I - O controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição obedece, actualmente, ao regime geral aprovado pelo D.L. n.º 29/2022, de 7 de Abril, às disposições regulamentares gerais previstas no Regulamento Geral do Controlo Metrológico, aprovado pela Portaria n.º 211/2022, de 23 de Agosto, e ainda, para os alcoolímetros, ao Regulamento do Controlo Metrológico Legal dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria n.º 366/2023, de 15 de Novembro.
II - Nos termos do artigo 7.º, n.º 1, da Portaria n.º 366/2023 «a primeira verificação é efetuada antes da colocação do alcoolímetro em serviço, ou após a sua reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem, dispensando-se a verificação periódica nesse ano, tendo o mesmo prazo de validade».
III - Nos termos do artigo 8.º, n.º 1, da Portaria n.º 366/2023 «a verificação periódica tem uma periodicidade anual e é válida durante um ano após a sua realização».
IV - Nos termos do artigo 7.º, n.º 7, do D.L. n.º 29/2022, de 7 de Abril, «os instrumentos de medição em utilização, cuja aprovação de modelo não seja renovada ou tenha sido revogada, podem permanecer em utilização desde que satisfaçam as operações de verificação metrológica aplicáveis».
V - O aditamento de factos que não constem do elenco da factualidade provada e não provada não pode ser alcançado através da impugnação ampla da matéria de facto.
VI - Conforme o Acórdão nº 312/2012 do TC, publicado no DR nº 4/2013, série II, de 7.1.2013, «o mecanismo processual que possibilite essa reação não passa necessariamente pela consagração do direito de solicitar a um tribunal de recurso que ajuíze, em primeira mão, se os factos omitidos, face à prova produzida, resultaram demonstrados, sendo suficiente que o arguido tenha a possibilidade de invocar a nulidade resultante da respetiva omissão de pronúncia, cabendo ao tribunal de recurso verificá-la e determinar o seu suprimento pelo tribunal de 1.ª instância …».
Acordam, em conferência, na 4ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.
A – Relatório
1. Pela Comarca de Coimbra (Juízo Local Criminal de Cantanhede), sob acusação do Ministério Público, por um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292º, nº 1, e 69º, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal, foi submetido a julgamento, em processo abreviado, o arguido
AA, filho de BB e de CC, nascido a ../../1981, natural da ..., com autorização de residência ...12, residente na Rua ..., na localidade de ..., ....
2. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, a 4.2.2025, decidindo-se:
“1 – Julgar procedente, por provada, a acusação do Ministério Público, e, em consequência condenar AA como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos arts. 292.º n.º 1 do Código Penal na pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa à taxa diária de €7,00 (sete euros), à qual de desconta um dia, tendo como tal a cumprir 74 (setenta e quatro) dias de multa à taxa diária fixada.
2 – Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias, nos termos do disposto no art.69.º, n.º1 a) do Código Penal devendo o arguido entregar a respetiva carta de condução - caso seja titular de algum titulo de condução - no prazo de 10 dias, após o trânsito em julgado da sentença, na secretaria deste tribunal ou em qualquer posto policial, sob pena de, não o fazendo, ser determinada a apreensão da carta/licença – art. 500.º n.º 2 e 3 do Código de Processo Penal, com a cominação de que a não entrega no prazo fixado o fará incorrer na prática de crime de desobediência do art. 348.º n.º 1 b) do Código Penal – cfr. Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 2/2013.
3 – Condenar o arguido nas custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 2UC - cfr. art.s 513.º n.º 1 e 514.º n.º 1, todos do Código de Processo Penal e art. 8.º, n.º5 do Regulamento das Custas Processuais”.
3. Inconformado com a douta sentença, veio o arguido interpor recurso da mesma, terminando a motivação com as seguintes conclusões:
“1. Decorrida a audiência de julgamento veio o Mm.º Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo Local Criminal de Cantanhede a condenar o arguido AA pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. p. pelo art. 292.º do Código Penal.
2. Antes de mais realçamos que o recorrente é Venuzuelano, encontra-se a trabalhar em Portugal há pouco tempo (vide atestado de residência de 03.01.2024), tem dificuldade em falar português e alguma em entender, como se vê pela gravação da audiência de julgamento o que, por tal fato, impunha ponderar a presença de um tradutor quer no momento da fiscalização quer nos atos subsequentes, e em particular no julgamento.
3. A convicção do Tribunal a quo assentou, no que à prova documental respeita, designadamente, no auto de notícia, no talão do alcoolímetro e respetivo certificado de verificação.
4. O teste quantitativo para pesquisa de álcool no sangue pelo método do ar expirado foi realizado pelo equipamento DRAGER modelo 7110 MKIIIP, aprovado pelo IPQ Desp. 211.07.07.3.06, de 24.05.2007 e pela ANSR n.º 19684/2009, de 25.06.2009, e introduzido junto das entidades fiscalizadoras há mais de 20 (vinte) anos, encontrando-se hoje não apto, por não aprovado e, seguramente, obsoleto.
5. Acresce que a aprovação concedida tem um PRAZO DE VALIDADE DE 10 ANOS, findo o qual caduca, não tendo sido concedida a respetiva renovação por o equipamento não reunir as condições técnicas regulamentares fixadas e extravasar em valores muito superiores as margens de erro legalmente admissíveis – OIML E126.
6. Assim, a aprovação do modelo deixou de ser válida a 07.06.2017.
7. Não sendo, portanto, possível utilizar ou tão pouco usar como meio de prova ao tribunal a quo o resultado obtido, por ilegal e não autorizado.
8. Mais, ainda que se entendesse que o mesmo estava dentro dos condicionalismos legais para ser usado e que, ainda que ultrapassado e não renovado o prazo de 10 anos de validade de aprovação, não está, no caso dos autos, demonstrada a verificação do desempenho periódico do aparelho.
9. Resulta igualmente dos autos que o concreto alcoolímetro utilizado para realização do teste quantitativo de deteção de álcool no sangue foi sujeito a primeira verificação em 03.10.2023, sendo a entidade responsável o IPQ.
10. Tal data de verificação permite concluir que aquele específico aparelho, ainda que ultrapassado o prazo de dez anos de validade da aprovação do modelo respetivo, estava apto a funcionar até 31.12.2023.
11. Assim, à data da realização do exame em apreço – 01.09.2024 – não obstante estar ultrapassado o prazo de validade da aprovação de modelo do alcoolímetro DRAGER Alcotest 7110MKIIIP utilizado para o efeito, válido até 07.06.2017, esse equipamento em concreto não estava totalmente apto à execução de tal função tendo em consideração que foi aprovado em primeira verificação de 03.12.2023, válida até 31.12.2023.
12. Porém, vidando-se a impugnação da matéria de facto com base na reapreciação da prova produzida em audiência, referenciando as concretas passagens das declarações, sempre importa notar o que foi declarado pelo arguido e por cada testemunha e que contribuiu para formar a convicção do Tribunal.
13. Pelo que, conjugada e cruzada a prova testemunhal com a prova documental junta aos autos, deverá ser alterada: - Para “Não Provada” a matéria de facto constante dos Factos Provados, Pontos 3, 4 e 5; e – Para “Provada” a matéria de facto constante dos factos Não provados, Pontos “a” a “d”, e aditados e dados como provados 2 (dois) Novos Factos com o seguinte teor:
(i) - À data da realização do exame em apreço (01.09.2024) não obstante estar ultrapassado o prazo de validade da aprovação de modelo do alcoolímetro DRAGER Alcoteste 7110MKIIIP utilizado para o efeito, válido até 07.06.2017, esse equipamento em concreto não estava totalmente apto à execução de tal função tendo em consideração que foi aprovado em primeira verificação de 03.10.2023, válida até 31.12.2023; (ii)
- O arguido, face à condução desempenhada, não representou como possível ser portador ao momento da fiscalização de uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20g/l.
14. Do cruzamento da matéria testemunhal com a prova documental já junta aos autos, resultam alterações à matéria de facto que sempre haveria o Tribunal a quo de ter dado como provada e como não provada.
15. Constitui elemento objetivo do ilícito em apreço a condução de veículo com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20g/l; do ponto de vista subjetivo, este crime pode ser cometido com dolo ou por negligência.
16. Muito embora o arguido confesse o circunstancialismo de tempo, modo e lugar da condução, o elemento objetivo do tipo de ilícito não se encontra preenchido, porquanto o referido alcoolímetro DRAGER, modelo Alcotest 7110 MKIII P, não está aprovado, constituindo prova proibida.
17. Apesar de o arguido ter ingerido bebidas alcoólicas precedentes à condução, não ingeriu, seguramente, em quantidade suficiente a provocar a T.A.S. alegadamente apurada, pelo que também não se encontra preenchido o elemento subjetivo do ilícito em causa.
18. Concluímos pelo não preenchimento dos elementos objetivo e subjetivo do crime, pelo que deve o arguido, ora recorrente, ser ABSOLVIDO!
19. À cautela, e caso não seja este o entendimento dos Venerandos Senhores Desembargadores, face ao que dispõe a Lei Penal, ao que ficou provado nos autos e, acima de tudo, o que não ficou provado, e ainda à falta de prova complementar segura, não era possível ao Mm.º Juiz do Tribunal a quo, salvo o devido respeito, retirar as conclusões que sintetizam a condenação do arguido, quando tudo fazia prever o contrário, ou seja, a aplicação de pena de ADMOESTAÇÃO ou, quanto muito, a aplicação de uma pena no mínimo legal.
20. Sem ignorar a nulidade da acusação, o que se retira da douta sentença é que o Tribunal a quo, não levando em conta o depoimento credível do arguido, nem tendo esclarecido a exata taxa de álcool ingerido por este, limitou-se a fazer uma dedução com base em ténues provas, em particular do depoimento do Senhor Militar da GNR – DD, que realizou a fiscalização e elaborou o Auto, reduzindo-o ao teor do que se presume álcool, sem ter em conta o depoimento das testemunhas arroladas pelo arguido, que estiveram com ele na referida noite e afirmam que o mesmo estava em plenas condições para conduzir.
21. Todavia, não nos parece que o critério adotado seja suficiente para se subsumir a atuação do arguido à norma em questão, pelo que não nos restam dúvidas que o Mm.º Juiz a quo condenou o arguido, não porque se provaram os elementos objetivos em apreço, mas porque, analisando os elementos disponíveis, refira-se o depoimento do Militar da GNR, presumiu através de deduções subjetivas a suposta conduta do arguido.
22. Salvo o devido respeito, que é muito, as incertezas e dúvidas existentes, além do mais, quanto à ilegalidade do alcoolímetro Drager 7110 MKIIIP, ao contrário do que seria esperado – a absolvição -, não serviriam para condenar o arguido.
23. De toda a matéria produzida em audiência de julgamento, não havia, em nossa opinião, elementos que permitissem sem mais pensar, muito menos provar, que o arguido conduziu o veículo com uma taxa de álcool superior à permitida por lei.
24. Verificou-se, assim, um erro de interpretação na subsunção dos factos, salvo melhor opinião, nulos, por irregularidade na sua obtenção (aparelho Drager Alcotest 7110 MKIIIP, não aprovado e não verificado) ao direito, já que não se mostram preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos do respetivo normativo, tendo a Mm.º Juiz violado a interpretação destes.
25. Mesmo que não se considerasse a prova nos termos em que se alega, isto é, ainda que não se aceite que a prova produzida impunha decisão diversa, não podemos deixar de considerar que a mesma cria fortes e insolúveis dúvidas, pelo que deveria o Tribunal a quo ter-se socorrido, desde logo, do princípio in dúbio pro reo.
26. À margem de todas as certezas serem em sentido contrário, note-se ser o elemento da GNR que confirmou e atestou o bom estado do recorrente, sem que se suspeitasse, visualmente e/ou no seu diálogo, qualquer indício de que o mesmo se encontrava impedido do exercício da condução, o que foi surpresa para todos.
27. Assim, do supra alegado, resulta que o arguido não poderia ter sido condenado pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art.º 292.° do Código Penal.
