1 - Preenche o conceito legal de arma proibida o objecto, sem aplicação definida, constituído por um osso de animal que havia sido aguçado, assim obtendo efeito perfurante e consequente aptidão para ser usado como instrumento de agressão, ainda que o seu manuseio fosse feito sem encaixe no entalhe do pedaço de madeira.
2 - Com efeito, o que tem virtualidade de ser usado como meio de agressão, pela sua natureza perfurante e/ou cortante, é o osso pontiagudo, e não o pedaço de madeira no qual aquele iria encaixar, servindo como cabo, sendo que tal osso já havia sido aguçado, mostrando-se pronto a usar e a cumprir a função visada pelo recorrente.
3 - Ainda que a intenção do arguido fosse apenas a de utilizar o osso aguçado para intimidação, sempre seria de considerar que a sua posse era injustificada porquanto não tinha um propósito lícito.
4 - O arguido conhecia as características do objeto perfurante que detinha e que construiu, bem sabendo que o mesmo era suscetível de ser usado como arma de agressão e que a sua posse lhe estava vedada.
5 - Considerando a posse, pelo recorrente, de um pedaço de osso aguçado, construído com o único propósito de ser usado como arma de agressão – que integra a previsão de arma proibida, atenta a respectiva caraterização - e o dolo, mostram-se preenchidos os elementos objetivo e subjetivo do crime de detenção de arma proibida.
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra:
I. - RELATÓRIO
1. - No Juízo Local Criminal de Coimbra, do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, no âmbito do processo comum que ali corre os seus termos sob o n.º 3313/22.7T9CBR, foi realizado julgamento, com intervenção de tribunal singular, tendo sido proferida sentença mediante a qual foi decidido [transcrição[1]]:
a) Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artºs 153º, nº 1 e 155º, nºs 1, alíneas a) e c), ambos do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão e pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 2º, nº 5, alínea g), 3º, nº 2, alínea g) e 86º, nº 1, alínea d) do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, aprovado pela Lei nº 5/2006, de 23/02, na pena de 12 (doze) meses de prisão;
b) Operando o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido AA, decide-se condená-lo na pena única de 15 (quinze) meses de prisão, pela prática dos crimes de ameaça agravada e detenção de arma proibida;
c) Condenar o arguido no pagamento das custas do processo (artº 8º do Regulamento Custas Processuais), fixando a de taxa de justiça em 2 UC – artºs 374º, n.º 4, 513º, n.º 1 e 514º, n.º 1 do Cód. Processo Penal.
2. - Não se conformando com o assim decidido, o arguido interpôs recurso, apresentando a respetiva motivação e formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
«A. Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido nos presentes autos, tendo por objeto a matéria de facto e de direito, considerando que o Recorrente não se conforma com a sentença do tribunal a quo, por diferentes motivos, suscitando, respeitosamente, as seguintes questões: I - Do erro notório na apreciação da matéria de facto; II – Da falta de demonstração de requisitos necessários para a classificação dos objetos apreendidos como arma proibida; III – Da determinação da medida da pena aplicada;
I – Do erro na apreciação da matéria de facto
B. O Recorrente põe em causa o seguinte facto dado como provado: ´“2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, pelas 10 horas, no interior de sala de formação aí existente, o arguido tinha na sua posse um objeto perfurante, que construiu, com as seguintes características: instrumento artesanal e de construção manual com 21,5 centímetros de comprimento, vulgarmente conhecido na gíria da população prisional como “chino”, construído a partir de um pedaço de madeira com cerca de 16 centímetros de comprimento e 1,5 centímetros de espessura, no qual foi feito um entalhe e encaixado um pedaço de osso animal previamente aguçado.”
C. Concatenando a prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente a referida nos anteriores pontos 6 e 7 (transcrições das declarações do arguido, e depoimento da testemunha BB, respetivamente) cumpre invocar o erro de julgamento, por remissão para as supratranscritas provas produzidas, erroneamente apreciadas pelo tribunal recorrido.
D. Resulta, quer das declarações do arguido, quer do depoimento prestado pela única testemunha presente, que foram “apreendidos” dois objetos e não um objeto perfurante, construído pelo arguido, com 21,5 centímetros de comprimento, vulgarmente conhecido na gíria da população prisional como “chino”.
E. A concatenação das provas elencadas, impunha diversa apreciação, requerendo, o recorrente que o douto tribunal ad quem, se debruce sobre a prova produzida em 1.ª instância, que considera ter sido incorretamente apreciada.
F. O arguido não tinha em sua posse um artefacto finalizado com as características descritas naquele ponto 2 dos factos provados na Sentença, mas sim dois objetos, nomeadamente um pedaço de madeira e um pedaço de osso.
