessões 3495, 3571, 3582 / cfr. auto de diligência externa, gravação e transcrição de som ambiente de fls. 1966];
173 - Pelas 19:41, o Dr. AA mantém conversação com GG na qual lhe dá instruções de como utilizar o “QR CODE” que lhe enviaram, o qual se encontra associado a uma conta de email que permitirá descarregar a página [Alvo ... – Sessões 29873, 29886, 29892, 29897];
174 - Pelas 22:22, o Dr. AA refere a MMM que “Eles” têm de tomar um rumo, referindo “andam com 50 mil negócios, mas este é o mais certo”, alvitrando que “Eles” estão a deixar isto para trás talvez por influência do “...”, referindo o Dr. AA que não quer dizer nomes [Alvo ... – Sessão 3595, 3598];
175 - Em ... de ... de 2021 cerca das 18:10, o Dr. AA promove um encontro entre MMM, KKK e GG no escritório da advogada LLL, sito na Avenida ..., .... O encontro destina-se a colocar operacional a página de investimentos ... [Alvo ... – Sessões 71146, 71178, 71414, 71418, 71426, 71819 / Alvo ... – 303003/Alvo ... – Sessão 3650, 3691/cfr. auto de diligência externa de fls. 1972];
176 - No referido encontro foram realizados procedimentos de cariz digital/informático para as quais eram necessários os computadores de KKK e GG [Alvo ... – Sessões 71146, 71414, 72553, 76919, 81672];
177 - Na primeira quinzena de Setembro de 2021, o Dr. AA vai gerindo os procedimentos tendentes à colocação online da página – site em construção [Alvo ... – Sessões 30239, 30745, 30771, 30804, 30900, 30909, 30914];
178 - Em ... de ... de 2021, ao final da tarde, o Dr. AA, GG e MMM encontram-se no restaurante “...” sito na ..., estabelecimento comercial da família de MMM [Alvo ... – Sessão 4679];
179 - Em ..., durante a manhã, o Dr. AA encontra-se com MMM na “bomba”, deslocando-se nessa tarde ao “ginásio”, ocorrendo novo encontro no dia seguinte [Alvo ... – Sessões 5164, 5194, 5286, 5377];
180 - Em ... de ... de 2021, pelas 15:05, o Dr. AA indaga junto de VV se tem uma sociedade imobiliária “que tenha histórico para suportar um contrato promessa simulado” [Alvo ... – Sessão 101237];
181 - Posteriormente, não foi percetível à investigação criminal sobre o destino/desenvolvimento dado pelos suspeitos à dinâmica fática supra descrita, que se encontra ainda em investigação.
Dr. AA / Grupo do Ginásio / BBB
182 - De igual modo, em momento cronológico subsequente, Dr. AA, utilizando a sua rede de conhecimentos para perscrutar e sugerir a BBB um estratagema apto a permitir a circulação e integração dos fundos [criptoativos] ilícitos pertencentes ao “Grupo do ginásio”, no qual intervém RRR;
183 - No início do ano de ... o Dr. AA foi apresentado por BBB a RRR em data não concretamente apurada;
184 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA é informado por BBB que recebeu uma mensagem importante de RRR. Na sequência, o Dr. AA e BBB encontram-se no dia seguinte nas imediações da residência do Dr. AA para “falarem pessoalmente” [Alvo ... – Sessões 293672, 294481, 294495, Alvo ... – Sessão 15519];
185 - Em ... de ... de 2022, pelas 15:40, o Dr. AA mantém encontro com BBB na esplanada interior do restaurante / café “...” sito na ..., mantendo, pelas 16:05, conversação com RRR, que se apresentou naquele local, conversando os três, apeados, na via pública. [Alvo ... – Sessões 295160, 297480, 297549, 297579, 298377/Alvo ... – Sessão 19631/cfr. Auto de diligência externa de fls. 2972];
186 - Em ... de ... de 2022, pelas 18:12, o Dr. AA mantém conversação com BBB na qual o informa que falou através da aplicação TELEGRAM com terceiros para analisar “a proposta”. No seguimento refere que “as outras pessoas não deixam pontas soltas”, sendo que BBB refere que “já tem a equipa toda montada”. O Dr. AA afirma estar farto do impasse e que “caso não queiram que digam que é muito caro e a proposta não vinga” [Alvo ... – Sessão 303480];
187 - Em ... de ... de 2022, cerca das 15:00, o Dr. AA, BBB e RRR encontram-se na esplanada do Café ..., sito na ..., na qual abordam questões técnicas associadas ao mecanismo de branqueamento de capitais, designadamente o processo de transmissão dos fundos em moeda virtual de forma anónima referindo igualmente os termos “DARKWEB”, “WALLET”, “corretora”, “Banco”, “está lá o dinheiro”, “Plataforma”, “clonar”, “servidores públicos” “forma anónima”, “transação” [cfr. Auto de diligência externa, gravação e transcrição de som ambiente de fls. 3097];
188 - Em ... de ... de 2022, cerca das 16:10 o Dr. AA, BBB e RRR encontram-se na esplanada do Café ..., sito na .... [cfr. Auto de diligência externa de fls. 3104];
189 - Em ... de ... de 2022 o Dr. AA mantém conversação com BBB informando este que “é para avançar”! afirmando o Dr. AA que quer ver “se eles não são gulosos” pois “deu-lhes a solução, afirmando que eles apenas têm “custos de bancarização” afirmando que “não conhece nenhum banco, quando abre portas ao dinheiro, que tenha custos”, afirmando que, com o plano apresentado, só tem de obter a anuência do “sócio”. [Interceção ambiental viatura -17 Apr. 2022 17-31-50];
190 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA e BBB marcam encontro na bomba afirmando o Dr. AA que mal tenha novidades liga [Interceção ambiental viatura - 13 May 2022 15-14-44, 15-42-36, 16-36-42];
191 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA insta BBB a combinar encontro a três rapidamente com RRR de forma a “queimarem etapas” [Interceção ambiental viatura -18 May 2022 15-00-10];
192 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA mantém encontro com BBB na zona da ... [Interceção ambiental viatura - 27 May 2022 12-13-23];
193 - Em ... de ... de 2022, BBB questiona o Dr. AA sobre se é para “fazer o teste ou não?”, referindo o Dr. AA que tem de falar “pessoalmente” com BBB. Nesse mesmo dia, o Dr. AA mantém encontro com QQQ [Interceção ambiental viatura – 01 Aug. 2022 10-37-41, 10-53-23, 11-11-30];
194 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA mantém encontro pessoal com BBB, no qual abordam projeto “de risco” e o valor de “duzentos mil euros” [Interceção ambiental viatura – 23 Sep. 07-17-21, 14-27-50];
Dr. AA/Grupo do Ginásio/ Grupo PPP
195 - No decurso da investigação criminal mostrou-se possível apurar a procedência dos fundos relativamente aos quais o Dr. AA tem vindo a desenvolver esforços no sentido de dissimular a origem e permitir a circulação e posterior integração dos mesmos na esfera dos suspeitos, o denominado “Grupo do ginásio”, em que intervêm
- QQQ [QQQ]
- MMM [SSS]
- AA [TTT]
- KKK[KKK]
- HHH[HHH]
- III [III]
- PPP [PPP]
- UUU [VVV]
- WWW [WWW]
- XXX [YYY]
196 - Desde data não concretamente apurada, QQQ e KKK numa primeira fase e posteriormente MMM e AA dedicam-se à prática de crimes de natureza informática obtendo com essa atividade grandes valores económicos em diverso tipo de criptoativos (SOLANA, ETHEREUM, BITCOIN);
197 - Em ... de ... de 2021, o Dr. AA é informado por FF que é necessário estar com HHH porque “há desenvolvimentos em relação à certeza das coisas”, ocorrendo um encontro entre HHH, FF e “o nosso amigo” no dia seguinte ao final da tarde na “bomba” [Alvo ... – Sessões 124, 126, 135, 137, 138, 141];
198 - É percetível que o Dr. AA operou uma transição e/ou cumulação das vias para efetivar o branqueamento, surgindo no panorama um novo contacto de HHH e III identificado como PPP [Alvo ... – Sessão 588, 596];
199 - Com efeito, em ... de ... de 2021, durante a tarde, o Dr. AA mantém encontro com MMM e QQQ no ginásio [Alvo ... – Sessão 1576];
200 - Em ... de ... de 2021, FF informa que, por instruções do advogado [referência a Dr. AA], o processo ficará “em STANDBY” porque haverá outra solução [Alvo ... – Sessão 607];
201 - Em ... de ... de 2021, pelas 16:20, FF mantém conversação com III, na qual este lhe refere que “o meu informático tem mais capacidades que o JJJ”, referindo que o “JJJ não faz nada sem a empresa”. Na sequência, FF afirma “que estes gajos são uns desconfiados do caralho” [Alvo ... – Sessão 2314];
202 - Em ... de ... de 2021, durante a tarde, ocorre um encontro na ... sita na rua de ..., ... entre FF, “III” e PPP, o qual é apresentado a Dr. AA [cfr. auto de diligência externa de fls. 2449];
203 - Após o encontro, o Dr. AA mantém conversação com MMM na qual lhe refere “que veio um gajo da ... por causa disso”, referindo que “isto vai-se resolver” [Alvo ... – Sessão 9798];
204 - Em ... de ... de 2021, durante a manhã, o Dr. AA mantém encontro com QQQ, MMM e AA, o qual ocorre no ginásio ..., sito na Rua ... [cfr. auto de diligência externa de fls. 2455 (Alvo ... – Sessão 9898)];
205 - Em ... de ... de 2021, pelas 11:51, o Dr. AA comunica a FF que “foi apertado e precisa de novidades”, pelo que no dia ... de ... de 2021, FF e III encontram-se durante a tarde “nas bombas” não comparecendo, à última hora, PPP. Visivelmente incomodado, FF afirma que “este ainda é pior que o JJJ”, afirmando III que disse a PPP “que eram duzentos milhões caralho”, referindo que disse a PPP que “não há aqui NIBS nem IBANS, nós é que somos o banco” [Alvo ... – Sessões 4545, 4630, 4632, 4633, 4636, 4638, 4649, 4660];
206 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA é informado por FF que este se encontrou com III o qual indicou uma pessoa do Algarve que “está em ...”, que será um “grande empresário que tem acesso diretamente àquilo que tu queres mesmo” [Alvo ... – 4857];
207 - Pelas 20:30, FF determina III a dar o número de telefone do Dr. AA ao empresário algarvio seguindo instruções do Dr. AA [Alvo ... – 4904, 4908, 4912, Alvo ... – 166077];
208 - Pelas 22:28, o Dr. AA recebe chamada telefónica de individuo posteriormente identificado como ZZZ, combinando os interlocutores um encontro [Alvo ... – Sessão 166132] (ZZZ é/foi interveniente em múltiplos inquéritos possuindo a classificação policial de Incêndio - fogo posto em habitação, Roubo, Falsificação de títulos de crédito, Burla - cheque sem provisão Burla);
209 - Em ... de ... de 2021, pelas 18:37, o Dr. AA informa MMM que “anda a tratar das nossas coisas” combinando os interlocutores um encontro no dia seguinte [Alvo ... – Sessão 166557, 167501, 167511];
210 - Em ... de ... de 2021, a atividade de Dr. AA é exemplificativa do seu papel no esquema criminoso, participando em três encontros com suspeitos distintos:
- Encontro pelas 11:00 na “bomba” no qual participa FF e “III” [cfr. auto de diligência externa de fls. 2531];
- Encontro pelas 19:45 na “bomba” no qual participam FF, “III” e PPP, o qual utiliza um computador pessoal durante o mesmo [cfr. auto de diligência externa de fls. 2534];
- Encontro pelas 22:15 no “ginásio”, no qual participam QQQ e MMM [cfr. auto de diligência externa de fls. 2536];
211 - Em ... de ... de 2021, pelas 17:35, FF e III discutem os desenvolvimentos da “operação” referindo III que “PPP é como o vosso informático se for preciso até ele ajuda a limpar”, alvitrando III que eles “propuseram vir aqui trazer o equipamento que tinham de trazer e fazer tudo num dia” [Alvo ... – Sessão 5122];
212 - Em ... de ... de 2021, os suspeitos avaliam da hipótese de realizar a operação nessa terça-feira em ... “com a equipa toda”. [Alvo ... – Sessões 5139, 5140, 5141, 5143, 5144, 5146, 5147, 5165, Alvo ... – Sessões 172273, 172280,172285, 172289, Alvo ... – Sessão 12038, 12043, 12045, 12046];
213 - Nesse dia, pelas 13:05, MMM, após manter encontro com AA, informa o Dr. AA que “pode marcar aquilo para terça-feira com os homens” [Alvo ... – Sessões 12079, 12089, 12091, 12096];
214 - Entre 16 e ... de ... de 2021, são encetados diversos contactos, geridos pelo Dr. AA e FF, nos quais discutem questões técnicas e se promove o agendamento de uma reunião presencial, na qual se encontram os elementos do grupo do ginásio e o grupo de PPP, o qual aparece agora associado a um novo interveniente chamado “FFF” bem como o desejo de ser feito “um teste com 20M” sendo que o grupo do ginásio apenas quereria fazer o teste com “1M” [Alvo ... – Sessões 5251, 5282, 5286, 5464, 5468, 5519, 5685, 5694, 5705, 5799, 5801, 5808 / Alvo ... – Sessão 137];
215 - Em ... de ... de 2021pelas 12:10, o Dr. AA desloca-se ao ginásio onde mantém contacto com QQQ [Alvo ... – Sessões 215, 230];
216 - Em ... de ... de 2021, durante a manhã, mediante os esforços do Dr. AA, ocorre um encontro no ginásio “...” no qual PPP e “VVV” são apresentados a AA e QQQ [cfr. auto de diligência externa de fls. 2729];
217 - No decurso do mês de Dezembro de 2021, PPP pressiona FF e o Dr. AA sobre a “necessidade de fazer um teste”, pois “senão a equipa do lado de lá morre toda”, pelo que convinha “o doutor dar um FEEDBACK” [Alvo ... – Sessões 5983, 6022, 6105, 6253, 6697];
218 - Paralelamente, o “grupo do ginásio”, em ... de ... de 2021, AA, KKK e três indivíduos não cabalmente identificados encontram-se pelas 18:30 no Centro Comercial ..., estando a fazer operações de cariz informático, pois estão a utilizar dois computadores portáteis durante o encontro. Na sequência, perceciona-se que um dos indivíduos “é um espanhol que veio de ...”, “com uma situação que nos interessa muito, afinal o gajo tem mesmo aquilo que diz que tem, já fizemos a verificação” [cfr. auto de diligência externa de fls. 2792/ Alvo ... – Sessões 1044, 1906, 1908, 1910];
219 - Em ... de ... de 2021, AA é informado que recebeu via postal um “cartão preto” com a referência a “BINANCE” [Alvo ... – Sessão 406]. (BINANCE CARD - o Cartão Visa da BINANCE, ou simplesmente Cartão BINANCE, é um cartão de débito que usa criptomoedas, assim como STABLECOINS e moedas fiduciárias, para realizar transações);
220 - Em ... de ... de 2021, o Dr. AA determina a FF que informe PPP que é necessário aguardar pela disponibilidade do grupo do ginásio para efetuarem a operação [Alvo ... – Sessão 216318];
221 - Em ... de ... de 2021, PPP mantém conversação com FFF referindo as comunicações mantidas “no grupo” e a necessidade de “aguardar novidades do MAIN MAN” [Alvo ... – Sessões 7924, 7929, 7938];
222 - Em ... de ... de 2022, PPP mantém encontro com FF na bomba, transmitindo posteriormente à companheira de III que “vamos com calma, isto vai acontecer, vai demorar, mas vai acontecer” [Alvo ... – Sessão 8553, 8558, 8707];
223 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA e MMM mantêm conversação através de aplicação de comunicações encriptadas [Alvo ... – Sessão 271117];
224 - Em ... de ... de 2022 o Dr. AA informa VV que “aquela conversa que tiveram sobre ...”, “é para avançar seguramente”, sendo que o Dr. AA queria que VV “ganhasse aí algum” [Alvo ... – Sessão 288178];
225 - Entre ... de ... de 2022, o Dr. AA mantém encontros pessoais com PPP e MMM [Alvo ... – Sessões 314991, 318287];
226 - Em 26 de Março de 2022, o Dr. AA informa PPP que para fazerem o teste estarão presentes AA [TTT] e o informático [KKK], referindo PPP que para “o teste” não é necessário servidor externo [Interceção ambiental viatura 26 Mar. 2022 06-35-00];
227 - Em ... de ... de 2022, no período da manhã, o Dr. AA e PPP encontram-se pessoalmente. Ao final desse dia, o Dr. AA e FF abordam a necessidade de PPP trabalhar em exclusivo com eles, sendo referido pelo Dr. AA “o que interessa é ver se realmente a coisa … Porque depois tu vais fazer um encaixe de 100.000.00 € e esta é só para ver se a informação passa e depois eu quero ver o circuito a funcionar até ao fim. Ou seja, 100.000.00 € para depositar no banco e ainda há acordo. Funcionou, a partir daí pronto […]” “A gente vê que depois com esses 100, dá-se-lhe logo um NIB, um qualquer de uma conta qualquer, que realmente depois dos 100, 70.000,00€ chegam a bom porto… Pronto Ok , sim senhora … está tudo a funcionar, está tudo oleado, vamos então começar a carregar. Não tem nada que saber [Interceção ambiental viatura 28 Mar 2022 09-51-16, 28 Mar 2022 19-17-22];
228 - Em ... de ... de 2022, FF informa o Dr. AA que PPP lhe referiu “está tudo ok, vocês vão fazer essa merda hoje”, anuindo o Dr. AA [Interceção ambiental viatura 01 Apr 12-01-57];
229 - No final do dia, o Dr. AA mantém encontro junto à residência de MMM na qual o informa que o encontro entre, pelo menos, PPP, AA e KKK correu bem, referindo a necessidade “de clonar a BITSTARZ” sendo que nunca havia sido referido a necessidade de ter de ser em “ONION” [Interceção ambiental viatura 01 Apr 2022 21-42-18] (ONION - são pontos de endereço para um serviço oculto TOR, um servidor que só pode ser acedido por meio do Tor). Isso significa que a atividade de navegação não pode ser monitorizada);
230 - Na continuidade do diálogo, o Dr. AA descreve a MMM os termos em que ocorreu o encontro e as especificidades técnicas exigidas para as operações de extração e branqueamento de criptomoeda: PPP trabalha com um HACKER muito reputado; será necessário clonar uma nova página do BITSTARZ, a qual será alojada por PPP num servidor, de forma processar os criptoativos em modo “offline”; há a possibilidade de utilizar uma “WALLET especial” associada a um banco, mediante a qual KKK faz um “script” e aquilo todos os dias carrega 150 mil, 150 mil! É uma WALLET associada a um Banco, a qual aguenta 150 milhões e ninguém faz perguntas. [Interceção ambiental viatura 01 Apr 2022 22-54-56];
231 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA e MMM combinam encontrar-se no ginásio .... Posteriormente Dr. AA informa FF que o encontro entre os dois informáticos correu bem uma vez que falam “a mesma linguagem” havendo a necessidade de fazer pequenos “ajustes” [Interceção ambiental viatura 04 Apr 2022 14-26-06, 04 Apr 2022 16-26-00];
232 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA e MMM debatem as dificuldades técnicas e a falta de capacidade de AA e KKK em entregarem os equipamentos/suportes que permitem aceder aos fundos em criptomoeda a PPP referindo os interlocutores que “é uma coisa que não se compreende”, “é ter ali 94 milhões, tenho aqui a solução e nada.” Referindo MMM que QQQ também está incomodado com a situação;
233 - AA: Dá ideia de que estão à espera que a gente desista…Foda-se, é o que eu digo, quer dizer, tenho aqui um baú de 94 milhões, amigo, era 24 sob 24, desculpa lá. E é estas merdas que depois os outros também não percebem…Então nós temos tanto dinheiro, queremos bancarizá-lo e eles estão a dizer estamos aqui com a porta aberta, e nós, mais uns 15 dias, depois mais uma semana e depois mais três, ninguém compreende SSS;
[…]
[HC] – Que o miúdo ainda não tinha dito, mas que disse agora, que era isso que o PPP não estava a perceber era, que era o que eu tinha dito sempre, que era a informação bancária que estava ali dentro, e ele está bem, mas a informação bancária como é que é lida, quando o miúdo disse: “aquilo é lido em “cripto”, ele percebeu logo, ok, então foi aí que ele perguntou: “mas que cripto” e o miúdo diz “ETHEREUM” e outra qualquer, que eu já não sei … E é por isso que depois também se fala nas “WALLETS”…
[…]
[HC] – Não, caga nisso, p’ra mim a única coisa que está aqui em causa, é de facto dar a estes gajos a informação credível para eles aguentarem mais uns dias… Oh, SSS, não consegues arranjar mais nenhum Banco assim. Andaste lá, com ... e ... e o cú e o caralho, e olha, zero, tudo zero… Os únicos gajos que desde o início que dizem que fazem… Ouve, tu viste o que ele escreveu na mensagem: “Se vocês mandarem, nós bancarizamos já hoje… (risos), nós bancarizamos já hoje”. Está escrito por eles, p’a, eu enviei-te as mensagens, não tens mais ninguém a fazer-te isto, os outros era tudo “piu, piu, piu, piu”, mas o que é certo é que, é zero;
234 - Em ... de ... de 2022, KKK aborda com um individuo denominado FFF, referindo metodologias relacionadas com o uso de empresas e “material fantasma” de forma a permitir a circulação de grandes quantias pecuniárias, as quais “vão passar pela empresa dele e tu dás-lhe o que tu quiseres”, referindo que “temos de seguir um inventário fantasma através de uma plataforma”, abordando uma remuneração de “50 a 60 mil para cada um, incluindo o TTT”, pois “há milho, há milho, é para passar de um lado para o outro vais a um Banco e acabou” [Interceção ambiental escritório - 25 Apr 2022 15-11-12];
235 - Em ... de ... de 2022, KKK dialoga com AA (alcunha TTT) na qual descreve procedimentos de carácter tecnológico relacionados com o descarregamento de carteiras virtuais [WALLETS] e os respetivos códigos de acesso [SEED PHRASES], as quais serão entregues a individuo terceiro identificado por “...” [Interceção ambiental escritório – 26 Apr 2022 14-29-12];
236 - Nesse mesmo dia, os interlocutores referem que “isto faz sentido é um gajo meter lá o nosso, injetar o nosso e depois o outro vir camuflado, vem tudo, vem em camuflado e está perfeito” [Interceção ambiental escritório – 26 Apr 14-44-34];
237 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA informa FF que está a tratar do “assunto” de PPP [Interceção ambiental viatura 27 Apr 2022 14-29-11];
238 - Em ... de ... de 2022, KKK refere a AA que vai colocar o dinheiro “na OPENSEA” com “novos USERS”, referindo AA que “...” é necessário pois “tem arcaboiço para trazer 4 ou 5 milhões em notas por semana” e é ele “que faz a lavagem”, sendo o trabalho “por o maior montante de dinheiro que conseguirmos e o dele é trazê-lo” [Interceção ambiental escritório – 29 Apr 15-58-10 / 26 Apr 2022 16-44-15];
239 - Nesse mesmo dia AA mantém conversação com o Dr. AA, o qual passa o telefone a PPP, explicando AA os procedimentos técnicos em curso, afirmando que “o clone tem de acompanhar as definições da página original senão não funciona”, sendo necessário “ o KKK modificar todas as WALLETS que vai dando erro porque o clone acompanha sempre os preceitos da página original, dá erro nas WALLETS, ele corrige para aquilo que nós queremos” afirmando que “já informou AA” do ponto de situação, afirmando que “estão a fazer com a urgência possível e mortinhos por entregar isto”.
Na sequência, AA e KKK invocam as dificuldades técnicas relacionadas com a guerra e o facto de o servidor que tinham disponível ter ficado em baixo, sendo que se procurar a página da “BITSTARZ” só encontrará espelhos. Após terminar a chamada, AA refere que era AA, afirmando que “quando conseguires arrancar as SEEDS todas, fazemos aquilo…e, entregamos”, e “vai já a parte do nosso amigo também” [Interceção ambiental escritório 29 Apr 2022 16-13-22];
240 - Na continuidade, AA mantém conversação com o Dr. AA na qual se mostra irritado por PPP “querer provas do que estão a fazer!” retorquindo que “isto, eu até te posso mostrar a ti, a eles não tenho de lhes mostrar nada!” Após terminar a chamada telefónica, AA desabafa com KKK:
[…]
YY: Ohhh, mando-o já para o caralho! Olha, é estas três coisinhas funcionarem, que eu chego ali à beira do nosso amigo, olha, está aí a tua parte, entende-te com os teus sócios, com o SSS e com o AA […]
[…]
KKK: Sim, mas tu não falhas com a tua palavra, que é isso que interessa. Como também o QQQ, eu sei como é que tu és, o QQQ foi a ele porque nós conhecemo-nos por intermédio dele e o caralho e assim está tudo bem.
KKK: Até porque é um perigo mandar alguma coisa para o telemóvel dessa gente. Corre logo a cidade toda.
YY: É. Só um vídeo do outro.