28. A pena a que o arguido foi sujeito é na opinião do mesmo, e salvo o devido respeito por interpretação diversa, infundada e injusta, quer quanto à pena de multa aplicada (€518), quer quanto à pena acessória de proibição de conduzir (4 meses e 15 dias), e custas processuais (2UCs), que se impõem revogadas.
29. A pena aplicada ao recorrente não foi a melhor opção em termos de política de aplicação de penas, mostrando-se injusta, inibindo-se o Mm.º Juiz a quo, inclusive, de ponderar todas as opções legislativas que ao caso poderiam ser aplicáveis, como o facto de o arguido ter atuado em ERRO SOBRE A ILICITUDE.
30. O arguido, muito embora conheça o circunstancialismo da sua atuação, não representou, de maneira alguma, o carácter ilícito da sua conduta: o arguido conduziu com uma T.A.S. superior a 1,2g/l, com conhecimento de que conduzir assim constitui crime, porém, na sua convicção, o mesmo não acontecia.
31. Assim, face à factualidade do caso e à atenuação especial da pena a que sempre haverá lugar (-1/3) – artigos 72.º, n.º 2 al. c) e 73.º, n.º 1 al. c) – nunca será de admitir a aplicação de uma pena superior a 49 dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros); nem tão pouco, mais de 3 (três) meses de pena acessória de inibição de conduzir.
32. Reitera-se, por estrita cautela de patrocínio, o que não se aceita, a ter sucedido, sempre se tratou de um caso isolado, sem quaisquer antecedente e sem que haja notícia da sua repetição.
33. O recorrente necessita da carta de condução no seu dia a dia, quer seja para se deslocar para o trabalho, quer seja para prestar apoio a amigos e colegas.
34. Assim, reduzindo-se no seu máximo 1/3 e seguindo-se o critério adotado pelo Mm.º Juiz a quo para determinar a aplicação ao arguido de uma pena de multa de 74 (setenta e quatro) dias, atenta a atenuação especial, sempre seria de aplicar uma pena de multa não superior a 49 dias.
35. Pelo que deverão V. Exas. Digníssimos Desembargadores dar provimento ao recurso, absolvendo a recorrente, ou, em alternativa, optar pela pena de admoestação.
36. Caso ainda assim não se entenda, sempre haverá de ter lugar a atenuação especial da pena, reduzindo-a, no máximo, 49 (quarente e nove) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros).
37. Pelo exposto, tudo visto e ponderado, deverão V. Exas. Venerandos Desembargadores, revogar a sentença recorrida, absolvendo o arguido, ou caso ainda assim não se entenda, substituir a douta decisão recorrida, tirada em primeira instância, por uma que aplique pena de Admoestação ou, quando muito, pena especialmente atenuada.
Face ao exposto, e à interpretação dada pelo Tribunal a quo, consideram-se desde logo violadas, salvo melhor opinião, e entre outras, as normas seguintes:
- Artigos 40.º, 71.º, 72.º, 73.º e 292.° do Código Penal;
- Artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa;
- Artigo 82.º, nºs 1 a 6 do Código da Estrada.
- e, consequentemente, os basilares princípios de matriz constitucional do “in dúbio pro reo”, da legalidade, de tipicidade e da culpa”.
4. O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela sua improcedência e manutenção da sentença recorrida, concluindo que:
“1.ª – O regime geral em matéria de alcoolímetros consta do Decreto-Lei n.º 291/90, de 20de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 29/2022, de 7 de abril, e a respetiva regulamentação consta da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, que aprova o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros.
2.ª – Determina o artigo 8.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 29/2022(RGCMLMIM) que «A primeira verificação é válida pelo prazo constante na regulamentação específica aplicável”, sendo que, por sua vez, a Portaria n.º 1556/2007 (RCMA), refere no art. 7.º, n.º 1 que «A primeira verificação é efetuada antes da colocação do instrumento no mercado, após a sua reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem, dispensando-se a verificação periódica nesse ano» e o n.º 2 que «A verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo».
3.ª – No despacho de aprovação do modelo nada consta em contrário à periodicidade da verificação, pelo que a mesma será anual.
4.ª – A legislação atualmente em vigor que regula o controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição em geral (DL n.º 29/2022, de 07-04, regulamentado pela Portaria n.º 211/2022, de 23-08), e dos alcoolímetros em concreto (Portaria 366/2023, de15-11) permite, à semelhança dos diplomas que a antecederam, que um aparelho medidor alcoolímetro, ainda que ultrapassado e não renovado o prazo de dez anos de validade de aprovação do respectivo modelo ou de uso do modelo, se mantenha validamente em funcionamento, desde que conserve um desempenho positivo nas verificações periódicas ou extraordinárias que venham a ser realizadas.
5.ª - Dispõe o artigo 170.º, n.º 1, alínea b) do Código da Estrada que “Quando qualquer autoridade ou agente de autoridade, no exercício das suas funções de fiscalização, presenciar contraordenação rodoviária, levanta ou manda levantar auto de notícia, o qual deve mencionar: b) O valor registado e o valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, quando exista, prevalecendo o valor apurado, quando a infração for aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares”.
6.ª – Embora não constituindo prova pericial em sentido técnico, a prova decorrente do exame efetuado com alcoolímetro, no âmbito do artigo 153.º do Código da Estrada, é prova tarifada, desde que o aparelho se encontre homologado, aprovado e com verificação periódica válida.
7.ª – O aparelho da marca Drager, modelo Alcotest 7110 MK IIIP, com o n.º série ARNA-0084, usado pelos militares da GNR, foi submetido a verificação metrológica em 03-10-2023, com o resultado Aprovado, o que levou à emissão, pelo Instituto Português da Qualidade (IPQ), do certificado de verificação n.º 2023-001-151368-6, válido até 03-10-2024.
8.ª - Em 01.09.2024, data em que foi realizado o exame ao arguido, o alcoolímetro encontrava-se homologado, aprovado e com verificação periódica válida, tendo o exame de detecção no sangue sido realizado de acordo com as formalidades legais exigidas, cumprindo todas as exigências legais de certificação, sendo válida a leitura feita pelo mesmo, podendo, pois, ser utilizada como meio de prova.
9.ª - Inexiste qualquer contradição ou insuficiência da matéria de facto, uma vez que, analisado o texto da sentença recorrida, verifica-se que os factos dados como provados são suficientes para fundamentar a condenação do arguido pela prática do crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º n.º 1 e 69.º n.º 1 a) do Código Penal, de que foi acusado.
10.ª – Para que haja dolo no crime de condução de veículo em estado de embriaguez não é necessário que o agente tenha consciência do teor exacto da taxa de álcool no sangue, já que só é possível ter conhecimento desta depois de ser submetido a exame através do alcoolímetro, sendo suficiente que o agente tenha consciência que ingerira bebidas alcoólicas e mesmo assim conduziu, bem sabendo que a condução sob o efeito do álcool é proibida e punida por lei – o que aconteceu no caso concreto, pelo que o arguido actuou com dolo.
11.ª – O princípio «in dubio pro reo» é um corolário do princípio constitucional da presunção de inocência plasmado no artigo 32.º, n.º 2, da CRP, que impõe que instalando-se e permanecendo a dúvida acerca de factos referentes ao objecto do processo (existência dos factos, forma de cometimento e responsabilidade pela sua prática), essa dúvida deve ser sempre desfeita em benefício do arguido relativamente ao ponto ou pontos duvidosos, podendo mesmo conduzir à absolvição.
12.ª – No caso, não se verifica – nem isso decorre da fundamentação de facto que sustenta a prova efectuada – qualquer ausência de certeza do Tribunal sobre a factualidade que foi imputada ao arguido. Nem se suscita com evidência qualquer dúvida probatória sobre os factos e a fundamentação realizada pelo Tribunal «a quo».
13.ª – Resulta inequívoco da fundamentação do Tribunal da condenação quais as provas em que sustentou a sua decisão e que tipo de valoração efectuou sobre a prova em análise que levou à conclusão de que o arguido praticou os factos em causa.
14.ª – O Tribunal «a quo» em momento alguma fez transparecer qualquer dúvida no processo de decisão. Valorou o que entendeu valorar quanto à prova produzida [designadamente, as declarações do arguido, conjugadas com o depoimento do militar da GNR EE, que depôs de forma circunstanciada e credível, e com o talão do alcoolímetro respeitante ao exame quantitativo realizado ao arguido, na situação em apreço], justificou a sua opção e concluiu em conformidade.
15.ª – Aliás, o próprio arguido confirma ter conduzido e previamente ingerido bebidas alcoólicas, pelo que, mesmo que não tivesse conhecimento da precisão da taxa de álcool no sangue, sabia ser portador de uma taxa de álcool no sangue.
16.ª –Deste modo, o arguido ao confessar que tinha ingerido bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução do veículo, reconhece que sabia ser portador de álcool no sangue, mesmo que não tivesse consciência da concreta taxa, pelo que nesta parte, deverá igualmente improceder o recurso.
17.ª – O arguido conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 1,748g/l, o que é, já elevado, tendo, sobretudo em consideração a quantidade de acidentes rodoviários que ocorrem no nosso país, decorrentes de condutores que apresentam álcool no sangue.
18.ª – A aplicação de penas e medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos, numa verdadeira aceção de natureza preventiva, assim como a consequente reintegração do agente na sociedade.
19.ª - O critério de aplicação da pena de admoestação é exclusivamente preventivo, devendo o tribunal apurar se esta pena é adequada à satisfação das necessidades de prevenção especial de socialização ou de prevenção geral, que nos termos do art.º 40.º do Código Penal constituem as «finalidades da punição».
20.ª - Considerando a natureza dos bens jurídicos tutelados pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º1, alínea a), do Código Penal, e as prementes necessidades de prevenção geral, temos como manifesto que, salvo em situações excepcionais e verificadas razões muito ponderosas – que não se verificam no caso dos autos -, não se justifica a substituição da pena de multa por pena de admoestação.
21.ª - A determinação da medida concreta da pena, sendo feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção foi devidamente considerada atentos os fatores relativos à personalidade do agente e fatores relativos à sua conduta anterior e posterior ao crime.
22.ª - A punição em 75 dias de multa ficou aquém do limite máximo da pena de multa que é de 120 dias, o que se considera justo e adequado, considerando, não só as finalidades de prevenção geral como especial no cotejo com a taxa de álcool no sangue apresentada pelo arguido que era já elevada e com o facto de o arguido não averbar qualquer condenação no seu certificado do registo criminal.
23.ª - A pena de 75 dias de multa mostra-se justa e adequada, considerando a taxa de álcool no sangue que o arguido era portador aquando da prática dos factos, mostra-se justa e adequada.
24.ª - E quanto ao quantitativo diário considerando que o arguido é venezuelano, encontra-se a trabalhar em Portugal como assistente de serralharia, aufere rendimentos que rondam os €1.000,00 mensais, e tem gastos mensais com a casa de cerca de 500.00€/mês (renda 200.00€/mês, água, luz, gás, eletricidade, e internet 300.00€/mês), e tem dois filhos menores, de 10 e 12 anos respetivamente que ajuda com cerca de 200€/mês, o mesma afigura-se igualmente justo, proporcional e adequado.
25.ª - A pena acessória de proibição de conduzir pelo período de quatro meses e quinze dias mostra-se adequada e ajustada às finalidades da punição, tendo em consideração o caso concreto.
26.ª - Assim, no que concerne à medida concreta da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, igualmente nenhum reparo é, salvo melhor e avalizado entendimento, de tecer quanto à decisão recorrida.
Conclui-se, em conformidade, pelo acerto absoluto da douta decisão censurada e, concomitantemente, pela não violação de qualquer dispositivo legal, nomeadamente o preceituado nos artigos 40.º, 47.º, 69.º, 71.º, 72.º, 73.º e 292.º do Código Penal e art.º 412.º, do Código de Processo Penal, artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa; e artigos 82.º, nºs 1 a 6 do Código da Estrada”.
5. O recurso foi remetido para este Tribunal da Relação e aqui, com vista nos termos do artigo 416º do Código de Processo Penal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da sua improcedência e manutenção da sentença recorrida, acompanhando a resposta do Ministério Público junto da 1ª Instância.
6. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, tendo o arguido respondido ao douto parecer, reafirmando a posição vertida na peça recursória.
7. Respeitando as formalidades aplicáveis, após o exame preliminar e depois de colhidos os vistos, o processo foi à conferência, face ao disposto no artigo 419º, nº 3, alínea c), do Código de Processo Penal.
8. Dos trabalhos desta resultou a presente apreciação e decisão.
*
B - Fundamentação
1. O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, face ao disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que dispõe que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.
São, pois, apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (identificação de vícios da decisão recorrida, previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, pela simples leitura do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379º, nº 2, e 410º, nº 3, do mesmo diploma legal).
O que é pacífico, tanto a nível da doutrina como da jurisprudência (cfr. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113; bem como o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ, nº 7/95, de 19.10.1995, publicado no DR 1ª série, de 28.12.1995; e ainda, entre muitos, os Acórdãos do STJ de 11.7.2019, in www.dgsi.pt; de 25.06.1998, in BMJ 478, pág. 242; de 03.02.1999, in BMJ 484, pág. 271; de 28.04.1999, in CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág. 193).
2. No caso dos autos, face às conclusões da motivação apresentadas pelo arguido, as questões a decidir são as seguintes:
- se o alcoolímetro em causa nos autos não pode ser utilizado e, por essa razão, o resultado obtido com o mesmo constitui prova proibida;
- se os factos provados dos pontos 3, 4 e 5 foram incorrectamente julgados, devendo ser dados como não provados;
- se os factos não provados das alíneas a) a d) foram incorrectamente julgados, devendo ser dados como provados;
- se devem ser aditados dois factos à factualidade provada, com o seguinte teor:
▪ À data da realização do exame em apreço – 01.09.2024 – não obstante estar ultrapassado o prazo de validade da aprovação de modelo do alcoolímetro DRAGER Alcoteste 7110MKIIIP utilizado para o efeito, válido até 07.06.2017, esse equipamento em concreto não estava totalmente apto à execução de tal função tendo em consideração que foi aprovado em primeira verificação de 03.10.2023, válida até 31.12.2023.
▪ O arguido, face à condução desempenhada, não representou como possível ser portador ao momento da fiscalização de uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20g/l.
- se o tribunal a quo violou o princípio in dubio pro reo;
- se não se verificam os elementos objectivos e subjectivos do crime sub judice, pelo que o arguido deve ser absolvido;
- caso assim não se entenda, se deve ser aplicada ao arguido uma admoestação;
- caso ainda assim não se entenda, se as penas aplicadas, principal e acessória, são excessivas, infundadas e injustas, tanto mais que a pena de multa deveria ter sido especialmente atenuada.
3. Para decidir das questões supra enunciadas, vejamos a factualidade e motivação da sentença recorrida.
“II.1. – Factos provados:
1. No dia 01 de Setembro de 2024, pelas 02:40h, o arguido conduziu o veículo com matrícula ..-JI-.., na Rua ..., em ..., quando foi interveniente em acidente de viação.
2. Previamente à condução, o arguido ingeriu bebidas alcoólicas.
3. Ao ser submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue, por ar expirado, apresentou uma Taxa de Álcool no Sangue (T.A.S) de 1,748g/l, correspondente à T.A.S. de 1,84g/l registada, deduzido o valor do erro máximo admissível.
4. O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, ao conduzir o mencionado veículo na via pública, sabendo que antes de iniciar a condução tinha ingerido bebidas alcoólicas em quantidade susceptível de lhe determinar uma T.A.S. igual ou superior a 1,20 g/l, mas, não obstante esse conhecimento, não se inibiu de conduzir na via pública.
5. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
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6. No referido dia 01/09/2024, cerca das 02h40m, o arguido aquando da fiscalização, regressava de uma festa de amigos, e deslocava-se para casa.
Apurou-se ainda que
7. O arguido não tem antecedentes criminais.
8. O arguido é Venezuelano, encontra-se a trabalhar em Portugal como assistente de serralharia, aufere rendimentos que rondam os €1.000,00 mensais, e tem gastos mensais com a casa de cerca de 500.00€/mês (renda 200.00€/mês, água, luz, gás, eletricidade, e internet 300.00€/mês), e tem dois filhos menores, de 10 e 12 anos respetivamente que ajuda com cerca de 200€/mês.
9. O arguido é uma pessoa humilde, trabalhadora, respeitado e respeitadora.
10. Usa a sua carta de condução para assegurar deslocações no âmbito laboral.
II.2. – Factos não provados:
a) Na ocasião descrita em 6 para arguido tomou 3 finos.
b) O arguido pôs no imediato em crise perante os Srs. Agentes de Autoridade o teor de álcool alegadamente verificado (1,748 g/l), pelo alcoolímetro 7110 MKIIIP, por não saber se o teor de álcool estaria correto por ter ingerido apenas três copos de cerveja e não apresentar qualquer sintoma de cansaço, fadiga, ou mau estar.
c) O arguido jamais ingeriria quantidades de álcool que soubesse que interferiam na sua condução.
d) O arguido é um condutor cauteloso, que procura pautar, e pauta, a respetiva conduta no mais estrito cumprimento das normas estradais;
e) O arguido é pessoa de elevada educação e sensibilidade moral, sendo pessoa ordeira e pacata.
f) A carta de condução é imprescindível para apoio da família, designadamente para levar o filho à escola e os pais, idosos, a consultas médicas e hospitalares.
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Expurgados os factos irrelevantes – nomeadamente a corrente elétrica a que os aparelhos de verificação funcionam não sendo elencado qualquer contexto de onde resultasse a sua pertinência - e a matéria conclusiva, e isoladas as considerações de direito, inexistem, além dos acima elencados, outros factos com relevo para a decisão da causa, considerando as diversas soluções jurídicas configuráveis.
MOTIVAÇÃO:
Fundou o Tribunal a sua convicção quer no conjunto da prova testemunhal e por declarações produzida em julgamento, quer nos documentos juntos aos autos, conjugada com regras de experiência comum (cfr. art. 127º do C.P.P.).
Assim, foram relevantes para a formação da convicção do Tribunal as declarações do arguido, que admitiu a condução de veículo nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1 e 6, bem como a ingestão de bebidas alcoólicas antes do início da condução – facto 2, conjugadas com o teor das declarações de EE, militar da GNR - que depôs de forma circunstanciada e credível - com o teor do talão do alcoolímetro, junto aos autos a fls. 5 e ainda com o teor do documento junto a fls. 14 e depois em 6.12.2024 – no caso o talão de verificação, sendo estes documentos o suporte para a prova do facto 4, ou seja a TAS que o arguido evidenciava ao ser submetido ao teste de pesquisa do álcool.
Quanto a esta matéria estamos perante uma prova tabelada, prevendo uma lei uma forma especifica e inamovível para a sua obtenção.
Ora, dispõe o artigo 170.º, n.º 1, alínea b) do Código da Estrada que “Quando qualquer autoridade ou agente de autoridade, no exercício das suas funções de fiscalização, presenciar contraordenação rodoviária, levanta ou manda levantar auto de notícia, o qual deve mencionar: b) O valor registado e o valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, quando exista, prevalecendo o valor apurado, quando a infração for aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares”.
Tem sido pacífico na jurisprudência que a alínea b) do n.º 1 do artigo 170.º do CE, introduzida pela Lei n.º 72/2013, constitui norma interpretativa, porquanto veio precisar o sentido da lei anterior, pelo que, não obstante o Código da Estrada não regular crimes, deve aplicar-se a dita norma aos casos de condução de veículo com taxa de álcool que constituem ilícitos penais, ou seja, àqueles em que essa taxa é igual ou superior a 1,2 g/l (cfr. neste sentido o Acórdão da Relação de Coimbra de 19.02.2014, proc. n.º 40/13.0PANZR.C1, Acórdãos da Relação de Lisboa de 21.01.2014, proc. n.º 270/13.4PAAMD.L1-5 e Acórdão da Relação do Porto de 15.01.2014, proc. n.º 295/12.7SGPRT.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Por seu turno, importa ter presente a Portaria n.º 1556/2007, que estabelece as regras para o controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição em Portugal.
Tendo sido abordada em sede de contestação e de alegações a nulidade da prova obtida através do uso do alcoolímetro em causa nos autos visto a sua verificação se mostrar caduca e pelo mesmo se mostrar obsoleto, verifica-se que, conforme consta de fl.s 5, foi usado o aparelho Drager 7110MKIII com o numero de série ARNA 0084, constando dos autos o respetivo certificado de verificiação de fl.s a fl.s 14 e depois novamente em 6.12.2024, de onde se retira que tal aparelho teve a sua primeira verificação em 3.10.2023, recordando-se que a prática dos factos que aqui se aprecia ocorreu em 1.9.2024.
Assim e quanto à matéria em causa nos autos dispõe o artigo 7.º da Portaria 1556/2007 sob a epigrafe de “Verificações metrológicas” que “1 - A primeira verificação é efectuada antes da colocação do instrumento no mercado, após a sua reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem, dispensando-se a verificação periódica nesse ano. 2 - A verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo. 3 - A verificação extraordinária compreende os ensaios da verificação periódica e tem a mesma validade.”
Daqui se retira que o aparelho em causa, ao ser alvo da primeira verificação em 3.10.2023, tinha menos de um ano de utilização, estando plenamente em vigor o seu certificado dado que estabelece o citado artigo da Portaria 1556/2007 que a revisão seguinte será anual, pelo que, conforme de resto abundante jurisprudência, a verificação destes aparelho terá que ser uma vez por ano, não tendo no caso passado sequer um ano desde a última verificação – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21.6.2023, disponível em www.dgsi.pt.
Assim nenhum motivo havendo para afastar o resultado do aludido exame de leitura da TAS fica provado o facto 3.
Quanto à matéria do foro subjetivo, a sua resposta positiva resultou essencialmente da conjugação das regras da experiência e do senso comum com a demonstração de outros factos exteriores, de índole objetiva, suscetíveis de os revelar, já que o comportamento perpetrado pelo arguido não podia ter outra intenção senão aquela que ali se descreve.
E na verdade, o arguido afirmou ter estado em convívio com amigos, segundo afirmou várias horas, sendo que o seu e colega FF que afirmou ter estado com ele acrescentou que não foram só “finos” que foram consumidos, o que denuncia que o arguido tinha que ter no seu espirito, independentemente de poder não saber a taxa concreta que assumiria – pese embora já seja prática corrente o uso de aparelhos alcoolímetros de venda livre – de saber que padeceria de taxa que o impedisse de conduzir – fica por isso provado o facto 4.
Já a ausência de antecedentes criminais resultou do certificado de registo criminal junto aos autos em 13.1.2025, sendo que as condições pessoais resultaram das declarações prestadas pelo próprio arguido sendo que quanto à sua postura e conduta na sociedade e no trabalho nos termos provados em 9 e 10, tomando-se ainda em consideração os depoimentos do colega FF e do seu patrão GG.
Por sua vez quanto aos factos não provados, o descrito em a) foi afirmado pelo arguido mas contrariado pela testemunha FF, seu amigo, que afirmou que na ocasião em causa também beberam vinho tinto.
Sobre o facto b), além de ser infirmado pelo militar da GNR, o próprio arguido indicou que só dias depois e em conversa com colegas é que começou a duvidar que acusasse uma taxa de álcool tão elevada, pelo certamente nada disse aos elementos da GNR conforme avançado por este.
Os factos c) e d) são infirmados pelos factos 3 e 4 dados como provados, não havendo prova do facto e) sendo o facto f) contrariado inclusivamente pelo arguido, afirmando o mesmo estar sozinho no nosso País”.
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4. Cumpre agora apreciar e decidir.
A primeira questão a apreciar é a de saber se o alcoolímetro em causa nos autos não pode ser utilizado e, por essa razão, o resultado obtido com o mesmo constitui prova proibida.