G. Pelo que, no que concerne ao ponto 2 dos factos dados como provados, deverá o referido facto ser alterado passando a constar que: 2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, pelas 10 horas, no interior de sala de formação aí existente, o arguido tinha na sua posse um osso de animal e um pedaço de madeira, no qual foi feito um entalhe apto a ser encaixado um pedaço de osso animal previamente aguçado.
H. O Recorrente põe também em causa, o seguinte facto dado como provado: “3. Tal objeto não tem aplicação definida, tendo como único intuito a sua utilização como arma de agressão, não tendo o arguido justificada a sua posse.”
I. Conforme vimos de referir, foram apreendidos dois objetos ao arguido, justificando a posse dos ditos, para efeitos de contruir um objeto que pudesse utilizar para intimidar alguns reclusos em meio prisional, que já o haviam ameaçado, agredido e roubado.
J. Factualidade que, fácil e coerentemente, se extrai do teor do depoimento da Testemunha BB, articulado com as declarações prestadas pelo Arguido em audiência de julgamento, realizada em 03-12-2024, conforme exposto nas transcrições vertidas nos anteriores pontos 19, 20 e 22, da motivação.
K. O depoimento da testemunha e as declarações do arguido mostram-se alinhados quanto à factualidade atinente à existência de dois objetos, que diferentemente do que se deu como provado, não constituirão uma arma, nem tendo, no estado em que se encontravam, a virtualidade de ser utilizados como tal.
L. Pelo que, no que ao ponto 3 dos factos dados como provados, tange, deverá o referido facto ser alterado passando a constar que: “3. A posse de tais objetos teria como único intuito a sua utilização para preparar um utensílio com características de uma arma utilizada para intimidação.”
M. Invoca o Recorrente, que terá havido erro de julgamento da matéria de facto, patente que fica, a demonstração de que a convicção do tribunal recorrido sobre determinado o facto – v.g. a apreensão de uma arma proibida – é inadmissível, porque existem hipóteses decorrentes da prova produzida que impõem resposta contrária à adotada na decisão recorrida.
N. Considera o Arguido que houve erro de julgamento quanto à matéria de facto, também quanto ao vertido nos pontos 4, 5 e 6, dos factos provados, remetendo, para as declarações do Arguido e para o depoimento prestado pela Testemunha, BB, transcritas nos anteriores pontos 27 e 28, respetivamente.
O. Considerando a constante presença de vários reclusos, formadores e guardas, durante os períodos em que decorrem as formações, estranha-se que não tenha sido possível indicar uma testemunha que tivesse ouvido as expressões proferidas.
P. Não sendo crível que a testemunha BB tenha conseguido retirar pacificamente os objetos ao arguido, tendo oportunidade de os guardar no seu gabinete, e posteriormente regressado para junto dos formandos onde se encontrava o arguido, para só nesse momento o Arguido proferir as expressões ameaçadoras.
Q. Estamos perante uma situação de recorte de vida prisional do arguido, em cujo contexto, em termos de juízo de causalidade adequada, reagiria de imediato, quer fosse para evitar que tais objetos lhe fossem retirados, quer fosse para proferir as ameaças que, alegadamente, proferiu.
R. O próprio formador BB, quando questionado se teve receio pela sua integridade física, refere que sentiu receio, como sempre sente, apesar de, o arguido nada ter demonstrado que justificasse esse receio (transcrição do depoimento no ponto 40 da motivação).
S. Ou seja, a aceitar-se que o arguido ameaçou o ofendido nos termos dados como provados, ter-se à de aceitar também, que a própria testemunha não acreditou na possibilidade do perigo ou mal com que foi ameaçado, se vir a materializar, face às suas expressivas declarações (Cfr. transcrição do ponto 41 da motivação).
T. Considera o Arguido que deveriam ser valoradas positivamente as suas declarações não sendo dado como provados os factos constantes dos ponto 4 e 6.
U. Pugnando pela alteração da redação dos factos constantes do ponto 5, considerando, por identidade de raciocínio, o exposto quanto aos factos 2 e 3, no que tange à existência de dois objetos distintos, e não uma arma finalizada,
V. Não devendo ser dado como provado que o arguido detinha um objeto perfurante que construiu, quando a única testemunha presente, atesta que surpreendeu o arguido enquanto este preparava um pedaço de madeira (ou seja, em execução).
II – Da falta de demonstração de requisitos necessários para a consideração dos objetos apreendidos como arma proibida;
W. O recorrente considera que não estão presentes os requisitos para que os objetos apreendidos possam ser classificados como arma proibida, embora apreendidos no mesmo momento, tratava-se de um osso e um pedaço de madeira.
X. O Artigo 3.º n.º 2 al. g) e o Artigo 86.º n.º 1 al. d), ambos do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, recorre à terminologia “construídos” e não em construção, e “que possam ser usados como arma de agressão”.
Y. A questão central reside na distinção entre um instrumento já construído e aquele que se encontra em processo de construção ou finalização.