KKK: Estes gajos não são, nem pelo cú deles olham…[…] [Interceção ambiental escritório 29 Apr 2022 16-28-53];
241 - Em ... de ... de 2022, KKK refere em conversação com terceiro não identificado que “nós usamos outro programa”, afirmando que “tem de saber o código dos ATM’s”, afirmando que eles não utilizam um processo de “clonagem”, procedendo “à gravação de dados em cartões, atribuindo pins”. Na sequência, KKK que é necessário aplicar o equipamento num sítio, referindo que “todos os cartões que fossem lá passados ele ficava com um clone” sendo que depois “é só pegar no programa, pegar nos virgens e gravar”. Continua afirmando: “nós estamos a meter dados que foram comidos em hotéis e por aí fora”, descrevendo: “tu chegas a um ATM, no sítio onde metes o cartão aplicas lá uma merdinha, aquilo entra, a pessoa levanta o dinheiro, faz o que tem a fazer, quando sair já está gravado. Ao fim do dia passas pelas máquinas e recolhes”. [Interceção ambiental escritório 02 May 2022 11-49-12];
242 - Na sequência, KKK refere a terceiro que clonou um site, pega na base do site e posteriormente insere uma “WALLET nossa”, afirmando que “os sites que têm as SEEDS lá, se eu entrar em alguma plataforma que WALLETS faço o mesmo processo e roubo o dinheiro todo das WALLETS que lá estão”;
243 - Na sequência o interlocutor afirma que “nos casinos roubo a HASH e desencripto e depois sabes se é azul ou preto que vai sair na roleta” [Interceção ambiental – Escritório 02 May 2022 16-25-43];
244 - KKK em diálogo com AA afirma que quer “tirar o milho que temos para outro lado de forma segura”, referindo que o processo demora algum tempo pois estão a falar de “milhões, não é trocos” mostrando-se necessário criar “USERS”, e se criarem 3 USERS num dia “entram logo 3 milhões” [Interceção ambiental escritório – 02 May 2022 16- 25-43];
245 - Em ... de ... de 2022, KKK mantém conversação com terceiro na qual afirma sobre a metodologia de entrar nos sites “BITSTARZ”, no “555casino”, “registam um novo utilizador” [USER] “carregam com o saldo da WALLET” [a qual contém criptomoeda de origem fraudulenta], “fazem lá dois ALL-INS” e “fazem o HIT DRAW”, só que “esse valor, esses milhões todos, esses valores todos eles têm de andar um ano para tocar no guito, não é? Isso é lavagem de dinheiro, eles, eles não querem fazer outra coisa a não ser lavar guito”;
246 - Na sequência, KKK última a criação de utilizadores para o site fidedigno “COINBASE” associado a “...@...” e ao número de telefone “...” e código de utilização “1541750”, referindo, posteriormente a criação de “40 USERS da ...” [Interceção ambiental escritório – 03May 2022 18-48-10, 05May 2022 16:07:28, auto de análise];
247 - Em ... de ... de 2022, KKK, AA e um terceiro com a alcunha de X dialogam, referindo AA: “eu não tenho medo de nada, mas também não sou tolinho, ou seja, eu também não me passa pela ideia que nós vamos pegar nos 160 ou 170 milhões que lá estão e vamos fazer hoje... a minha ideia é vamos com calma!” [Interceção ambiental escritório –09 May 2022 16-55-07];
248 - Na continuidade, KKK refere que conheceu um individuo russo que fazia “cartões clonados” determinando a terceiro que “amanhã vamos para o café, para a ..., amanhã ..., limpar cartões só! Mais nada…Não fazemos mais nada” referindo o interlocutor “Olha, mas para limpar cartões qual é o computador que se dá à morte? e o que é necessário para limpar cartões?” Afirmando KKK que basta “um telemóvel, acesso à internet e VPN” [Interceção ambiental escritório – 09 May 2022 19-13-22];
249 - Em ... de ... de 2022, FF informa o Dr. AA que PPP pretende saber “se vai-se fazer isto hoje ou não”? referindo o Dr. AA que ainda não tem informação. Na sequência o Dr. AA encontra-se com MMM e terceiros junto à residência deste [Interceção ambiental viatura 10 May 13-35-18 / 10 May 16-17-21];
250 - Em ... de ... de 2022, KKK afirma que em casa de AA [TTT] está a Nas com o disco com a WALLET, afirmando na sequência que consegue “levantar dois milhões”, “só que os gajos para fazerem ali a lavagem cobram entre 5% a 7%” [Interceção ambiental escritório – 12 May 2022 14-03-10];
251 - No seguimento, KKK refere a terceiro que “entraram dois ou três movimentos na MASTER WALLET” afirmando que “será alguma coisa da plataforma de jogo, algum choné que ganhou a seguinte e entrou lá, porque sabes que está sempre a entrar milho (…) por causa de ser clones” [Interceção ambiental escritório – 12 May 2022 18-24-20], explicando que “tu fazes uma WALLET, aquilo dá-te SEED PHRASES, se eu as souber, não interessa a palavra passe que tu pões, eu consigo ficar com o conteúdo todo da wallet. Se derem com o IP ADRESS da Nas e me entrarem no clone da página comem-me as SEEDS, vai o dinheiro todo com a puta que pariu, não me adianta nada, lá vai o trabalho todo com o caralho” [Interceção ambiental escritório – ...2... 18
252 - Em ... de ... de 2022, KKK, AA e um terceiro denominado X abordam o facto de possuírem equipamentos antigos destinados a capturar dados de cartões, tendo já encomendado equipamentos mais potentes. AA afirma que se forem necessários mais dados “vamos dar uma volta” sendo que KKK afirma “que a próxima volta que formos dar vamos com um equipamento mais rápido” sendo que “as pessoas passam no carro por nós e o carago, comemos tudo, é esse nível” e aí “não há trace [rasto]” questionando AA, como é que KKK está a dar a volta à questão da identificação, referindo aquele que está a usar dados de pessoas que lhe foram cedidos;
253 - Na continuidade, KKK e AA referem a utilização de “equipamentozinhos” que “pousam desmarcados” e com os quais “rapavam”, por referência aos dados acedidos/capturados de terceiros [Intercepção ambiental escritório – 13 May 2022 15-09-00];
254 - Nesse mesmo dia, KKK refere a um terceiro “119 milheiros, quando entrei eu meti o meu guito que eu tinha no servidor todo já de três anos de trabalho” e na sequência explica “nós pousamos isto, configuro-te isto, meto a antena, pouso num sítio e fica a roubar dados até a gente ir recuperar”;
255 - É perceptível a referência a “rapar tudo”, afirmando KKK “temos as chaves dos ATMs, pomos o ramsonware no ATM e fazemos o jackpot” [Intercepção ambiental escritório – 13 May 2022 22-34-36];
256 - Em ... de ... de 2022, KKK explica a terceiro que “Isto dos milhões, eu meti-me nisso porque havia escoamento. Fui roubado, replicámos o método, pagou-se… paguei servidores e o caralho… o último servidor foi 13.000 balas e toda a logística, tudo e mais alguma coisa. Começou a puta da guerra! Parou, tentou-se, fomos falar com A, B, C… não arranjaram solução para nós;
Eu disse: vamos parar com isto, onde está, está fixe! Vamos cortar a ligação online para não haver qualquer tipo de problemas. Cortamos, está armazenado. Estamos a começar do zero. Do zero é: com os mesmos mecanismos, fazer de maneira diferente, consoante o que nós conseguimos combater, fazer, de entrar, dá cem mil, dá duzentos mil, dá…é o que der.”
257 - Na continuidade do diálogo, KKK afirma que “trocar assim dinheiro, não tenho logística para isso. É muito fodido isso, tens de lidar com criminosos, com bandidos que têm dinheiro físico que não é bancarizado, que te vão comprar a ti a cripto de forma a que consigam bancarizar o dinheiro deles” [Intercepção ambiental escritório – 16 May 2022 17-55-27];
258 - Nesse mesmo dia, KKK refere a X que não vai mostrar a ninguém a WALLET que tem em casa de AA [TTT], vai apenas mostrar “como é que a bola pincha! A MASTER WALLET é [composta por] dinheiro que é desviado tanto de SEEDS como de máquinas de jogo online, etc.” [Intercepção ambiental escritório – ... – ..-..-..];
259 - Posteriormente, KKK explica a terceiro que fala língua francesa que clonou o site BITSTARZ e todos os dados carregados pelos utilizadores desse site – casino online de criptomoeda, são acedidos por KKK, o qual fica, dessa forma, na posse das “SEED PHRASES” que dão acesso aos fundos em criptomoeda dos utilizadores cujos dados foram acedidos ou utilizaram a página clonada pensando que estavam a utilizar a página original;
260 - Na sequência, KKK explica que têm uma janela temporal de 12 horas pois há protocolos de segurança para verificar a identidade, sendo necessário a criptomoeda “roubada” passar por um processo de mistura [BLENDER/MIXER] de forma à sua origem ilícita ser apagada, podendo depois ser transaccionada em sites – páginas lícitas como a BINANCE [Intercepção ambiental escritório – 16 May 2022 –20-59-48] (cfr. esquema elaborado no Relatório Intercalar que antecede o despacho de 12 de Junho de 2023 da Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta);
261 - Em ... de ... de 2022, KKK informa AA que esteve presente numa diligência judicial na qual foi ouvido. KKK explica que “passou dinheiro da CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS em nome da minha mãe para passar para o QQQ, o caraças, o dinheiro TTT porque ele queria o guito na hora e não dava. O AAAA e ela faziam transferência directa de um cartão da minha mãe da Caixa, aquele branco que eu uso, onde eu ponho o dinheiro e levanto só que depois estão os nomes registados e eu nem conheço ninguém, só que ainda vem o doAAAA.”
262 - Na continuidade, KKK refere que percebeu que “passou de uma empresa para outra, e ainda conseguiram passar para outro. Libertaram dois gajos só que um dos gajos que está ali no meio, já não há escapatória possível”.
263 - KKK refere que disse ao advogado/defensor que lhe perguntou se tinha alguma coisa a ver com o inquérito: “eu a ver, a ver, claro que tenho, mas não tenho nada que me coma a mim.”;
264 - Desta forma, KKK afirma que o que o preocupa é o facto de que, no processo do AAAA houve uma transferência que foi para um dos irmãos de AA, referindo este que foi do QQQ, o qual transferiu para o JJJ. KKK reitera que “foi do cartão do AAAA”, pois QQQ “tinha o fogo do dinheiro” [Intercepção ambiental escritório – 18 May 15-45-53] (AAAA, natural da ... foi detido em flagrante delito no âmbito do inquérito com NUIPC 174/19.7... - Burla informática e nas comunicações, na sequência da deteção de um dispositivo de recolha de dados de cartões bancários, instalado na ATM externa do BEST, sita no ..., em .... O dispositivo tinha sido anteriormente colocado e estaria a ser retirado pelos dois indivíduos detidos, AAAA e BBBB. Após a leitura da banda dos cartões bancários contrafeitos, que foram apreendidos, foi possível verificar que os factos em apreço, são conexos com os factos em investigação noutros inquéritos tendo sido identificados 82 cartões bancários contrafeitos que efectuaram um total de 286 operações de levantamento e teste no valor de 21.930 euros dos quais foram efectivamente concretizadas 133 operações no valor de 14.440,00 euros. Ao referido AAAA foi decretada prisão preventiva em .../.../2019);
265 - Em paralelo, nesse mesmo dia, o Dr. AA informa FF que “o primeiro clone que já está pronto entregava-se já…”, referindo, contudo, que “o clone tem os 94, 93 e qualquer merda…” Na sequência os interlocutores discutem os termos do acordo existente “valor total: 90 e…” “comissão de 30%” referindo o Dr. AA as cautelas necessárias a ter com eventuais investigações criminais:
[…]
[FF] – Yah, É isso que ele tava a … já vem tirar…Imagina que esses gajos pedem, vinde cá…hãhãã, isto é preciso tratar de uma logística muito grande p’ra isso, ó CCCC foda-se, não é estares a receber o dinheiro e levares, e levares um balázio, deixares a mala…foda-se é um perigo, um perigo, mas um perigo, nem é bom… Por exemplo, ‘tavas-me a dizer, os 90 e tal tinha de ser, só para…pode acontecer alguma coisa, p’a ninguém desconfiar…olha imagina que os outros gajos até compram e depois…vão em cima…detetam qualquer coisa e vão em cima dos gajos?
[AA] – Detetam o que? Eles é que têm, eles é que têm o clone, quero lá saber…nunca mais nos ligam a nós…ó FF só se filmassem a gente a receber o dinheiro (risos), de resto…desculpa lá…Isso não… a partir do momento em que entregas o clone, não tem problema nenhum. E esse é que é o grande problema, é que se tu entregas o clone, nunca mais tens o domínio do clone, acabou. Pronto, eles dizerem, podem te dizer assim: “ah, a gente entrega, dois milhões de cada vez, ‘tá bem…ao segundo milhão eles até logo… entregavam-te à cabeça e depois nunca mais… e tu: “piu”
[AA] – …não passa nada, nós entregamos e eles que façam o que quiserem, não vão passar nada estando as coisas na nossa mão, porque isso é a mesma coisa que se alguém estiver em cima de nós, nós sermos apanhados, com a mão…com a mão na botija, com a boca na botija…essa parte é que não estás a entender…[…] [Intercepção ambiental viatura 18 May 2022 15-18-42]
266 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA, PPP, AA e KKK mantêm um encontro presencial durante a tarde no hotel ..., sito na ... – inserido no imóvel do centro comercial “...” nas imediações do ..., na qual as partes mantiveram negociação quanto à formulação técnica/digital de fazer circular os ativos em criptomoeda bem como proceder à sua posterior introdução no sistema financeiro, traduzindo-se o esquema, em termos básicos: Fundos na MASTER WALLET com génese delituosa [domínio AA + KKK]; Operação de carregamento/transmissão dos criptoativos – [domínio AA + KKK + Dr. AA + PPP + VVV”]; Introdução no sistema financeiro/bancarização [domínio PPP + VVV” + Dr. AA] [Intercepção ambiental viatura 26 May 2022 14-28-03, 16-27-58];
267 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA mantém encontro com PPP na zona da ..., deslocando-se, posteriormente, ao ginásio ... onde conversa com QQQ [Intercepção ambiental viatura 27 May 2022 17-17-22, cfr. auto de diligência externa de fls. 30212];
268 - Nesse mesmo dia, no escritório, KKK e AA discutem a estratégia, afirmando este que “esta situação de ontem KKK, eu dali é zero... eu estou-me a cagar para aquela merda, como eu já te expliquei. Aquilo é operação de charme! Porque eu nem me acredito de facto que eles consigam fazer alguma coisa” [Intercepção ambiental escritório – 27 May 2022 16-06-54];
269 - Nesse mesmo dia, KKK mantém conversação com FFF, o qual questiona se “ontem com o TTT correu bem? Ele estava todo incentivado!”, referindo KKK: “Não. Óbvio que não, e o juiz virou-se para mim: Ah porque as pessoas têm de ver e não sei o quê... e eu: olhe alguém lhe pediu dinheiro, meu? E ele: Ah, eu tou calado. Foi grandes filmes. Caga nisso. Na sequência o interlocutor afirma: Filha da mãe do caralho do juiz veio à pesca!” KKK afirma que “Queriam ver as coisas e eu mostrei-lhes. Isto é, onde tiver a dar e está feito!” Retorquindo o interlocutor: “ai, isso é assim, o primeiro que der é que é amigo”. [Intercepção ambiental escritório – 27 May 2022 – 17-23-43];
270 - KKK continua a descrever: “Ainda ontem... ainda ontem temos de ver não sei quê, dei-lhes dois berros no hotel, no AA, temos... e eu virei-me para o juiz: mas olha estás a duvidar de mim porquê? Eu já tive mais de 5 vezes oportunidade de cancelar isto e desistir desta merda e nunca quis. Eu disse: começamos, agora vamos até ao fim. Eu não sou maluco ouve lá, eu à primeira oportunidade que tivesse de sair, visse que houvesse alguma fragilidade da minha parte eu tinha saltado fora logo, tás a compreender, percebes? Sei muito bem que isto foi encomendado pelo outro do ginásio... [referência a QQQ] Vinha outro informático, sabes que informático é que veio? Um informático que veio com a mala com o servidor dentro e eu mal o vi eu comecei logo a suar: epá não posso ir ver? E eu: Não, porque está em minha casa e eu não confio em ti. Tipo tá bem...
VVV] – Fogo, e veio com um servidor?
[KKK] – Não soubeste?
[VVV] – Não.
[KKK] – Vamos tirar o dinheiro e blá... Eles vão fazer um clone e eu: não vão fazer TTT...” [Intercepção ambiental escritório – 27 May 2022 – 17-54-27];
271 - KKK descreve os procedimentos técnicos acordados com o informático do “Juiz”, afirmando que eles “vão ver as 4 fracções da MASTER WALLET, vais avisar antecipadamente dos valores que lhes vão ser distribuídos, eu só estou a separar as SEED PHRASES, que eu vou ter de fazer a inserção manual em offline que é para não me bloquearem o dinheiro. É isso que eu estou a fazer;”
272 - Na sequência reitera que “vamos trabalhar em offline, porque eu depois vou meter tudo. Eu estou a tirar as SEED PHRASES, toda a estrutura, estou a enviar para o gajo, porque o TTT me telefonou a pedir isso e a dizer que o gajo tem de trabalhar”;
273 - Assim, KKK afirma: “eu estou a tirar da MASTER WALLET da BITSTARZ e a fazer assim.…a fazer a inserção manual de todas as WALLETS, as milhares de WALLETS, as milhões de WALLETS que estão lá para ver, tem uma SEED PHRASE de backup e estou a fazer a extração manual dessas SEEDS para serem inseridas por mim em offline, vou fazer 4 bolos...”, referindo que são 100 milhões [Intercepção ambiental escritório – 27 May 2022 – 18-25-10];
274 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA discute com MMM formas e estratégias de dissimular o dinheiro que vão receber afirmando o Dr. AA que “vai esconder, tentar dividir o dinheiro em três partes, uma parte lá em casa, e depois quero ver mais dois sítios onde é que eu consigo meter isso” [Intercepção ambiental viatura ...2... 12];
275 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA e PPP discutem os procedimentos técnicos e invocam um elemento denominado “WWW”, especialista informático [Hacker] debatendo os procedimentos de segurança a adoptar e revelando desconfiança em relação a KKK. Na sequência, o Dr. AA refere que “eles só dão o acesso à página e vão dar o acesso total, são vocês que vão ficar com o domínio da página, portanto eles querem no limite, querem ter o dinheiro”. Conclui afirmando, “Depois é, como já viste, pá, eu respeito o TTT e o TTT respeita-me a mim e o que a gente decidir os dois é o que é” [Intercepção ambiental viatura 05 Jun 2022 10-55-03, 11-38-23, 23-30-26];
276 - Entre ...e ... de ... de 2022 os referidos indivíduos desenvolvem esforços para proceder à transmissão dos fundos em criptoativos sendo percetível que os sócios de PPP, VVV” e WWW estão alojados num hotel em ..., mantendo o Dr. AA contacto direito com QQQ mediante deslocação ao ginásio [Intercepção ambiental viatura 06 Jun 13-17-02, 15-27-08, 07 Jun 22-22-51, 08 Jun 11-38-33, cfr. auto de diligência externa de fls. 3235];
277 - Mais concretamente, AA [TTT] justifica-se ao Dr. AA referindo este que “vamos aqui procurar uma solução” sendo necessário “falar com eles” com vista a justificar a ausência de KKK, porque “nós, neste momento só os temos a eles, a verdade é esta, a verdade é esta, pessoas que chegam aqui e dizem nós sabemos fazer, nós fazemos, só os temos a eles”. Na sequência AA [TTT] refere que QQQ o está a pressionar para resolverem a situação [Intercepção ambiental viatura 07 Jun 17-24-22, 17-39-46];
278 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA e AA deslocaram-se ao ... sito na Av. Dr. ..., …, ... para explicar ao grupo de PPP da impossibilidade de fazer a transferência dos criptoativos naquela data, assumindo as despesas a realizar em nova viagem do grupo a ... para aquele efeito. Na sequência, AA explica ao Dr. AA a origem do “negócio” referindo que o mesmo “era do QQQ e do KKK”, afirmando que “KKK tem os códigos”, mas não consegue fazer nada “sem o material que eu tenho em casa”. Na sequência, o Dr. AA afirma que tem sido ele que tem estado a pagar o hotel [Intercepção ambiental viatura 09 Jun 10-52-10, 11-11-12];
279 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA informa PPP que para a próxima reunião entre os grupos supra “está reservado um escritório de advogados” [Intercepção ambiental viatura 11 Jun 18-05-51];
280 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA entrega a PPP 2.350,00 euros referentes a 50% das despesas da viagem do grupo daquele as quais foram fixadas em 5.000 dólares, uma vez que “esteve a acertar tudo com o advogado para dia 23”, pagando o remanescente no dia seguinte. Na sequência, PPP informa que “VVV” virá com WWW e com um terceiro denominado DDDD” [Intercepção ambiental viatura 14 Jun 15-41-56, 16-01-24 15 Jun 22-48-19];
281 - Assim, mediante reserva efectuada por pessoa identificada como “EEEE”, a qual utilizou o número de telefone ... no hotel ..., estiveram hospedados, entre 22 e ... os seguintes elementos:
- UUU, titular do CC ...
- WWW, titular do passaporte ... ...
- XXX, titular do passaporte ... ...
O custo do alojamento foi imputado à empresa ...LDA., da qual PPP é sócio-gerente;
282 - Efectuadas pesquisas em fontes abertas bem como em fontes de cariz policial foi possível apurar que UUU estaria associado a empresas/plataformas “...” e “...”, as quais estão associadas a inquéritos crime na Europa, associados a investimentos financeiros de cariz fraudulento;
283 - Em ... de ... de 2022, durante a manhã, o Dr. AA desloca-se ao hotel ... e depois transporta na sua viatura “VVV” e dois indivíduos estrangeiros em direcção ao escritório do ... VV, sito na .... Do diálogo mantido na viagem é perceptível a referência a “...”, afirmando o Dr. AA que “o que eu preciso é que vocês me digam exactamente o que é que é necessário, que em função disso eu combino”. Na continuidade, VVV” questiona se “Passaportes, facturas… está tudo tratado?” respondendo o Dr. AA afirmativamente, “aparecendo a primeira tranche do dinheiro, o resto é sempre a andar e vocês fazem o que quiserem” [Intercepção ambiental viatura ...-...-07];
284 - De facto, em ... pelas 11:40, foram observados o Dr. AA, AA, KKK, PPP, VVV” e dois indivíduos não cabalmente identificados a dirigirem-se à ......– ..., n.º 3, local onde é sito o escritório de advocacia de VV, local donde saíram pelas 13:00.
... imediações daquele local foram, de igual modo, localizados em atitude vigilante QQQ e MMM. [cfr. Auto de diligência externa de fls. 3252];
285 - Após o encontro, o Dr. AA marca encontro com MMM e QQQ no restaurante ... sito em ..., onde almoçam [Intercepção ambiental viatura 23 Jun ..-..-.., cfr. auto de diligência externa de fls. 3263];
286 - Do decurso da investigação, os visados suspeitaram que estariam a ser objecto de vigilância nesse dia, pelo que foi percetível apurar da reacção a quente do Dr. AA a tais suspeitas:
- marcação de encontro com FF na bomba;
- O Dr. AA informa FF que QQQ e MMM “desconfiaram” de uma viatura de marca BMW, de cor escura e vidros fumados sendo que “uma gaja ficou muito atrapalhada e tentou esconder-se”.
- interlocutores discorrem se a Polícia poderia estar a vigiar o grupo de “VVV” pois não faria sentido vigiar o grupo de “TTT”, que são quatro, TTT, KKK, QQQ e MMM e os elementos policiais não reconhecerem QQQ e MMM;
- O Dr. AA refere que se vai tentar saber se era efectivamente uma viatura policial, mas que, de qualquer forma, é necessário atuar com muita cautela;
- O Dr. AA instrui FF, dizendo-lhe que caso existam intercepções telefónicas, não se pode falar nada por telefone e que fruto do que aconteceu na ... lhe “vai fazer uma chamada da cona” a dizer que não gostou nada da forma como ocorreu o encontro na ... e que quer sair daquele negócio;
- FF concorda com a estratégia, combinando avisar PPP[cfr. auto de diligência externa de fls. 3265];
Mais concretamente, em conversação com FF, o Dr. AA afirma:
“[AA] – Em função disso eu vou dizer ao PPP, tudo bem, eu vou entregar-vos as ..., vocês extraem o que têm a extrair, mas vejam…
[AA] – Tou à espera de saber, se se confirma ou se não... vou tomar cautelas vou-te já dizer... pode não ser nada, mas... pá telefone...
[FF] - Eu não gosto de falar estas merdas ao telefone, ... Ah, ok, prontos, ok, tá tudo.
[FF] - É as merdas... ó CCCC, tu na altura nunca devias de ter aparecido...
[AA] – Ó FF, eu se não aparecesse isto nunca mais se tinha feito. É tão simples quanto isso... é o caso...
[AA] – Opá eu a mim só quero que me paguem a minha comissão, eu não quero mais nada e preferia que não me pagassem em dinheiro. Preferia...
[AA] – Já sabes, cinco e meia mais ou menos estou-te a ligar, ok?
[FF] - Combinado!
[AA] – Segue o guião, já sabes o que é que se vai passar, segue o guião…” [Intercepção ambiental viatura 23 Jun 15-15-13, 16-44-24]
287 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA diz a MMM que “eles” não conseguiram “abrir a ....” Na sequência o Dr. AA desloca-se à residência de KKK e transporta-o para o HOTEL ...em ..., de forma a tentar concretizar o acesso aos fundos/criptoativos [Intercepção ambiental viatura 17-39-20, 19-32-22];
288 - Em conversação com KKK, o Dr. AA afirma “vocês disseram-me assim: precisamos de resolver um problema…Eu resolvo problemas!”. Na continuidade, KKK explica pormenores técnicos: “As ... o que é que faz? Tu quando inseres numa WALLET, faz-te a transferência imediata de todos os fundos ao momento. Se fosse assim tão fácil, nós já tínhamos feito a extração, não é? O que é que aquilo tem? Aquilo tem várias criptos, tem entre 12 a 24 palavras-chaves” [Intercepção ambiental viatura 24 Jun 19- 48-19, 20-47-37, 21-32-29];
289 - Do desenrolar dos factos evidencia-se a proactividade do Dr. AA, o qual funciona como verdadeiro intermediário entre os dois grupos, deslocando-se de e à casa de KKK bem como ao hotel onde estão os elementos estrangeiros, transmitindo mensagens, informações técnicas, transportando equipamentos informáticos [PENs], e reiterando “Eu também te digo PPP, eu agora caralho... nem que tenha de dormir fora de casa, eu isso te garanto. Não largo o osso! Agora não largo o osso. Não vale a pena que eu não largo o osso!” [Intercepção ambiental viatura 24 Jun 21-55-14, 22-58-41];
290 - Por fim, o Dr. AA transmite a PPPa génese da sua relação e conexão com os factos em causa:
AA] E depois ó PPP, eles comigo ao início nem sequer abriam jogo nenhum. Eu só conhecia uma pessoa, deles eu só conhecia uma pessoa, conhecia bem… os outros nem sequer conhecia, nem pista nem nada, não conhecia nada… E esse meu amigo (que é meu amigo, já o conheço há muitos anos) é que um dia chegou à minha beira e disse… como ele sabe que eu tenho muitos conhecimentos e me mexo bem…
[FFFF] – Hum…
[AA] – Só que ele não me contou a história, ele contou-me outra história… Ah queríamos coisa e tal, não conseguimos bancarizar e eu disse… olha tudo bem, pode ser que eu consiga. Se eu conseguir, ganho alguma coisa? Pagamos-te uma comissão e não sei quê e eu então vamos lá ver isso. Entretanto deixou de ser comissão para passar a ser…
[AA] – (…) digamos de fazer parte do negócio.
[FFFF] – Certo.
[AA] – Mas a primeira vez que eles me mostram alguma coisa aquilo estava numa ....
[FFFF] – Que foi o tal primeiro que falaram…
[AA – A primeira coisa que eu vi estava numa ... e eles fizeram, aquilo era… tinhas o USDT e…e…e… agora já não te sei dizer se era bitcoin, se era cripto moeda. Portanto era uma ... e eles faziam a… como é que se diz? Não, faziam a conversão digamos assim, não é conversão… imagina tinham lá X de USDT e faziam a conversão para bitcoin, porque aquilo na ... podes fazer, não é? Compras…
FFFF] – Compras
[AA] – Exatamente, tanto que aqui quando faziam aquilo, aquilo afetava o valor das moedas.
[FFFF] – Afetava o mercado, devia ser uma bolada…
[AA – Eram 95 milhões. Percebes? E há uma altura que eles ficam com medo por causa disso e também não só, de serem roubados e etc., etc. e é quando começam a pensar na solução de guardar onde.
[FFFF] – Tou a perceber.