Alega o arguido que o teste quantitativo para pesquisa de álcool no sangue pelo método do ar expirado foi realizado pelo equipamento DRAGER modelo 7110 MKIII P, ARNA 0084, aprovado pelo IPQ através do Despacho n.º 11037/2007, de 24 de Abril, para aprovação de modelo n.º 211.06.07.3.06 (D.R. 2.ª Séria, n.º 109, de 6 de Junho), com validade de 10 anos a contar da data de publicação no Diário da República.
Assim, a aprovação de modelo deixou de ser válida a 07.06.2017.
Resulta igualmente dos autos (fls…) que o concreto alcoolímetro utilizado para realização do teste quantitativo de deteção de álcool no sangue foi sujeito a primeira verificação em 03.10.2023, sendo a entidade responsável o IPQ.
Tal data de verificação permite concluir que aquele específico aparelho, ainda que ultrapassado o prazo de dez anos de validade da aprovação do modelo respetivo, estava apto a funcionar até 31.12.2023.
Assim, à data da realização do exame em apreço – 01.09.2024 – não obstante estar ultrapassado o prazo de validade da aprovação de modelo do alcoolímetro DRAGER Alcoteste 7110MKIII P utilizado para o efeito, válido até 07.06.2017, esse equipamento em concreto não estava totalmente apto à execução de tal função tendo em consideração que foi aprovado em primeira verificação de 03.10.2023, válida até 31.12.2023.
Como o aparelho foi utilizado para além da data de 31.12.2023, sem que tivesse havido outro controlo metrológico, o resultado obtido de taxa no sangue constitui prova ilegal proibida, logo, passível de nulidade! - o que desde já se requer.
Vejamos, então.
O artigo 153º do CE, sob a epígrafe Fiscalização da condução sob influência de álcool, no seu nº1, dispõe que “o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito”.
Nos termos do artigo 158º, nº 1, alínea a), do mesmo diploma legal, é fixado em regulamento o tipo de material a utilizar na fiscalização e nos exames laboratoriais para determinação dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas.
Tal regulamento, designado por Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei nº 18/2007, de 17 de Maio, dispõe no seu artigo 1º que:
1 - A presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador qualitativo.
2 - A quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue.
3 - A análise de sangue é efectuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo.
Por sua vez, e quanto ao método de fiscalização, estipula o artigo 2º, nº 1, que “quando o teste realizado em analisador qualitativo indicie a presença de álcool no sangue, o examinando é submetido a novo teste, a realizar em analisador quantitativo, devendo, sempre que possível, o intervalo entre os dois testes não ser superior a trinta minutos”.
No que respeita à aprovação dos equipamentos, dispõe o artigo 14º, do mesmo diploma legal que:
1 - Nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.
2 - A aprovação a que se refere o número anterior é precedida de homologação de modelo, a efectuar pelo Instituto Português da Qualidade, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros.
O controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição no nosso país obedece, actualmente, ao regime geral aprovado pelo Decreto-Lei nº 29/2022, de 7 de Abril, às disposições regulamentares gerais previstas no Regulamento Geral do Controlo Metrológico aprovado pela Portaria n.º 211/2022, de 23 de Agosto, e ainda, para os alcoolímetros, ao Regulamento do Controlo Metrológico Legal dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº 366/2023, de 15 de Novembro.
Estipula o artigo 5º desta última Portaria (Portaria nº 366/2023, de 15 de Novembro - Regulamento do Controlo Metrológico Legal dos Alcoolímetros) que “o controlo metrológico legal dos alcoolímetros compete ao Instituto Português da Qualidade, I. P. (IPQ, I. P.), e compreende as operações de Aprovação de modelo, Primeira verificação; Verificação periódica e Verificação extraordinária”.
Dispõe o artigo 6º, nº 1, deste mesmo Regulamento “A aprovação de modelo deve obedecer aos requisitos previstos no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 29/2022, de 7 de abril, e ao artigo 2.º do regulamento anexo à Portaria n.º 211/2022, de 23 de agosto”.
Nos termos do artigo 7º, nº 1, do mesmo diploma legal, “a primeira verificação é efetuada antes da colocação do alcoolímetro em serviço, ou após a sua reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem, dispensando-se a verificação periódica nesse ano, tendo o mesmo prazo de validade”.
“A verificação periódica tem uma periodicidade anual e é válida durante um ano após a sua realização” – artigo 8º, nº 1 – e “a verificação extraordinária compreende os ensaios da verificação periódica”. artigo 9º, nº 1.
Por sua vez, o artigo 7º do Decreto-Lei nº nº 29/2022, de 7 de Abril, estipula que:
1 — A aprovação de modelo é o ato que atesta a conformidade de um instrumento de medição ou de um dispositivo complementar com as especificações aplicáveis à sua categoria com vista à sua disponibilização no mercado.
2 — A aprovação de modelo é requerida pelo respetivo fabricante ou mandatário e é válida por um período de 10 anos findo o qual carece de renovação.
7 — Os instrumentos de medição em utilização, cuja aprovação de modelo não seja renovada ou tenha sido revogada, podem permanecer em utilização desde que satisfaçam as operações de verificação metrológica aplicáveis”.
No que respeita às verificações metrológicas dispõe o artigo 8º, nº 1, deste diploma legal que:
1 — A primeira verificação compreende o conjunto de operações destinadas a constatar a conformidade da qualidade metrológica dos instrumentos de medição, novos ou reparados, com a dos respetivos modelos aprovados e com as disposições regulamentares aplicáveis, devendo ser requerida, para os instrumentos novos, pelo fabricante ou mandatário, e pelo utilizador, para os instrumentos reparados.
3 — A primeira verificação é válida pelo prazo constante na regulamentação específica aplicável”.
Nos termos do artigo 9º deste mesmo diploma legal:
1 — A verificação periódica compreende o conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro dos erros máximos admissíveis e restantes disposições regulamentares aplicáveis relativamente ao modelo respetivo, devendo ser requerida pelo utilizador do instrumento de medição.
3 — A verificação periódica é válida pelo prazo constante na regulamentação específica aplicável.
4 — A verificação periódica deve ser requerida até 30 dias antes do fim da validade da última operação de controlo metrológico”.
Por sua vez, “a verificação extraordinária compreende o conjunto das operações destinadas a verificar se o instrumento de medição permanece nas condições regulamentares indicadas em cada caso. A verificação extraordinária não substitui a verificação periódica” – nºs 1 e 3 do artigo 10º do mesmo diploma.
Aqui chegados, pergunta-se então, o que acontece aos instrumentos de medição que foram devidamente aprovados, que ao fim de 10 anos não viram renovada tal aprovação e que continuam a ser utilizados?
A resposta encontra-se no já referido artigo 7º, nº 7, do Decreto-Lei nº 29/2022, de 7 de Abril:
“Os instrumentos de medição em utilização, cuja aprovação de modelo não seja renovada ou tenha sido revogada, podem permanecer em utilização desde que satisfaçam as operações de verificação metrológica aplicáveis”.
No caso concreto, como se diz na sentença recorrida, o aparelho em causa foi alvo da primeira verificação em 3.10.2023. Os factos datam de 1 de Setembro de 2024.
Relembra-se que, nos termos do artigo 7º, nº 1, da Portaria nº 366/2023, de 15 de Novembro, efectuada a primeira verificação fica dispensada a verificação periódica, tendo aquela o mesmo prazo de validade desta.
Nos termos do artigo 8º, nº 1, da mesma Portaria, a verificação periódica é válida durante um ano após a sua realização.
Do que fica dito conclui-se que, ao contrário do que afirma o recorrente, o alcoolímetro em causa estava apto a efectuar o teste, podendo ser utilizado tal como foi.
A ser assim, o resultado obtido não constitui, de forma alguma, prova proibida.
Por não assistir razão ao arguido, improcede esta sua pretensão.
*
Entrando agora na impugnação da matéria de facto, passa-se a apreciar:
- se os factos provados dos pontos 3, 4 e 5 foram incorrectamente julgados, devendo ser dados como não provados;
- se os factos não provados das alíneas a) a d) foram incorrectamente julgados, devendo ser dados como provados.
Defende o arguido que, conjugada e cruzada a prova testemunhal com a prova documental junta aos autos, deverá ser alterada a matéria de facto nos termos referidos.
Não se conforma com a concreta taxa de álcool alegadamente apurada, porquanto no referido dia 01.09.2024, pelas 2h40m, apenas tomou 3 finos, numa festa de amigos. Além disso, o recorrente enfatizou repetidamente que estava em plenas condições para conduzir, ficando bastante surpreso com o resultado do teste de alcoolémia.
Passa depois a fundamentar o alegado apreciando a prova que, no seu entender, impõe uma decisão diversa.
Pois bem.
Como estipula o artigo 428º do Código de Processo Penal, as Relações conhecem de facto e de direito.
A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410º, nº2, do Código de Processo Penal, no que se convencionou chamar de revista alargada; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º, nºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma legal.
Na chamada revista alargada, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do referido artigo 410º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento.
Na impugnação ampla da matéria de facto, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal.
Assim, enquanto os vícios previstos no artigo 410º, nº2, do Código de Processo Penal, são vícios da decisão, evidenciados pelo próprio texto, por si ou em conjugação com as regras da experiência comum, na impugnação ampla temos a alegação de erros de julgamento por invocação de provas produzidas e erroneamente apreciadas pelo tribunal recorrido, que imponham diversa apreciação. Neste caso, o recorrente pretende que o tribunal de recurso se debruce não apenas sobre o texto da decisão recorrida, mas sobre a prova produzida em 1.ª instância, alegadamente mal apreciada – cfr. Ac. da RL de 9.5.2017, in www.dgsi.pt.
Ora, o que o recorrente pretende é discutir a referida matéria de facto provada dos pontos 3, 4 e 5 e a não provada das alíneas a) a d) por entender que foi incorretamente julgada pelo tribunal a quo, que foi cometido um erro de julgamento por errónea apreciação da prova.
Estamos, assim, no domínio dos artigos 412º, nº 3, e 431º, ambos do Código de Processo Penal.
Estipula o artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal que, “quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
No caso sub judice a questão não se prende com a alínea c) mas sim com as alíneas a) e b).
A especificação dos concretos pontos de facto traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados.
A especificação das concretas provas só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas provas impõem decisão diversa da recorrida.
Nos termos do nº 4 da mesma norma legal “quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação”.
Não basta, pois, a simples remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos.
De qualquer forma, neste particular, o STJ, no Ac. nº 3/2012, publicado no DR, 1ª série, de 18.4.212, fixou jurisprudência no sentido de que:
«Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações».
Requisitos que foram respeitados, minimamente, pelo recorrente já que especificou os factos concretos que considera incorrectamente julgados, bem como as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, com as quais fundamenta a impugnação.
Relativamente à prova indicada, pessoal, consideram-se respeitados os requisitos em relação às declarações prestadas pelo arguido e depoimentos das testemunhas FF e GG, com a identificação e transcrição das passagens relevantes e indicação dos respectivos minutos da gravação.
Diz-se minimamente já que os requisitos não foram integralmente respeitados nas conclusões do recurso, mas apenas no corpo da motivação. De qualquer forma, as questões encontram-se identificadas, o que possibilita o seu conhecimento por esta Relação, apesar do deficiente cumprimento do disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal.
O tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa – nº 6 do artigo 412º do Código de Processo Penal.
Por sua vez, dispõe o artigo 431º do mesmo diploma legal que, “sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base;
b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º; ou
c) Se tiver havido renovação da prova.
“A respeito da impugnação da matéria de facto, nos termos do artigo 412º, no 3, do Código de Processo Penal, há que considerar o seguinte:
Como se refere nos doutos acórdãos do S.T.J de 15.12.2005 e de 09.03.2006, Procs. nos 2951/05 e 461/06, respetivamente, ambos disponíveis in www.dgsi.pt, e é jurisprudência uniforme, «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse: antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros». A gravação das provas funciona como uma válvula de escape para o tribunal superior poder sindicar situações insustentáveis, situações-limite de erros de julgamento sobre matéria de facto (Neste sentido, acórdão do S.T.J. de 21.01.2003, disponível in www.dgsi.pt). E, como se refere no acórdão desta Relação do Porto de 26.11.2008, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 139º, no 3960, págs. 176 e segs. «não podemos esquecer a perceção e convicção criada pelo julgador na 1.ª instância, decorrente da oralidade da audiência e da imediação das provas. O juízo feito pelo Tribunal da Relação é sempre um juízo distanciado, que não é “colhido diretamente e ao vivo”, como sucede com o juízo formado pelo julgador da 1ª. Instância” - cfr. Ac. da RP de 28.2.2018, in www.dgsi.pt.