Z. À luz da legislação aplicável, não se pode considerar que um pedaço de madeira e um osso, se enquadrem no conceito legal de arma proibida, pelo que, o recorrente não poderá ser punido pela posse desses objetos, dado que não preenchem os requisitos legais para tal classificação.
III – Da determinação da medida da pena aplicada;
AA. O critério legal para efeitos da determinação da medida da pena encontra-se previsto no art. 71º do C. Penal, devendo tal determinação, tomar em conta a moldura penal abstracta aplicável, através da ponderação das exigências de prevenção geral e especial, da medida da culpa do arguido e de todas as circunstâncias que, não sendo típicas, militem contra e a seu favor maxime, as enunciadas no n.º 2 do preceito.
BB. Seguimos de perto o entendimento vertido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo: 401/20.8PAVNF.S1 de 06/10/2021, que postula que o “Critério decisivo é que as circunstâncias concorrentes, pela sua especial intensidade, configurem um caso de gravidade, tão acentuadamente diminuída, seja ao nível da ilicitude ou da culpa, seja ao nível da necessidade da pena, que escapa à previsão do que o legislador definiu e que, por isso, seria injusto punir dentro da respetiva moldura penal, já prevenidamente muito ampla”.
CC. Pelo que, afigura-se, salvo melhor opinião, que a pena aplicada ao Recorrente “peca” por excesso, devendo ser revogada e aplicada, uma pena que se aproxime dos limites mínimos, preferencialmente sendo reduzida para metade.
DD. A pena não pode, jamais, ultrapassar a medida da culpa, conforme resulta do disposto no n.º 2 do artigo 40.º do Código Penal.
EE. Valendo, nesta sede, as considerações acima elencadas, concluindo-se perante as circunstâncias mencionadas, que é manifesto que a pena aplicada é desproporcionada, devendo ser substituída por outra próxima dos mínimos legalmente previstos.
FF. A fundamentação precipitada pelo Acórdão é insuficiente, não determinando o grau de culpa com que atuou o Recorrente, nem as concretas circunstâncias fácticas, que justificam a aplicação de dosimetria no quíntuplo da moldura mínima, quanto ao crime de ameaça agravada, e no nônuplo da moldura mínima, quanto ao crime de detenção de arma proibida, sendo que, ao decidir da forma explanada no douto acórdão, violou a decisão recorrida o disposto nos artigos 40º e 71º do CP.
GG. Urgindo que, nestes termos, se dê provimento ao recurso da sentença e, consequentemente revogando-se a douta sentença proferida a quo, absolvendo o arguido da prática dos crimes por que foi condenado, com todas as demais e legais consequências
Termos em que, e nos mais de direito, cujo douto suprimento de V. Exªs., Srs. Desembargadores se roga, deverá ser dado provimento ao recurso da sentença, e, consequentemente, revogando-se a douta sentença proferida a quo, absolvendo o arguido da prática dos crimes por que foi condenado, com todas as demais e legais consequências, apenas assim se fazendo, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA.
Ou, caso assim não se entenda, que seja proferido douto Acórdão, que revogue a Sentença proferida e, em consequência seja proferido douto acórdão, que aplique uma pena adequada, proporcional e mais justa, ao aqui Recorrente, mais próxima dos limites mínimos legais, com as legais consequências.»
3. - O Ministério Público junto da primeira instância apresentou resposta ao recurso, na qual pugna pela improcedência do mesmo, concluindo:
«Com relevância para a decisão em causa, afere-se que o Tribunal a quo formou a sua convicção na conjugação dos factos trazidos a juízo pela acusação, alicerçada na prova produzida, assim como, nas próprias regras da experiência.
Pelo que, ponderadas as várias circunstâncias do caso concreto, é patente que a Escolha e medida da pena aplicada se revela adequada, proporcional e necessária às finalidades punitivas que se fazem sentir, quer quanto aos propósitos preventivos de estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, quer quanto às intenções ressocializantes e regeneradoras do arguido nessa mesma comunidade.
Critérios que foram assertivamente ponderados e fundamentados na sentença recorrida, a qual se afigura, assim, perfeitamente ajustada, devendo, em consequência, o recurso interposto ser declarado totalmente improcedente, por infundado, mantendo-se aquela integralmente.
Termos em que, e nos mais de direito,
deverá ser mantida a douta sentença
recorrida, com o que se fará JUSTIÇA!»
4. - Remetidos os autos a este Tribunal da Relação de Coimbra, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu fundamentado parecer no sentido da improcedência do recurso.
5. - Cumprido o estatuído no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta.
6. - Colhidos os vistos e realizada a conferência, em consonância com o estatuído no artigo 419º, n.º 3, al. c), do Código de Processo Penal, resultou a presente decisão.