[AA] – E mesmo nessa altura eu não sabia de nada. Por isso se eu soubesse desde o início o que era o quê, o que me disseram é que aquilo era DARKBIT e é quando o FFF vem. Sabes que se me tinham dito desde o início o que é que era e o que é que não era (eu se calhar para já, nem tinha entrado… não interessa), mas pronto depois de estar as coisas já são diferentes. Porque se eles me tivessem dito desde o início o que é que era aquilo, como estava e porquê… o JJJ nunca tinha aparecido aqui, porque eu via logo que o JJJ não tinha qualquer hipótese” [Intercepção ambiental viatura 24 Jun 23-21-36, 23-37-09];
291 - No dia ... de ... de 2022, o Dr. AA continua a funcionar como ponto de contacto entre os dois grupos, nomeadamente entre KKK e o grupo de PPP [Intercepção ambiental viatura 25 Jun 15-20-09, 15-39-49, 17-24-37, 19-44-34];
292 - Assim, o Dr. AA informa KKK que “Eles” [referência ao grupo de PPP] estão aflitos porque eles têm de fazer uma prova de moedas porque o gajo do dinheiro já está à espera há duas semanas para fazer a prova de moedas. Portanto eles precisam de sacar para fazer o vídeo para mandar para o gajo trazer o dinheiro […] Tou a falar só do dinheiro, a bancarização é outra história.” Na continuidade, o Dr. AA afirma que “eles depois, atenção, já têm um esquema muito mais simples para a pesca” sendo que “Basta a gente recolher a informação, metê-la numa…o que eu escrevi e depois tratam de tudo. Nem precisamos depois de andar com coisas […] sendo que WWW disse “a questão da pesca pode ser resolvida sem estarmos a pôr em cripto, que ele consegue fazer o tratamento da informação”, reiterando o seu comprometimento com a organização e admitindo o risco do negócio: “É como eu, ouve lá, investi no hotel, paguei os 4.350 euros para as viagens” [Intercepção ambiental viatura 25 Jun 20-40-53, 23-50-10, 26 Jun 00-59-39];
293 - Em ... de ... de 2022, mediante instruções do Dr. AA e com a concordância de AA, o grupo de PPP desloca-se à residência de AA para se conectarem directamente ao servidor [NAS] que está naquele local e procederem à transferência de “...” [Intercepção ambiental viatura 26 Jun 07-31-16, 12-32-30, 12-48-33, 27 Jun 03-10-06, 15-35-27];
294 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA encontra-se com AA na rotunda da ... em ..., local em que este lhe entrega uma PEN com “...” [Intercepção ambiental viatura 02 Jun 19-42-00];
295 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA é informado por VVV que, dos elementos que lhe foram entregues [presumivelmente “...” – códigos de acesso a contas de criptomoedas] existem “salmão, atum, sardinhas e angulas”, sendo que os interlocutores se estão a referir aos valores/quantitativos existentes nas contas. Na sequência, discutem a possibilidade de criar uma empresa fictícia nas “ILHAS MARSHALL”, sendo, contudo, necessário “haver dinheiro suficiente na conta”. Por fim, da metodologia escolhida, o Dr. AA assume a obrigação de obter um “cartão” sendo que é uma referência a cartão associado a conta bancária [Intercepção ambiental viatura 05 Jun 21-13-27];
296 - Em ... de ... de 2022 o Dr. AA informa VV do andamento do processo de branqueamento dos fundos em criptomoeda, afirmando que estão na “resolução técnica”, a qual está a demorar, pois existia um “servidor russo” que, entretanto, foi desactivado. Na continuidade, refere que as pessoas que estiveram no escritório de VV, na ..., “são essas mesmas pessoas”, “só que estão lá no país delas, aliás não é no país, é nos países porque são países diferentes”...onde toda a gente quer resolver porque já se empatou muito, concluindo o Dr. AA que “já se empatou muito dinheiro nisto” [Intercepção ambiental viatura 26 Jul 11-22-38];
297 - No dia seguinte, FF questiona o Dr. AA se ainda “não disseram nada das contas”? referindo o Dr. AA:
“AA] – Calma FF! Isto não é assim tão fácil, ouve lá quando as pessoas estão em países diferentes, ai eu... Ouve lá sabes que eu desde que falei contigo tenho muito mais cuidado ao telefone...Prefiro opá quando é que vens cá? Vens cá para a semana? Então para a semana a gente fala.... É FF, isto é, pelo telefone e tu falaste e é verdade e eu bem sei, normalmente o pessoal fode-se é pelo telefone, não é por mais nada! É pelo telefone...” [Intercepção ambiental viatura 27 Jul 21-50-20];
298 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA e FF revelam desconfiança em relação à actuação de AA. Na sequência, FF afirma que tem a PEN consigo, afirmando que as pessoas “já estão a ficar com medo” ao que o Dr. AA afirma que cortou todas as conversas, admitindo-se que é uma referência a conversas telefónicas [Intercepção ambiental viatura – 15 Aug 14-20-51, 15-11-33];
299 - Na sequência, o Dr. AA assume que vai confrontar AA porque lhe garantiram que havia “uma nova pesca” e AA que a “nova pesca” para a enviar para VVV verificar. No seguimento, o Dr. AA quer ter a certeza “se foi comido no meio do processo” e “vai como um cão e quer arrematar esta merda de uma vez por todas”, sendo que a ele lhe foi dito “isto foi feito ontem, fui dar aí uma volta a três, quatro hotéis”, por isso, eles que “falem com o TTT e a pesca, se há, que venha!” [Intercepção ambiental viatura – 15 Aug 15-11-33];
300 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA informa FF que irão ter novidades brevemente mantendo, posteriormente, encontros pessoais nas semanas seguintes [Intercepção ambiental viatura – 24 Aug 15-57-51, 17 Sep 14-39-29];
301 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA afirma a pessoa com sotaque brasileiro que está a aguardar que lhe entreguem uma “Pen Drive” sendo que:
“[AA] – Um pen-drive. Eu preciso de uma pen-drive,
[Voz Fem.] – Pen-drive…
[AA] – (…) Já estou á espera dela há três meses. Eu ando há três meses c’o isso na cabeça, doente. À priori, penso que me vão entregá-la amanhã, penso… Fogo, essa pen-drive muito da minha vida depende disso, muito…muito mesmo. Eu fiz um investimento muito grande, que já devia estar ao retorno, ainda não está por causa dessa pen-drive.
[AA] – Posso ganhar muito, mas arrisquei muito. Também posso perder muito.
[Voz Fem.] – …Também eu quero…
[AA] – É, o problema é que a única coisa que me assusta, não é o ganhar ou perder, é o… a palavra muito. Isso é a única coisa que me assusta. É o muito que assusta. O ganhar ou perder faz parte, o risco já estou farto…toda a minha vida corri riscos, de toda a maneira e feitios. Foda-se aqui é que eu posso perder muito” [Intercepção ambiental viatura – 23 Sep 01-33-37];
302 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA e MMM dialogam sobre “o número de cartões” e o “valor” que estará associado aos mesmos, referindo os interlocutores:
“[AA] – E se for em cartões, ele tem de saber dizer o número de cartões. É, isso, ele tem de saber, ele sabe qual o número de cartões que está lá. Se for em cartões ele sabe, se for cripto não sabe, mas sabe o valor. Ó SSS, sabes mais ou menos quanto…
GGGG – Sabe o que é que tirou…
[AA] – Percebes? Ele sabe se ‘tão lá 20, 30, 40…ele sabe. Se for cartões, também sabe o número de cartões. Dizes-me assim, ah, mas os cartões não consegue saber o valor. Claro, não sabe.
[GGGG] – Não, sabe o número de cartões…
[AA] – Atão, mas não sabe, não é bem assim…mas….
[GGGG] – Não, eu sei que ele tinha uma coisa que dá para ver o valor também…” [Intercepção ambiental viatura – 05 Out 2022 11-41-09];
303 - Da exposta factualidade, resulta a “clonagem” de cartões bancários, mediante a obtenção de dados bancários das vítimas (phishing) e posterior cópia em cartões físicos e ou virtuais para posterior utilização em plataformas de compras online ou em terminais físicos, o que lhes permitiu aceder a fundos em criptoativos de valor ainda não concretamente apurado, mas na ordem dos milhões de euros;
304 – Assim, o Dr. AA, a troco de comparticipação económica ainda não apurada, desenvolveu os descritos procedimentos tendo em vista do branqueamento dos fundos obtidos por aquela estrutura criminosa, com especial relevo para a angariação de especialistas informáticos internacionais que se deslocaram propositadamente, para o efeito a ... em duas ocasiões, sempre a expensas do Dr. AA que custeou a deslocação e os honorários dos mesmos.
Dr. AA e QQQ
305 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA e QQQ deslocaram-se a local não concretamente apurado onde se encontraram com um individuo denominado por “II” ou “HHHH”;
Na sequência QQQ afirma “está feito” referindo Dr. AA “tu viste bem a barbaridade que está aí?”;
306 - Do decurso do diálogo é apreensível que foram entregues aos interlocutores elementos de natureza bancária relacionados com fundos com origem em práticas delituosas, sendo alvitrado o montante de 760 milhões e uma comissão de “50%” para a operação de branqueamento. [Intercepção ambiental viatura – 01 Jul 2022 21-16-23, 21-52-00;
307 - No dia seguinte - ... de ... de 2022 – o Dr. AA mantém conversação com “VVV” referindo-lhe que tem um negócio que será a “sua especialidade” não sendo necessário “dividir com ninguém”;
308 - Nessa conformidade, o Dr. AA informa que um individuo “que esteve metido numas confusões em Espanha”, “tem aí quatro contas, uma das contas tem 38 milhões de euros, a outra das contas tem 280 milhões, a terceira conta tem 400 milhões e há uma quarta conta, e essa não vai entrar para já no bolo, que é 2,5 mil milhões” e precisa de movimentar esse dinheiro, querendo o Dr. AA “apresentar soluções”! [Intercepção ambiental viatura – 02 Jul 2022 19-05-19];
309 - Ao final desse dia, o Dr. AA mantém conversação com AA, na qual lhe refere que “têm de pôr a máquina a andar” referindo deslocações ao Dubai ou Seychelles. Na continuidade afirma que ele e VVV” consultaram os elementos e os mesmos são credíveis “porque está demasiado bem elaborado e tem o SIS do ...”;
310 - No seguimento, o Dr. AA e AA referem dos procedimentos para efectuar as transferências para contas deslocalizadas referindo “...” a começar pela conta dos 38 milhões, percepcionando-se que a origem dos fundos estará relacionada com um “...” e implicará uma ida a Madrid. O Dr. AA afirma a necessidade de obter declaração escrita junto dos Bancos que “VVV” controla [Intercepção ambiental viatura – 02 Jul 2022 22-15-28, 22-48-05];
311 - Não se apuraram outros desenvolvimentos desta situação na investigação criminal, mas ela é reveladora da reiteração do Dr. AA no desenvolvimento de esquemas em vista do branqueamento de fundos monetários com origem ilícita;
Estabelecimento de diversão nocturna “...”
312 - O Dr. AA manteve, em período temporal não apurado, relacionamento amoroso com IIII, de nacionalidade brasileira, do qual nasceu um filho em ... de ... de 2008;
313 - Em ..., IIII regressou à cidade natal – ..., tendo a mudança de país sido apoiada financeiramente pelo Dr. AA. [Alvo 117069060 – Sessão 17868];
314 – O Dr. AA apoia financeiramente IIII, mediante o pagamento de quantias pecuniárias em valor e por meio não concretamente apurado;
315 – O Dr. AA frequenta com assiduidade o estabelecimento de diversão nocturna “...” e pelo menos desde ... que o Dr. AA envidou esforços junto de IIII, no sentido de esta angariar em ... raparigas que pudessem vir trabalhar para aquele estabelecimento. [Intercepção ambiental viatura - ... ..-..-.., ... ..-..-..];
316 - Em ..., IIII informou o Dr. AA que estava a ter dificuldades na angariação de raparigas, sendo instruída pelo Dr. AA que deve referir que elas vão trabalhar para “um clube nocturno e não para uma casa de alterne”. [Intercepção ambiental viatura 01 Apr 2022 ..-..-..];
317 - Em ... de ... de 2022, IIII referiu que enviou ao Dr. AA 16 fotos de 8 mulheres, sendo-lhe dada instrução para começarem “a tratar dos passaportes” e que posteriormente o Dr. AA enviará minuta “para assinarem os contratos”. No seguimento, o Dr. AA afirma que “até 12 meninas tem a certeza que consegue colocar”, referindo a estrutura de pagamento da qual sairá comissão para IIII [Intercepção ambiental viatura 26 Apr 2022 23-29-22, 26 Apr 2022 23-55-39];
318 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA é informado por IIII que virão 12 mulheres, afirmando o Dr. AA que têm de vir “separadas, não pode ser de uma vez só”, pois, caso contrário, o SEF não permitirá a entrada em .... [Intercepção ambiental viatura 04 May 2022 18-27-44 [a partir do minuto 8:50 até 11:10]];
319 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA solicita a IIII que lhe envie as fotografias das 8 mulheres escolhidas, referindo-lhe que lhe vai enviar, e que efectivamente enviou, as minutas dos contratos, “para não gastar dinheiro em advogados”, nos quais devem ser inseridos os dados de cada mulher. [Intercepção ambiental viatura30 May 2022 21-18-07 [a partir do minuto 14:00], 30 May 2022 22-12-17 [integral];
320 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA é informado das diligências junto do consulado no Brasil para enviar as 8 mulheres. [intercepção ambiental viatura 15 Jul 2022 22-30-03 [a partir do minuto 10:08 até ao fim] 15 Jul 2022 23-12-57 [até ao minuto 03:53];
321 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA é confrontado por funcionária do ..., de nome JJJJ, a qual afirma que “KKKK” lhe referiu que “o III demora muito tempo a pagar” (III é o nome pelo qual o Arguido é conhecido no ...) tendo sido questionada por colegas de trabalho “se já receberam o dinheiro do Juiz”. Na sequência, o Dr. AA afirma que KKKK “está a apostar loucamente no BALLET”, fazendo, igualmente, referência a momento temporal no passado relacionado com “trazer o BALLET ...” [intercepção ambiental viatura19 Jul 2022 04-35-46 [a partir do minuto 01:23];
322 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA é informado por IIII que o consulado negou a emissão dos vistos pela inexistência de meios de subsistência, referindo o Dr. AA que a contestação dessa decisão demoraria dois meses, sendo que “problema é que nesta brincadeira eram mais 2 meses; ao fim de 2 meses, tu não tens bailarinas”. Nessa conformidade, o Dr. AA instrui IIII, determinando que se transmita “às meninas”: “Ó meninas eu já falei com ..., vocês, mal devolvam os passaportes, estão a embarcar.” Na sequência, IIII afirma que KKKK lhe disse “que iam de duas em duas”;
323 – O Dr. AA trava o discurso de IIII afirmando “Ouve! Não quero falar ao telefone disso!” delegando em KKKK os contactos directos no sentido de agilizar a viagem das mulheres [Intercepção ambiental viatura Ficheiro 29 Aug 2022 17-17-21 [a partir do minuto 6:25 até 13:20];
324 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA mantém conversação com IIII a qual “quer falar em relação à situação das meninas”, referindo AA que já falou com KKKK e já lhe disse como vem o primeiro BALLET e o segundo BALLET terá de vir noutros termos. Na sequência, IIII refere que KKKK queria que só fosse pago o segundo BALLET, alegação negada pelo Dr. AA [Intercepção ambiental viatura15 Sep 2022 22-13-14 [entre 8:50 e 11:20;
325 - Nessa conformidade, IIII refere que KKKK lhe referiu que ia pagar 5.500,00 Euros pela comissão referente ao envio das sete meninas e o coreógrafo, referindo o Dr. AA que sendo “prestação de serviços” KKKK não vai ter custos, tendo este enviado o dinheiro para IIII pagar as “passagens” das meninas para ..., quantia que se traduz em cerca de 12.000,00 euros;
326 - Na sequência, o Dr. AA instrui IIII a negar esse pagamento, pois o que KKKK pretende é desresponsabilizar-se da “imigração ilegal”. [Intercepção ambiental viatura15 Sep 2022 22-13-14 [entre 8:50 e 11:20, 22 Sep 2022 22-56-31 [entre 7:55 até 9:48];
327 - Contudo, o Dr. AA afirma que IIII deve “aguçar o bico” de KKKK com meninas mais especiais, porque “neste BALLET não há nada de especial”. [Intercepção ambiental viatura15 Sep 2022 22-13-14 [entre 8:50 e 11:20];
328 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA refere ao amigo e também frequentador do espaço “...”, LLLL, que KKKK “apanhou cá o pessoal e já está a dar o dito por não dito com o que combinou lá com o Brasil.”;
329 - Na sequência, o Dr. AA afirma que “se é perigoso é agora, porque ela tem lá tudo, os processos do consulado, as mensagens, as transferências do dinheiro” [Intercepção ambiental viatura 06 Oct 2022 15-33-39 [a partir de 9:30 até 11:20];
330 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA informa IIII que KKKK lhe pediu para ir a Lisboa “buscar as miúdas” do “BALLET”, sendo perceptível do diálogo que IIII recebeu 6.000,00 Euros de KKKK, o qual já terá “pago tudo” [Intercepção ambiental viatura 31 Oct 2022 22-55-14 [a partir do minuto 5:10 a 10:35], aliviando desta forma os encargos do Dr. AA com a IIII e o filho de ambos;
331 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA refere que as meninas devem falar com KKKK e que “não deve haver problema pelas meninas saírem na sua folga ao domingo”. [Intercepção ambiental viatura 05 Nov 2022 09-58-26 [a partir do minuto 11:40 até 12:50];
332 - Em ... de ... de 2022, o Dr. AA é informado por IIII sobre o facto de já ter sido enviado todo o dinheiro pago por KKKK para o Brasil. [Intercepção ambiental viatura 19 Nov 2022 23-15-31 [entre 00:30 e 00:35]];
333 - Em consequência das supra descritas condutas, foram introduzidas ilegalmente em território nacional, com vista a efectuarem “alterne” no estabelecimento “...”, pelo menos, as seguintes cidadãs de nacionalidade brasileira:
- MMMM
- NNNN
- OOOO
- PPPP
- QQQQ
- RRRR
- SSSS
334 - Resulta, assim, que o Dr. AA, em comunhão de esforços com IIII e TTTT, gerente do “...”, procederam à montagem e estruturação de esquema de auxílio à imigração ilegal, o qual se traduziu na introdução em Portugal entre Setembro e Outubro de 2022 de, pelo menos, sete cidadãs e um cidadão (coreógrafo), de nacionalidade brasileira que entraram em Portugal com visto de turismo, quando, na realidade, se destinavam a trabalhar no referido estabelecimento de diversão nocturna.
Na prossecução desta actividade e com a intermediação do Dr. AA, IIII foi remunerada em quantia não inferior a 6.000,00 euros;
335 – Na sua declaração de rendimentos na sequência da obrigação declarativa que impende sobre magistrados judiciais, junta a estes autos a fls. 99 e segs., o arguido não declarou auferir quaisquer rendimentos derivados da sua atividade empresarial, nem tão pouco declarou as atividades empresarias por si desenvolvidas ou as sociedades de facto/irregulares que tinha, sendo que os rendimentos daí advenientes jamais foram fiscalmente declarados;
336 - O Arguido, por si e também actuando em conjunto, em comunhão de esforços, com os indivíduos referidos, agiu sempre livre voluntária e conscientemente, de forma reiterada e muito grave, causando profundo e manifesto desprestígio para a administração da justiça e para o exercício da magistratura.
III - 2 – Motivação
Naturalmente tivemos primacialmente em conta o constante do processo de inquérito crime n.º 228/20.7... (no qual foi integrado o processo de inquérito n.º 128/18.0...), que foi essencial para dar como provados os factos nos moldes em que o foram.
Assim, os factos dados como provados assentam na apreciação crítica e global da prova a que também se fez referência expressa nos factos dados por provados, com particular destaque para as intercepções telefónicas, vigilâncias, recolha de som e imagem, consulta de contas bancárias e outra prova documental, na sequência das diligências realizadas nos processos de inquérito em causa, entretanto reunificados no referido processo de inquérito n.º 228/20.7..., tudo avaliado segundo as regras da experiência e a livre convicção firmada, tendo influído também a experiência do Instrutor enquanto Juiz e enquanto cidadão.
Diga-se que a decisão transpôs genericamente para a factualidade provada todos os factos que já constavam da acusação deduzida, por não ter sido produzida prova com relevo para alterar o que constava da acusação ou acrescentar qualquer nova factualidade.
E essa transposição acabou por se revelar tarefa a não implicar especial exigência interpretativa, ante a fluidez emergente dos dados probatórios objectivos colhidos e exame dos elementos documentais extraídos do processo de inquérito n.º 228/20.7..., com particular relevo para as escutas, a que se fez expressa referência nos factos dados por assentes.
Mas também outra prova, designadamente para a prova dos itens 6 a 12, em que não houve recurso a escutas, que se consideraram os elementos de prova aí referidos e que estão também parcialmente no apenso F do processo 228/20.7..., sendo relevante deste processo o constante de fls. 5 a 28, 45 a 59, 64, 65, 69, 70 para prova da matéria em referência, de onde ressaltam as comunicações documentadas do BCP e da CGD sobre o sucedido.
Consideraram-se ainda as declarações prestadas pelo arguido perante o Ministério Público, na parte em que referiu que, quando esteve de licença parental alargada desde Setembro de 2015 a Novembro de 2019, que disse nesta altura era sua intenção sair da magistratura e naquele ínterim virou-se para outra actividade, para o “corporate”, o grande negócio e considerou-se também, quando mais adiante refere que ensaiou vários negócios em 2016/2017 com o GG, a quem reconheceu designadamente ter dado apoio jurídico (tal como por exemplo também sucedeu em relação a IIII, em que elaborou minutas de documentos para entregar no consulado e constituir sociedade para a mesma não gastar dinheiro em advogados e se ajudar a si próprio) isto, naturalmente para além da parte em que corrobora o que consta de documentos e escutas nos moldes dados por provados.
Note-se que no âmbito deste processo o Arguido prestou declarações, tendo confirmado integralmente as declarações que prestou perante o Ministério Público no âmbito do processo crime, sendo que as suas declarações se mostram completamente inverosímeis quando refere que na intensa actividade negocial, que reconheceu, não constituía qualquer actividade profissional, sendo apenas negócios e tentativas de negócios na sua vida pessoal, nunca tendo tido qualquer lucro ou recebido qualquer importância. Aliás, está inclusivamente em absoluta desconformidade com o constante das escutas, a que aliás se faz expressa referência e se transcrevem nos factos provados, mas também com a demais prova avassaladora a que adiante nos reportaremos.
Como é evidente, não se concebe que na intensa atividade negocial que exerceu desde, pelo menos, 2017 (existindo nos autos elementos a que adiante nos reportaremos, que apontam até para atos negociais em 2016) nunca tenha recebido qualquer importância, sendo que se assim fosse naturalmente não a prolongaria durante vários anos como fez com o dispêndio de tempo, gastos e mesmo adiantamento de dinheiro, como reconheceu ter feito pelo menos uma vez, mas que das escutas resulta ter feito uma multiplicidade de vezes. É, pois, de refutar por absoluto que de uma atividade intensa, com intervenção em múltiplos negócios, envolvendo valores vultuosos e mesmo muitíssimo vultuosos não tenha retirado qualquer proveito, quando o mesmo referiu nas declarações que prestou que aquando da sua licença parental passou a dedicar-se ao grande negócio.
Ou seja, salvo o devido respeito por opinião adversa, a negação do exercício de uma atividade que podemos considerar, porque é, profissional durante vários anos, de negócios de valor elevado e mesmo elevadíssimo, com um intenso labor e dispêndio económico, de que designadamente as escutas transcritas nos factos provados dão muito viva nota, trata-se, salvo o devido respeito, de um mero exercício de retórica argumentativa destituído de qualquer racionalidade.
A título exemplificativo atente-se o constante das escutas vertido nos factos provados nos pontos 152, 153, 156, 190, 214, 227, 233, 265, 290 (onde refere que de comissionista passou a titular do negócio), 301 (onde refere o seu vultuoso investimento). Para além disso, temos a factualidade relacionada com o branqueamento de uma verba de cem mil milhões de euros, tendo para o efeito realizado diligências no BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS e na CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, conforme reconheceu e resulta dos elementos probatórios supra referidos, para além de ter mantido negociações com intervenção activa como intermediador de um negócio de uma sociedade terceira para aquisição de um imóvel em ... (cfr. item 10 dos factos provados e os elementos probatórios considerados).
Mas, para além disso, existe um elevado número de escutas transcritas em anexo envolvendo o Arguido, citando-se exemplificativamente as que se reportam a fls. 15 e 16, em que o mesmo discute valores e comissões com os seus interlocutores relativos a imóveis em ... (produto 3222, 2019-04-09, produto 4165, 2019-04-15 e 4220, 2019-04-16), mas também em relação a outros imóveis e situações negociais como podemos ver da transcrição das escutas a que se reportam fls. 16 e 17, 39 e 40, 42, 43, 46 a 114, 259 a 279, 352 e 353, 376, 377 (o Arguido aqui assume que GG é seu sócio), 378, 450 a 452, 549, 550, 553, 621, 622, 623, 677 a 682, 1043 a 1046, 1070 a 1073, 1111 a 1116, 1144 a 1146 (aqui o Arguido assume o ganho de 26.000 euros num negócio imobiliário - produto 14010, de 07-05-2021), 1180 a 1182, 1204, 1676 a 1678, 1713 a 1715, 1798 a 1803, 1844 e 1845, 1924 a 1929, 1965 a 1968, 2254 a 2257, 2317 a 2326, 2357, 2358, 2362, 2413, 2417, 2419, 2421, 2423, 2482, 2483, 2486, 2548, 2556, 2562, 2618 a 2620, 2623, 2737, 2740, 2743, 2798, 2838, 2839, 2885, 2923, 2924, 2972, 2973, 2977 a 2979, 3014 a 3016, 3077, 3078, 3108 (em 17-04-2022 - para além do mais, fala de vários negócios que realizou), 3142, 3143, 3146 (onde o Arguido e FF referem que sempre foram os três e que são sócios, referindo-se a GG), 3166 e 3167.
Nestas variadas conversações, para além do mais, o Arguido aborda detalhes de múltiplos negócios imobiliários na zona do Porto, mas também em outras áreas do país, como em ... e Coimbra, que chegam a ascender a 8 milhões e o valor da sua comissão. O Arguido mantém extensas conversações, designadamente, com o Advogado UUUU, com influência na ... e com GG e FF a propósito de vários projetos imobiliários, onde para além se reportar a uma imensidade de negociações, o Arguido se assume como representante da ..., resultando claramente o exercício de outra atividade profissional por parte do mesmo, sendo remunerado, designadamente através de comissões, principalmente derivadas da sua atividade de mediação imobiliária em parceria com FF e GG, resultando desde logo daqui, à saciedade, a prova, para além do mais, da matéria vertida nos itens 13, 15 e 16 factos provados.
Para além disso, na sequência das buscas realizadas no domicílio e automóvel do Arguido foi apreendida documentação relacionada com projectos imobiliários (cfr. autos de busca e apreensão de 19/06/2023).
Da análise dos conteúdos do telemóvel, computador, pens e disco externo que foram apreendidos reforçou-se ainda a prova já existente e sobeja sobre a factualidade que se deu por adquirida.
Assim, quanto às mensagens de correio electrónico, na pasta “recebidos AA”, verifica-se que, logo a partir de Maio de 2016, na primeira mensagem, lhe é remetida documentação para exercer a sua actividade de mediação [i]mobiliária, o que se repete nas mensagens seguintes, assumindo também o mesmo a sociedade de facto que mantém com o FF e oGG (por exemplo nas mensagens de ... de ... de 2016, ... de ... de 2017, ... de ... de 2017, 17 e ... de ... de 2017).
Na mensagem de ... de ... de 2019assume-se como gestor de negócios da ..., apresentando proposta de aquisição de imóvel em ..., encontrando-se ainda uma multiplicidade de mensagens relativas ao negócio das “...” e negócios imobiliários em ... com UUUU como interlocutor, sobretudo nos anos de 2018 e 2019 (por exemplo, todas as mensagens de março deste ano).
Mas veja-se também, exemplificativamente, a mensagem de ... de ... de 2019 de BBB, com a marcação de duas reuniões sobre um imóvel no Porto e outro em Lisboa, tendo no dia ... remetido um contrato de mandato para negócios imobiliários em que o Arguido surge como mandatário, estabelecendo-se nesse contrato a sua remuneração, através de comissões.
Mas podemos ver em 2020, logo a partir do dia 3 de Janeiro a sua intervenção em edifícios da ... e da ...´s em ....
Em ..., ..., ... também existe imensa troca de mensagens de correio electrónico relativo ao empreendimento “...” – veja-se por exemplo o de ... de ... de 2022 remetido por GG.