Veja-se igualmente o Ac. da RG de 6.12.2010, in www.dgsi.pt, onde se pode ler que, no caso de impugnação da matéria de facto, a que se refere o nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal, “a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do artigo 412º. Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente”.
Mais se lê no mesmo aresto que “o recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (- Cfr. Acórdãos do S.T.J. de 14 de Março de 2007, de 23 de Maio de 2007e de 3 de Julho de 2008, disponíveis em www.dgsi.pt/jstj.). Justamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deve expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, como estipulado no artigo 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal”.
Assim, estando a audiência devidamente documentada, não obstante o princípio da livre apreciação da prova, pode a Relação alterar a matéria de facto, quando entenda existir um erro na apreciação da prova – cfr. Ac. da RC de 15.3.2006, in www.jusnet.pt.
No caso concreto, por se verificarem todos os pressupostos, esta Relação deve averiguar se, relativamente aos factos indicados pelo recorrente, o Tribunal de 1ª instância julgou bem.
Para o efeito, face às questões suscitadas, aos argumentos invocados quanto aos meios de prova e ainda à convicção formada pelo julgador vertida na motivação da decisão de facto, este Tribunal da Relação, ao abrigo do disposto no nº6 do artigo 412º do Código de Processo Penal, ouviu integralmente as declarações prestadas pelo arguido, bem como os depoimentos das testemunhas FF e GG.
No mais, levou-se em conta a restante prova considerada pelo tribunal a quo, tal como foi indicada e examinada na sentença recorrida.
Reafirma-se que o recurso não visa a reapreciação de toda a prova produzida, mas apenas aquela com base na qual se pretende infirmar a convicção do julgador. Para o efeito, torna-se, pois, imprescindível que na motivação do recurso a mesma surja como fundamento da pretensão do recorrente e que respeite os pressupostos legais. Caso contrário, não existem razões para ser reapreciada.
Passa-se agora à análise dos factos impugnados.
Relembrando, os factos provados dos pontos 3, 4 e 5 apresentam a seguinte redacção:
3. Ao ser submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue, por ar expirado, apresentou uma Taxa de Álcool no Sangue (T.A.S) de 1,748g/l, correspondente à T.A.S. de 1,84g/l registada, deduzido o valor do erro máximo admissível.
4. O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, ao conduzir o mencionado veículo na via pública, sabendo que antes de iniciar a condução tinha ingerido bebidas alcoólicas em quantidade susceptível de lhe determinar uma T.A.S. igual ou superior a 1,20 g/l, mas, não obstante esse conhecimento, não se inibiu de conduzir na via pública.
5. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Vejamos.
Em sede de julgamento, disse o arguido que foi a um jantar a casa de um colega onde bebeu 2 ou 3 minis e depois foi embora para casa. Quando houve o acidente fizeram-lhe o teste de álcool, ficou surpreendido e disse ao polícia: com 3 cervejas como dá essa taxa de álcool?
Eles falaram que eu tinha que pagar uma multa e tinha que ficar uns meses sem carta.
Depois, falando com o meu patrão e colegas, eles disseram que era impossível dar uma taxa tão alta. E eu preciso da carta para trabalhar, por isso recorri.
Tendo-lhe sido perguntado se sabe que não é permitido conduzir depois de ingerir bebidas alcoólicas, respondeu: sei sim senhora, mas pela quantidade que eu bebi, não bebi muito. Eu aceitei a multa que eram 400 e poucos euros e os meses sem carta. Mas quando fui ao trabalho o patrão disse-me que precisava da carta para trabalhar e que falasse com um advogado e só por isso estou aqui.
Por sua vez, a testemunha FF, o colega de trabalho do arguido que o convidou para jantar em sua casa, disse que jantaram leitão, beberam os dois uma garrafa de vinho caseiro, beberam uns copos cada um, e depois do jantar ficaram a conversar e beberam ainda umas duas ou três minis, no máximo.
Por último, a testemunha GG, o patrão do arguido, disse que os factos ocorreram numa época de muito trabalho, o arguido precisava da carta para trabalhar porque é ele que faz a distribuição dos materiais pelas obras e por isso puxou-lhe as orelhas. Ficar sem carta iria causar transtorno no trabalho e era condição para ele trabalhar ter a carta de condução.
Pois bem.
Da prova testemunhal resulta que não corresponde à verdade que o arguido tenha bebido apenas 2 ou 3 minis ao jantar. Bebeu, pelo menos, uns copos de vinho, caseiro, a acompanhar o jantar de leitão. Depois do jantar é que bebeu as ditas minis.
Acresce que a TAS prova-se com o teste efectuado no competente alcoolímetro e respectivo talão (como se lê na motivação da decisão de facto), onde consta a TAS de 1,84 g/l.
Assim, bem andou o julgador ao dar como provada a matéria do ponto 3.
A prova indicada pelo arguido não impõe, de forma alguma, uma decisão diversa.
Relativamente ao ponto 4, como disse, o arguido sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas e que não podia conduzir com álcool. Apenas não sabia que TAS tinha.
Porém, sabendo que tinha ingerido alguns copos de vinho, algumas cervejas, e que não estava habituado a ingerir álcool (como resulta da prova testemunhal), não podia ignorar que tais bebidas alcoólicas lhe pudessem determinar uma T.A.S. igual ou superior a 1,20 g/l.
Aliás, a TAS apresentada nem próxima está do limite de 1,20 g/l.
Como disse, inicialmente aceitou a multa e os meses sem carta. Porém, mais tarde, o seu patrão disse-lhe que precisava da carta para trabalhar e por isso consultou um advogado e foi para tribunal.
O dolo poderá manifestar-se numa das suas três modalidades - directo, necessário ou eventual - sendo suficiente para a configuração do ilícito, a título de dolo, que o agente represente como possível a detenção por si de uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l e aceitando essa mesma possibilidade assume a condução do veículo.
O arguido, no caso concreto, agiu com dolo directo ou, pelo menos, com dolo eventual, já que tendo em conta a quantidade e natureza das bebidas alcoólicas que ingeriu e os efeitos do álcool no sangue, tinha necessariamente de saber, de acordo com as regras da experiência, que se encontrava sob o efeito do álcool, embora sem conhecimento da concreta e exacta taxa de álcool, e mesmo assim decidiu conduzir. O que fez, naturalmente, deliberada, livre e conscientemente.
A prova indicada pelo recorrente não impõe uma decisão diversa relativamente à matéria do ponto 4, pelo que deve manter-se como provada.
Consequentemente, deve manter-se como provada a matéria do ponto 5, tanto mais que o arguido deixou bem claro que sabia não lhe ser permitido conduzir depois de ingerir bebidas alcoólicas.
Provando-se que o arguido, antes de iniciar a condução, tinha ingerido bebidas alcoólicas em quantidade susceptível de lhe determinar uma T.A.S. igual ou superior a 1,20 g/l, a consciência da ilicitude prova-se a partir destes factos objectivos conjugados com as regras da experiência comum.
No que respeita aos factos não provados, as alíneas a) a d) apresentam o seguinte teor:
a) Na ocasião descrita em 6 para arguido tomou 3 finos.
b) O arguido pôs no imediato em crise perante os Srs. Agentes de Autoridade o teor de álcool alegadamente verificado (1,748 g/l), pelo alcoolímetro 7110 MKIIIP, por não saber se o teor de álcool estaria correto por ter ingerido apenas três copos de cerveja e não apresentar qualquer sintoma de cansaço, fadiga, ou mau estar.
c) O arguido jamais ingeriria quantidades de álcool que soubesse que interferiam na sua condução.
d) O arguido é um condutor cauteloso, que procura pautar, e pauta, a respetiva conduta no mais estrito cumprimento das normas estradais.
Do que já ficou dito supra, a matéria da alínea a) não resultou provada. O arguido não ingeriu apenas os 3 finos, como se disse.
Deve manter-se como não provada.
A matéria da alínea b) foi infirmada pelo militar da GNR, como consta na motivação da decisão de facto.
Neste particular, disse o arguido que, no momento, ficou surpreendido com a TAS apresentada e só mais tarde, falando com o meu patrão e colegas, eles disseram que era impossível dar uma taxa tão alta.
Assim, também quanto a esta matéria não foi indicada prova que imponha uma decisão diversa. Deve, pois, manter-se como não provada.
No que respeita à alínea c), resultando provada a TAS indicada no ponto 3, a matéria dos pontos 4 e 5 e sendo do conhecimento geral que o álcool no sangue interfere na condução, afectando a coordenação motora, a reação, a capacidade de julgar distâncias, a percepção do perigo, o controle do veículo, aumentando significativamente o risco de acidentes, mesmo nas situações em que ainda não seja evidente o estado de embriaguez do agente, a matéria da alínea c) terá necessariamente que manter-se como não provada.
Relativamente à alínea d), nenhuma prova foi indicada que impunha decisão diversa, sendo manifestamente insuficiente o facto do arguido afirmar que está em Portugal há 6 anos e nunca praticou qualquer infracção no nosso país.
Mantém-se como não provada a matéria da alínea d).
Em suma, do que fica dito conclui-se que, do conjunto da prova produzida, a que foi analisada por esta Relação e a restante apreciada pelo tribunal a quo, tal como consta da motivação da decisão de facto, bem andou o julgador ao dar como provada a factualidade dos pontos 3, 4 e 5 e como não provada a das alíneas a) a d).
A prova indicada pelo recorrente não impõe, de forma alguma, uma decisão diversa.
*
Acresce que, relativamente à fixação da matéria de facto, o tribunal a quo foi quem beneficiou da imediação e oralidade na recolha da prova, sempre valiosas na formação da convicção do julgador.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.05.2010, proferido no processo nº 11/04.7 GCABT.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt/jstj, “sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova”.
Por sua vez, o Ac. da RC de 28.1.2015, in www.dgsi.pt, refere que “o julgamento da matéria de facto é feito pelo tribunal de 1ª instância. É na audiência de julgamento que o facto é revelado, de forma e em circunstâncias que não mais poderão ser repetidas, e é este tribunal o único que beneficia plenamente da imediação e oralidade da prova. O recurso da matéria de facto é sempre um remédio para sarar o que é tido por excepcional naquele julgamento, o cometimento de erro na definição do facto, não podendo nem devendo ser perspectivado como um novo julgamento, tudo se passando como se o realizado na 1.ª instância pura e simplesmente não tivesse existido”.
Também o Ac. da RE de 19.5.2015, in www.dgsi.pt, afirma que “o recurso da matéria de facto fundado em erro de julgamento não visa a realização, pelo tribunal ad quem, de um segundo julgamento, mas apenas a correção de erros clamorosos (evidentes e óbvios) na apreciação/aquisição da prova produzida em primeira instância. Se, perante determinada situação, as provas produzidas permitirem duas (ou mais) soluções possíveis, e o Juiz, fundamentadamente, optar por uma delas, a decisão (sobre matéria de facto) é inatacável: o recorrente, ainda que haja feito da prova produzida uma leitura diversa da efetuada pelo julgador, não pode opor-lhe a sua convicção e reclamar, do tribunal de recurso, que opte por ela”.
Ora, não se verifica que tenha sido cometido qualquer erro de julgamento na primeira instância, muito menos qualquer erro clamoroso, evidente e/ou óbvio, na apreciação dos factos impugnados.
Pelo contrário, a conclusão probatória a que o tribunal a quo chegou encontra-se correcta.
Pelo exposto, improcede esta pretensão do recorrente, devendo manter-se comos provados e não provados os ditos factos impugnados.