*
II. – FUNDAMENTAÇÃO
1. – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
Em consonância com o disposto no artigo 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o objeto dos recursos está delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes [cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/04/2010: “É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões(…)”], sem prejuízo da eventual necessidade de conhecer oficiosamente da ocorrência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal nas decisões finais (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão n.º 7/95, do Supremo Tribunal de Justiça, in DR, I Série - A, de 28/12/95).
São, assim, as conclusões da motivação que balizam o âmbito do recurso e devem, por isso, ser concisas, precisas e claras – se ficam aquém da motivação, a parte desta que não é ali resumida torna-se inútil porque o tribunal de recurso só pode considerar as conclusões e, se vão além da motivação, também não devem ser consideradas, porque são um resumo da motivação e esta é inexistente[2].
Posto isto, no presente recurso, tendo em conta as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a apreciar são as seguintes:
- Os pontos 2, 3, 4, 5 e 6 da factualidade provada foram incorretamente julgados?
- O arguido/recorrente deve ser absolvido do crime de ameaça agravada e do crime de detenção de arma proibida?
- As penas parcelares e a pena única são excessivas?
2. – DECISÃO RECORRIDA
A sentença alvo de recurso tem, no essencial, o teor que ora se transcreve:
« II - Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 21/04/2023, o arguido AA cumpria pena no Estabelecimento Prisional de Coimbra.
2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, pelas 10 horas, no interior de sala de formação aí existente, o arguido tinha na sua posse um objeto perfurante, que construiu, com as seguintes características: instrumento artesanal e de construção manual com 21,5 centímetros de comprimento, vulgarmente conhecido na gíria da população prisional como “chino”, construído a partir de um pedaço de madeira com cerca de 16 centímetros de comprimento e 1,5 centímetros de espessura, no qual foi feito um entalhe e encaixado um pedaço de osso animal previamente aguçado.
3. Tal objeto não tem aplicação definida, tendo como único intuito a sua utilização como arma de agressão, não tendo o arguido justificado a sua posse.
4. Ao ser surpreendido na posse daquela arma pelo formador BB, que lha retirou e guardou, o arguido, gritando, disse-lhe: “se eu apanhar algum castigo à sua pala, você nem sabe do que lhe sou capaz de fazer. Eu mato-o, mas é que o mato mesmo. Eu venho aqui à sala e mato-o. Não se esqueça que eu o mato mesmo”.
5. O arguido conhecia as características do objeto perfurante que detinha e que construiu, bem sabendo que a mesma era suscetível de ser usado como arma de agressão e que a sua posse lhe estava vedada.
6. Ao proferir as expressões descritas, o arguido agiu com o propósito de, com o anúncio daquele mal, direta e necessariamente, provocar medo a BB, bem sabendo que para tal aquelas eram idóneas.
7. Para além de noutros processos, o arguido AA foi condenado nos seguintes processos em penas de prisão efetiva superior a 6 meses:
- No processo 1519/11...., do Juízo de Média Instância Criminal de Sintra, por sentença de 09/04/2014, transitada em julgado em 19/05/2014, pela prática, em 29/09/2011, de um crime de furto qualificado, na pena de 1 ano de prisão;
- No processo 345/15...., do Juízo Local Criminal de Alenquer, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, por sentença de cúmulo jurídico de penas de 13/12/2018, transitada em julgado em 11/02/2019, pela prática, em 31/08/2013, de um crime de detenção de arma proibida, e pela prática, em 30/05/2015, de um crime de dano qualificado, na pena única de 1 ano e 8 meses;
- No processo de Cúmulo Jurídico 2850/14...., do Juízo Central Criminal de Sintra do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, por acórdão de 21/04/2015, transitado em julgado em 22/05/2015, cumulando as penas aplicadas nos processos 1029/11.... e 1519/11...., pela prática de um crime de roubo qualificado em 29/09/2011, dois crimes de roubo qualificado em 03/10/2011, dois crimes de roubo qualificado em 04/10/2011, seis crimes de roubo qualificado em 05/10/2011, três crimes de roubo em 06/10/2011, dois crimes de roubo qualificado em 14/10/2011, um crime de roubo e um crime de roubo tentado em 26/10/2011, um crime de furto simples e um crime de furto qualificado em 27/10/2011, um crime de roubo qualificado em 27/10/2011, um crime de furto qualificado em 13/11/2011, na pena única de 16 anos de prisão.
8. Em cumprimento das penas de prisão em que foi condenado, o arguido esteve preso nos seguintes períodos:
- Entre 19/11/2011 até 04/07/2014, à ordem do Processo 1029/11....;
- Entre 04/07/2014 e 23/12/2015, à ordem do Processo 843/01....;
- Entre 23/12/2015 e 09/06/2023, à ordem do Processo 2850/14....;
- Desde 09/06/2023 até ao presente, à ordem do Processo 345/15.....