Relativamente ao anexo correio electrónico, Volume 2, “enviado AA” começa logo pelo envio de um contrato de mandato, em ... de ... de 2017, que figura como mandatário, sendo a sua remuneração de 75.000,00 Euros em caso de venda pelo valor acordado.
Em 12 de Fevereiro, 9 e 23 de Março, 3 e 9 de Abril, 8, 16, 24 e 30 de Maio e ... de ... de 2018 envia mensagens a propósito do negócio de ..., que claramente intermediou.
Em ... de ... de 2018 envia mensagem para GG a propósito de vários negócios, abordando também a questão da tentativa de introdução dos 100 mil milhões de euros em Portugal e das diligências realizadas.
Em ... de ... de 2018 assume-se como representante de uma empresa (...), na sequência de acção interposta contra a mesma.
Em 17 de Junho do mesmo ano refere-se a uma multiplicidade de negócios, tendo dito estar a trabalhar em minutas de contratos.
Em ... de ... de 2018 apresenta proposta para um negócio de grandes dimensões (proposta de comercialização de 64 frações) sendo que no final da mensagem enviada apõe – AA e associados, ou seja, é o próprio que assume a sociedade de facto (com o GG e FF, escudados na ..., como já deixámos dito).
Em 2019, temos várias mensagens com negociações com UUUU a propósito de imóveis em ...;
Em ... de ... de 2019 temos mais uma mensagem a dar nota de mais um negócio de grande dimensão.
Em ... de ... de 2020 em mensagem enviada a CCC assume a representação da ... e em 9 de Maio envia-lhe um contrato promessa dessa sociedade.
Em ... de ... de 2021, o Arguido envia uma proposta negocial em seu nome, de FFe GG.
Em ... de ... de 2022, envia minutas de contratos e em 15 de Agosto envia minuta para IIII para se pronunciar sobre a proposta de indeferimento do Consulado.
Em ... de ... de 2023 faz proposta para aquisição de um imóvel na qualidade de gestor de negócios de uma sociedade de ... - faz a proposta de aquisição de um imóvel por 2 milhões e 250 mil euros.
Quanto às mensagens de WHATSAPP do seu telemóvel, realça-se o secretismo das mensagens trocadas com MMM.
Com FF mantém contactos sobre vários negócios sobretudo do projeto “...”.
Com GG troca também múltiplas mensagens mais para marcar encontros e discutir alguns negócios sobretudo do ... de ....
Em ... de ... de 2021 GG diz deixar um envelope na bomba de gasolina com 3.250,00 euros para o Arguido.
Em Abril de 2022 pede a GG para lhe pagar “5k” que lhe devia.
Com IIII troca uma multiplicidade de mensagens por WHATSAPP, decorrendo das mesmas que é o Arguido que toma a iniciativa junto da mesma para esta arranjar bailarinas, dando-lhe todos os detalhes do negócio, resultando claramente que são para o “alterne” - “comissão de bebida acresce ao salário”. Resulta ainda que foi o Arguido que tratou das reservas de viagens.
Em ... de ... de 2016 troca mensagem de WHATSAPP com GG relativa a negócio de um empreendimento em ... e em ... de ... de 2016 relativa a um negócio ao ....
No que concerne aos dados electrónicos que foram extraídos de uma “pen” e de um disco externo do Arguido, resultou a existência de várias dezenas de documentos (contratos promessa de mandato, de mediação imobiliária, exclusividade comercial, de prestação de serviços, cartas, etc.) denotadores da intensa atividade comercial no ramo imobiliário, chegando em um deles a figurar como mandatário, sendo o primeiro dos quais de 2017, data que se deu por assente em que pelo menos o arguido começou a sua (intensa) atividade empresarial paralela à magistratura.
São imensos exemplos, mas poder-se-iam indicar muitos outros derivados da prova recolhida no âmbito do processo-crime.
Considerou-se ainda a demais documentação junta aos presentes autos (registo biográfico e disciplinar e registo de ausências ao serviço) para a prova da respectiva matéria.
Mais se consideraram as declarações prestadas no processo de inquérito de:
- PPP, designadamente, quando refere que que o Arguido queria introduzir no sistema não teria origem legítima e que seria um processo de branqueamento de fundos em criptomoeda com origem criminosa;
- VVVV, que refere designadamente que o Dr. AA sugeriu a criação de uma página de Internet com o intuito de mascarar e dissimular a circulação de capitais provenientes das criptomoedas e proceder, posteriormente, à sua “bancarização”;
- GG, que designadamente descreve as actuações do Dr. AA, onde se inclui que o mesmo “esteve sempre disponível a ajudar-me” e que também ajudou o Dr. AA, exemplificando que por algumas ocasiões aquele lhe entregou cheques, pedindo-lhe que os depositasse na sua conta bancária e posteriormente fizesse o levantamento dessas quantias e lhe entregasse numerário.
Mais esclareceu que o mesmo e as empresas por si controladas serviam para o Arguido realizar e participar em certos negócios que o facto de ser “funcionário público” o impedia de fazer.
Esclarece também a forma como o Dr. AA actuou junto do CCC para o favorecer, mediante o pagamento de € 50.000,00.
Consideraram-se ainda os depoimentos de WWWW, MMMM, XXXX, YYYY, ZZZZ, AAAAA, BBBBB e CCCCC prestados sem sede de inquérito criminal, que, em suma, embora sem grande relevo, confirmaram matéria relativa ao estabelecimento nocturno “...”, mais propriamente os termos em que vieram para Portugal e o que vieram fazer, sendo que não tinham qualquer relacionamento com o Arguido, com excepção de YYYY.
De tais depoimentos e da documentação junta, designadamente das mensagens de WHATSAPP que BBBBB juntou aos autos, resulta o cuidado com a IIII instruída pelo “Advogado” (isto é o Arguido, que efectivamente atuou como tal) entraram em Portugal, designadamente em voos e em grupos separados e com visto de turismo (com voos de ida e volta), quando se destinavam a trabalhar no estabelecimento “...”, não estando previsto qualquer regresso ao Brasil.
Consideraram-se ainda as certidões permanentes da ..., ..., ... e cópia da escritura relativa aos itens 18 e 19 dos factos provados para a prova da respectiva matéria, bem como as bases de dados policiais para a prova da matéria vertida nos itens 78, 154, 155, 196, 208, in fine e 264 in fine dos factos provados.
Em suma, a prova é abundante e sobeja, no sentido de dar como assente factualidade que se deu por adquirida.
Quanto às testemunhas arroladas pela defesa não serviram para infirmar o que quer que fosse da acusação, antes pelo contrário.
VV, Advogado, amigo do Arguido, disse que apenas sabia da existência do negócio das “...”, tendo descrito alguns pormenores do mesmo, tendo mesmo dito que nesse âmbito teria emprestado 165 mil euros ao Arguido, tendo ainda dito que era o único negócio que conhecia do Dr. AA, assumindo desconhecer assim a intensa actividade negocial do Arguido, que a sobredita prova denota em abundância, daí que nada tenha valido a asserção de que não havia sociedade de facto.
Ou seja, tal serviu apenas para confirmar o que já se mostrava adquirido, ou seja um negócio mais em que o Arguido teve – intensa – intervenção no âmbito da sua actividade empresarial.
Para além disso, das escutas juntas aos autos, resulta que VV tinha conhecimento e teve intervenção em outros negócios do Arguido, conforme resulta dos itens de fls. 144, 145, 283, 284 e 296 dos factos provados e dos meios de prova aí referidos, mas também das mensagens de correio electrónico e de WHATSAPP que trocou com o Arguido.
Já o depoimento de DDDDD, também amigo do Arguido e também frequentador do “...”, não teve qualquer relevância, uma vez que disse desconhecer a intervenção do Arguido nos factos em causa relacionados com o estabelecimento “...”, embora tivesse algum conhecimento, conforme decorre das mensagens de WHATSAPP que trocou com o Arguido.
Quanto ao depoimento de EEEEE, relativa à matéria do art.º 10.º da acusação, confirmou tal matéria, tendo, porém, dito de forma inverosímil que apenas teve intervenção nas negociações por amizade, não sendo remunerado por tal intervenção, sendo que o mesmo nem sabia quem era o “amigo”, algo que como supra já deixámos dito, obviamente não colhe, não nos tendo merecido por isso credibilidade esta asserção.
Por fim, quanto ao depoimento de IIII, que tem um filho do arguido e a quem o mesmo paga também mensalmente 350 euros a título de alimentos, também pouco interesse teve para o apuramento dos factos, tendo tomado uma postura de defesa do Arguido, a quem considera o seu melhor amigo, tendo porém reconhecido que o mesmo lhe deu apoio jurídico tendo elaborado duas minutas, uma vez que a mesma não tinha condições para pagar a um Advogado, tendo o mesmo actuado com o intuito de ajudar o seu filho através de si.
Em sinopse, mantém-se na íntegra a matéria constante da acusação.
(…)
Do exposto não se deve, porém, concluir que, no caso dos autos, tenha de ser feita uma apreciação «ex novo» de tudo o que foi alegado pela Ilustre Mandatária do arguido na audiência pública, relativamente aos meios de prova que entende não poderem ser valorados no procedimento disciplinar; só seria assim se, porventura, o Senhor Instrutor não se houvesse já pronunciado sobre o que, a esse respeito, foi alegado (nos mesmos termos) pelo arguido na sua defesa.
Assim, quando haja concordância com o que o Senhor Instrutor exarou no Relatório Final será feita remissão para este, sem prejuízo de, quanto à valoração de alguns dos meios de prova, se acrescentarem alguns argumentos que dele não constam; no caso de se discordar da posição assumida pelo Senhor Instrutor, o Plenário do CSM, enquanto órgão decisor, não deixará de ponderar na sua deliberação o que foi alegado na audiência pública.
(…)
Seguir-se-á a ordem pela qual as alegadas nulidades ou proibições de valoração das provas obtidas no processo-crime foram apreciadas no Relatório Final.
O pedido de suspensão dos autos do presente procedimento disciplinar, em que a Ilustre Mandatária do arguido insistiu no final das suas alegações, será apreciado depois de se tomar posição quando às alegadas nulidades.
A) Das alegadas nulidades da acusação e da alegada proibição de valoração no procedimento disciplinar de meios de prova obtidos no processo penal
(…)
2. No que tange à alegada «proibição de valoração de escutas telefónicas em processo disciplinar e obtidas em processo penal», acompanha-se integralmente o entendimento que o Senhor Instrutor exarou no Relatório Final (em «II-c»), para o qual se remete.
No entanto, impõe-se, por um lado, fazer uma referência particular ao argumento de «maioria de razão» invocado pelo Arguido, no n.º 83 da sua defesa e nas alegações orais produzidas pela sua Ilustre Mandatária na audiência pública – depois de dizer que «o artigo 187.º do Código de Processo Penal é claro ao proibir a transposição da gravação de conversas ou comunicações de um processo penal para outro e a sua posterior utilização, se este último respeitar a crime que não admita escutas telefónicas (vd. n.º 7 do art.º 187.º do CPP)» –, com referência ao art.º 187.º, n.º 7, do CPP, para sustentar que «a proibição de obtenção da prova por meio de escutas telefónicas abrange todos os processos que não os respeitantes aos crimes de catálogo e, inerentemente, os processos de natureza não penal como são os processos disciplinares»; e, por outro lado, convocar uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos sobre a possibilidade de utilização em procedimento disciplinar contra um juiz de escutas obtidas no processo penal (que não é o caso da proferida no «processo VERSINI-CAMPINCHI ET CRASNIANSKI c. FRANCE», mencionada pelo Senhor Instrutor no Relatório Final), bem como alguma jurisprudência estrangeira no mesmo sentido.
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2.1. A formulação usada pelo arguido não é muito rigorosa e evidencia uma confusão entre o que designa como «proibição de obtenção da prova por meio de escutas telefónicas», a que se referem os n.ºs 1 a 6 do art.º 187.º do CPP (posto que a formulação legal dos n.ºs 1 a 4, contrariamente ao que o arguido parece sustentar, não consagre diretamente uma proibição da intercepção e da gravação de conversações ou comunicações telefónicas, antes defina os termos em que a intercepção e a gravação podem ser autorizadas – apenas se proibindo directamente, no n.º 5, «a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações entre o arguido e o seu defensor», ainda que com a excepção prevista na sua parte final), por um lado, e a disciplina da utilização da «gravação de conversações ou comunicações», estabelecida (esta sim) no n.º 7 do art. 187.º do CPP.
Pois bem: admitindo que o alegado pelo arguido se refere ao que nesta norma, por ele convocada, se estabelece quanto à utilização da gravação de conversações ou comunicações (porque é fora de dúvida que a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só pode ter lugar em processo penal), o que ele verdadeiramente pretende sustentar é que, sendo essa norma «clara ao proibir a transposição da gravação de conversas ou comunicações de um processo penal para outro e a sua posterior utilização, se este último respeitar a crime que não admita escutas telefónicas», essa «proibição de transposição» vale também, «por maioria de razão», para os «processos de natureza não penal como são os processos disciplinares» (só a estes, porque não mencionados na letra dessa norma do CPP, se pode reportar o aludido argumento de «maioria de razão»).
Como é sabido, o argumento de maioria de razão («a fortiori», na designação latina) é um dos argumentos que podem ser utilizados para «fundamentar a interpretação extensiva» da lei . O intérprete efectua uma interpretação extensiva da norma jurídica quando «chega à conclusão de que a letra do texto fica aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal adoptada peca por defeito, pois diz menos do que aquilo que se pretendia dizer»; com ela, o intérprete «[a]larga ou estende então o texto, dando-lhe um alcance conforme ao pensamento legislativo, isto é, fazendo corresponder a letra da lei ao espírito da lei» . De acordo com o argumento de maioria de razão, «se a lei explicitamente contempla certas situações, para que estabelece dado regime, há-de forçosamente pretender abranger também outra ou outras que, com mais fortes motivos, exigem ou justificam aquele regime» .
Sucede, porém, que, como decorre do que acabámos de dizer, a interpretação extensiva, qualquer que seja o argumento em que se pretenda ancorá-la, apenas é admissível desde que se possa concluir que o legislador, ao formular a norma, disse menos do que, realmente, queria dizer; por outras palavras e ainda mais expressivamente, «a interpretação extensiva só é possível quando o intérprete conclua pela certeza de que o legislador se exprimiu restritivamente, dizendo menos do que pretendia (minus dixit quam voluit)» . Só assim é legítimo estender o texto da lei, de modo a fazê-lo coincidir com o seu espírito.
O art. 9.º do Código Civil (doravante, C.Civil) consagra alguns princípios sobre a interpretação das leis (…)
Posto isto, importa averiguar se a norma do n.º 7 do art. 187.º do CPP deve ser interpretada extensivamente, com base no argumento de «maioria de razão», em termos de excluir a utilização no procedimento disciplinar das gravações de comunicações telefónicas obtidas em determinado processo penal. Atentemos, para tanto, no texto desta norma: (…).
Diga-se, preliminarmente, que esta norma não consagra diretamente uma proibição de utilização da «gravação de conversações ou comunicações» autorizada, na fase de inquérito, em determinado processo penal «em outro processo, em curso ou a instaurar», disciplinando, antes, os termos em que (sem prejuízo do que se acha estabelecido no art.º 248.º) tal utilização é permitida nesses outros processos, o que só se verifica na hipótese de a gravação das conversações ou comunicações ter «resultado de intercepção de meio de comunicação utilizado por pessoa referida no n.º 4 e na medida em que for indispensável à prova de crime previsto no n.º 1». Trata-se, pois, de uma norma permissiva, ainda que a permissão se limite à hipótese taxativamente indicada; e não de uma norma proibitiva.
Ora, como a norma contida no n.º 7 do art. 187.º não estabelece directamente a proibição de utilizar a «gravação de conversações ou comunicações» autorizada num dado processo-crime, na fase de inquérito, «em outro processo, em curso ou a instaurar», mesmo que se concluísse «pela certeza de que o legislador se exprimiu restritivamente, dizendo menos do que pretendia», o alargamento do que dela resulta literalmente, por interpretação extensiva (com fundamento no argumento de maioria de razão ou qualquer outro), traduzir-se-ia em permitir a utilização de tal gravação para além da hipótese expressamente contemplada no texto da norma legal. Mas não é isso que aqui está em causa.
A norma do n.º 7 do art. 187.º do CPP consagra, no entanto, uma disciplina excepcional (um «ius singulare») para o caso que contempla, alcançando-se o regime-regra (oposto àquele), aplicável aos casos por ela não abrangidos, através de uma interpretação «a contrario sensu».
Uma norma reveste-se de natureza excepcional desde que «se mostre (…) que a consequência jurídica se produz quando se verifique a hipótese» nela incluída e «só se produz quando se verifique tal hipótese», o que ocorre, designadamente, quando a indicação feita na previsão ou domínio de aplicação da norma tenha carácter taxativo; é isso que confere «força plena» ao argumento «a contrario» .
No caso da norma do CPP que aqui nos interessa, a sua natureza excepcional resulta de a sua estatuição – «a gravação de conversações ou comunicações (…) pode ser utilizada em outro processo, em curso ou a instaurar» – valer «só» para o caso de essa gravação ter «resultado de intercepção de meio de comunicação utilizado por pessoa referida no n.º 4 e na medida em que for indispensável à prova de crime previsto no n.º 1».
A fim de determinarmos o regime-regra que dela se extrai «a contrario sensu», que sabemos «que se contrapõe ao regime estabelecido pela norma excepcional» e tem aplicação às situações não abrangidas por esta, importa precisar o alcance da estatuição da referida norma excepcional: a de que «a gravação de conversações ou comunicações (…) pode ser utilizada em outro processo, em curso ou a instaurar», verificada a hipótese que aí se indica e só ela, isto é, «se tiver resultado de intercepção de meio de comunicação utilizado por pessoa referida no n.º 4 e na medida em que for indispensável à prova de crime previsto no n.º 1». Ora, atendendo, designadamente, a que a utilização da «gravação de conversações ou comunicações» tem de se mostrar «indispensável à prova de crime previsto no n.º 1», não subsiste qualquer dúvida de que o «outro processo, em curso ou a instaurar» no qual a gravação em causa pode ser utilizada só pode ser um processo de natureza criminal. Donde se extrai a conclusão de que o regime-regra oposto ao que, com carácter excepcional, estabelece a letra do n.º 7 do art. 187.º do CPP, também só se refere à utilização de gravações em outro processo penal, sendo, por conseguinte, o de que a gravação de conversações ou comunicações autorizada e obtida durante o inquérito, num determinado processo penal, não pode ser utilizada em outro processo penal, em curso ou a instaurar, se não tiver resultado de intercepção de meio de comunicação utilizado por pessoa referida no n.º 4 e se não for indispensável à prova de crime previsto no n.º 1 do mesmo artigo. Por outras palavras, que nesta hipótese é proibida a utilização da gravação de conversações ou comunicações autorizada e obtida em determinado processo penal, durante o inquérito, em outro processo penal, em curso ou a instaurar. E bem se compreende que a regra da proibição respeite somente à utilização da referida gravação em outro processo de natureza penal, uma vez que, como tem sido decidido em Itália pela Corte di Cassazione (até em acórdãos referentes à utilização das escutas telefónicas em procedimento disciplinar contra magistrado), em face da norma do n.º 1 do art. 270 do Codice di Procedura Penale, correspondente ao n.º 7 do art. 187.º do nosso CPP, é no processo penal que «se justificam limitações mais rigorosas no que respeita à aquisição da prova, em derrogação do princípio fundamental da investigação da verdade material» . É por tal regime-regra se traduzir na proibição de usar as escutas em outro processo penal que o próprio arguido (que não alude ao argumento «a contrario») tem necessidade de recorrer a uma interpretação extensiva, fundada no argumento de maioria de razão, para passar da proibição da utilização (e não da obtenção, como diz) das escutas telefónicas obtidas no inquérito de determinado processo penal em outro processo penal para a proibição da utilização dessas escutas também, nomeadamente, em procedimento disciplinar instaurado contra o arguido.
A interpretação extensiva feita pelo arguido não é, porém, admissível. Na verdade, como dissemos, a interpretação extensiva da norma jurídica tem lugar quando o intérprete conclui que «a letra do texto fica aquém do espírito da lei», que aquela «diz menos do que aquilo que se pretendia dizer» e, então, «alarga ou estende esse texto dando-lhe um alcance conforme ao pensamento legislativo»; e, como também vimos, «a interpretação extensiva só é possível quando o intérprete conclua pela certeza de que o legislador se exprimiu restritivamente, dizendo menos do que pretendia». Embora o regime-regra a que se chega mediante a interpretação enunciativa de uma norma jurídica, baseada no argumento «a contrario sensu», se possa traduzir apenas numa das etapas a percorrer com vista à reconstituição do «pensamento legislativo» (art. 9.º, n.º 1, do C.Civil), não é possível alargar ao procedimento disciplinar, por interpretação extensiva, a proibição de utilização da gravação de conversações ou comunicações estabelecida na lei para outro processo penal, que corresponde ao regime-regra definido com base no disposto no n.º 7 do art.º 187.º do CPP (através do recurso ao argumento «a contrario»), porque desse regime-regra nada decorre que permita concluir pela certeza de que «o legislador se exprimiu restritivamente, dizendo menos do que pretendia». Tratando-se de um regime determinado a partir do que se acha estabelecido numa norma excepcional que, sem margem para dúvidas, se refere somente à utilização da gravação nele mencionada em outro processo penal, a conclusão a que se chega é precisamente a oposta, ou seja, a de que o legislador não disse menos do que pretendia dizer; e tanto mais que, como vimos, é precisamente no processo penal que se justifica um maior rigor no estabelecimento de limitações no que concerne à aquisição da prova, «em derrogação do princípio fundamental da investigação da verdade material». O sentido que o arguido pretende atribuir à norma em causa («rectius», à que se extrai «a contrario sensu» do n.º 7 do art. 187.º do CPP) não tem sequer um «mínimo de correspondência» na letra da lei, como é exigido pelo n.º 2 do art. 9.º do C.Civil, não podendo, por isso, «ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei» . Não pode, aliás, esquecer-se que, por força do estatuído no n.º 3 do art. 9.º do C.Civil, o intérprete deve presumir que o legislador «soube exprimir o seu pensamento em termos adequados».
Excluída que está a existência de uma proibição legal de utilização em procedimento disciplinar da gravação de conversações ou comunicações legalmente obtidas na fase de inquérito do processo penal, subsiste a admissibilidade dessa prova, nos termos do disposto no art.º 125.º do CPP, subsidiariamente aplicável ao procedimento disciplinar contra magistrado judicial «ex vi» do art.º 83.º-E do EMJ. E bem se compreende, no quadro da «unidade do sistema jurídico» – um dos elementos interpretativos que o intérprete deve ter em conta para «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo», nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 9.º do C.Civil –, que o art.º 86.º, n.º 11, do CPP confira à «autoridade judiciária» a possibilidade de «autorizar a passagem de certidão em que seja dado conhecimento do conteúdo de acto ou de documento em segredo de justiça, desde que necessária», nomeadamente (no que aqui interessa), «à instrução de processo disciplinar de natureza pública». Esta norma, contrariamente ao alegado pelo arguido, não faz «tábua rasa do que se estatui no capítulo referente às escutas telefónicas», antes se harmoniza perfeitamente com o sentido que atribuímos ao n.º 7 do art.º 187.º do CPP. E o envio da certidão a que ela se [refere] tem como finalidade facultar ao órgão com competência decisória no procedimento disciplinar – no caso dos autos, o CSM, pelo Plenário – o uso (legítimo) da prova obtida no processo-crime que se ache contida nessa certidão, remetida para efeitos disciplinares, como é sustentado no Relatório Final, e não, simplesmente, para «comunicar a pendência de um processo crime contra um magistrado» (a ser deste modo, «o envio de certidão do inquérito crime contendo prova nele recolhida» revelar-se-ia desnecessário).
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2.2. Além do acórdão mencionado no Relatório Final, existe, pelo menos, outro acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) que decidiu pela admissibilidade da utilização de escutas obtidas no processo penal em procedimento disciplinar, entendendo que a mesma não viola a CEDH. Trata-se, como antecipámos, de um acórdão que respeita à utilização de tais escutas em procedimento disciplinar contra juiz: referimo-nos à decisão proferida no «Caso TERRAZZONI C. FRANCE» em 29-06-2017, que se tornou definitiva em 29-09-2017 (…)
2.3. Os acórdãos proferidos pelo TEDH nos casos «VERSINI-CAMPINCHI ET CRASNIANSKI c. FRANCE» (referido no Relatório Final) e «TERRAZZONI C. FRANCE» indicam as decisões dos tribunais franceses que admitiram a utilização em procedimento disciplinar das escutas telefónicas obtidas em processo penal, nos recursos interpostos das decisões tomadas pelos órgãos com competência disciplinar em relação aos advogados e à juiz que vieram a requerer a intervenção do TEDH. Na jurisprudência francesa, nesse sentido, podemos ainda referir, por exemplo, o acórdão da Cour de Cassation de 10-09-2014 (1.ª Câmara Civil - Recurso n.º 13-22.400) .
Mas também em Itália – em face de normas legais idênticas às que vigoram em Portugal – a possibilidade de utilização no procedimento disciplinar das intercepções telefónicas efectuadas em processo penal constitui «orientação consolidada» das Secções Unidas Civis da Corte di Cassazione, merecendo destaque os acórdãos respeitantes a procedimentos disciplinares contra magistrados. Este supremo tribunal «tem afirmado repetida e claramente o princípio da plena possibilidade de utilização no procedimento disciplinar» contra magistrado «das intercepções levadas a cabo no processo penal» (…)
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3. Relativamente à alegada «proibição de valoração, em processo disciplinar, de registo de som ambiente em interior de veículo automóvel obtidas em processo penal», também se concorda com o entendimento do Senhor Instrutor expresso no Relatório Final, quanto à validade da utilização de tal registo no procedimento disciplinar (em «II-d»), para o qual igualmente se remete.
Contrariamente ao que alega o arguido, não estamos perante um «meio de prova proibido por Lei», pois o n.º 3 do art.º 126.º, que invoca em apoio dessa tese, embora considere «nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular», ressalva expressamente «os casos previstos na lei». Ora, quer se entenda que a obtenção de prova aqui em causa se reconduz ainda ao domínio de aplicação do art.º 187.º do CPP – quanto às conversações ou comunicações telefónicas interceptadas e registadas – e à previsão do n.º 1 do art.º 189.º do CPP (que o Senhor Instrutor considera aplicável) – na parte em que determina a aplicação dos artigos 187.º e 188.º à «intercepção das comunicações entre presentes» – quer ao «regime especial de recolha de prova» estabelecido na Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro (como entende o arguido) – que, para os crimes previstos no art.º 1.º, admite «o registo de voz e de imagem, por qualquer meio, sem consentimento do visado», desde que tal se revele «necessário para a investigação» desses crimes –, as provas assim obtidas, porque a intercepção do som ambiente na viatura do arguido foi feita mediante autorização do juiz de instrução, com respeito a crimes constantes do «catálogo» do n.º 1 do art.º 187.º do CPP e também do art.º 1.º da Lei n.º 5/2002, são permitidas por lei e, por conseguinte, válidas.