*
Próxima questão: se devem ser aditados dois factos à factualidade provada, com o seguinte teor:
▪ À data da realização do exame em apreço – 01.09.2024 – não obstante estar ultrapassado o prazo de validade da aprovação de modelo do alcoolímetro DRAGER Alcoteste 7110MKIIIP utilizado para o efeito, válido até 07.06.2017, esse equipamento em concreto não estava totalmente apto à execução de tal função tendo em consideração que foi aprovado em primeira verificação de 03.10.2023, válida até 31.12.2023.
▪ O arguido, face à condução desempenhada, não representou como possível ser portador ao momento da fiscalização de uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20g/l.
Pois bem.
O aditamento de factos que não constem do elenco da factualidade provada e não provada não pode ser alcançado através da impugnação ampla da matéria de facto.
Como se afirma no Acórdão nº 312/2012 do TC, publicado no DR nº 4/2013, série II, de 7.1.2013, não pode ser objeto da impugnação da matéria de facto, num recurso para a Relação, a factualidade objeto da prova produzida na 1.ª instância, que o recorrente-arguido sustente como relevante para a decisão da causa, quando tal matéria não conste do elenco dos factos provados e não provados da decisão recorrida”.
Como se lê no mesmo aresto, “o mecanismo processual que possibilite essa reação não passa necessariamente pela consagração do direito de solicitar a um tribunal de recurso que ajuíze, em primeira mão, se os factos omitidos, face à prova produzida, resultaram demonstrados, sendo suficiente que o arguido tenha a possibilidade de invocar a nulidade resultante da respetiva omissão de pronúncia, cabendo ao tribunal de recurso verificá-la e determinar o seu suprimento pelo tribunal de 1.ª instância.
Esse meio de reação encontra-se, aliás, previsto no artigo 379.º, do Código de Processo Penal, que no n.º 1, a), sanciona com a nulidade a sentença que não contenha as menções referidas no n.º 2, do artigo 374.º, onde consta a enumeração dos factos provados e não provados, o que inclui aqueles que resultaram da discussão da causa (artigo 368.º, n.º 2), devendo essa nulidade ser arguida ou conhecida em recurso, sem prejuízo do tribunal recorrido a poder suprir (n.º 2, do artigo 379.º)”.
Vejamos, então.
Relativamente ao primeiro dos factos, não é matéria que tenha resultado provada.
Pelo contrário e tal como se disse aquando do conhecimento da primeira questão, o alcoolímetro em causa estava apto a efectuar o teste, podendo ser utilizado tal como foi.
Dando como reproduzido o que já ficou dito supra, nunca o julgador poderia dar como provada a pretendida matéria.
Indefere-se esta pretensão do recorrente.
O segundo facto que se pretende aditar, atendendo à matéria provada do ponto 4, nunca poderia resultar provado.
Indefere-se, igualmente, tal pretensão.
*
Passa-se agora a conhecer se o tribunal a quo violou o princípio in dubio pro reo.
Alega o recorrente que, mesmo que não se considerasse a prova nos termos em que se alega, isto é, ainda que não se aceite que a prova produzida impunha decisão diversa, não podemos deixar de considerar que a mesma cria fortes e insolúveis dúvidas, pelo que deveria o Tribunal a quo ter-se socorrido, desde logo, do princípio in dubio pro reo.
À margem de todas as certezas serem em sentido contrário, note-se ser o elemento da GNR que confirmou e atestou o bom estado do recorrente, sem que sequer suspeitasse, visualmente e/ou no seu diálogo qualquer indício de que o mesmo se encontrava impedido do exercício da condução, o que foi surpresa para todos.
Pois bem.
Relacionado com o princípio in dubio pro reo, estipula o artigo 32º, nºs 1 e 2, da CRP que:
1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
2. Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.
É a consagração constitucional do princípio da presunção de inocência que se impõe aos juízes ao longo de todo o processo e diz respeito ao próprio tratamento processual do arguido.
Por sua vez, o princípio in dubio pro reo é exclusivamente probatório e aplica-se quando o tribunal tem dúvidas razoáveis sobre a verdade de determinados factos – cfr. neste sentido o Ac. da RC de 12.8.2018, in www.dgsi.pt.
Assim, “o princípio in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa” – cfr. Ac. do STJ de 12.3.2009, in dgsi.pt.
No mesmo sentido encontra-se o Ac. da RL de 14.2.2010, in www.dgsi.pt, segundo o qual “o princípio in dubio pro reo não é mais que uma regra de decisão: produzida a prova e efectuada a sua valoração, quando o resultado do processo probatório seja uma dúvida, uma dúvida razoável e insuperável sobre a realidade dos factos, ou seja, subsistindo no espírito do julgador uma dúvida positiva e invencível sobre a verificação, ou não, de determinado facto, o juiz deve decidir a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável”.
Continua o mesmo aresto dizendo que “um non liquet sobre um facto da acusação recai materialmente sobre o Ministério Público, enquanto titular da acção penal, pois que sobre o arguido não impende qualquer dever de colaboração na descoberta da verdade. O “in dubio pro reo” só vale para dúvidas insanáveis sobre a verificação ou não de factos (objectivos ou subjectivos) relevantes, quer para a determinação da responsabilidade do arguido, quer para a graduação da sua culpa. Não se trata, porém, de “dúvidas” que o recorrente entende que o tribunal recorrido não teve e devia ter tido, pois o “in dubio…” não se aplica quando o tribunal não tem dúvidas. Ou seja, o princípio “in dubio pro reo” não serve para controlar as dúvidas do recorrente sobre a matéria de facto, mas antes o procedimento do tribunal quando teve dúvidas sobre a matéria de facto”.
Ora, analisada a motivação da decisão de facto da sentença recorrida, já supra transcrita, resulta da mesma que o tribunal a quo deixou bem claro que não teve quaisquer dúvidas quanto aos factos que deu como provados, referindo que:
“foram relevantes para a formação da convicção do Tribunal as declarações do arguido, que admitiu a condução de veiculo nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1 e 6, bem como a ingestão de bebidas alcoólicas antes do início da condução – facto 2, conjugadas com o teor das declarações de EE, militar da GNR -que depôs de forma circunstanciada e credível - com o teor do talão do alcoolímetro, junto aos autos a fls. 5 e ainda com o teor do documento junto a fls. 14 e depois em 6.12.2024 – no caso o talão de verificação, sendo estes documentos o suporte para a prova do facto 4, ou seja a TAS que o arguido evidenciava ao ser submetido ao teste de pesquisa do álcool.
Quanto a esta matéria estamos perante uma prova tabelada, prevendo uma lei uma forma especifica e inamovível para a sua obtenção. … o aparelho em causa, ao ser alvo da primeira verificação em 3.10.2023, tinha menos de um ano de utilização, estando plenamente em vigor o seu certificado. Assim nenhum motivo havendo para afastar o resultado do aludido exame de leitura da TAS fica provado o facto 3.
Quanto à matéria do foro subjetivo, a sua resposta positiva resultou essencialmente da conjugação das regras da experiência e do senso comum com a demonstração de outros factos exteriores, de índole objetiva, suscetíveis de os revelar, já que o comportamento perpetrado pelo arguido não podia ter outra intenção senão aquela que ali se descreve”.
Descreveu, com rigor, porque razão se convenceu em determinado sentido.
Assim, da motivação da decisão de facto da sentença recorrida perpassa que o julgador convenceu-se firmemente da factualidade que deu como provada.
A dúvida relevante é a dúvida do julgador após produção da prova e não a dúvida do recorrente ou mesmo a dúvida que o recorrente entende que o tribunal deveria ter tido.
Da análise da sentença recorrida, conclui-se que o julgador ficou firmemente convencido da matéria que deu como provada, não lhe restando qualquer dúvida sobre a mesma. Resulta da sentença recorrida um estado de certeza e não de incerteza.
Acresce que não se vislumbra que o julgador não tivesse demonstrado dúvidas porque não quis ou porque não as quis considerar relevantes. Simplesmente, convenceu-se firmemente da matéria que deu como provada.
Assim sendo, não existe fundamento para o pretendido recurso ao princípio “in dubio pro reo”, ficando afastada a sua violação pelo tribunal recorrido.
Também neste particular não assiste razão ao recorrente.
*
Próxima questão: se não se verificam os elementos objectivo e subjectivo do crime sub judice, pelo que o arguido deve ser absolvido.
Alega o recorrente que “muito embora o arguido confesse o circunstancialismo de tempo, modo e lugar da condução, o elemento objetivo do tipo de ilícito não se encontra preenchido, porquanto o referido alcoolímetro DRAGER, modelo Alcotest 7110 MKIII P, não está aprovado, constituindo prova proibida.
Apesar de o arguido ter ingerido bebidas alcoólicas precedentes à condução, não ingeriu, seguramente, em quantidade suficiente a provocar a T.A.S. alegadamente apurada, pelo que também não se encontra preenchido o elemento subjetivo do ilícito em causa.
O fundamento para a absolvição prende-se, unicamente, com as questões antecedentes relativas ao alcoolímetro e à impugnação da matéria de facto.
Ora, face à improcedência das referidas questões e à manutenção da factualidade provada como consta da sentença recorrida, sem necessidade de outras considerações, conclui-se pelo preenchimento de todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de condução de veículo em estado de embriaguez sub judice, o que conduz necessariamente à condenação do arguido.
Com a referida factualidade provada, a subsunção jurídica efectuada não merece qualquer censura.
Improcede igualmente esta questão suscitada pelo recorrente.
*
Aqui chegados, cumpre agora apreciar se deve ser aplicada ao arguido uma admoestação.
Alega o recorrente que “tendo em conta o tipo de crime de em causa, o Mm.º Juiz, a aplicar alguma pena ao arguido, o que só por mero raciocínio académico se aceita, devia a mesma assentar num efeito ressocializador, no limite, numa eventual pena de ADMOESTAÇÃO, o que não aconteceu no caso concreto.
1) Ao arguido, face à moldura penal prevista para o crime em apreciação nunca poderia ser aplicada uma pena de multa superior a 120 dias – art.º 292.º, n.º 1 e 60.º, n.º 1, ambos do CP;
2) O que veio confirmar a sentença recorrida, que condenou a arguida em 74 (setenta e quatro) dias de multa, não podendo a mesma ser modificada na sua espécie ou medida – art.º 409.º, n.º 1 do CPP;
3) O arguido não tem antecedentes criminais – art.º 60.º, n.º 3 do CP;
4) Não há danos reportados;
5) Não se verifica a necessidade de prevenção geral;
6) É inexistente a necessidade de prevenção especial: uma vez que do momento dos factos em diante não há qualquer risco de repetição;
7) E mesmo a sentir-se essa necessidade, atendendo à idade do arguido, à sua postura em tribunal, sempre seria mais conselhável uma solene censura oral, com a devida explicação do tipo de ilícito em apreciação; do direito especial tutelado com a incriminação; as condutas que provavelmente o possam integrar e que por esse mesmo motivo devam ser evitadas;
8) Algo que uma mera pecúnia, ainda que ajustada, no caso mal, na sua medida, nunca logrará alcançar!
À margem e caso não se opte pela absolvição ou, em substituição, pela aplicação da pena de admoestação ao arguido.
Vejamos, então.
Estipula o artigo 60º do Código Penal que:
1 - Se ao agente dever ser aplicada pena de multa em medida não superior a 240 dias, pode o tribunal limitar-se a proferir uma admoestação.
2 - A admoestação só tem lugar se o dano tiver sido reparado e o tribunal concluir que, por aquele meio, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
3 - Em regra, a admoestação não é aplicada se o agente, nos três anos anteriores ao facto, tiver sido condenado em qualquer pena, incluída a de admoestação.
4 - A admoestação consiste numa solene censura oral feita ao agente, em audiência, pelo tribunal.
Assim, nos termos desta norma legal, a admoestação depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
- aplicação de pena de multa em medida não superior a 240 dias;
- reparação do dano causado pela prática do crime;
- a adequação e suficiência da admoestação às finalidades da punição.
O critério de aplicação da admoestação é exclusivamente preventivo, isto é, o tribunal deve apurar se esta pena é adequada à satisfação das necessidades de prevenção especial de socialização ou de prevenção geral, que constituem as finalidades da punição.