9. Não obstante as condenações supra-referidas, e estar ainda a cumprir pena de prisão, à data da prática dos factos acima descritos, o arguido não tinha interiorizado a advertência contida naquelas condenações, reincidindo na prática de ilícitos.
10. Agiu o arguido de forma deliberada, livre e consciente bem sabendo serem as descritas condutas proibidas e punidas por lei penal.
11. Preso desde 19.11.2011, AA encontrava-se no Estabelecimento Prisional de Coimbra desde 10.04.2019, onde permaneceu até à sua transferência para o estabelecimento prisional de Paços de Ferreira, em 26.05.2022, em cumprimento sucessivo da pena de 16 anos de prisão, em que foi condenado no âmbito do proc.º n.º 2850/14...., pela prática de crimes roubo qualificado, furto qualificado e furto qualificado na forma tentada, e da pena de 1 ano e 8 meses de prisão, em que foi condenado no âmbito do processo n.º 345/15...., pela prática dos crimes de dano qualificado e detenção de arma proibida, quando se encontrava no estabelecimento prisional de Vale dos Judeus, e que cumpre desde 09.06.2023, acrescidas de 1 ano, 5 meses e 19 dias, referentes à revogação da liberdade condicional, já cumprida.
12. Com historial de problemática aditiva iniciada por volta dos 15 anos com o consumo de haxixe, que viria a evoluir para o consumo de drogas de maior poder aditivo, o arguido registou uma tentativa de tratamento em Espanha, em contexto institucional, que, contudo, abandonou pouco tempo depois, integrando, há vários anos o programa de substituição com metadona, com acompanhamento nas especialidades de psicologia e psiquiatria, mas com indicadores de fragilidades a este nível, assinalando-se os despistes positivos para o consumo de cocaína e THC, em 20.09.2023, e THC em 21.02.2024, além do facto de o próprio assumir fragilidades no que concerne o consumo de haxixe que, contudo, desvaloriza.
13. Quando deu entrada no contexto prisional, AA estava habilitado apenas com o 4.º ano de escolaridade, concluído aos 14 anos de idade, após um percurso marcado pelo reduzido aproveitamento, que levou os progenitores a optarem pela sua saída do sistema de ensino e pela sua integração profissional, registando experiências laborais na área da construção civil e na área da restauração, ainda que com uma trajetória irregular e inconsistente, também neste âmbito.
14. No decurso da reclusão foi perdendo o contacto com o agregado familiar de origem e elementos da família alargada, situação que atribui ao seu percurso criminal e consequentes contactos com a justiça, desconhecendo o atual paradeiro.
15. Neste âmbito, importa assinalar, que o processo de desenvolvimento do arguido decorreu junto do agregado de origem, num contexto pautado por frequentes conflitos com os progenitores, a quem era atribuído um estilo educativo autoritário e rígido, nomeadamente como resposta aos comportamentos de rebeldia assumidos, desde cedo, pelo arguido.
16. Na sequência desta conflitualidade com as figuras parentais, aos 15 anos de idade o arguido optou por integrar o agregado familiar da avó materna, residente num meio comunitário considerado problemático, e priorizar o convívio com jovens conotados com comportamentos desviantes, começando a frequentar estabelecimentos noturnos, contexto no qual registou, além de consumos de estupefacientes, consumos abusivos de bebidas alcoólicas, comportamentos que a avó materna revelou incapacidade para gerir e conter.
17. Ao nível afetivo tem também evidenciado um percurso irregular, tendo estabelecido uma relação afetiva, da qual nasceu uma descendente (atualmente maior de idade), mas que viria a terminar, segundo o próprio cerca de 6 anos depois, tendo o arguido optado por regressar ao agregado de origem.
18. Contudo, encontrando-se numa fase de maior desorganização e dependência de estupefacientes, mantinha um estilo de vida desestruturado, sem qualquer ocupação estruturada, o que agudizou os conflitos com o progenitor e motivou novas ausências da habitação, durante as quais permanecia em paradeiro incerto.
19. Nesta fase surgiram os primeiros contactos com o sistema de justiça, nomeadamente uma condenação em pena de prisão suspensa na sua execução, que viria a ser revogada, além do cumprimento de uma pena de prisão, que não lograram alterar o seu percurso, pese embora um período em que beneficiou do apoio dos tios maternos e de uma namorada, cujo relacionamento viria também a cessar.
20. De referir que, no decurso da atual reclusão, em setembro de 2021, AA iniciou novo relacionamento afetivo e contraiu matrimónio, que viria, contudo, a cessar em 2023, tendo deixado de beneficiar do apoio desta e respetivos familiares, identificando, posteriormente, o início de um novo relacionamento afetivo, que refere manter atualmente, com uma reclusa do estabelecimento prisional de Tires com quem refere ter começado a trocar correspondência.