Saliente-se, ainda, que a lei não exige que o juiz de instrução autorize expressamente o recurso ao meio de captação que foi usado para efectuar a intercepção e a entrada na viatura do arguido. Contra essa possibilidade não pode invocar-se, como faz o arguido, o direito à «reserva da intimidade da vida privada e familiar», pois não estão em causa assuntos da «esfera da intimidade», a que o arguido alude – «os assuntos relativos à vida sentimental, estado de saúde ou de gravidez, vida sexual, convicções políticas e religiosas» ou outros semelhantes –, nem assuntos da «esfera privada», que o arguido também refere – «que varia de pessoa para pessoa e que inclui os hábitos de vida e as informações que o indivíduo partilha com a sua família e amigos e cujo conhecimento o respetivo titular tem interesse em guardar para si» –, nas quais as autoridades judiciárias (e o CSM, enquanto órgão dotado de competência disciplinar) não têm qualquer interesse. O que está em causa, segundo a investigação criminal realizada, é a suspeita da prática de ilícitos criminais graves, que põem em causa valores essenciais à vida em comunidade e, por isso, não podem estar a coberto de uma absoluta «reserva da intimidade da vida privada e familiar», sob pena de serem completamente sacrificados «os interesses gerais da investigação e da prossecução da justiça penal», que com aquela podem conflituar; e não é esse o entendimento do Tribunal Constitucional, que – procedendo a uma «diferenciação entre aspectos que relevam para uma esfera intimíssima, inviolável, conexionada intrinsecamente com a dignidade da pessoa humana, e aspectos susceptíveis de ponderações em confronto com outros valores, envolvendo uma área menos absoluta, em que a própria protecção da vida privada depende de juízos ponderativos com o interesse público» – não retira da protecção constitucional da «reserva da intimidade da vida privada» a existência de «uma protecção ilimitada de uma qualquer esfera, identificada previamente e em abstracto, mas apenas a proibição de ponderações que conduzissem ao aniquilamento total da manifestação da dignidade da pessoa humana em casos concretos» –, o que não se verifica no caso dos presentes autos.
No que se refere à utilização da prova assim obtida em procedimento disciplinar vale o disposto no n.º 7 do art.º 187.º do CPP, aplicável por remissão do art.º 189.º, n.º 1, no caso da aí referida – uma vez que o art.º 189.º apenas disciplina directamente, no n.º 2, os termos em que «podem ser ordenadas ou autorizadas» a «obtenção e junção aos autos», no processo-crime, dos «registos da realização de conversações ou comunicações» previstas no n.º 1 («em qualquer fase do processo, por despacho do juiz, quanto a crimes previstos no n.º 1 do artigo 187.º e em relação às pessoas referidas no n.º 4 do mesmo artigo»); e vale igualmente para a hipótese de se considerar que essa prova foi obtida ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 6.º da referida Lei n.º 5/2002 (uma vez que este diploma legal apenas disciplina, em termos especiais, a «recolha de prova», e não a sua utilização), pois o n.º 3 do mesmo artigo considera «aplicáveis aos registos obtidos, com as necessárias adaptações, as formalidades previstas no artigo 188.º do Código de Processo Penal» e este artigo, no início do n.º 6, ressalva expressamente o disposto no n.º 7 do art. 187.º.
Assim, a utilização («valoração»), no procedimento disciplinar, da prova obtida através da intercepção do som ambiente no veículo do arguido (tal como dissemos em relação à obtida mediante escutas telefónicas) não é proibida e, desse modo, pode ser utilizada no procedimento disciplinar ao abrigo do disposto no art.º 125.º do CPP (subsidiariamente aplicável por força da remissão feita no art.º 83.º-E do EMJ), não se verificando a invocada nulidade.
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4. No que tange à alegada «proibição de valoração, em processo disciplinar, do conteúdo dos telemóveis e do correio eletrónico obtidos em processo penal», concorda-se igualmente com o que consta do Relatório Final (em «II-e»), para o qual se remete.
Apenas se sublinha que até MANUEL DA COSTA ANDRADE, cuja posição restritiva a respeito da utilização em procedimento disciplinar da prova obtida mediante escutas telefónicas é conhecido (estando referida no mencionado Relatório), admite expressamente, em estudo indirectamente citado no Relatório Final, a utilização do correio eletrónico em procedimento disciplinar. Este ilustre penalista sustenta, com efeito, que a comunicação «[s]ó existe enquanto dura o processo dinâmico de transmissão, isto é, até ao momento em que a comunicação entra na esfera de domínio do destinatário», ou seja, «até ao momento em que ela é recebida e lida pelo destinatário e, neste sentido, termina o processo de telecomunicação à distância»; e é por essa razão que este Autor, tal como se diz no Relatório Final, entende que «depois de recebido, lido e guardado no computador do destinatário, um e-mail deixa de pertencer à área de tutela das telecomunicações passando a valer como um normal escrito», escrito este que, enquanto tal, «está sujeito ao mesmo regime em que se encontra um qualquer ficheiro produzido pelo utilizador do computador e nele arquivado», podendo, por isso, «figurar como objecto idóneo da busca, em sentido tradicional» .
Como se diz no Relatório Final, este entendimento vale igualmente para as mensagens recebidas no telemóvel e que nele ficam gravadas, as quais perdem a natureza de comunicações com o fim da transmissão.
Tratando-se de prova validamente obtida em processo penal e que não é proibida por lei, a sua valoração em procedimento disciplinar é igualmente admitida pelo art.º 125.º do CPP, aplicável «ex vi» do art. 83.º-E do EMJ.
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5. Também merece a nossa concordância a posição assumida pelo Senhor Instrutor no Relatório Final (em «II-f») quanto à alegada «proibição de valoração, em processo disciplinar, das declarações/depoimentos de GG, KKK, PPP, MMMM e outros (arguidos e testemunhas)».
O arguido sustenta não ser admissível a «valoração probatória», em procedimento disciplinar, «de declarações de co-arguidos e depoimentos de testemunhas, tendo em conta a ausência de contraditório, na fase própria, que nos termos das leis do processo os tornam válidas»; estriba-se, para tanto, em que «no processo disciplinar, em tudo o que não estiver expressamente regulado, aplica-se o Código de Processo Penal», e em que o «disposto nos artigos 356.º e 357.º» deste Código não foram observados.
Mas não lhe assiste razão, pois a aplicação subsidiária das normas do CPP (assim como a do CPA e a do C.Penal) «em matéria disciplinar», sempre «com as devidas adaptações», apenas pode ter lugar verificada hipótese da norma contida no art.º 83.º-E do EMJ, ou seja (como o próprio arguido reconhece), «[e]m tudo o que se não mostre expressamente previsto» no Estatuto dos Magistrados Judiciais. Ora, o direito ao contraditório no procedimento disciplinar instaurado contra magistrados judiciais é exercido nos termos que se acham expressamente previstos e assegurados no EMJ: na defesa apresentada pelo arguido após a notificação da acusação deduzida pelo instrutor, no termo da instrução, com a qual «o arguido pode indicar testemunhas, até ao número de 20, juntar documentos ou requerer outras diligências de prova» (arts. 117.º, n.º 3, 118.º e 119.º, n.º 1, do EMJ); e na «audiência pública» (consagrada pela Lei n.º 67/2019, de 27 de agosto, de acordo com a jurisprudência do TEDH, que considerou aplicáveis ao procedimento disciplinar as garantias previstas no art.º 6.º, § 1, da CEDH), a realizar perante o órgão com competência para proferir a decisão final do procedimento disciplinar, cuja realização pode ser requerida pelo arguido, já depois da elaboração do relatório a que se refere o art.º 120.º, «para apresentação da sua defesa» (art.º 120.º-A, n.º 1, do EMJ), e na qual, após a leitura do relatório final (se o arguido dela não prescindir, uma vez que tem conhecimento do seu teor), é «dada a palavra ao arguido ou ao seu defensor ou mandatário para alegações orais» (n.º 4 do mesmo artigo) – podendo o arguido prestar declarações, nomeadamente, sobre os factos dados como provados ou não provados no Relatório Final, sobre a relevância disciplinar dos factos que lhe são imputados e sobre a sanção proposta e, se for caso disso, apresentar documentos susceptíveis de conduzir o órgão decisor a formar uma convicção diversa daquela a que chegou o Senhor Instrutor, bem como, em geral, exercer o contraditório relativamente a quaisquer factos dados como provados no Relatório Final em relação aos quais não tenha sido devidamente ponderado o que alegou na sua defesa.
Se o Arguido, devidamente notificado da acusação, apesar de ter apresentado defesa, não fez uso desta para exercer o contraditório em relação ao teor de tais declarações/depoimentos – sendo certo que a sua Ilustre mandatária requereu a consulta dos autos ao Senhor Instrutor (fls. 241), o que foi deferido, tendo-lhe sido entregue cópia digital integral dos mesmos (fls. 242), com o que, parafraseando o que diz o arguido, se deu a plena «abertura» do procedimento «à defesa» – e também não procedeu ao exercício do contraditório na audiência pública (em que não esteve presente, fazendo-se representar pela sua Ilustre Mandatária) só a ele é imputável. E o que alega para justificar a opção por uma defesa meramente formal, que não pôs em causa os factos indiciados na acusação e considerados provados no Relatório Final, não colhe, como muito bem salientou o Senhor Instrutor (nesse relatório).
O entendimento do arguido, enquanto faz depender a admissibilidade de valoração das referidas declarações/depoimentos em procedimento disciplinar do seu exame na audiência de julgamento, em processo penal, traduzir-se-ia, aliás, no reconhecimento da aplicação no procedimento disciplinar de todas as normas do CPP, quando nenhuma justificação existe para que sejam aplicadas normas do processo penal cujo escopo se circunscreve a este, como é o caso das respeitantes à audiência de julgamento (na qual, designadamente, se procede à leitura das provas que constem dos autos do processo-crime nos casos legalmente permitidos, mas unicamente para valerem nesse julgamento), a qual não existe em procedimento disciplinar, e seria susceptível de comprometer, de modo intolerável, a autonomia do procedimento disciplinar em relação ao procedimento criminal instaurado pelos mesmos factos, consagrado no n.º 1 do art. 83.º do EMJ.
A valoração das mencionadas declarações e dos referidos depoimentos no presente procedimento disciplinar não é, portanto, ilegal, contrariamente ao que vem alegado pelo arguido.
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6. Também se concorda com o que vem exarado no Relatório Final (em «II-g») a respeito da alegada «nulidade do interrogatório do arguido em processo crime». Não se vê, aliás, em que medida é que o modo como o interrogatório alegadamente foi feito «atenta diretamente contra as disposições estatutárias», uma vez que o EMJ apenas atribui aos magistrados judiciais a prerrogativa do «foro próprio», no art.º 19.º, e determinadas «garantias de processo penal», no art.º 20.º, que não têm o alcance que lhes pretende atribuir o arguido. Desde logo, porque o «foro próprio» se traduz, segundo o n.º 2 do art.º 19.º, em «[o] foro competente para o inquérito, a instrução e o julgamento dos magistrados judiciais por infração penal, bem como para os recursos em matéria contraordenacional», ser «o tribunal de categoria imediatamente superior àquela em que se encontra colocado o magistrado», o que em relação aos juízes de direito (categoria que tem o arguido) significa a competência dos tribunais da Relação, mas unicamente para o julgamento de «processos por crimes» por eles cometidos e dos «recursos em matéria contraordenacional a eles respeitantes» [art.º 73.º, al. c), da LOSJ, norma integrada pela al. b)] e para a prática, «nos termos da lei de processo, dos atos jurisdicionais relativos ao inquérito», para «dirigir a instrução criminal, presidir ao debate instrutório e proferir despacho de pronúncia ou não pronúncia nos processos referidos na alínea c)» (art.º 73.º, al. g), da LOSJ) [negrito do ora Relator], sem qualquer especialidade no que se refere ao interrogatório do arguido juiz de direito não detido (que se encontre em liberdade) que não seja a de ele ser efectuado por Procurador-geral-adjunto no Tribunal da Relação competente, mas com possibilidade de delegação em «órgão de polícia criminal» (art.º 144.º, n.ºs 1 e 2, do CPP). E as «garantias de processo penal» consagradas no art.º 20.º do EMJ em nada contendem com a realização de interrogatório de magistrado judicial não detido.
Nada obsta, pois, a que as declarações prestadas pelo arguido nesse interrogatório sejam utilizadas no presente procedimento disciplinar.
(…)
C) Da fundamentação de facto e de direito
1. Como dissemos, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 153.º do CPA (aplicável «ex vi» do art. 83.º-E do EMJ), a fundamentação da deliberação a tomar nos presentes autos pelo Plenário do CSM «deve ser expressa através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato»; e, de acordo com o estatuído na 2.ª parte do 120.º do EMJ, o Relatório Final elaborado pelo Senhor Instrutor constitui «a proposta de deliberação a tomar pelo Conselho Superior da Magistratura», para a qual, por conseguinte, a deliberação do Plenário pode remeter.
E é isso que aqui se faz, primeiramente, quanto à fundamentação de facto: esta é a que se encontra em «III – Fundamentação de facto» do Relatório Final, sendo, pois, constituída pelos factos que aí se consideram provados (em «III-1 – Factos provados») e pelas razões que levaram o Senhor Instrutor a dar como provados esses factos (em «III-2 – Motivação»). Remete-se, por conseguinte, para essa fundamentação de facto, com a qual se concorda, dando-se aqui como integralmente reproduzido o Relatório (acima transcrito, quase na totalidade), no que concerne à fundamentação de facto, para os devidos e legais efeitos. (…)
III. DELIBERAÇÃO
Em face do exposto, o Plenário do Conselho Superior da Magistratura delibera: (…)
b) Aplicar ao Senhor Juiz de Direito Dr. AA a sanção disciplinar de demissão pela prática de uma infracção disciplinar de execução permanente muito grave, consubstanciada na violação do dever de exclusividade e na prática de actos que pela sua natureza e repercussão se mostram incompatíveis com os requisitos de independência, imparcialidade e dignidade indispensáveis ao exercício das funções próprias de um magistrado judicial, nos termos dos artigos 8.º-A, n.º 1, 82.º, 83.º-G, no proémio e na sua al. c), e 102.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Estatuto dos Magistrados Judiciais, e com os efeitos estabelecidos no n.º 1 do artigo 106.º do mesmo Estatuto.». – FIM DA TRANSCRIÇÃO PARCIAL DA DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
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III - MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
11. Os factos vertidos nos pontos n.ºs 1, 2 e 3 do elenco factual foram extraídos da Contestação do Conselho Superior da Magistratura e foram, respetivamente, tidos como demonstrados com base na valoração da certidão junta a fls. 2 e ses. (e, em particular, o teor do despacho da Exma. Sra. Procuradora Geral Regional, cuja cópia consta de fls. 60), da deliberação constante de fls. 158 e 158v. e do relatório final, constante de fls. 382 e ss., todas do processo disciplinar apenso.
O facto vertido no ponto n.º 4 foi tido como demonstrado com base na valoração das alegações escritas apresentadas pela Ilustre Mandatária do Autor, constantes de fls. 524 e segs. do mesmo apenso.
O facto vertido no ponto n.º 5 do elenco factual supra foi tido como assente por acordo entre as partes.
IV – MOTIVAÇÃO DE DIREITO
A) APRECIAÇÃO DA PRIMEIRA QUESTÃO SOLVENDA [OMISSÃO DE PRONÚNCIA]
12. Convocando o disposto no artigo 615.º, número 1, alínea d) da lei adjectiva civil, o Autor imputa à deliberação impugnada a incursão no vício de omissão de pronúncia.
Por uma questão de rigor e de propriedade terminológica, impõe-se realçar que, como perpassa da valoração dos factos provados, a deliberação impugnada constitui o ato decisório que encerrou um procedimento disciplinar instaurado contra o Autor.
Deparamo-nos, pois, com um verdadeiro ato administrativo (artigo 148.º do Código de Procedimento Administrativo ex vi artigo 83.º-E do Estatuto dos Magistrados Judiciais).
Ora, perante esta inarredável constatação, a referenciação de normas que são privativas do desempenho da função jurisdicional para enquadrar a questão solvenda perfila-se como manifestamente desprovida de cabimento.
Impõe-se, nessa medida, que enquadremos correctamente a questão.
O procedimento administrativo constitui-se como uma sequência ordenada de actos que visa a adopção de uma decisão (n.º 1 do artigo 1.º do Código de Procedimento Administrativo).
O princípio da decisão exige que os órgãos administrativos se pronunciem sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados pelos particulares (n.º 1 do artigo 13.º do Código do Procedimento Administrativo).
No âmbito de um procedimento administrativo, esse princípio, em estreita harmonia com o princípio da legalidade (artigo 3.º daquele diploma) transmuta-se, para a Administração, em dever de decisão, o qual se caracteriza como «(…) o dever de responder às iniciativas que lhe são apresentadas pelos particulares (…) em defesa de interesses próprios ou de natureza objectiva, quais sejam os patrocinados pela Constituição, pelas leis ou pelos interesses gerais, pois é para o respectivo tratamento que a administração está vocacionada (…)» [2].
A inobservância do dever de decidir determina a incursão em omissão de pronúncia e, consequentemente, em vício de violação de lei [3] determinante da anulabilidade da decisão omissiva (artigo 163.º do Código de Procedimento Administrativo), viabilizando-se, ainda, o recurso à acção de condenação à prática de ato devido (cfr. alínea a) do n.º 1 do artigo 67.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
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13. Regressemos ao caso em apreço.
Na reprodução escrita das alegações produzidas em sede de audiência pública (cfr. parcialmente transcrita no Ponto n.º 4 do elenco factual), o Autor elencou argumentação que, em seu entender, levaria a que se reconhecesse que, no âmbito do inquérito n.º 128/18.0..., foram cometidas nulidades processuais a saber, a falta de prolação de um despacho de encerramento desse inquérito, a violação do princípio do juiz natural e a infracção de regras de competência material, funcional e territorial.
Da consideração do teor dessas alegações não se divisa qual o efeito útil que o Autor pretendia alcançar com a arguição a que vimos aludindo. É que, nas proposições conclusivas que se seguem, o Autor limita-se a impetrar que a «(…) prova cuja valoração não é consentida no plano disciplinar soçobre perante os comandos constitucionais e as disposições legais aplicáveis (…)» e que se faça «(…) naufragar toda a factualidade constante da acusação sustentada em prova cuja valoração não é permitida, o que determina a prolação de decisão que assim o reconheça e declare.»
É, aliás, sintomático que o Autor haja encimado essas alegações com o anúncio de que relegaria «(…) a arguição de nulidades do processo e da prova recolhida nos autos de pocesso crime, para a sua sede própria, assim como a impugnação casuística dos factos que (e se) o Ministério Público vier a imputar ao arguido em sede de acusação. (…)».
Assim sendo, perfila-se que, mesmo na perspetiva do Autor, a invocação em apreço não consubstancia ou redunda na invocação de causa extintiva, impeditiva, modificativa ou dirimente da responsabilidade disciplinar, revelando-se, por isso, manifestamente inócua no contexto procedimental disciplinar. Por outras palavras, àquela arguição não deve ser reconhecida a dignidade de questão que devesse ser apreciada e decidida pelo Conselho Superior da Magistratura.
E, como se sabe, «(…) o princípio da globalidade da decisão (n.º 2 do artigo 94.º do Código de Procedimento Administrativo) apenas impõe a resolução de questões que o órgão decisor tenha por pertinentes - a par, obviamente, da pronúncia expressa sobre o pedido formulado - não sendo legalmente exigível que a administração tome posição sobre todos os raciocínios, argumentos, razões, considerações ou pressupostos - que, podem, na terminologia corrente, até ser tidos como “questões” - empregues pelos particulares para sustentar a sua pretensão, mas apenas sobre as questões por esta efectivamente suscitadas. (…)» [4].
Nesse jaez, a reclamada falta de expressa decisão sobre aquela desenvolvida argumentação jamais integraria o aludido vício.
Mas ainda que se assim se não devesse considerar, o certo é que, nem que fosse por remissão para o exarado no relatório final, o Conselho Superior da Magistratura considerou que a invocação das nulidades advenientes da tramitação do processo-crime que corre termos contra o Autor deveria ter lugar nesse processo. É o que se surpreende mediante a concatenação do segmento relevante do relatório final [5] (cfr. a transcrição constante do Ponto n.º 4 do elenco supra) com o segmento da deliberação impugnada em que se inscreveu que «(…) Do exposto não se deve, porém, concluir que, no caso dos autos, tenha de ser feita uma apreciação «ex novo» de tudo o que foi alegado pela Ilustre Mandatária do arguido na audiência pública, relativamente aos meios de prova que entende não poderem ser valorados no procedimento disciplinar; só seria assim se, porventura, o Senhor Instrutor não se houvesse já pronunciado sobre o que, a esse respeito, foi alegado (nos mesmos termos) pelo arguido na sua defesa.
Assim, quando haja concordância com o que o Senhor Instrutor exarou no Relatório Final será feita remissão para este, sem prejuízo de, quanto à valoração de alguns dos meios de prova, se acrescentarem alguns argumentos que dele não constam; no caso de se discordar da posição assumida pelo Senhor Instrutor, o Plenário do CSM, enquanto órgão decisor, não deixará de ponderar na sua deliberação o que foi alegado na audiência pública.».
Não se olvida que esta referência surge na deliberação impugnada a respeito da questão da valoração de meios de prova obtidos no processo penal em sede de procedimento disciplinar.
Porém, parece ser claro que, ainda que de uma forma menos conseguida, o Réu não infringiu o dever de tomar uma posição sobre aquela argumentação, não lhe cabendo, consequentemente, emitir uma pronúncia adicional ou discordante relativamente ao que constava do relatório final.
Nesta conformidade, não se reconhece a indevida preterição do aludido dever de decidir, não se devendo, consequentemente, concluir pela anulabilidade da deliberação impugnada por esse motivo.
B) APRECIAÇÃO DA SEGUNDA QUESTÃO SOLVENDA [EXTINÇÃO PARCIAL DA RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR]
14. A segunda questão a resolver prende-se com a extinção da responsabilidade disciplinar assacada ao Autor pela prática dos factos constantes dos pontos n.ºs 6 a 11 do elenco factual fixado na deliberação impugnada.
No domínio dos vários ramos de Direito de tipo sancionatório (penal, contra-ordenacional e disciplinar), a prescrição constitui uma forma de extinção do jus puniendi e, simultaneamente, da responsabilidade do agente.
Subjaz-lhe, neste conspecto, a fundante consideração de que a «(…) acção do tempo torna impossível ou inútil a realização desses fins, apaga, ou esbate a necessidade de retribuição; passados anos a infração esqueceu, a reação social, e a “inquietação por ela provocada foram-se desvanecendo, até desaparecer”, a sanção perdeu o interesse e o significado (…)» [6].
A consagração legal impõe às entidades detentoras do jus puniendi a premência de imprimir celeridade à actividade investigatória/punitiva, assegurando, por outro lado, aos visados que, decorrido um tempo previamente delimitado e fixado, ficarão a salvo da responsabilidade em que incorreram pelo ilícito que praticaram.
Tendo presentes estas considerações, abordemos mais detalhadamente a invocação em apreço.
Na economia da alegação do Autor, surpreende-se apenas a invocação do decurso do prazo de 1 ano sobre os factos ali vertidos, concitando aquele o disposto no n.º 1 do artigo 178.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas [7].
Sustenta, em suma, o Autor que, tendo em atenção a data em que ocorreram cada um dos factos por ele individualizados (remontando alguns deles ao ano de 2018), já há muito havia decorrido esse prazo.
Sustenta-se, diferentemente, na deliberação impugnada que a questão deve ser apreciada à luz do preceito estatuário contido no n.º 1 do artigo 83.º-B do Estatuto dos Magistrados Judiciais [8], contrapondo, em suma, o Conselho Superior da Magistratura que só após a cessação da infracção disciplinar se poderia iniciar o cômputo do prazo.
Importa, primeiramente, apurar se estamos em presença de uma sucessão de infracções disciplinares (como parece entender o Autor) ou de uma única infracção disciplinar de índole permanente ou continuada. Nessa medida, urge lançar mão «(…) dos princípios do direito penal, dados os termos essencialmente análogos em que se conjugam, nestes dois ramos do direito, os valores ou pontos de vista que intervêm no desenho destas figuras jurídicas (…)» [9].
A infração disciplinar instantânea define-se por se esgotar numa única conduta (ativa ou omissiva) ocorrida num momento temporal preciso, concreto e único. Neste caso, o curso do prazo de prescrição inicia-se a partir do momento em que a infracção se consumar (n.º 1 do artigo 119.º do Código Penal [10]).
Ao invés, a infracção disciplinar permanente caracteriza-se pelo protelamento da conduta delitiva ao longo do tempo [11].
Por seu turno, a infração disciplinar continuada consiste numa série encadeada de condutas que constituem infrações disciplinares e na existência de um circunstancialismo propiciador da respectiva repetição e diminuidor da culpa do agente que determina a sua unificação [12].
Nas infracções permanentes o prazo de prescrição do procedimento criminal só corre a partir do dia em que cessar a consumação (alínea a) do n.º 2 do artigo 119.º do Código Penal).
Nas infracções continuadas e nas infracções habituais, apenas se inicia o seu curso a partir da prática do último ato (alínea b) do mesmo preceito).
Em suma e neste contexto, o prazo de prescrição só começa a correr quando cessar o estado anti-jurídico.
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15. Retornemos ao caso dos autos.
A factualidade tida como demonstrada pela deliberação impugnada balizou temporalmente a actuação delituosa do Autor entre o dia 27 de Fevereiro de 2018 (o que corresponde ao início da atuação do Autor por conta e no interesse de HH - cfr. Ponto n.º 7 e ss. daquele elenco factual) e o dia ... de ... de 2022 (cfr. Ponto n.º 333 do mesmo elenco, que corresponde à comunicação que lhe foi dirigida por IIII no conspecto da atividade descrita nos pontos n.º 315 e segs. do mesmo elenco).
As condutas em causa, de acordo com o entendimento professado pela entidade demandada, infringiram o dever funcional de dedicação exclusiva e, simultaneamente, consistiram na prática de atos que, pela sua natureza e repercussão, foram tidos como incompatíveis com os requisitos de independência, imparcialidade e dignidade indispensáveis ao exercício das funções próprias de um magistrado judicial.
A iteração de condutas - que, como se vê, foram adotadas ao longo de um período temporal assaz alargado -, aponta no sentido que lhes esteve subjacente uma única resolução delituosa, assente num profundíssimo desprezo pelos padrões éticos e deontológicos que devem reger o desempenho da função jurisdicional e, simultaneamente, num profundo desinteresse pelo desempenho da atividade judicativa.
O absorvente empenho com que o Autor desenvolveu, ao longo daquele lapso temporal, as atuações enunciadas no elenco factual fixado na deliberação impugnada (atente-se, ademais, nos Pontos n.ºs 5, 11, 13, 289 e 334) e a reiterada invocação (nos anos de 2017 a 2019) do mesmo motivo (a assistência a familiar com doença crónica ou deficiência) para justificar faltas ao serviço (cfr. ponto n.º 4 do mesmo elenco) depõem, igualmente, nesse sentido.
Deparamo-nos, nessa medida, com um único comportamento delitivo.
Assim, embora se descortine, na plêiade de factos apurados, complexos fácticos que são autonomamente dotados de individualizável relevância disciplinar, o certo é que, globalmente perspetivados, aqueles factos integram um único conjunto uniforme e reconduzível a uma atividade, o que consubstancia uma verdadeira infração permanente [13].
Nessa medida, não assiste razão ao Autor ao pretender, para efeitos de prescritibilidade da responsabilidade disciplinar, desdobrar a facticidade apurada numa multiplicidade de infracções disciplinares, desapegando os sobreditos factos da remanescente facticidade pela qual foi sancionado.
A pluralidade delituosa, num contexto factual em que se patenteia a incursão numa infracção de execução continuada, perfila-se, tão-só, como aparente.
Estabelecida a índole da infracção disciplinar pela qual o Autor foi condenado, resta, em decorrência da aplicação da citada alínea a) do n.º 2 do artigo 119.º do Código Penal, situar o termo inicial do prazo em presença na data em que, na economia do elenco factual, se verificou a cessação da atividade delituosa [14], i.e., no dia ... de ... de 2022.