Ora, atenta a natureza dos bens jurídicos em causa e as necessidades preventivas gerais, não deve proceder-se à substituição da pena de multa por admoestação nos crimes rodoviários, seja por condução de veículo automóvel sem habilitação legal, seja por condução sob o efeito do álcool – cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, 3ª Ed. actualizada, pág. 325-326.
No mesmo sentido encontra-se o Ac. da RL de 23.4.2024, in www.dgsi.pt, segundo o qual “O critério de aplicação da pena de admoestação é exclusivamente preventivo, devendo o tribunal apurar se esta pena é adequada à satisfação das necessidades de prevenção especial de socialização ou de prevenção geral, que nos termos do art.º 40.º do Código Penal constituem as «finalidades da punição».
Considerando a natureza dos bens jurídicos tutelados pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º1, alínea a), do Código Penal, e as prementes necessidades de prevenção geral, temos como manifesto que, salvo em situações excepcionais e verificadas razões muito ponderosas – que não se verificam no caso dos autos -, não se justifica a substituição da pena de multa por pena de admoestação”.
Doutrina e jurisprudência que se acompanha.
No caso concreto, consta da sentença recorrida que “as exigências de prevenção geral, são particularmente relevantes no caso concreto, dada a frequência com que a prática deste tipo de ilícito ocorre, contribuindo, em paralelo com outras causas, para o aumento da já de si elevada taxa de sinistralidade rodoviária havendo, por isso, de tutelar as expectativas da comunidade na manutenção da validade do ordenamento jurídico”.
De facto, assim é.
As exigências de prevenção geral são muito elevadas face à excessiva frequência da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, senão mesmo a sua banalização, sendo a causa de muitos sinistros rodoviários com a perda de inúmeras vidas.
Na verdade, a condução em estado de embriaguez é consensualmente tida como um factor de agravamento dos riscos inerentes à atividade da condução e como um dos mais determinantes agentes de produção de acidentes de trânsito, na medida em que a ingestão excessiva de álcool determina o entorpecimento dos sentidos, a perda dos reflexos indispensáveis para uma adequada condução automóvel e a diminuição da acuidade visual e da capacidade de concentração – cfr. Ac. RE de 21.3.2017, in dgsi.pt.
O que fica dito revela-se suficiente para se concluir que a pena de admoestação não satisfaz as necessidades de prevenção geral no caso concreto.
Mesmo que as necessidades de prevenção especial sejam diminutas, face à ausência de antecedentes criminais do arguido, o certo é que face às elevadas exigências de prevenção geral que se fazem sentir, impõe-se uma resposta assertiva dos tribunais, tendo em vista travar a acentuada sinistralidade associada à condução em estado de embriaguez.
Assim, não se aplica a pena de admoestação, por esta não proteger cabalmente os bens jurídicos que se pretendem proteger (como a vida, integridade física, património de outrem, além da segurança rodoviária) nem acautelar suficientemente as necessidades de prevenção geral que se fazem sentir no crime sub judice.
A ser assim, improcede esta pretensão do recorrente.
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Passa-se agora a conhecer se as penas aplicadas, principal e acessória, são excessivas, infundadas e injustas, tanto mais que a pena de multa deveria ter sido especialmente atenuada.
Alega o arguido que “a pena que lhe foi aplicada não foi a melhor opção em termos de política de aplicação de penas, mostrando-se injusta, inibindo-se o Mm.ª Juiz a quo, inclusive, de ponderar todas as opções legislativas que ao caso poderiam ser aplicáveis, como o facto de o arguido ter atuado em ERRO SOBRE a ILICITUDE, ficando a clara ideia – certeza absoluta – que o arguido conduzia normalmente de regresso a casa sem apresentar qualquer sintoma de que estava com álcool, ou, pelo menos, com 1,20g/l de álcool no sangue.
O arguido, muito embora conheça o circunstancialismo da sua atuação, não representou, de maneira alguma, o carácter ilícito da sua conduta: o arguido conduziu com uma T.A.S. superior a 1,2g/l, com conhecimento de que conduzir assim constitui crime, porém, na sua convicção, o mesmo não acontecia, porquanto não tinha ingerido bebidas alcoólicas em quantidade suficiente para determinar uma T.A.S. superior ao legalmente permitido.
Assim, face à factualidade do caso e à atenuação especial da pena a que sempre haverá lugar (-1/3) – artigos 72.º, n.º 2 al. c) e 73.º, n.º 1 al. c) – nunca será de admitir a aplicação de uma pena pecuniária superior a 49 dias a taxa de 5 euros, nem a pena acessória de inibição de conduzir muito superior ao limite minímo de 3 meses.
O recorrente necessita da carta de condução no seu dia a dia, quer seja para trabalhar, quer seja para prestar apoio aos colegas de trabalho e amigos.
Assim, é fácil de compreender o quão excessiva e desproporcionada é a pena aplicada, em indivíduo primário, havendo que ser reduzida ao seu mínimo legal.
Pois bem.
Começa-se por dizer que, face à improcedência da impugnação ampla da matéria de facto, estão prejudicadas as questões relativas aos elementos subjectivos do crime e a qualquer erro sobre a ilicitude.
Como se disse, com os factos provados, nenhuma censura merece a subsunção jurídica efectuada.
No que respeita à mencionada atenuação especial da pena, não fundamenta o arguido esta sua pretensão. Apenas afirma que a atenuação especial da pena deve ter lugar, fazendo referência ao artigo 72º, nº 2, alínea c).
Pois bem.
Nos termos do artigo 72º, nº 1, do Código Penal “o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”.
Estipula o nº 2 da mesma norma legal que, para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:
a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;
b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;
c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.
O nº 3 do mesmo normativo legal dispõe que “só pode ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou conjuntamente com outras circunstâncias, der lugar simultaneamente a uma atenuação especialmente prevista na lei e à prevista neste artigo”.
Por sua vez, nos termos do artigo 73º, nº 1, alínea c), do Código Penal, “sempre que houver lugar à atenuação especial da pena, observa-se o seguinte relativamente aos limites da pena aplicável: o limite máximo da pena de multa é reduzido de um terço e o limite mínimo reduzido ao mínimo legal”.
Como nos diz Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, “As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, pág. 302, “quando o legislador dispõe a moldura penal para um certo tipo de crime, tem de prever as mais diversas formas e graus de realização do facto, desde os da menor até aos da maior gravidade pensáveis: em função daqueles fixará o limite mínimo, em função destes o limite máximo da moldura penal respectiva; de modo a que, em todos os casos, a aplicação da pena concretamente determinada possa corresponder ao limite da culpa e às exigências de prevenção”.
Porém, sendo a capacidade de previsão do legislador necessariamente limitada e ultrapassada pela riqueza e multiplicidade das situações reais da vida, impõe-se que o sistema seja dotado de uma válvula de segurança, quando esteja em causa uma atenuação da responsabilidade do agente – cfr. obra supra citada, pág. 302.
Como ensina Figueiredo Dias na mesma obra, pág. 302, “quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo normal de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respeciva, aí teremos mais um caso especial de determinação da pena, conducente à sua substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa. São estas as hipóteses de atenuação especial da pena”.
Também a jurisprudência se tem pronunciado no mesmo sentido.
Afirma o Ac. da RC de 24.4.2019, in www.dgsi.pt., que “É pressuposto material da aplicação do instituto, a existência de circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena (nº 1 do art. 72º do C. Penal). Assim, o fundamento da atenuação especial da pena consiste na diminuição acentuada da ilicitude, na diminuição acentuada da culpa e ainda na diminuição acentuada da necessidade da pena e, portanto, das exigências de prevenção”.
Veja-se igualmente o Ac. da RC de 28.9.2011, in www.dgsi.pt, onde se lê que “a atenuação especial da pena só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar, uma vez que, para a generalidade dos casos normais, existem as molduras penais normais, com os seus limites máximos e mínimos próprios. Quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo padrão de casos que o legislador teve em mente à partida, aí haverá um caso especial de determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa”.
Entendimento doutrinal e jurisprudencial que se acompanha.
Revertendo ao caso concreto, não resultou provado qualquer arrependimento do arguido ou a prática de quaisquer actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente.
Da análise da factualidade provada, conclui-se que se trata de uma situação normal de condução de veículo automóvel com álcool no sangue, não se verificando qualquer situação especial ou quaisquer circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto. Não se trata de uma situação em que se verifique uma diminuição acentuada da ilicitude, da culpa e das exigências de prevenção.
Não estamos, assim, perante nenhum caso excepcional, inexistido qualquer circunstância, anterior ou posterior ao crime, ou mesmo contemporânea dele, que diminua por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
A ser assim, improcede esta pretensão do recorrente.
Vejamos agora se a pena de 75 dias de multa é excessiva, infundada e injusta.
O crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto no artigo 292º, nº 1, do Código Penal, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
No que respeita à determinação da medida concreta da pena, há que ter em conta, desde logo, o que dispõe o artigo 40º, nºs 1 e 2, do Código Penal.
Nos termos do nº 1 deste artigo, a aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Por um lado, visa-se a confirmação da validade e actualidade da norma incriminadora, e da consequente tutela da confiança da comunidade na sua vigência, restabelecendo-se a paz jurídica que fora abalada pelo crime. Fala-se a este respeito de prevenção geral positiva ou prevenção geral de integração.
Por outro lado, visa-se a socialização do condenado, que se cumpre, naturalmente, na fase de execução da pena. Fala-se então de prevenção especial positiva.
Assim, a escolha da pena e a determinação da respectiva medida concreta são questões que devem ser resolvidas à luz das referidas finalidades.
No entanto, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, nos termos do nº 2 do artigo 40º do mesmo diploma legal.
A culpa surge, assim, como um limite inultrapassável da actuação punitiva do Estado, em nome da dignidade do indivíduo.
Necessidade, proporcionalidade e adequação são os princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental.
Como ensina Figueiredo Dias (Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime - Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121) e é citado no Ac. do STJ de 14.10.2015, in www.dgsi.pt:
“1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais”.
Como se refere no mesmo aresto, “o ponto de partida das finalidades das penas com referência à tutela necessária dos bens jurídicos reclamada pelo caso concreto e com significado prospectivo, encontra-se nas exigências da prevenção geral positiva ou de integração, em que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal. As penas como instrumentos de prevenção geral são instrumentos político-criminais destinados a actuar (psiquicamente) sobre a globalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes através das ameaças penais estatuídas pela lei, da realidade da aplicação judicial das penas e da efectividade da sua execução, surgindo então a prevenção geral positiva ou de integração como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal; como instrumento por excelência destinado a revelar perante a comunidade a inquebrantabilidade da ordem jurídica, pese todas as suas violações que tenham tido lugar”.
Por outro lado, como ensina igualmente Figueiredo Dias, “a pena também tem uma função de prevenção geral negativa ou de intimidação, como forma estadualmente acolhida de intimidação das outras pessoas pelo mal que com ela se faz sofrer ao delinquente e que, ao fim, as conduzirá a não cometerem factos criminais” – cfr. obra supra citada, 118.
Mas, em termos jurídico-constitucionais, é a ideia de prevenção geral positiva ou de integração que dá corpo ao princípio da necessidade de pena.
“A moldura de prevenção, comporta ainda abaixo do ponto óptimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar-se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico – abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.” (cfr. obra e aresto supra citados).
“O ponto de chegada está nas exigências de prevenção especial, nomeadamente da prevenção especial positiva ou de socialização, ou, porventura a prevenção negativa relevando de advertência individual ou de segurança ou inocuização, sendo que a função negativa da prevenção especial, se assume por excelência no âmbito das medidas de segurança.
Ensina o mesmo Ilustre Professor, in As Consequências Jurídicas do Crime, §55, que “Só finalidades relativas de prevenção geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma ‘infringida’” – cfr. aresto supra citado.
Porém, “em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa (ultrapassar a medida da culpa), pois que o princípio da culpa, como salienta o mesmo Insigne Professor – ob. cit. § 56 -, “não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização” – cfr. Ac. do STJ de 14.10.2015, in www.dgsi.pt.