21. O arguido identifica atualmente apenas um amigo de referência, ex-recluso, que refere ter conhecido em contexto prisional, e que cumpriu também pena no estabelecimento prisional de Coimbra, que poderá constituir uma fonte de suporte em meio livre, contudo, não mantinha contacto com este desde que o mesmo saiu em liberdade, tendo, recentemente, segundo refere, recebido uma carta deste amigo.
22. Em contexto prisional tem evidenciado acentuadas dificuldades de ajustamento ao normativo institucional, patentes no registo de punições e na integração em secção de segurança entre junho de 2015 e novembro de 2017, salientando-se que, durante a permanência no estabelecimento prisional de Coimbra, evidenciou, inicialmente, uma evolução positiva ao nível comportamental, que, contudo, não conseguiu consolidar acabando por registar novas punições, além dos factos que motivaram o presente processo.
23. Também no que concerne a manutenção de uma ocupação, manteve atividade laboral entre 24.06.2019 e 22.03.2021, data em que passou a pronto, e frequentou o curso de manutenção hoteleira para equivalência ao 6.º ano de escolaridade, que não concluiu.
24. AA regista anteriores condenações, em pena de prisão suspensa na sua execução, que viria a ser revogada, e em penas de multa, além de anterior cumprimento de pena de prisão, entre 07.11.2003 e 16.03.2011, por crimes de roubo e contra a integridade física, tendo saído em liberdade condicional aos 5/6 da pena, medida que viria, contudo, a ser revogada.
25. Atualmente o arguido permanece no estabelecimento prisional de Paços de Ferreira, à ordem do processo n.º 345/15...., em cumprimento de 1 ano e 8 meses de prisão, pela prática dos crimes de dano qualificado e detenção de arma proibida, quando se encontrava no estabelecimento prisional de Vale dos Judeus.
26. Tem outros processos pendentes, também por factos ocorridos no decurso da presente reclusão.
27. Neste estabelecimento prisional frequentou o curso profissional de Tecelão, que não concluiu, tendo optado por ingressar num curso de assistente administrativo que o habilitou com o 2.º ciclo de escolaridade, encontrando-se, atualmente, inscrito no curso profissional de cozinha, de equivalência ao 3.º ciclo de escolaridade.
28. Pese embora a atual postura de maior investimento no desenvolvimento das suas qualificações escolares, mantém dificuldades de ajustamento ao normativo institucional, registando a última punição em Abril de 2024, por factos de Fevereiro de 2024, não tendo, até ao momento, beneficiado de medidas de flexibilização da pena que permitam aferir o seu comportamento em meio não controlado.
29. Neste estabelecimento prisional manteve a integração no programa de metadona, com acompanhamento nas especialidades de psicologia e psiquiatria, pese embora assuma fragilidades ao nível do consumo de haxixe.
30. Relativamente aos crimes pelos quais se encontra condenado, reconhece a sua ilicitude e censurabilidade, com referência às vítimas e, parcialmente, aos danos causados, e verbaliza arrependimento, assumindo, contudo, um discurso tendencialmente externalizador, ao contextualizar a sua prática nas necessidades económicas e de subsistência, apresentando, desta forma, necessidades subsistentes ao nível do sentido crítico.
31. Face ao presente processo, verbaliza recear um agravamento da sua situação jurídica e o respetivo impacto no futuro benefício de medidas de flexibilização da pena.
32. Refere ter retomado recentemente o contacto com uma irmã e com a filha, já adulta, segundo o próprio a residir na Alemanha, e identifica como principal elemento de suporte no exterior o amigo CC, conhecido no decurso da reclusão, além do suporte afetivo da namorada, em cumprimento de pena no estabelecimento prisional de Tires, com quem iniciou relacionamento afetivo no decurso da atual reclusão.
33. Do percurso de vida de AA emergem como principais vulnerabilidades as reduzidas qualificações escolares e a ausência de competências profissionais e hábitos de trabalho, bem como a problemática aditiva, com impacto nas diferentes áreas da sua vida.
34. Regista antecedentes criminais de relevo, dos quais se destaca o anterior cumprimento de pena de prisão e a revogação de liberdade condicional, evidenciando dificuldades em inverter a sua conduta desviante, o que a par das dificuldades de ajustamento ao normativo institucional, com registo de novas condenações e processos pendentes por factos ocorridos no decurso da atual reclusão constitui um indicador de instabilidade emocional e comportamental e de fragilidades na interiorização de valores juridicamente integrados.
35. No exterior apresenta um enquadramento que poderá também condicionar o seu processo de reinserção social.
36. Assim, emergem como principais necessidades de intervenção a manutenção de acompanhamento especializado direcionado para a resolução da problemática aditiva, a aquisição de competências formativas/profissionais promotoras da sua inserção laboral futura e consequente autonomia financeira, bem como a realização de uma intervenção que proporcione ao arguido uma efetiva interiorização do desvalor da sua conduta, tendo em vista a promoção de um estilo de vida pró-social e a concretização de um efetivo processo de mudança cognitiva e comportamental.