Nessa data, estavam já em vigor as alterações veiculadas pela Lei n.º 67/2019, de 26 de Agosto [15] no Estatuto dos Magistrados Judiciais, entre as quais se conta a introdução contido no artigo 83.º-B, cuja razão de ser radica na opção legislativa pela qualificação do exercício do poder disciplinar como um «direito» que assiste ao Conselho Superior da Magistratura.
Ora, tendo a cessação da conduta delituosa ocorrido na vigência da lei atual e não se perfilando que o regime emergente da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas se revele concretamente mais favorável ao Autor [16], é de concluir pela aplicabilidade do preceito estatuário.
Posto isto, há a considerar que, no dia ... de ... de 2023, foi deliberada a conversão do processo de inquérito em processo disciplinar (cfr. Ponto n.º 3 do elenco supra e o disposto n.º 1 do artigo 126.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais).
É nessa data que se tem como instaurado o processo disciplinar contra o Autor, correspondendo, como tal, à data em que foi, pelo Conselho Superior da Magistratura, exercido o direito de punir disciplinarmente as condutas por aquele adoptadas. Noutro prisma, é a esse o facto que a lei, implicitamente, reconhece eficácia impeditiva do prazo de caducidade em apreço.
Tendo tal facto ocorrido antes de ter decorrido um ano após o último ato delituoso, há que concluir pela inverificação da aludida causa de extinção da responsabilidade disciplinar.
Nessa medida, é despiciendo averiguar se os factos vertidos nos Pontos n.ºs 6 a 11 do elenco factual vertido na deliberação impugnada são, como se aventa na contestação, integradores de um tipo de ilícito criminal [17], tanto mais que, como observou o Autor, não foram cabalmente descritos todos os factos que o consubstanciariam [18].
C) APRECIAÇÃO DA TERCEIRA QUESTÃO SOLVENDA [ADMISSIBILIDADE EM PROCEDIMENTO DISCIPLINAR DA PROVA PRODUZIDA EM PROCESSO PENAL]
16. A terceira questão decidenda constitui o âmago da impugnação formulada pelo Autor.
Desdobraremos a sua apreciação em vários segmentos, de modo a abarcar a plêiade de meios de prova cuja valoração é censurada pelo Autor.
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C1) CONSIDERAÇÕES GERAIS
17. O procedimento disciplinar é, como já se deixou antever, um procedimento administrativo com uma tramitação especial [19] e um fim específico, qual seja a efetivação da responsabilidade disciplinar [20].
A este procedimento administrativo aplica-se, subsidiariamente, o Código de Procedimento Administrativo, o Código Penal e o Código de Processo Penal (cfr. n.º 5 do artigo 2.º daquele primeiro diploma e artigo 83.º-E do Estatuto dos Magistrados Judiciais).
Esta concepção espelha a progressiva autonomização da atividade sancionatória administrativa do processo penal e do direito criminal, encarando-se a aplicação da sanção disciplinar como um ato administrativo que conclui uma tramitação procedimental de cariz estritamente administrativo e em que intervêm, preponderantemente, juízos valorativos integrantes da chamada discricionariedade técnica [21].
É neste contexto que cabe fazer brevíssima referência genérica à temática da prova no procedimento disciplinar público.
A prova serve, como sabemos, o propósito de demonstrar a realidade de factos (artigo 341.º do Código Civil).
Nos procedimentos administrativos comuns e em estreita harmonia com o princípio do inquisitório, são, em geral, admissíveis todos os meios de prova em direito permitidos (n.º 1 do artigo 115.º do mesmo diploma), o que significa que, com referência ao imanente limite da ordem jurídica considerada no seu todo, a administração tem o poder-dever de se socorrer de todos os meios de prova admissíveis para adquirir o conhecimento de factos que tenha por relevantes para a decisão [22].
No contexto do procedimento disciplinar, o princípio da liberdade de prova não sofre qualquer inflexão digna de nota [23].
O regime dos procedimentos disciplinares instaurados contra magistrados judiciais (artigos 81.º e segs. do Estatuto dos Magistrados Judiciais) não contempla, igualmente, qualquer restrição à utilização e/ou valoração de determinados meios de prova.
E, na verdade, por via da remissão operada pelo artigo 83.º-E do mesmo diploma para o Código de Procedimento Administrativo e, simultaneamente, para o Código de Processo Penal (contexto em que importa considerar o que se extrai do artigo 125.º [24]), é, ao invés, ajustado concluir que tanto o Conselho Superior da Magistratura como o visado pelo exercício da acção disciplinar podem usar os meios de prova que entendam [25] para demonstrar factos que se revelem como constitutivos, impeditivos, extintivos, modificativos, atenuantes ou dirimentes da responsabilidade disciplinar.
Não se olvide, porém, que o princípio da liberdade de prova deve ser compaginado com a necessária tutela dos direitos, liberdades e garantias que a todos assistem, assumindo, neste contexto, particular relevo o respeito devido aos princípios constitucionais vertidos no n.º 10 do artigo 32.º e no n.º 3 do artigo 269.º, ambos da Constituição da República Portuguesa [26].
Neste contexto, deve-se, desde já, salientar que a previsão do n.º 10 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa «(…) não tem o significado de fazer atrair o regime destes processos em geral, e do processo disciplinar em especial, para o regime do processo criminal. (…)», sendo que o Tribunal Constitucional jamais afirmou «(…) que a generalidade das garantias prescritas constitucionalmente para o processo criminal de deveriam aplicar, de pleno, no âmbito disciplinar (…)» [27]/[ 28].
Em conformidade, tem sido entendido que a aplicação subsidiária de normas adjectivas penais apenas se justifica para precaver a utilização, em procedimento disciplinar, de métodos proibidos de prova e assegurar o cabal exercício do contraditório, i.e., em síntese, para a realização de exigências do Estado de Direito [29].
Deve-se, enfim e nessa sequência, ter em consideração que o Estatuto dos Magistrados Judiciais (n.º 1 do seu artigo 83.º) estabelece, sem margem para dúvidas, o princípio da total autonomia entre a efetivação da responsabilidade disciplinar e a efetivação da responsabilidade criminal emergente dos mesmos factos, do qual emerge a possibilidade de estes serem simultaneamente punidos com uma sanção disciplinar e uma sanção penal.
Tal princípio é assente na distinguibilidade entre os bens jurídicos protegidos pelo Direito Disciplinar e pelo Direito Penal e na respectiva titularidade, na consideração das finalidades que cada um destes ramos de direito sancionatório prossegue e na incomparabilidade das sanções aplicáveis [30].
É à luz destes considerandos preliminares que se enfrentarão os argumentos concitados pelo Autor a respeito de cada um dos meios de prova em cuja valoração se filiou a fixação da quase totalidade dos factos vertidos na deliberação impugnada.
C2) FALTA DE VALIDAÇÃO JUDICIAL E DE EXERCÍCIO DO CONTRADITÓRIO EM SEDE DE PROCESSO CRIMINAL
18. Sustenta primeiramente o Autor que os meios de prova concitados na deliberação impugnada não foram ainda por ele contraditados em sede de processo penal, nem ali foram objecto de validação judicial.
Contextualizemos.
Como se colhe pela concatenação entre o teor do Ponto n.º 1 do elenco factual do presente aresto com a Motivação da Decisão de Facto da Deliberação (cfr. Ponto n.º 5 do mesmo elenco), esta alicerçou-se, preponderantemente, na valoração de meios de prova constantes da certidão remetida a partir de um processo-crime que, contra o Autor, corre termos na Procuradoria-Geral Distrital do Porto e com a qual foi instruído o procedimento disciplinar instaurado contra o Autor.
Não consta daquela certidão qualquer despacho de validação judicial desses meios de prova nem há notícia de que, em sede de processo-crime, o Autor haja já tido a oportunidade processual para os contraditar.
Não existe, porém, qualquer norma que determine que, no âmbito do procedimento disciplinar, a utilização/valoração de meios de prova provenientes de um processo-crime esteja subordinada à prolação de qualquer decisão jurisdicional que seja nele tomada ou, sequer, dependente da evolução da respetiva tramitação processual e/ou de vicissitudes que nela hajam (ou não) decorrido.
Uma tal solução afrontaria, de resto, a opção legislativa pela autonomia do Direito Disciplinar face ao Direito Penal e ao Direito Processual Penal e pela insubmissão da tramitação do procedimento disciplinar à tramitação do processo penal, desvirtuando, noutro passo, a especificidade funcional que deve ser reconhecida ao exercício da ação disciplinar, sem que tal representasse qualquer acrescento significativo para os direitos de defesa.
É ainda seguro que o Autor teve a oportunidade para, em sede de procedimento disciplinar (e, bem assim, no presente processo judicial), contraditar, eficaz e cabalmente, a prova produzida e os factos por ela relevados. E, como melhor se exporá, a eventual inadmissão de algum ou de alguns meios de prova no processo-crime relevará, a seu tempo, em sede de procedimento disciplinar, pelo que nem sequer se poderá contrapor a inconsequência ou a inocuidade de uma tal decisão, ali tomada, nesta outra sede.
Não deve, na soma destas considerações, reconhecer-se qualquer relevância à alegação em apreço.
C3) INTERCEPÇÕES TELEFÓNICAS
19. Aduz também o Autor ser vedada, em procedimento disciplinar a utilização das “escutas” realizadas no processo-crime em que é visado, extraindo da forçosa inverificação, nessa sede, dos requisitos a que referem os n.os 7 e 8 do artigo 187.º do Código de Processo Penal [31], um argumento a fortiori. [32].
Tendo em vista dilucidar uma aparente confusão que perpassa as alegações em apreço, importa, primeiramente, traçar, a grosso, a distinção entre meios de prova e meios de obtenção de prova.
Os «(…) meios de prova são pessoas ou coisas, e a prova diz-se então prova pessoal e prova real». Por sua vez, «(…) os meios de obtenção de prova «(…) são instrumentos de que se servem as autoridades judiciárias para investigar e recolher meios de prova; não são instrumentos de demonstração do thema probandi», são meios técnico-operativos para recolher no processo esses instrumentos de demonstração (…)» [33].
Esclarecido este aspecto, importa realçar que a alegação do Autor centra-se antes na utilização de transcrições das conversações em procedimento disciplinar - i.e. no aproveitamento de prova de índole documental [34] (cfr. artigo 362.º do Código Civil) dessa prova pré-constituída, proveniente do processo-crime em que é arguido.
Perante estas clarificações, deve-se antes ter como assente que as citadas normas adjectivas penais disciplinam o aproveitamento dos designados “conhecimentos fortuitos” - adquiridos através de intercepções telefónicas - em processo-crime diferente daquele em que estas foram validamente ordenadas e realizadas. É nesse contexto que adquire sentido a necessária referenciação a “crimes do catálogo” e aos demais requisitos formais ali previstos [35].
Desse modo, atento o seu limitado escopo [36] (denunciado, desde logo, pela sua inserção sistemática), crê-se ser seguro que não deve ser buscada nesses preceitos a inaproveitabilidade, em procedimento disciplinar instaurado contra o escutado, das transcrições das conversações telefónicas que, legitimamente, foram interceptadas no contexto de um processo-crime que corre termos contra o mesmo.
E, por essa singela - mas impressiva - razão, os subsídios normativos que ali se colhem, pela sua formulação e conteúdo positivado, não constituem uma premissa verdadeiramente atendível para neles alicerçar um argumento por maioria de razão [37], tanto mais que a «(…) valoração da admissibilidade da prova, e da sua valoração, faz-se em cada processo, autonomamente, em função das regras probatórias que lhe sejam aplicáveis.» [38].
Nessa sequência e recuperando uma ideia que já se deixou antevista, é no contexto do procedimento disciplinar e/ou na impugnação judicial de decisões nele proferidas que, à luz do pertinente regime, caberá aquilatar a admissibilidade da produção/valoração de determinado meio de prova [39].
Deve-se, na confluência destas considerações, anuir que, ao invés, a discussão acerca da (i)licitude do aproveitamento das transcrições de conversas telefónicas interceptadas em sede de disciplinar deverá ter em consideração a autonomia entre o Direito Disciplinar e o Direito Penal, a liberdade de escolha de meios de prova e os interesses públicos que subjazem ao exercício da ação disciplinar contra magistrados judiciais.
É nesse encadeamento que se discutirá a extensibilidade da proibição contida na parte final do n.º 4 do artigo 34.º da Constituição da República Portuguesa [40] à hipótese em causa nos autos, o que constitui o cerne da alegação do Autor [41].
Nesse encadeamento, prima facie, deve-se notar que, tanto quanto se colhe no enunciado factual, o alcance do comando constitucional proibitivo foi cumprido. As intercepções telefónicas das quais provêm as sessões profusamente citadas nos factos provados fixados na deliberação impugnada não se realizaram no procedimento disciplinar ou, sequer, num processo não penal [42], tendo antes sido obtidas na sequência de autorização judicial que, segundo temos razões para crer [43], foi emitida em conformidade com os ditames da lei adjectiva penal.
A aproveitabilidade dessas transcrições parece assim escapar ao alcance da proibição constitucional. E, inversamente, não pode ser acolhida a subjacente invocação de que essa prova documental resultou de intromissão ilícita nas comunicações (cfr. n.º 3 do artigo 126.º do Código de Processo Penal), i.e., do emprego de método relativamente proibido de prova.
Aprofundemos, ainda assim, a apreciação que aqui estamos a fazer.
Como ponto de partida, tenhamos como seguro de que um mesmo facto praticado pelo mesmo agente pode, como se deixou exposto, desencadear diversas ilicitudes (civil, disciplinar, penal, contra-ordenacional, etc.), a que corresponderão diferentes reações do ordenamento jurídico nos diferentes planos em que tal ocorrência revista relevância. Mas, adiantando razões, crê-se ser seguro que a diferenciação de reações não significa estanquicidade e, sobretudo, não pode bulir com a coerência do sistema.
É ainda certo que as reproduções escritas das conversações reproduzidas constituíram um meio de prova que, por via de decisão da entidade a quem legalmente está cometida a direcção do inquérito, chegaram ao conhecimento da entidade a quem está constitucionalmente confiado [44] o exercício da ação contra magistrados judiciais, levando assim a que os factos revelados pelas intercepções telefónicas ingressassem, no domínio disciplinar, no “mundo do direito e da verdade material” [45].
Importa, também, realçar que a esse exercício subjaz, como tem sido referido, «(…) o interesse público na boa administração da justiça, de que é intérprete privilegiado o órgão constitucional a que está cometida a gestão da magistratura judicial (…)» [46], acautelando-se, mediatamente, o respeito devido às normas deontológicas privativas do exercício da função jurisdicional. Entre essas normas, assume evidente preponderância a dedicação exclusiva a esse desempenho, à qual, aliás, o legislador constitucional, em consonância com o princípio da independência dos tribunais [47], atribuiu um eminente relevo (n.º 1 do artigo 215.º da Constituição da República Portuguesa).
Perante esses considerandos, urge, enfim, relembrar que o intérprete e o aplicador do Direito devem evitar indesejáveis e incompreensíveis contradições valorativas que postergariam a consecução da unidade e harmonia do ordenamento jurídico, o que, como se não deve ignorar, constitui um postulado - e, simultaneamente, uma tarefa inacabada - a que subjazem os transcendentes valores da justiça e da igualdade.
Perfila-se, perante estas considerações, que, quando estejam em causa factos eminentemente graves que adquiram simultânea ressonância juspenal e jusdisciplinar, o princípio a considerar deve ser a admissibilidade do aproveitamento, em procedimento disciplinar, da prova documental obtida através de intercepções telefónicas validamente realizadas em processo penal.
Se não fosse esse, criar-se-ia «(…) um sistema perfeitamente ilógico em que os mesmos factos conduzem a conclusões totalmente diferentes no apuramento de responsabilidade consoante a área em que se inscrevem num debruar de lógica inconsequente consoante estejamos numa, ou noutra área do direito e, eventualmente dentro do mesmo processo caso se procure apure responsabilidade civil ou criminal. (…)» [48], o que, na prática, implicaria «(…) que a Administração não poderia dar por provados no procedimento disciplinar factos que no processo-crime foram dados por assentes com base nas escutas ali obtidas» [49].
No apontado sentido, depõe ainda a consideração de que a preconizada restrição ao seu uso/valoração, em hipóteses como aquelas que se configura no caso dos autos, equivaleria a coartar significativamente o alcance do princípio do inquisitório (que, como vimos, subjaz à actividade instrutória disciplinar [50]) e, com ele, a própria eficácia da recolha de prova de determinados factos com eminente relevância disciplinar. Como se convirá, a prova documental proveniente de intercepções telefónicas revela-se particularmente necessária para a demonstração do teor de certas conversações mantidas pelo Autor ou em que são feitas alusões às suas atuações, revelando-se, noutro passo, especialmente relevante para a correlação com outros meios de prova.
São, por outro lado, facilmente prefiguráveis as consequências de se adotar um entendimento como aquele que o Autor defende.
Sempre que, como no caso sucede, estivessem em causa factos disciplinarmente puníveis de assinalável gravidade (porque dotados de concomitante relevância criminal e, simultaneamente, afrontadores de um dever deontológico de particular relevância), frustrar-se-ia, expressivamente, o preponderante interesse público subjacente ao exercício da ação disciplinar e os eminentes valores por ele reflexamente tutelados.
E, inevitavelmente, expor-se-ia, perante a comunidade, um quadro de alarmante impunidade disciplinar do respectivo agente (admitindo-se até, vg., a continuidade do exercício funcional até ao trânsito em julgado de decisão penal condenatória), que abalaria um dos mais profundos alicerces do sistema de Justiça e, inapelavelmente, o descredibilizaria aos olhos daqueles em nome de quem aquela é administrada [51].
É por estas fundamentais razões que, perante a argumentação da extensibilidade da proibição constitucional a que nos vimos reportando, se deve considerar que os valores por ela assegurados (o direito à transitoriedade/volatibilidade da palavra e à soberania sobre a mesma e o direito à inviolabilidade das comunicações cfr. n.º 1 do artigo 26.º e n.º 1 do artigo 34.º, ambos da Constituição da República Portuguesa), podem e devem ser «(…) postergados em função de outros e superior densidade e a sua posterior utilização para demonstração dos mesmos factos em sede de outros ilícitos (…)» [52], o que equivale por dizer que esse aproveitamento (ou, se quisermos, a inerente restrição aos direitos fundamentais ali tutelados) é conforme ao princípio da proporcionalidade (n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa) e se inscreve nos seus limites [53]/[54].
Congruentemente com este modo de ver e perante o regime processual penal francês (igualmente lacunoso quanto ao tema) e os requisitos de legitimação da ingerência a que se refere o n.º 2 do artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, foi já acertado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem [55] que o uso, em procedimento disciplinar, de prova recolhida por intermédio de intercepções telefónicas legitimamente ordenadas em processo criminal beneficia de apoio legal necessário, prosseguindo a ingerência um fim inscrito naquela previsão internacional (a defesa da ordem) e revelando-se, em função da existência de um prévio e efetivo controle jurisdicional e da amplitude/eficácia das garantias de defesa contra o seu emprego (tanto em sede de procedimento disciplinar como em sede de processo-crime [56]), necessária numa sociedade democrática e proporcional àquele fim.
Mas mesmo que esta ponderação não devesse ser acolhida (ou, noutra perspetiva, não devesse sequer ser ensaiada pelo intérprete e aplicador do Direito), a solução não seria diversa.
A utilização, em procedimento disciplinar instaurado contra o autor dos factos, do material probatório a estes respeitante que foi obtido por via de intercepções telefónicas em que o mesmo era visado acha-se, em virtude da estreita imbricação factual e da premência de tutela dos valores acautelados pelo exercício da ação disciplinar contra magistrados judiciais, plenamente integrada no círculo de finalidades intrinsecamente implicadas no exercício da ação penal e, como tal, legitimada por aquele preceito constitucional [57].
Refira-se, enfim, que, num prisma material, a nocividade da intromissão (a danosidade social a que o Autor se refere) nos acima elencados direitos fundamentais se consolidou quando as conversações em causa foram efectivamente interceptadas. A devassa, aqui entendida como compreendendo tanto a ingerência comunicacional como o seu conhecimento por terceiros, perpetrou-se nesse momento [58].
Estando fora de o âmbito desta causa ajuizar a sua (i)licitude processual penal, dir-se-á apenas que a ulterior valoração em sede de procedimento disciplinar é, por efeito da remessa da aludida certidão, meramente consequencial àquela ingerência, mas, em si mesmo considerada, não consubstancia um acréscimo à danosidade preteritamente produzida nem a “materializa” em termos incrementalmente gravosos para o Autor [59].
Repare-se, por outro lado, que, tanto quanto se divisa na factualidade fixada, os factos apurados por via de intercepções telefónicas serão, simultaneamente, dotados de relevância disciplinar e de relevância criminal, o que, significativamente, retira lastro à invocação em análise.
Na confluência destas considerações, não se antevê que, perante o circunstancialismo do caso, se deva ter como materialmente justificado o preconizado alargamento da proibição ínsita na parte final do n.º 4 do artigo 34.º da Constituição da República Portuguesa à utilização de prova obtida mediante intercepções telefónicas legitimamente autorizadas em processo-crime em contexto de procedimento disciplinar [60].
Propende-se, consequentemente, a considerar que o disposto no n.º 11 do artigo 86.º do Código de Processo Penal [61] espelha o princípio geral da aproveitabilidade da prova que haja sido licitamente produzida em processo penal para o procedimento disciplinar [62] e, em particular, daquela que haja sido obtida mediante o recurso a intercepções telefónicas [63], assim viabilizando o seu uso à luz da cláusula aberta a que se refere a parte final do n.º 1 do artigo 115.º do Código de Procedimento Administrativo.
Relevando-se que aquela outra norma rodeia a decisão da competente autoridade judiciária de particulares exigências [64], não se trata (como se colherá no que se veio de expender) de atribuir à mesma a qualidade de suporte legal de legitimação [65] mas antes de nela reconhecer a expressão de um princípio que se ancora em alicerces fundantes do ordenamento jurídico e que, perante a evidência de factos dotados de enorme gravidade do ponto de vista disciplinar, se deve, em sã consciência, ter como autorizante da valoração de prova documental obtida mediante intercepções telefónicas legitimamente realizadas em processo penal.
A necessária compatibilização entre o princípio em causa e o regime precavido nos n.ºs 7 e 8 do artigo 187.º do Código de Processo Penal (reclamada pelo Autor ao concluir que não se podia fazer “tábua rasa” deste último) é, no que aqui releva, assegurada pela cabal compreensão do distinto âmbito de aplicação de cada uma das apontadas normas legais, pela intelecção da autonomia da acção disciplinar face à perseguição penal e pela consideração da abismal diferença qualitativa de danosidade social entre o ilícito disciplinar e o ilícito criminal.
Assim, em face do que viemos de expor, é pertinente concluir que a utilização do meio de prova documental a que nos vimos referindo não se mostra, em concreto, atentória do conteúdo essencial de um direito fundamental (cfr. n.º 1 e alínea d) do n.º 2 do artigo 161.º do Código de Procedimento Administrativo [66]).
Não se mostra, igualmente, verificada qualquer outra causa de nulidade da deliberação impugnada nem esta, pelo apontado motivo, incorreu na violação de norma jurídico ou princípio aplicável que determine a sua anulação.
C4) INTERCEPÇÕES AMBIENTAIS
20. Aduz o Autor que o recurso a este meio de obtenção de prova é legalmente vedado para a investigação do crime de auxílio à imigração ilegal, sustentando, complementar e extensamente, que a captação de som ambiente no interior do respectivo veículo automóvel consubstancia uma inadmissível afetação dos direitos à intimidade pessoal, à vida privada e à palavra, razão pela qual os dados probatórios assim obtidos padeceriam de nulidade.
Vejamos.
Preliminarmente, assinale-se que o princípio geral de aproveitabilidade da prova colhida em processo penal tem, como contraponto, a possibilidade de repercutir, em sede disciplinar, a decisão judicial que conclua pela invalidade substancial e/ou procedimental desses meios de prova e/ou dos meios pelos quais foram obtidos. Dito de outra forma, o reconhecimento judicial da impossibilidade de produção/utilização de determinado meio de prova em processo penal reflete-se, forçosamente, na sua empregabilidade no procedimento disciplinar.
Essa repercutibilidade justifica-se pela consideração que deve ser devotada a uma das razões consubstanciadoras do princípio, qual seja a almejada compatibilização entre as diferentes reações do ordenamento jurídico ao mesmo facto ilícito e a premência de a validade da prova utilizada em sede de procedimento disciplinar ser aferida numa perspectiva globalizante.
Nessa sequência, deve-se salientar que, como é óbvio, é no processo-crime [67] que, com a maior propriedade adveniente do cabal conhecimento do seu objeto e da respetiva tramitação e, preponderantemente, da inerente competência em razão da matéria da instância judicial, se podem discutir as questões que, no prisma dos interessados, determinarão a invalidação de meios de prova.
Como se reconhecerá, a impugnação judicial de uma deliberação disciplinar condenatória não é, manifestamente, a sede apropriada para apreciar, com a profundidade e rigor exigíveis, tais questões.
Entende-se, em conformidade, que a revisão do procedimento disciplinar (cfr. artigos 127.º e segs. do Estatuto dos Magistrados Judiciais) é o meio procedimental idóneo para repercutir, nessa sede, a impossibilidade, judicialmente acertada, de produção/valoração de determinado meio de prova (em virtude de nulidade que o afete e/ou da consideração como método proibido de prova) que haja sido empregue para demonstrar a ocorrência de facto disciplinarmente relevante [68], assim evidenciando a incursão da decisão sancionatória em erro «(…) quanto aos factos que determinaram a sanção disciplinar, donde resulta a injustiça desta (…)» [69].
Ainda assim, afigura-se que, com as inerentes limitações (decorrentes, desde logo, da conformação do objecto da presente causa, da sua configuração, da competência desta Secção e do limitadíssimo acervo probatório disponível), devemos apreciar a argumentação aduzida, na estreita medida em que tal releva para aferir a conformidade legal do recurso a esse meio de prova documental em processo disciplinar.
Vejamos em concreto.
A Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro estabelece, por referência a determinados tipos de ilícito (aqueles que se acham previstos no n.º 1 do seu artigo 1.º), um regime especial de recolha de prova. Entre os meios de recolha de prova ali especialmente previstos conta-se o registo de voz e/ou de imagem, nos termos delineados no seu artigo 6.º.
No elenco taxativo previsto no n.º 1 do artigo 1.º daquele diploma não figura o crime de auxílio à imigração ilegal p.p. pelo n.º 1 do artigo 183.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho.
Porém, como tem sido pacificamente entendido [70] e como resulta dos próprios termos da sequente alegação do Autor, fora desse específico contexto normativo é possível realizar intercepções de som ambiente e/ou de conversas entre presentes. Trata-se, com efeito, de uma consequência da extensão legal do regime das intercepções telefónicas a esses meios de obtenção de prova (cfr. n.º 1 do artigo 189.º do Código de Processo Penal).
Sem que, nesta sede, caiba cuidar da verificação dos pressupostos materiais de que depende a admissibilidade desse meio de obtenção de prova, urge notar que o aludido tipo de crime é punido com pena de prisão até 3 anos, o que permite concluir que se mostra preenchido o pressuposto formal a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 187.º do Código de Processo Penal.
Perante esta constatação, perfila-se como evidente que a alegação em apreço se revela, afinal, desprovida de acuidade. Na verdade, aquele meio de obtenção de prova foi empregue para investigar factos potencialmente integrantes daquele que é um dos “crimes do catálogo”.
Destarte, não cabe reconhecer qualquer invalidade decorrente da suposição em apreço.
Abordemos a segunda linha de argumentação aduzida.
É seguro que, tanto no contexto da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro (cfr. n.º 2 do artigo 6.º) como no domínio do Código de Processo Penal (n.º 1 do artigo 187.º ex vi n.º 1 do artigo 189.º), a captação/registo de som ambiente depende de decisão judicial.