Também o artigo 71º, nº 1, do Código Penal estabelece que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Por sua vez, dispõe o nº 2 do mesmo artigo que, na determinação concreta da pena, o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) a intensidade do dolo ou da negligência;
c) os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) as condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) a conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime e
f) a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
“As circunstâncias e critérios do artigo 71º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente” – cfr. aresto supra citado.
A lei, ao referir que se deve atender nomeadamente àquelas circunstâncias, por serem as mais comuns, quer com isto dizer que o tribunal deve atender a outras ali não especificadas, isto é, a todas as circunstâncias susceptíveis de influenciarem a determinação da pena concreta – cfr. neste sentido Ac. da RC de 18.3.2015, in www.dgsi.pt.
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Voltando ao caso concreto, na apreciação dos critérios do artigo 71º, nº 2, do Código Penal, consta da sentença recorrida o seguinte:
- As exigências de prevenção geral, particularmente relevantes no caso concreto, dada a frequência com que a prática deste tipo de ilícito ocorre, contribuindo, em paralelo com outras causas, para o aumento da já de si elevada taxa de sinistralidade rodoviária havendo, por isso, de tutelar as expectativas da comunidade na manutenção da validade do ordenamento jurídico;
- O grau de ilicitude médio, configurando o seu modo de execução o “habitual” na prática deste crime, não deixando de se ponderar TAS de 1,748.
- O arguido actuou com dolo directo.
- As necessidades de prevenção especial são reduzidas dado que não tinha antecedentes criminais na data da prática dos factos.
Concorda-se com esta apreciação dos critérios do artigo 71º, nº 2, do Código Penal, tendo o julgador procedido a uma correcta individualização e ponderação dos factores que relevam para a determinação da medida concreta da pena.
De facto, as exigências de prevenção geral são muito elevadas pelas razões já supra aduzidas.
Face à violação da norma jurídica, impõe-se o reforço da consciência jurídica comunitária, a necessidade de restabelecer a confiança na validade da norma violada; isto é, a estabilização das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida. Há que criar nos cidadãos a convicção que comportamentos desta natureza, para além de serem punidos, visam diminuir o índice de sinistralidade rodoviária, que é elevadíssimo e preocupante.
Por sua vez, as exigências de prevenção especial situam-se num patamar reduzido.
O grau de ilicitude pode, de facto, considera-se mediano face à TAS apresentada.
Ponderando todos os factores, conclui-se que a pena principal aplicada de 75 dias de multa não ultrapassa o limite da culpa do arguido, revelando-se justa, adequada e necessária. Pena inferior à aplicada, como a pretendida pelo arguido, revelar-se-ia manifestamente insuficiente face às necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.
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No que respeita ao montante diário da pena de multa, nada há a apreciar uma vez que tal montante não foi posto em causa no recurso.
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Cumpre agora apreciar se a pena acessória de 4 meses e 15 dias de proibição de conduzir veículos com motor é excessiva, infundada e injusta.
Vejamos, então.
Nos termos do artigo 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal, é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido, entre outros, por crime previsto no artigo 292º do Código Penal.
Acresce que os critérios legais previstos para as penas principais, acima mencionados, são integralmente aplicáveis às penas acessórias, apesar da lei ser especificamente omissa. E não há razão para assim não ser, pois as penas acessórias, embora pressuponham a condenação do arguido numa pena principal (prisão ou multa), são verdadeiras penas criminais, também elas ligadas à culpa do agente e justificadas pelas exigências de prevenção (cfr. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 1ª edição, 2013, pág. 34).
A pena acessória “corresponde a uma necessidade de política criminal por motivos óbvios e consabidos que se prendem também com a elevada sinistralidade rodoviária. … Porque se trata de uma pena, a determinação da medida concreta da sanção inibitória, há-de efectuar-se segundo os critérios orientadores gerais contidos no artigo 71.º do Código Penal, não olvidando que a sua finalidade (diferentemente da pena principal que tem em vista a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade) reside na censura da perigosidade, embora a ela não seja estranha a finalidade de prevenção geral (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, pág.165). Trata-se de uma censura adicional pelo facto que ele praticou (cfr. acta n.º 8 da Comissão de Revisão do Código Penal). Na determinação da pena acessória é necessário observar os critérios estabelecidos no artigo 71° do Código Penal (vide Ac. Relação de Évora de 14.05.1996, CJ, ano de 1996, pág., 286), dando especial importância à prevenção especial, que visa a consciencialização e a socialização do arguido, de molde a que futuramente paute as condutas de acordo com o prescrito pela lei. Por outro lado, a aplicação da pena acessória não tem de ser proporcional à pena principal, uma vez que os objectivos de política criminal são, também eles, distintos. O fim da pena acessória dirige-se especificamente à recuperação do comportamento estradal do condutor transviado, pelo que não tem de existir uma correspondência matemática e proporcional entre as penas, consideradas as respectivas molduras abstractas (vide Ac Relação do Porto de 20.05.1995, CJ, T4, pág. 229)” – cfr. Ac. da RG de 2.11.2015, in www.dgsi.pt.
Também no Ac. da RC de 20.2.2019, in www.dgsi.pt., se defende que “a pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, sendo a sua finalidade a intimidação da generalidade dirigindo-se, ainda, à perigosidade do agente, razão pela qual dentro da moldura penal abstrata de três meses a três anos, há que atender à culpa do arguido e às exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo depuserem a favor ou contra ele. Muito embora distintas nos seus pressupostos, quer a pena principal, quer a acessória, assentam num juízo de censura global pelo crime praticado e daí que para a determinação da medida concreta de uma e outra se imponha o recurso aos critérios estabelecidos no artigo 71.º do Código Penal” – cfr. Ac. da RC de 20.2.2019, in www.dgsi.pt.
O mesmo se defendendo no Ac. da RP de 17.1.2018, in www.dgsi.pt, segundo o qual “a determinação da medida concreta de pena acessória de inibição de condução é realizada de acordo com os critérios gerais utilizados para a fixação da pena principal, enunciados no artigo 71º do Código Penal, com a ressalva de que a finalidade a atingir pela pena acessória é mais restrita, na medida em que a sanção acessória tem em vista sobretudo prevenir a perigosidade do agente (função preventiva adjuvante da pena principal)”.
Jurisprudência que se acompanha.
Revertendo ao caso concreto e ponderando os factores supra referidos a propósito da fixação da pena principal, frisando o jugador neste particular a TAS, o facto do arguido ter conduzido um veículo automóvel e não ter antecedentes criminais, entende-se que a pena acessória de 4 meses e 15 dias de inibição de conduzir não ultrapassa os limites da culpa do arguido e revela-se necessária e adequada, face às exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.
Na sua fixação não se verifica qualquer desproporção, relembrando que o limite mínimo é de 3 meses e, no caso sub judice, a concretização punitiva não pode aproximar-se mais desse limite mínimo, atendendo à TAS e às necessidades de prevenção geral e especial que se fazem sentir.
Pena inferior revelar-se-ia insuficiente face a todos os parâmetros supra aludidos e às necessidades de prevenção geral e especial.
É certo que, com a inibição de conduzir, as deslocações do arguido ficarão necessariamente dificultadas, tanto mais que resultou provado que ele usa a sua carta de condução para assegurar deslocações no âmbito laboral.
Porém, não é uma realidade que não possa ser restringida ou sacrificada, face a outros direitos ou interesses também relevantes e mesmo constitucionalmente protegidos.
De facto, a pena acessória de inibição de conduzir apresenta-se como um meio de salvaguarda de outros interesses, legal e constitucionalmente protegidos, quer, por um lado, na perspetiva do arguido, a quem é imposta a pena aplicada, quer, por outro lado, na perspetiva da sociedade, posto que se visa proteger essa sociedade e, simultaneamente, compensá-la do risco a que os seus membros foram sujeitos com a prática de uma condução sob o efeito do álcool.
A ponderação que resulta, no caso concreto, das necessidades de condução do arguido e da protecção de outros bens, que possa limitar ou dificultar as deslocações daquele, não traduz qualquer violação desproporcionada do direito de deslocação.
Assim é já que se visa proteger, também, bens e interesses constitucionalmente protegidos, como a segurança e a vida das pessoas, atendendo ao risco que para esses valores a condução sob o efeito do álcool comporta, pondo em causa a vida de todos os que circulam nas estradas.
Os incómodos originados com a inibição de conduzir não podem impedir a prossecução dos fins visados com a aplicação da dita pena acessória e são próprios desta. As penas têm que representar para o condenado um verdadeiro e justo sacrífico com vista a encontrarem integral realização as finalidades gerais das sanções criminais.
No caso concreto, a inibição de conduzir irá implicar uma maior dificuldade no exercício da sua actividade profissional, mas não se pode afirmar que não possa continuar a trabalhar. Aliás, não se provou que o arguido venha a ser despedido caso não possa exercer a condução.
O que não é, de forma alguma, desproporcional face aos fins da pena acessória.
Aliás, a necessidade de conduzir para efectuar deslocações não é uma necessidade específica do arguido, sendo comum à generalidade das pessoas que conduzem.
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Acresce que “o tribunal de recurso deve intervir na alteração da pena concreta, apenas quando se justifique uma alteração minimamente substancial, isto é, quando se torne evidente que foi aplicada sem fundamento, com desvios aos citérios legalmente apontados” – cfr. Ac. da RC de 18.3.2015, in www.dgsi.pt.
Como se pode ler também no Ac. da RG de 5.3.2018, in www.dgsi.pt, “quanto aos limites de controlabilidade da determinação da pena em sede de recurso - entendemos ser de seguir o entendimento da doutrina e da jurisprudência no sentido de que é suscetível de revista a correção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de fatores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, mas a determinação do quantum exato de pena só pode ser objeto de alteração perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efetuada”.
Também a Relação de Évora, no Ac. de 16.1.2019, in www.dgsi.pt, já afirmou que “o recurso visa sempre, e apenas, a reparação de erros de julgamento. Não é e não serve a continuação do julgamento. Adite-se que, também em matéria de pena, o recurso mantém o seu arquétipo de recurso-remédio. A Relação intervém na pena, alterando-a, apenas quando detecta incorrecções ou distorções no respectivo processo aplicativo, na interpretação e emprego das normas legais e constitucionais que regem em matéria de pena. Não procede como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de 1ª instância.
Com efeito, quer a doutrina mais representativa, quer o Supremo Tribunal de Justiça têm sufragado o entendimento de que a sindicabilidade da medida concreta da pena em via de recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” (Figueiredo Dias, DPP. As Consequências Jurídica do Crime 1993, §254, p. 197)”.
Jurisprudência que se acompanha.
Pelo que fica dito e em jeito de conclusão, as penas aplicadas, principal e acessória, são penas que não ultrapassam os limites da culpa do arguido, como se disse, revelando-se necessárias face às referidas exigências de prevenção geral e especial. Na sua fixação não se verifica qualquer desproporção.
A ser assim, não devem ser alteradas.
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Conclui-se, pois, pelo acerto da decisão da 1ª instância, não se vislumbrando qualquer erro, incorrecção ou distorção no processo de determinação das penas aplicadas, nem desrespeito por princípios aplicáveis ou violação de regras de experiência, nem mesmo qualquer desproporção na quantificação efectuada, pelo que não foram violadas quaisquer normas legais ou constitucionais, mormente as indicadas pelo recorrente, nem os princípios da legalidade, tipicidade e da culpa.
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Improcedendo, assim, todas as questões suscitadas pelo arguido, deve ser negado provimento ao recurso.
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C – Decisão
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, decidem manter a sentença recorrida.
*
Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 UCs a taxa de justiça devida – artigos 513º, nº 1, do Código de Processo Penal, 8º, nº 9, e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.
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Notifique.
*
Coimbra, 28 de Maio de 2025.
(Elaborado pela relatora, revisto e assinado electronicamente por todos os signatários – artigo 94º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal).
Rosa Pinto – Relatora
Capitolina Fernandes Rosa – 1ª Adjunta
Fátima Calvo – 2ª Adjunta