37. Do certificado do registo criminal do arguido constam as seguintes condenações:
- Processo Comum Singular nº 2381, do Tribunal Criminal de Lisboa – 6º Juízo – 1ª Secção, pela prática de um crime de introdução em casa alheia e ofensas corporais, por sentença datada de 11/05/1998, na pena única de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de Esc. 800$00 (oitocentos escudos);
- Processo Comum Colectivo nº 798/97...., do Tribunal Criminal de Lisboa – 5ª Vara – 2ª Secção, pela prática de um crime de roubo, na forma tentada, por acórdão datado de 15/12/1999, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos;
- Processo Comum Singular nº 612/96...., dos Juízos Criminais de Lisboa – 1º Juízo – 2ª Secção, pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física simples, por sentença datada de 03/02/2000, na pena única de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de Esc. 300$00 (trezentos escudos);
- Processo Comum Colectivo nº 573/01...., do Tribunal Judicial de Loures – 1º Juízo – Vara Mista, pela prática de um crime de roubo agravado, por acórdão datado de 29/04/2002, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 (quatro) anos, com regime de prova;
- Processo Comum Singular nº 509/98...., do Tribunal Criminal de Lisboa – 1º Juízo – 3ª Secção, pela prática de um crime de dano, por sentença datada de 15/07/2002, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 1,50 (um euro e cinquenta cêntimos);
- Processo Comum Colectivo nº 843/01...., do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Loures – 1ª Vara de Competência Mista, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, um crime de coação, um crime de condução sem habilitação legal, um crime de sequestro e dois crimes de roubo, por acórdão datado de 02/12/2004, na pena única de 6 (seis) anos de prisão;
- Processo Comum Colectivo nº 1029/11...., do Tribunal de Lisboa – 8ª Vara Criminal, pela prática de 21 (vinte e um) crimes de roubo qualificado e três crimes de furto qualificado, por acórdão datado de 29/10/2012, na pena de 15 (quinze) anos de prisão;
- Processo Comum Singular nº 1519/11...., do Tribunal da Comarca de Grande Lisboa – Noroeste – Sintra – Juízo de Média Inst. Criminal – 2ª Secção – Juiz 4, pela prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, por sentença datada de 09/04/2014, na pena de 1 (um) ano de prisão;
- Processo Comum Singular nº 755/13...., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Alenquer – JL Criminal, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, por sentença datada de 25/11/2016, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
- Processo Comum Singular nº 345/15...., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Alenquer - JL Criminal, pela prática de um crime de dano qualificado, por sentença datada de 08/01/2018, na pena de 4 (quatro) meses de prisão.
*
III - Factos não provados
Não se provou qualquer outra matéria com relevo para a decisão da causa.
*
IV - Motivação da decisão de facto
Este Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada e não provada com base nas declarações do arguido na parte em que admitiu a prática dos factos no que se reporta à posse do objecto apreendido nos autos, estando ciente que não o poderia deter, bem assim quanto ao facto de ter sido surpreendido com tal objecto pela testemunha BB.
Foi também valorado o depoimento da testemunha BB, formador no Estabelecimento Prisional de Coimbra que, de uma forma coerente e credível, referiu que o arguido estava em formação na sala do depoente quando se ausentou para a sala ao lado, altura em que foi ver o que estava a fazer, estando o mesmo na posse do objecto apreendido, após o que lhe retirou, tendo aquele reagido proferindo a expressão mencionada em 4.
Considerou-se ainda o depoimento prestado pela testemunha DD, guarda prisional no Estabelecimento Prisional de Coimbra, que prestando também um depoimento coerente e credível, referiu que após ter sido alertada pelo responsável da formação para o objecto que o arguido transportava consigo, fez a participação da ocorrência.
Mais se consideraram o auto de notícia de fls. 4/5, o registo de ocorrência de fls. 7, a certidão do Processo Comum (Tribunal Singular) 345/15.... a fls. 95/103, a certidão do Processo de Cúmulo Jurídico 2850/14.... a fls. 85/93, o relatório pericial de fls. 42 e o certificado do registo criminal junto ao processo com a Refª 9186299.
No que se refere à situação sócio-económica e de permanência e integração no Estabelecimento Prisional foi considerado o relatório da DGRSP junto com a Refª 9365743.
Não se provou qualquer outra matéria para além da consignada supra, pois não se produziu mais nenhuma prova que permitisse acrescentar aos provados outros factos, além dos aludidos.