O Autor não questiona que as intercepções/registos de som ambiente foram precedidas de autorização judicial, firmando o seu dissentimento na circunstância de a mesma apenas se reportar ao espaço público, não abarcando, consequentemente, o seu veículo automóvel.
Na ausência de expressa determinação legal (que, aliás, o Autor não indica), não é ajustado considerar que a autorização judicial concedida deve, qualquer que seja o contexto normativo concitável [71], pormenorizar os meios que serão concretamente empregues para a realização da intercepção e/ou os atos preparatórios desta e, sobretudo, detalhar em que contexto (público, semi-público ou privado) esta pode, autorizadamente, ter lugar.
Assim, apesar de se desconhecer como, em concreto, foram realizadas as questionadas intercepções de som ambiente e quais os meios concretamente empregues para inserir o equipamento no interior do veículo do Autor, parece ser patente que essa intromissão no direito de propriedade incidente sobre aquele encontra respaldo na decisão judicial que autorizou a realização daquelas intercepções.
Nessa medida, não cabe reconhecer qualquer invalidade associável a este aspecto.
Ademais, a respeito da índole do espaço em que decorrem as conversações, tem-se a vindo a salientar a indistinguibilidade entre conversas mantidas no domicílio (i.e. no espaço onde privilegiadamente se desenrola a vida privada e mais aturadamente se evidenciam as necessidades de proteção da respetiva reserva e inviolabilidade) ou fora dele [72], pelo que, com a devida propriedade, nem sequer se pode afirmar que a autorização judicial concedida cingiu, como se alega, o seu alcance ao espaço público.
E tanto basta para que, nesta sede e à vista dos limitadíssimos elementos disponíveis, se afirme, sem rebuço ou hesitação, a conformidade legal do recurso àquele meio de obtenção de prova e, concomitantemente, da conformidade legal do recurso à prova documental assim ali obtida em sede disciplinar.
Acentua-se que, como se expôs, não é no presente contexto processual que a questão deve ser definitiva e cabalmente dirimida.
A discussão sobre a admissibilidade de meios de prova no processo para o qual foram os mesmos “importados” será, noutro prisma e em boa verdade, sempre dependente do que, com inteiro conhecimento de causa, ali for decidido.
Mas mesmo que se devesse adotar o entendimento segundo o qual, as intercepções de som ambiente no domicílio ou em lugares a ele equiparáveis [73] são, à luz do preceituado no n.º 1 e no n.º 4 do artigo 34.º da Constituição da República Portuguesa, inadmissíveis, a solução não poderia ser diversa.
Com efeito, não deriva do elenco factual ali fixado (ou, sequer, do alegado pelo Autor) que as conversas interceptadas e ali aludidas foram registadas em momentos em que, simultaneamente, decorriam momentos da vida privada e/ou familiar do Autor ou que foram mantidas longe dos olhares e ouvidos alheios. Acrescente-se que nenhuma das conversas ali interceptadas foi mantida com familiares do Autor e/ou se reporta a aspectos da vida íntima/privada/familiar deste e/ou de pessoas que lhe são próximas.
Em suma, crê-se ser evidente que a equiparação preconizada pelo Autor [74] é falha de sustentação, não assentando, assim, num acervo factual que, num prisma epistemológico e ontológico, espelhe uma realidade assimilável ou, sequer, semelhante, mas antes em doutíssimas considerações de índole genérica e, sobretudo e como o próprio reconhece, na egoística expetativa de privacidade quanto ao teor dessas conversas.
Acresce, em todo o caso, que, como parece ser apodítico, a prática de factos dotados de simultânea relevância criminal e disciplinar como aqueles que foram tidos como demonstrados na deliberação impugnada não é um comportamento que se confine ao estrito domínio da «(…) intimidade da pessoa, de vida privada, de liberdade individual, já que o mesmo é projectado exactamente para fora dela e da sua esfera privada (…)» [75], o que sempre arredaria a busca da pretendida assimilação.
Deste modo, também por estes motivos e considerando o contexto factual tido como evidenciado na deliberação impugnada, não cabe reconhecer que o aproveitamento, em processo disciplinar, da prova obtida por recurso a intercepções de som ambiente contraria a ordem jurídica no seu todo e, em especial, os princípios constitucionais e os direitos subjectivos indicados pelo Autor.
Assim, em face do que viemos de expor, é pertinente concluir que a utilização do meio de prova documental a que nos vimos referindo não se mostra, em concreto, atentória do conteúdo essencial de um direito fundamental (cfr. n.º 1 e alínea d) do n.º 2 do artigo 161.º do Código de Procedimento Administrativo).
Não se mostra, igualmente, verificada qualquer outra causa de nulidade da deliberação impugnada, nem esta, pelo apontado motivo, incorreu na violação de norma jurídico ou princípio aplicável que determine a sua anulação.
E essa é a única questão que importa aqui enfrentar, já que, como se reconhecerá, as interpretações desconformes à Constituição da República Portuguesa divisadas pelo Autor em muito transcendem o âmbito da presente impugnação.
C5) VALORAÇÃO DO CONTEÚDO DE TELEMÓVEIS E CORREIO ELECTRÓNICO ACEDIDO
21. Estribando-se em argumentação em tudo similar àquela que desenvolveu acerca do recurso a intercepções telefónicas, conclui o Autor que, no âmbito do procedimento disciplinar, é vedado o aproveitamento do conteúdo dos telemóveis e das mensagens de correio electrónico.
Vejamos.
É isento de dúvida que a apreensão de correio eletrónico «(…) contende com o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio e da correspondência, concretizado, nos termos do artigo 34.º n.º 4, da C.R.P., que consagra uma proibição de "ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal (…)», ali se tutelando «(…) o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio e da correspondência, ou seja, prima facie, a liberdade de manter uma esfera de privacidade e sigilo, livre de interferência e ingerência estadual, quer no que respeita ao domicílio, quer quanto à correspondência, incluindo nesta toda a espécie de correspondência entre pessoas, em suporte físico ou eletrónico (…)» [76].
E como também as Secções Criminais deste Supremo [77] decidiram, essa proteção é extensível a «(…) SMS, EMS e MMS, conversações no Messenger, mensagens de voz relativas a comunicações ou arquivos de som e/ou imagem via Whatsapp, Viber, Skipe, Snapshat, Telegram, Facebook (…)», assumindo a prova assim obtida a índole de prova documental.
Não vem discutido que, no caso concreto, a apreensão, no processo penal, de correio electrónico e de mensagens trocadas por “WHATSAPP” foi previamente autorizada por determinação judicial, pelo que se mostra cumprida a exigência de que a parte final do n.º 4 do artigo 34.º da Constituição da República Portuguesa faz depender a legitimação da ingerência na obtenção desse meio de prova [78].
A argumentação do Autor foca-se apenas na aproveitabilidade desse meio de prova em procedimento disciplinar.
Pelos motivos já aduzidos a respeito da aquisição de prova documental obtida por intermédio de intercepções telefónicas - que aqui, com as necessárias adaptações se reiteram -, crê-se ser seguro que, neste outro contexto, a solução não deve nem pode ser diversa.
Acresce, neste particular domínio, a consideração que deve ser dispensada à índole da prova em causa. Embora seja irrelevante, no aspeto atinente à necessidade de autorização judicial para a sua apreensão [79], a distinção entre mensagens fechadas/não lidas e aquelas cujo conteúdo haja já sido lido pelo seu destinatário assume aqui decisiva importância.
É que mensagens de E-mail que hajam sido abertas (e, concomitantemente, as mensagens trocadas por intermédio do “WHATSAPP”) constituem, como tem sido entendido, meros escritos [80], pelo que, quanto a estes, jamais se poderia convocar o regime limitativo que emerge do n.º 4 do artigo 34.º do Código de Processo Penal. Com efeito, como assinala COSTA ANDRADE [81] a «(…) proteção do sigilo das comunicações (sejam elas por correio tradicional ou através de meios que o progresso disponibilizou) deve terminar quando a mensagem chega ao seu destinatário e aquele processo de transmissão se encontra concluído. A partir desse momento (conclusão efectiva do processo de transmissão) o destinatário dispõe dos meios necessários a evitar a intromissão estadual. Ele já não está vulnerável, sujeito às falhas de reserva do operador ou à curiosidade estadual».
Refira-se, ainda, que, de acordo com a fundamentação exarada na deliberação impugnada, parte das mensagens de “WHATSAPP” cuja valoração alicerçou a convicção ali formulada foram juntas aos autos por uma das pessoas inquiridas, a saber BBBBB.
Ora, existindo esse consentimento, perfila-se a licitude da utilização desses meios de prova, o que encontra arrimo na previsão do n.os 2 e 3 do artigo 34.º da Constituição da República Portuguesa [82].
Acrescente-se, enfim, que mesmo no exercício da acção disciplinar no domínio das relações privadas de trabalho é admitido o recurso à prova por intermédio de mensagens de correio electrónico sempre que estas não assumam natureza estritamente particular [83]. Seria, pois, no mínimo incoerente que, em procedimento disciplinar referente ao exercício de uma das funções soberanas dos Estado, se assumisse, perante mensagens que, nitidamente, não possuem essa índole, um posicionamento radicalmente diverso.
Na confluência destas considerações, é pertinente concluir que a utilização do meio de prova documental a que nos vimos referindo não se mostra, em concreto, atentória do conteúdo essencial de um direito fundamental (cfr. n.º 1 e alínea d) do n.º 2 do artigo 161.º do Código de Procedimento Administrativo).
Não se mostra, igualmente, verificada qualquer outra causa de nulidade da deliberação impugnada nem esta, pelo apontado motivo, incorreu na violação de norma jurídico ou princípio aplicável que determine a sua anulação.
C6) DECLARAÇÕES DE “GG” E “KKK”
22. Insurge-se também o Autor contra a valoração, em procedimento disciplinar, de declarações prestadas na fase de inquérito por pessoas (identificáveis como GG e KKK) que assumirão a qualidade de co-arguidos no processo penal contra si instaurado, na medida em que nem ele nem o respectivo mandatário estiveram presentes aquando daquela audição.
A argumentação expendida louva-se essencialmente no regime constante da alínea b) do n.º 4 do artigo 141.º, no artigo 345.º e no artigo 357.º, todos do Código de Processo Penal.
Como se colhe daqueles normativos, deparamo-nos com regras atinentes à utilização de declarações de co-arguidos em audiência de julgamento em processo penal e que, genericamente, se destinam a assegurar os princípios da imediação, da oralidade e a facultar o exercício do contraditório.
Já acima se aflorou aquele que se tem como o correto entendimento do alcance da remissão efetuada pelo artigo 83.º-E do Estatuto dos Magistrados Judiciais para o Código de Processo Penal.
Crê-se que, da concretização dos termos dessa clarificação e do conhecimento, ainda que não aprofundado, do contexto e da tramitação de um procedimento disciplinar [84], decorreria, sem necessidade de mais considerandos, a constatação de que é desprovida de sentido a “importação” das referidas normas adjetivas penais para este domínio. Ademais, como se referiu, tal “transplante” tem sido sempre enjeitado pelo Tribunal Constitucional, representando, por outro lado, um significativo entorse à autonomia entre a efetivação da responsabilidade disciplinar e o exercício da ação penal.
E, para refutar a valia do argumento a fortiori que a este respeito foi deduzido, sempre se acrescenta que os autos e registos digitais que contêm as declarações das identificadas pessoas foram recolhidas na fase de inquérito [85] do procedimento de natureza penal. Ora, não tendo tais declarações sido produzidas no procedimento disciplinar, é manifesto que, nesta sede, os autos que as corporizam constituem mera prova documental (cfr. artigo 362.º do Código Civil).
Constando tais meios de prova do procedimento disciplinar, o contraditório era plena e eficazmente exercitável pelo Autor (por si ou por intermédio da sua Ilustre Mandatária) nos momentos procedimentais de cariz disciplinar a que se referem o n.º 2 do artigo 116.º, o artigo 119.º [86] e o artigo 120.º-A, todos do Estatuto dos Magistrados Judiciais, o que torna pouco compreensível e ainda menos aceitável que se advogue a impossibilidade ou a grave incompatibilidade do seu exercício.
Se o Autor, nos tempos e pelos modos procedimentalmente adequados, optou por não o exercer (designadamente, requerendo a inquirição ao Exmo. Sr. Inspetor, na sua presença, dos aludidos declarantes para efeitos do almejado “contraditório pela prova”) tal circunstância apenas a si pode ser imputada.
Adita-se ainda que, pelas razões anteriormente aduzidas a propósito de similar alegação de pendor genérico (cfr. o exposto no segmento B) da presente fundamentação), a valoração, em contexto disciplinar daquele meio de prova não está subordinado ao desenrolar da tramitação do processo penal ou, sequer, à efetividade do exercício, nessa sede, de qualquer sorte de contraditório.
Não se surpreende, por isso, na valoração daqueles meios de prova, qualquer comprometimento da defesa exercitável pelo Autor em procedimento disciplinar nem se antevê que a sua utilização nesta sede seja legalmente inviável.
Assim, em face do que viemos de expor, é pertinente concluir que a utilização do meio de prova documental a que nos vimos referindo não se mostra, em concreto, atentória do conteúdo essencial de um direito fundamental (cfr. n.º 1 e alínea d) do n.º 2 do artigo 161.º do Código de Procedimento Administrativo).
Não se mostra, igualmente, verificada qualquer outra causa de nulidade da deliberação impugnada nem esta, pelo apontado motivo, incorreu na violação de norma jurídico ou princípio aplicável que determine a sua anulação.
C7) DECLARAÇÕES DE PPP
23. O Autor questiona também a valoração, em procedimento disciplinar, de depoimento prestado por PPP na qualidade de testemunha, no decurso da fase de inquérito do processo-crime, já que, em face da sua descrita intervenção nos factos, o mesmo deveria assumir a qualidade de arguido, pelo que não poderiam ser utilizadas contra o impetrante.
A argumentação expendida louva-se essencialmente no que se acha previsto na alínea a) do n.º 1 e no n.º 7 do artigo 58.º do Código de Processo Penal.
É seguro que, na certidão com que foi instruído o procedimento disciplinar, apenas figura a inquirição de PPP como testemunha no processo criminal [87], o que parece indicar que o Ministério Público considerou a sua conduta como não sendo integrante de qualquer tipo criminal.
Como deriva do que acima se expôs e como parece ser evidente, não cabe, nesta sede, determinar se, em função da realidade factual espelhada no elenco factual fixado na deliberação impugnada, PPP deveria ou não ter sido constituído como arguido no processo-crime que corre termos contra o Autor.
Trata-se, com efeito, de uma decisão que, em primeira linha, incumbe ao titular da acção penal e, não obstante ser patente a discordância do Autor sobre a mesma, está vedado a esta Secção do Contencioso deste STJ, em virtude da sua manifesta falta de competência em razão da matéria, sobre ela se pronunciar, tanto mais que tal poderia condicionar a decisão que uma das Secções Criminais deste mesmo Supremo Tribunal de Justiça viesse a ser chamada a tomar em eventual recurso que fosse interposto no processo-crime e em que o tema se discutisse.
Em qualquer caso, a tomada de uma decisão sobre o tema revelar-se-ia, nesta sede, absolutamente indiferente.
É que, em sede de procedimento disciplinar e à semelhança do que viemos de constatar, a reprodução escrita do testemunho de PPP constitui mera prova documental e, pelas razões que acima se enunciaram (cfr. o exposto no segmento B) da presente fundamentação) e que aqui se reiteram, parece ser claro que a lei não subordina a valoração desse meio de prova à aferição da qualidade processual do depoente no momento em que o prestou.
Há, paralelamente, a considerar que a proibição de valoração a que o Autor se refere visa garantir a «(…) eficácia e a consistência do conteúdo material do princípio nemo tenetur (…)» [88], o que parece indicar que a mesma cinge o seu alcance ao processo penal, não se vislumbrando, outrossim, qualquer motivo atendível (nem aliás, o Autor indica) para a sua acrítica transponibilidade para o procedimento disciplinar.
E, contrariamente ao que se advoga e na esteira do que já expusemos a respeito de declarações de pessoas que deterão a qualidade de co-arguidos do Autor, não se divisa, no contexto que aqui unicamente releva, qualquer impedimento ao exercício do contraditório quanto ao conteúdo do documento que corporiza as declarações prestadas por PPP.
No somatório destas razões, cabe concluir que o emprego da referida prova documental não consubstancia, em sede procedimental, qualquer proibição de prova.
Assim, em face do que viemos de expor, é pertinente concluir que a utilização do meio de prova documental a que nos vimos referindo não se mostra, em concreto, atentória do conteúdo essencial de qualquer direito fundamental (cfr. n.º 1 e alínea d) do n.º 2 do artigo 161.º do Código de Procedimento Administrativo).
Não se mostra, igualmente, verificada qualquer outra causa de nulidade da deliberação impugnada nem esta, pelo apontado motivo, incorreu na violação de norma jurídica ou princípio aplicável que determine a sua anulação.
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C8) DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS DO “CASO ...” E DA TESTEMUNHA PPP A RESPEITO DE “CRIPTOMOEDA”
24. Louvando-se essencialmente em ensinamentos que terão sido recolhidos no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2008 [89] e na doutrina do “Fernwirkung des Beweisverbots” (frutos da árvore envenenada ou, mais tecnicamente, o efeito da prova proibida), sustenta também o Autor que estes depoimentos constituem uma consequência directa e imediata de “prova” obtida a partir do registo (captura) de som ambiente no interior do veículo automóvel de sua pertença, razão pela qual, em face da nulidade arguida, não podem ser valorados.
Vejamos.
No estreitíssimo contexto que releva para a decisão da presente causa, já acima se afirmou a licitude do emprego de intercepções de som ambiente para efeitos de apuramento de factos potencialmente relevantes em termos penais que o Autor terá praticado e, consequentemente, para a fixação do elenco factual constante da deliberação impugnada.
Falha, pois, o primeiro e fundamental requisito de que dependeria o acolhimento da alegação em apreço.
E, em todo o caso, é hoje plenamente aceite que «(…) a projeção da invalidade de prova em matéria de legitimidade ou validade da prova sequencial a prova nula, não é automática, e que, em cada caso, há que determinar se existe um nexo de antijuridicidade que fundamente o "efeito-à-distância", ou se, em diverso, existe na prova subsequente um tal grau de autonomia relativamente à prova inválida que destaque o meio de prova subsequente substancialmente daquela (…)», já que a «(…) a projeção de invalidade foi sempre conformada e limitada por circunstâncias particulares que determinam que a invalidade da prova se não projete à prova reflexa. São os casos de prova obtida por "fonte independente", "descoberta inevitável" ou "mácula dissipada" (…). No caso de "fonte independente", a produção de prova autónoma corroborando os conhecimentos também derivados da prova inválida afastaria o "efeito-à-distância"; a confissão, ou a prova testemunhal autónoma têm sido consideradas o paradigma da chamada "fonte independente" (…)» [90].
No caso vertente, nada evidencia que, se não tivessem tido lugar as ditas intercepções de som ambiente, a inquirição daquelas testemunhas jamais teria ocorrido. Depõe, aliás, em sentido contrário a quase irrelevância atribuída pela deliberação impugnada a esses meios de prova, e, sobretudo, o facto de PPP ter sido inquirido a respeito de outros factos e do relacionamento mantido entre o Autor e YYYY. Dessas inquirições e ainda que não existissem as ditas intercepções, poderia facilmente emergir linhas de investigação relacionadas com a actividade referente às “criptomoedas” e à vinda para Portugal do denominado “grupo de dança”.
Na confluência destas considerações, deve-se concluir que o recurso à documentação daqueles testemunhos não se mostra maculado, razão pela qual não é, também por este motivo, de reconhecer qualquer invalidade na deliberação impugnada.
Assim, em face do que viemos de expor, é pertinente concluir que a utilização do meio de prova documental a que nos vimos referindo não se mostra, em concreto, atentória do conteúdo essencial de um direito fundamental (cfr. n.º 1 e alínea d) do n.º 2 do artigo 161.º do Código de Procedimento Administrativo).
Não se mostra, igualmente, verificada qualquer outra causa de nulidade da deliberação impugnada nem esta, pelo apontado motivo, incorreu na violação de norma jurídico ou princípio aplicável que determine a sua anulação.
C9) INTERROGATÓRIO DE ARGUIDO NÃO DETIDO
25. Considera o Autor que, não tendo sido observadas as regras constantes do artigo 141.º do Código de Processo Penal no interrogatório a que foi sujeito pelo Ministério Público no processo-crime, tal meio de prova não poderia ser usado no procedimento disciplinar.
À semelhança do que já constatámos relativamente a outros de meios de prova provindos do processo penal em que o Autor figura como arguido, é óbvio que, nesta sede, o auto que contém as declarações deste em sede de interrogatório de arguido não detido constitui mera prova documental (cfr. artigo 362.º do Código Civil).
Pelas razões anteriormente aduzidas (cfr. o exposto no segmento B) da presente fundamentação), a valoração daquele meio de prova no particular contexto do exercício da acção disciplinar (o único que aqui importa cuidar) não depende da aferição do cumprimento das regras processuais penais que o Autor afirma terem sido inobservadas naquele acto processual.
Por outras palavras e como acima demos nota, é absolutamente viável, nesse contexto, a utilização das declarações do Autor prestadas nesse ato, ainda que nele não haja, porventura, sido cumprido o ritualismo legal.
Aliás, o Autor, quando inquirido em sede de inquérito disciplinar, declarou confirmar [91] as declarações por si prestadas perante o Ministério Público, o que significa que, independentemente dessas vicissitudes, reconheceu àquelas declarações aptidão defensiva.
Não obstante e prefigurando a hipótese de ser judicialmente declarada a nulidade processual que o Autor imputa àquele ato, caber-lhe-á accionar, junto do Conselho Superior da Magistratura, o mecanismo de revisão, por forma a que a entidade encarregue do exercício da acção disciplinar avalie, em sede de procedimento disciplinar, as consequências dessa eventual decisão judicial.
Na confluência destas considerações, não se vislumbra, também neste aspeto, a afetação do conteúdo essencial de um direito fundamental que determine a declaração de nulidade da deliberação impugnada ou qualquer vício que, por outro motivo, imponha que se declare a sua anulação.
D) SÍNTESE CONCLUSIVA
26. No somatório de todas estas razões, conclui-se pelo insucesso da impugnação aduzida contra a deliberação impugnada, a qual, por isso, não se invalida.
E, oficiosamente, não se descortinaram quaisquer outras causas de invalidação da deliberação impugnada a que vimos aludindo (cfr. parte final do n.º 3 do artigo 95.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
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E) ARQUIVAMENTO TOTAL DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR E REPOSIÇÃO DA LEGALIDADE
27. Além da invalidação da deliberação impugnada, pretende, concomitantemente, o Autor que «(…) SE DETERMINE O ARQUIVAMENTO DO PROCESSO DISCIPLINAR NA SUA TOTALIDADE E SE CONDENE O RÉU A REPOR A LEGALIDADE, COM RESTITUIÇÃO DO AUTOR À SITUAÇÃO EM QUE SE ENCONTRARIA SEM ESSA DELIBERAÇÃO, NOMEADAMENTE, COM A DEVOLUÇÃO DE VENCIMENTOS E RESTANTES QUANTIAS DEVIDAS.».
A invalidação da deliberação impugnada constituía um inarredável e necessário pressuposto da peticionada condenação do Réu.
Destarte, também este pedido deve soçobrar.
F) DAS CUSTAS E DO VALOR DA AÇÃO
28. Porque vai vencido, as custas ficam a cargo do Autor (n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Tabela I - A, anexa ao Regulamento das Custas Judiciais e n.º 1 do artigo 7.º deste diploma).
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29. Atento a índole manifestamente imaterial das pretensões apreciada, deve-se considerar que o presente processo tem valor indeterminável (n.º 1 do artigo 34.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
Não se aceita, por isso, o valor de € 5.000,00 que foi atribuído pelo Autor à presente acção (o artigo 308.º do Código de Processo Civil), fixando-se, em conformidade, o valor da causa para efeitos de custas em € 30.001,00 (n.º 2 do artigo 34.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
V - DECISÃO
30. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a presente acção administrativa de impugnação e, em consequência, absolver o CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA dos pedidos contra ele formulados pelo Autor AA.
Custas pelo Autor, tendo como referência o valor atribuído à causa na presente decisão [30.001,00 €].
Registe e notifique.
Lisboa, dia 29 de maio de 2025
José Eduardo Sapateiro (Juiz Conselheiro Relator)
Jorge Gonçalves (Juiz Conselheiro Adjunto)
Luís Espírito Santo (Juiz Conselheiro Adjunto)
Maria Deus Correia (Juíza Conselheira Adjunta)
Jorge Leal (Juiz Conselheiro Adjunto)
Fernando Batista (Juiz Conselheiro Adjunto)
Antero Luís (Juiz Conselheiro Adjunto)
Nuno Gonçalves (Juiz Conselheiro – Presidente da Secção)
_________________________
1. Aqui inventariadas por uma ordem lógica de precedência.↩︎
2. Cita-se Luiz Cabral Moncada, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3.ª edição, Quid Iuris, pág. 114.↩︎
3. Neste sentido, ver o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Maio de 2018, proferido no proc.º n.º 92/17.3YFLSB e acessível em www.dgsi.pt↩︎
4. Cita-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Maio de 2017, proferido no proc.º n.º 61/16.0YFLBS e sumariado em www.stj.pt; no mesmo sentido, ver o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Maio de 2013, proferido no proc.º n.º 47/12.4YFLSB e igualm,ente acessível em www.dgsi.pt.↩︎
5. Em que consta que «(…) as nulidades específicas do processo penal deverão ser invocadas nesse âmbito, falecendo ao processo disciplinar competências para a apreciação de questões jurisdicionais, como aliás bem refere o arguido no artigo 403.º da sua defesa (…)».↩︎
6. Cita-se o Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º 123/87, publicado no Diário da República, II Série, n.º …, de ... de ... de 1988. No mesmo sentido, ensina ... - «Regime Disciplinar dos Funcionários Civis e Administrativos», edição de Autor, pág. 14, apud LEAL HENRIQUES, «Procedimento Disciplinar», 5.ª Edição, ..., págs. 57 e 58 - que «A prescrição funda-se no efeito que o tempo produz em todas as coisas e relações humanas. E tem a sua justificação na diminuição do abalo que a infracção produziu nos serviços e no ambiente, sabendo como é que o tempo vai reduzindo ou apagando suavemente os efeitos inicialmente verificados. Por outro lado, não é justo que o funcionário permaneça indefinidamente submetido à ameaça do procedimento ou da pena disciplinar.».↩︎
7. O qual prevê. sob a epígrafe: “Prescrição da infracção disciplinar e do procedimento disciplinar”. Prevê que:
“1 - A infracção disciplinar prescreve no prazo de um ano sobre a respectiva prática, salvo quando consubstancie também infracção penal, caso em que se sujeita aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos. (…)».↩︎
8. Sob a epígrafe “Caducidade do procedimento disciplinar” ali se prevê que «1 - O direito de instaurar procedimento disciplinar caduca passado um ano sobre a data em que a infração tenha sido cometida.»↩︎
9. Cita-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de Abril de 1997, proferido no Proc.º n.º 021488 e acessível em www.dgsi.pt.↩︎
10. Aqui subsidiariamente aplicável – neste sentido, entre muitos outros e mais recentemente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2019, proferido no Proc.º n.º 2/19.3YFLSB e acessível em www.dgsi.pt.↩︎
11. Assinala ANTÓNIO ESTEVES FIRMIANO RATO - «Do Processo Disciplinar», DJAP, Vol. VI, Lisboa, 1994, pág. 543 - que, por vezes, numa conduta composta de elementos vários, ocorridos num período prolongado, mais do que várias infrações autonomizáveis, unificadas em determinado contexto, emerge uma só conduta integradora duma só infracção. No mesmo sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Outubro de 2012 - proferido no Proc.º n.º 125/11.7YFLSB e acessível em www.dgsi.pt - considerou-se que a infracção «(…) assume a natureza permanente ou continuada quando se prolonga no tempo e se define como uma linha ou uma série de pontos (…)».↩︎
12. Assim, ver, exemplificativamente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Janeiro de 2005, proferido no Proc.º n.º 994/02 e sumariado em www.stj.pt.↩︎
13. Perante situação com contornos fácticos de algum modo semelhantes, ver, mais recentemente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Março de 2024, proferido no Proc.º n.º 3/23.7YFLSB e acessível em www.dgsi.pt.↩︎
14. Assim, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Março de 2001, proferido no Proc.º n.º 038664 e acessível em www.dgsi.pt.↩︎
15. Cfr. artigo 10.º desse diploma.↩︎
16. Recorde-se, aliás, que a reforma a que se alude no texto teve em vista gizar um Estatuto dos Magistrados Judiciais «(…) tendencialmente ordenado (…) pelos princípios da autossuficiência regulatória e da unidade estatutária (…) dispensando a aplicação subsidiária do regime contido na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas. (…)», Cita-se a exposição de motivos da proposta de lei n.º 122/XIII que deu origem à Lei n.º 67/2019, de 27 de Agosto, acessível em: https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=42400.↩︎
17. Pese embora a vaguidade do enunciado pelo Réu, crê-se que se pretenderia referenciar o crime de branqueamento de capitais na forma tentada, pp. pelo n.º 1 e pela alínea a) do n.º 2 do artigo 22.º, pela alínea e) do n.º 1, pelo n.º 3 e pelo n.º 6 do artigo 386.º-A, ambos do Código Penal)↩︎
18. Cfr., a este respeito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2023, proferido no Processo n.º 22/21.8YFLSB e acessível em www.dgsi.pt -, de que o Autor - sem o citar - predominantemente se socorre para sustentar a alegação em apreço.↩︎
19. Neste sentido, ver, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 2020, proferido no proc. n.º 10/19.4YFLSB e sumariado em www.dgsi.pt, LUÍS VASCONCELOS ABREU - «Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português Vigente: As Relações Com o Processo Penal», Almedina, pág. 84 e LICÍNIO LOPES MARTINS, «A actividade sancionatória da Administração e o novo Código do Procedimento Administrativo - Comentários ao Novo Código do Procedimento Administrativo» – Vol. II, 3.ª Edição, Ed. AAFDL, págs. 620.↩︎
20. Cfr., no presente contexto, o disposto no n.º 1 do artigo 109.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.↩︎
21. Sintetiza-se a exposição de LICÍNIO LOPES MARTINS, Ob. cit., págs. 618 e 619.↩︎
22. Assim, Cabral de Moncada, ob. cit., pág. 413.↩︎
23. Como refere Raquel Carvalho, Comentário ao Regime Disciplinar dos Trabalhadores em Funções Públicas, Universidade Católica Editora, pág. 236, a lei prevê «(…) a maior amplitude de meios probatórios em ordem a cumprir o princípio do inquisitório (…)». Também Simas Santos - Procedimento Disciplinar, Rei dos Livros, págs. 319 e 320 - salienta a ampla margem de meios de prova ao dispor do instrutor do procedimento disciplinar.↩︎
24. No qual, sob a epígrafe «Legalidade da prova» se dispõe que «São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.».↩︎
25. Neste sentido, convocando, porém, apenas a norma contida no artigo 125.º do Código de Processo Penal, ver o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Novembro de 2020, proferido no Proc.º n.º 4/20.7/YFLSB e acessível em www.dgsi.pt.↩︎
26. Assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Novembro de 2016, proferido no Proc.º n.º 3/16.3YFLSB e acessível em www.dgsi.pt e ANA NEVES, «O Direito Disciplinar da Função Pública – Dissertação de doutoramento», Vol. I, págs. 207 a 209, acessível em https://repositorio.ul.pt/handle/10451/164.↩︎
27. Citamos o Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 33/2002, de 22 de Janeiro de 2002, acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20020033.html.↩︎
28. E, como dá nota LICÍNIO LOPES MARTINS, Ob. cit., pág. 626, tal entendimento tem sido mantido em arestos mais recentes.↩︎
29. Assim, LUÍS VASCONCELOS DE ABREU, Ob, cit., pág. 84, ANA NEVES, Ob. cit., vol. 2.º, pág. 380 e PAULO VEIGA E MOURA e CÁTIA ARRIMAR, «Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas», Coimbra Editora, pág. 584.↩︎
30. A este respeito, ensina FIGUEIREDO DIAS - «Direito Penal, Parte Geral», Tomo I, «Questões Fundamentais - A Doutrina Geral do Crime», 2.ª Ed., 2.ª Reimpressão, Coimbra Editora, págs. 169 e 170 «(…) o ilícito disciplinar é, ao contrário do ilícito penal, um ilícito interno, exclusivamente virado para o serviço, que se pode constituir ainda quando com ele se não tenha verificado um abalo da autoridade estadual ou da Administração (...) o ilícito disciplinar não é simplesmente um minus, mas verdadeiramente um aliud relativamente ao ilícito penal. (…)».
No apontado sentido, discreteiam ainda LUÍS VASCONCELOS ABREU - Ob. cit., págs. 32 e 33 - «(…) A autonomia do ilícito disciplinar encontra-se expressa na possibilidade de cumulação das responsabilidades disciplinar e criminal pela prática do mesmo facto, sem violação do ne bis in idem. Reafirmando um lugar-comum: o ilícito disciplinar não é um minus relativamente ao criminal, mas sim um aliud. Aliás, a conhecida subsidiariedade da intervenção do direito penal é suficiente para justificar a referida possibilidade de aplicação cumulativa de uma medida disciplinar e de uma sanção criminal pela prática do mesmo facto. (…)» e VASCO CAVALEIRO - «O poder disciplinar e as garantias de defesa do trabalhador em funções públicas», 2.ª Ed., Almedina págs. 72 e 73 - «(…) o direito penal e o direito disciplinar no emprego público são autónomos e independentes entre si, de tal ordem que «a valoração da mesma conduta pode ser feita e sancionada concomitantemente no âmbito respetivo sem que isso envolva violação do princípio “non bis in idem”, que só funciona no âmbito de cada específico ordenamento punitivo». A mesma conduta pode, simultaneamente, ser perseguida e punida no procedimento disciplinar e em processo penal, sem que isso represente uma dupla punição pelos mesmos factos, porquanto se tratam de responsabilizações distintas, até à luz dos distintos bens jurídicos protegidos e das distintas finalidades de cada um dos direitos em causa. Dá-se a coexistência de espaços valorativos e sancionatórios próprios. (…)».
Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 59/95 - acessível em TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 59/1995 . (tribunalconstitucional.pt) - «(…) a Constituição acolhe a distinção entre o direito penal e o direito disciplinar, nomeadamente quanto à diferente configuração do princípio da jurisdicionalidade, uma vez que da Constituição resulta que no direito disciplinar inexiste a concentração de competência jurisdicional, que se verifica em matéria crime nos tribunais comuns (artigo 213.º, n.º 1). E não se pode dizer que a Constituição reconhece simplesmente um conceito histórico de direito disciplinar, quando é certo que faz exigências ao direito disciplinar desconhecidas da Constituição de 1933.
Na verdade, a Constituição consagrou uma evolução legislativa anterior, através da qual o direito disciplinar se autonomizou do direito penal. Tanto o direito disciplinar dos funcionários públicos como o dos militares derivou historicamente do direito penal especial destas classes ou estados de pessoas (cfr. Maurach-Zipf, ibidem, Stratenwerth, Strafrecht, Allgemeiner Teil, I, 3.ª ed., 1981, p. 445, Jakobs, Strafrecht, Allgemeiner Teil, 2.ª ed., 1991, pp. 56 e segs.). A evolução histórica do direito disciplinar caracteriza-se precisamente por um movimento liberalizador, por um lado, de descriminalização, reservando ao direito penal apenas aquelas faltas que põem em perigo a defesa da sociedade no seu conjunto e não apenas a funcionalidade duma instituição particular e, por outro lado, de «desestatização», no sentido de que não há um superior dever de fidelidade de certos «estados» de cidadãos, pelo que o comportamento fora da instituição só pode relevar disciplinarmente se afectar a confiança indispensável ao exercício do cargo. Considerações semelhantes, algo atenuadas, valem para as sanções disciplinares das associações de profissionais livres em profissões cujo exercício depende de título ou autorização pública (advogados, solicitadores, médicos, revisores de contas, etc.).
Mas a tendência para a progressiva autonomização do direito disciplinar relativamente ao direito penal é contrabalançada pelo progressivo alargamento das garantias do direito penal ao direito disciplinar. Marcos históricos desta última evolução são, por exemplo, a inclusão do «regime geral de punição das infracções disciplinares» na alínea d) do artigo 168.º da Constituição na 1.ª revisão constitucional, e o acórdão do Tribunal europeu dos Direitos do Homem no caso König de 28 de Junho de 1978 (Cour Européenne des Droits de l’Homme, série B, n.º 25, págs. 42 e segs.), que considerou que a sanção disciplinar de inibição do exercício da profissão de médico estava sujeita às garantias jurisdicionais e processuais do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, jurisprudência logo confirmada, quanto à suspensão do exercício da mesma profissão, nos casos Le Compte (acórdãos de 23 de Junho de 1981, Cour européenne des Droits de l’Homme, série A, n.º 48, p. 21, e de 10 de Fevereiro de 1983, ibidem, série A, n.º 58, p. 15).
Assim a Constituição reconhece expressamente a autonomia do direito disciplinar, a sua diversidade institucional e a pluralidade de competências sancionatórias que o caracterizam (…)».
No mesmo sentido, v. ainda ANA NEVES, ob. cit., vol. II, págs. 455 e 456 e JORGE ESTEVES, «Regime da prescrição do procedimento disciplinar no Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas e o regime transitório da prescrição previsto no diploma preambular (Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro)», in «Revista Jurídica da Universidade Portucalense», n.º 14, pág. 143 e, exemplificativamente, na jurisprudência deste Supremo Tribunal, ver o Acórdão de 13 de Novembro de 2003 – proferido no Proc.º n.º 03A1636 e acessível em www.dgsi.pt – e de 30 de Abril de 2020, proferido no Proc.º n.º 27/19.9YFLS e sumariado em www.dgsi.pt.↩︎
31. Sob a epígrafe “Admissibilidade”, dispõe-se
«(…) 7 - Sem prejuízo do disposto no artigo 248.º, a gravação de conversações ou comunicações só pode ser utilizada em outro processo, em curso ou a instaurar, se tiver resultado de intercepção de meio de comunicação utilizado por pessoa referida no n.º 4 e na medida em que for indispensável à prova de crime previsto no n.º 1.
8 - Nos casos previstos no número anterior, os suportes técnicos das conversações ou comunicações e os despachos que fundamentaram as respectivas intercepções são juntos, mediante despacho do juiz, ao processo em que devam ser usados como meio de prova, sendo extraídas, se necessário, cópias para o efeito.».↩︎
32. O entendimento do Autor parece ser decalcado do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de Outubro de 2008 (proferido no Proc.º n.º 0878/08 - o qual foi também adotado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 11 de Junho de 2015 - proferido no Proc.º n.º 11979/15 – todos acessíveis em www.dgsi.pt, embora, desta feita, exista uma referência ao mesmo. Saliente-se que os citados arestos se debruçaram sobre o tema no contexto da acção disciplinar administrativa no campo desportivo, tendo a posição adoptada no primeiro daqueles arestos merecido anotação favorável de DAMIÃO DA CUNHA, «Escutas e Processo Disciplinar Público», in «Cadernos de Justiça Administrativa», n.º 93, pág. 41.
Refira-se que o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Janeiro de 2016 - proferido no proc. n.º 01446/15 e acessível em www.dgsi.pt - apenas se debruçou sobre a admissibilidade de uma revista excepcional, não se tendo localizado, nas bases de dados disponíveis, os demais arestos indicados pelo Autor.↩︎
33. Cita-se, respectivamente, CAVALEIRO DE FERREIRA, «Curso de Processo Penal», Volume 1.º, Editora Danúbio, pág. 205 e GERMANO MARQUES DA SILVA, «Curso de Processo Penal», Vol. II, Verbo, pág. 189.↩︎
34. Assim, GERMANO MARQUES DA SILVA, Ob. cit., pág. 190.↩︎
35. A este respeito, ver SANTOS CABRAL, «Código de Processo Penal Comentado», Almedina, pág. 798 e CARLOS ADÉRITO TEIXEIRA, «Escutas Telefónicas – Mudança de Paradigma e os Velhos e os Novos Problemas» in «Revista do CEJ», n.º 9, 1.º Semestre, número especial, págs. 274 e 275.↩︎
36. Reportando-se a esses preceitos, assinala COSTA ANDRADE - «Bruscamente no Verão passado - A Reforma do Código de Processo Penal - Observações sobre uma Lei que podia e devia ter sido diferente», Coimbra Editora, pág. 175 -, que a «(…) a reforma deixou fora de consideração todos os problemas suscitados nas relações entre o processo penal e os processos de natureza distinta (…)»; contra, porém, o Parecer elaborado por GERMANO MARQUES DA SILVA, in «Desporto & Direito - Revista Jurídica do Desporto», ano VI, n.º 18, Maio/Agosto de 2009, pág. 410.↩︎
37. Contra, porém, o Parecer elaborado por COSTA ANDRADE in «Desporto & Direito - Revista Jurídica do Desporto», ano VI, n.º 18, Maio/Agosto de 2009, pág. 388.↩︎
38. Cita-se COSTA ANDRADE, «Regime Processual Penal das Escutas Telefónicas» in «Revista Portuguesa de Ciência Criminal», Ano 1, Fascículo 3, 1991, pág. 377. No apontado sentido, ver ainda PAULO VEIGA E MOURA e CÁTIA ARRIMAR, Ob. cit., pág. 585.↩︎
39. Entendimento que, algo contraditoriamente, GERMANO MARQUES DA SILVA (citando DARIO GROSSO), parece perfilhar no dito Parecer (cfr. pág. 413).↩︎
40. Segundo o qual «(…) É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal».↩︎
41. Como, nos ditos Pareceres, sustentam COSTA ANDRADE (pág. 364) e GERMANO MARQUES DA SILVA (pág. 411). Também GERMANO MARQUES DA SILVA e FERNANDO SÁ - «Constituição da República Portuguesa Anotada,» VV.AA., Universidade Católica Portuguesa, Vol. I, 2.ª Edição Revista, pág. 564 - ancoram nessa proibição a inadmissibilidade da “exportação” do material probatório obtido em intercepções telefónicas para outros processos.↩︎
42. O que, de igual feição, afrontaria a proibição a que vimos aludindo, como se discreteou no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 241/02, acessível em TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 241/2002 . (tribunalconstitucional.pt)-↩︎
43. Note-se que o Autor, em consonância com a postura adoptada em sede de audição pública, jamais coloca em causa a sua validade no prisma processual penal.↩︎
44. Cfr. n.º 1 do artigo 218.º e n.º 1 do artigo 266.º, ambos da Constituição da República Portuguesa.↩︎
45. Cita-se SANTOS CABRAL, Ob. cit., pág. 799.↩︎
46. Cita-se o Acórdão do Supremo Tribunal de 21 de Dezembro de 2012, proferido no Proc.º n.º 75/12.0YFLSB e acessível em www.dgsi.pt.↩︎
47. Sobre o tema, ver o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Janeiro de 2023, proferido no Proc.º n.º 9/22.3YFLSB e acessível em www.dgsi.pt.↩︎
48. Cita-se SANTOS CABRAL, loc. cit..↩︎
49. Cita-se PAULO VEIGA E MOURA e CÁTIA ARRIMAR, loc. cit.↩︎
50. Que, neste particular contexto, tem acutilante expressão nos artigos 115.º e 116.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.↩︎
51. Sintetiza-se, por reporte ao particular contexto em que nos movemos, o ensinamento de VASCO CAVALEIRO, Ob. cit., pág. 78. No mesmo sentido, expende VITAL MOREIRA em Parecer in «Desporto & Direito - Revista Jurídica do Desporto», ano VI, n.º 18, Maio/Agosto de 2009, págs. 461, 466 e 467, embora aduzindo argumentos que aqui não se perfilham por inteiro.↩︎
52. Idem, nota 48.↩︎
53. Idem, nota 48.↩︎
54. Contra, porém, ver COSTA ANDRADE, «Bruscamente…», pág. 180; assim, ver ainda PAULO VEIGA E MOURA e CÁTIA ARRIMAR, loc. cit..↩︎
55. Cfr. os § 55., 56., 57, 74 e 84 do Acórdão “Versini-Campinchi et Crasnianski C. France”, n.º 49176/11m de 16 de Junho de 2018 (acessível em https://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-163612) e os § 49., 50., 51., 52., 56., 57., 58., 59.º e 60. do Acórdão “Terrazzoni C. France” (de 29 de Junho de 2017, acessível em https://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-174643 e especialmente relevante, porque se reporta ao exercício da acção disciplinar contra um magistrado judicial). E é também essa a experiência de outras ordens jurisdicionais como se colhe na deliberação impugnada e na lição de Vital Moreira Ob. cit. págs. 477 e 478 e, exemplificativamente, no Acórdão do Cour de Cassation (Chambre Criminelle) de 23 de Maio de 2001 (proc. n.º 01-81.567, acessível em Accueil |Cour de cassation).↩︎
56. Recorde-se, aliás, que a valoração que merece a censura do Autor foi propiciada por um ato processual a que não se divisa que o Autor haja oportunamente reagido, não se vislumbrando, igualmente, que jamais haja podido contraditar/contextualizar ou explicitar o teor das intercepções telefónicas, o que sempre faria sobressair alguma abusividade na alegação.↩︎
57. Como ensina VIEIRA DE ANDRADE - Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 2.ª edição, Almedina, pág. 293 - que «(…) o próprio preceito constitucional que autoriza a restrição pode indicar expressamente os fins ou outros pressupostos específicos da restrição. Será o caso, por exemplo, dos artigos 27.º, n.º 3, 34.º, n.º 4, e 47.º, n.º 1, que podem ser considerados de “reserva qualificada”. Nestas situações, presume-se que o legislador só está autorizado a restringir o conteúdo dos direitos para essas finalidades, ou seja, para a salvaguarda dos direitos ou valores enunciados, quando muito para outras finalidades que decorram necessariamente ou se possam considerar implicadas nas expressamente referidas (…)».↩︎
58. Neste sentido, ver VITAL MOREIRA, Ob. cit., págs. 474, 481 - destacando-se a passagem em que se sublinha que «(…) existe uma substancial diferença, de natureza e de grau, no plano da afectação dos direitos fundamentais entre a captação de escutas telefónicas e a sua disponibilização no processo penal e a eventual utilização posterior das mesmas fora do processo original (…)», págs. 484, 489 e 490.↩︎
59. Deve-se, complementarmente, assinalar que o procedimento disciplinar está imperativamente sujeito a um regime apertado de confidencialidade (cfr. artigo 111.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais), o que arreda a potencialidade lesiva invocada pelo Autor. De resto, cabe aqui notar que, tanto quanto é do conhecimento público, o seu teor não foi divulgado a terceiros no decurso do procedimento disciplinar, ou, sequer, por via da deliberação impugnada.↩︎
60. Como acentua VITAL MOREIRA, Ob. cit. pág. 485 - «(…) Do ponto de vista material, não existe razão suficientemente forte para interpretar restritivamente o artigo 34.°, n.° 4, in fine, da CRP, de modo a só permitir a utilização de escutas telefónicas — e não somente a obtenção — em processo penal: a intensidade do gravame da divulgação acrescentado à violação do sigilo das comunicações pode ser claramente atenuado quanto à sua nocividade, se o seu aproveitamento extraprocessual em processo disciplinar se restringir ao apuramento da responsabilidade disciplinar emergente dos factos geradores dos ilícitos criminais e em relação aos mesmos agentes que foram objecto e alvo das escutas em processo penal (…)».↩︎
61. No qual se estatui que «(…) A autoridade judiciária pode autorizar a passagem de certidão em que seja dado conhecimento do conteúdo de acto ou de documento em segredo de justiça, desde que necessária a processo de natureza criminal ou à instrução de processo disciplinar de natureza pública, bem como à dedução do pedido de indemnização civil.».↩︎
62. Neste sentido e a respeito, em geral, de outros meios de prova, ver os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Junho de 2020 - proferido no Proc.º n.º 3/20.9YFLSB e sumariado em www.stj.pt - e de 24 de Novembro de 2020, já citado.↩︎
63. Assim, VASCO CAVALEIRO, loc. cit. e VITAL MOREIRA, Ob. cit. págs. 485 e 486, aludindo, precisamente, à duplicidade de ilicitudes emergentes do mesmo facto.↩︎
64. A este respeito, ver MARIA DO CARMO SILVA DIAS, «Comentário Judiciário do Código de Processo Penal», 2.ª Edição, Almedina, pág. 961, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, «Comentário ao Código de Processo Penal», Vol. I, 5.ª edição, Universidade Católica Portuguesa, pág. 342 e VITAL MOREIRA, Ob. cit., págs. 493 e 494.↩︎
65. Parafraseia-se COSTA ANDRADE no Parecer aludido na Nota n.º 37, pág. 367.↩︎
66. A acolher-se a tese do Autor, propender-se-ia a considerar que a deliberação padeceria de nulidade, por afetar um direito fundamental, e não de mera anulabilidade.↩︎
67. Como acentua FIGUEIREDO DIAS - «Direito Processual Penal», Coimbra Editora, pág. 59.- «(…) o processo penal constitui um dos lugares por excelência em que tem de encontrar-se a solução do conflito entre as exigências comunitárias e a liberdade de realização da personalidade individual. Aquelas podem postular, na verdade, uma «agressão» na esfera desta; agressão a que não falta a utilização de meios coercivos (prisão preventiva, exames, buscas, apreensões) e que mais difícil se torna de justificar e suportar por se dirigir, não a criminosos convictos, mas a meros «suspeitos» - tantas vezes inocentes – ou mesmo a «terceiros» (declarantes, testemunhas e até pessoas sem qualquer participação processual).
Daqui que o interesse comunitário na prevenção e repressão da criminalidade tenha de pôr-se limites – inultrapassáveis quando aquele interesse ponha em jogo a dignitas humana que pertence mesmo ao mais brutal delinquente; ultrapassáveis, mas só depois de cuidadosa ponderação da situação, quando conflitue com o legítimo interesse das pessoas em não serem afectadas na esfera das suas liberdades pessoais para além do que seja absolutamente indispensável à consecução do interesse comunitário. É através desta ponderação e da justa decisão do conflito que se exclui a possibilidade de abuso do poder – da parte do próprio Estado ou dos órgãos a ele subordinados – e se põe a força da sociedade ao serviço e sob o controlo do Direito; o que traduz só, afinal, aquela limitação do poder do Estado pela possibilidade de livre realização da personalidade ética do homem que constitui o mais autêntico critério de um verdadeiro Estado-de-direito (…)».↩︎
68. Assim, VITAL MOREIRA, Ob. cit., pág. 495 e o mencionado Aresto de 30 de Junho de 2020.↩︎
69. Cita-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Novembro de 1999, proferido no Proc.º n.º 129/99 e sumariado em www.stj.pt.↩︎
70. Assim, entre outros, CARLOS ADÉRITO TEIXEIRA, Ob. cit., pág. 289, SANTOS CABRAL, Ob. cit., págs. 776 e 777, DAMIÃO DA CUNHA, «Medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira – A Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro de 2022», Universidade Católica Portuguesa, pág. 106 e JOÃO GOUVEIA DE CAIRES, «O registo de som e as escutas ambientais - Direito da Investigação e da Prova», Almedina, págs. 274 e 279 e segs. e ainda o Acórdão da Relação de Lisboa de 27 de Fevereiro de 2008, proferido no Processo n.º 10898/2007-3 e acessível em ....↩︎
71. Cabendo aqui frisar que, por falta de alegação e prova, se desconhece qual foi a concreta base legal concitada, o que preclude a possibilidade de uma análise mais detalhada.↩︎
72. Assim, ver PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Ob. cit., págs. 861 e 862 e SANTOS CABRAL, Ob. cit., pág. 779 e o Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem “Vetter c. France” (de 31 de Maio de 2005, acessível em https://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-69188).↩︎
73. Assim, DAMIÃO DA CUNHA, Ob. cit., pág. 111, JOÃO GOUVEIA DE CAIRES, Ob. cit., págs. 281 e 282 e o citado aresto do Tribunal da Relação de Lisboa, onde se abordou a realização de uma intercepção telefónica numa cela prisional.↩︎
74. Vertida, máxime, na asserção de «(…) que o que se passa no interior do seu veículo automóvel respeita sempre à sua esfera privada (…)».↩︎
75. Parafraseia-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Setembro de 2007, proferido no Proc.º n.º 07P1125 e acessível em www.dgsi.pt.↩︎
76. Cita-se o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 10/2023, publicado no DR n.º 218, 1.ª Série, de 10 de Novembro de 2023, págs. 83 e segs.↩︎
77. Idem, o Aresto citado na precedente nota.↩︎
78. Ver, a este respeito, a orientação jurisprudencial firmada no aresto citado na Nota n.º 76. Também assim preconizava, por aplicação extensiva do regime das intercepções telefónicas, COSTA ANDRADE, Ob. cit., págs. 375 e 376.↩︎
79. Assim, o entendimento firmado no citado acórdão uniformizador.↩︎
80. Assim, o citado Aresto de 24 de Novembro de 2020, COSTA ANDRADE, «Bruscamente…», pág. 157, PEDRO VERDELHO, «Apreensão do Correio Eletrónico em Processo Penal», in Revista do Ministério Público, Ano 25.º, n.º 100, Outubro-Dezembro, 2004, págs. 153-154 e «Técnica no novo C.P.P.: Exames, Perícias e Prova Digital», in Revista do CEJ, 1.º Semestre 2008, n.º 9 (Especial), págs. 145 e 171 e JOÃO CONDE CORREIA, «Prova Digital: Enquadramento Legal», pág. 28 in «Cibercriminalidade e Prova Digital» acessível em Cibercriminalidade e Prova Digital (justica.gov.pt)↩︎
81. Loc. cit.↩︎
82. Assim, o citado Aresto de 30 de Junho de 2020.↩︎
83. Neste sentido, ver o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (Secção Social) de 5 de Julho de 2007, proferido no Proc.º n.º 07S043 e acessível em www.dgsi.pt.↩︎
84. Em que não há lugar à realização de uma audiência de julgamento, à constituição de arguidos ou à intervenção de um tribunal.↩︎
85. Cfr. fls. 48 a 54, 86 e 179 do processo disciplinar apenso.↩︎
86. Refira-se, aliás, que o Autor enjeitou a possibilidade de prestar declarações em momento anterior à dedução de acusação (cfr. o processado que consta de fls. 185, 186, 195 e 196 do processo disciplinar apenso).↩︎
87. Cfr. o auto de inquirição cuja cópia consta de fls. 45 a 47.↩︎
88. Cita-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Janeiro de 2007, proferido no processo n.º 3111/06 e sumariado em www.stj.pt.
O privilégio contra a auto-incriminação decorre da alínea g) do n.º 3 do artigo 14.º do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966.↩︎
89. Proferido no processo n.º 06P4805 e acessível em www.dgsi.pt.↩︎
90. Cita-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 2006, proferido no processo n.º 06P650 e acessível em www.dgsi.pt.↩︎
91. Cfr. o auto de inquirição de fls. 108 e 109 do processo disciplinar apenso.