Com efeito, embora o arguido tenha negado ter dito ao ofendido BB que o matava, o Tribunal não atribuiu credibilidade às suas declarações nesta parte, dado que a testemunha BB prestou um depoimento que se afigurou credível, porquanto relatou a situação com pormenor, tendo referido que o arguido reagiu de forma exaltada por ter sido surpreendido com o objecto que tinha na sua posse, facto que o arguido também confirma, pelo que se considera que, tendo sido surpreendido na posse de um objecto que lhe poderia trazer problemas, por se tratar de uma arma de fabrico artesanal, reagiu da forma descrita, ameaçando o ofendido, no intuito de o amedrontar para que não comunicasse superiormente a situação.
*
V - Enquadramento jurídico – penal
Vem o arguido acusado da prática, sob a forma consumada e em concurso real, de um crime de ameaça, p. e p. pelos artºs 153º, nº 1 e 155º, nº 1, alíneas a) e c) do Cód. Penal e um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 2º, nº 5, alínea g), 3º, nº 2, alínea g) e 86º, nº 1, alínea d) do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, aprovado pela Lei nº 5/2006, de 23/02, sendo o arguido punido como reincidente, nos termos dos artºs 75º e 76º, do Cód. Penal.
Pratica o crime de ameaças “quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, (…) de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação” (artº 153º, nº 1).
São elementos essenciais deste tipo de ilícito, o anúncio de que o agente pretenda infringir a outrem um mal que constitua crime e que esse anúncio seja feito de forma adequada a provocar receio, medo ou inquietação ou lhe prejudique a sua liberdade de determinação e que o agente tenha actuado com dolo.
O bem jurídico protegido é a liberdade de decisão e de acção. As ameaças ao provocarem um sentimento de insegurança, intranquilidade ou medo na pessoa do ameaçado, afectam naturalmente a paz individual que é condição de uma verdadeira liberdade.
No que respeita ao tipo objectivo de ilícito o conceito de ameaça é composto por três características fundamentais. São elas: a existência de um mal, esse mal deve ser futuro e a sua ocorrência deverá depender da vontade do agente. O objecto da ameaça tem de constituir um crime, ou seja, deverá configurar em si mesmo um facto ilícito típico que se encontra especificado no nº 1 do artº 153º do Cód. Penal, pois o crime, objecto da ameaça tem que ser “contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor”. Por outro lado, a conduta que integra o crime de ameaça tanto pode configurar uma acção como uma omissão.
Quanto ao anúncio desse mal, o mesmo não tem de ser dirigido ou proferido directamente à pessoa ameaçada, o essencial é que a ameaça chegue ao conhecimento da pessoa ameaçada, e o conhecimento pode chegar por qualquer meio, nomeadamente pelo relato de terceiro (neste sentido, Ac. Tribunal Relação Coimbra de 20/05/2015, disponível em www.dgsi.pt).
É ainda indiferente a forma que revista a acção que constitui a ameaça, podendo a mesma ser oral, escrita ou gestual. Ora, conforme refere o Conselheiro Maia Gonçalves (in“Código Penal Português – Anotado e Comentado”, 10ª Edição, 1996, pág. 527), “o que se exige para preenchimento do tipo é que a acção reúna certas características, não sendo necessário que em concreto chegue a provocar o medo ou a inquietação. Por exemplo: preenche o tipo o indivíduo que ameaça outro com uma arma, embora este último esteja no interior de uma casa perfeitamente defendido da acção, pois tal acção é normalmente adequada quer do ponto de vista do agente quer do que é geralmente reconhecido.
As ameaças levadas a cabo por tais meios, quando não forem subsumíveis a incriminação mais gravosa (v.g. tentativa de homicídio) de modo a ficarem consumidas por tal incriminação, serão subsumíveis à previsão deste artigo.
Não é necessário que as ameaças causem medo ou inquietação ao visado, mas apenas que sejam meio adequado a provocar medo ou receio ou a prejudicar a liberdade de determinação do visado. Exige-se apenas que a ameaça seja susceptível de afectar, de lesar a paz individual ou a liberdade de determinação, não sendo necessário que, em concreto, se tenha provocado medo ou inquietação, isto é, que tenha ficado afectada a liberdade de determinação do ameaçado. Deixou, assim, o crime de ameaça, após a Revisão de 1995, de ser um crime de resultado e de dano, passando a crime de mera acção e de perigo (cfr. Américo Taipa de Carvalho “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo I, pág. 348).
O critério da adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação, ou de modo a prejudicar a liberdade de determinação é objectivo-individual: objectivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do “homem-comum”); individual, no sentido de que devem relevar as características psíquico-mentais da pessoa ameaçada. A ameaça adequada é, assim, a que, de acordo com a experiência comum, é susceptível de ser tomada a sério pelo ameaçado.
Não se exige, hoje, a ocorrência do dano (efectiva perturbação da liberdade do ameaçado), mas também não basta a simples ameaça da prática do crime, exigindo-se, ainda, que esta ameaça seja, na situação concreta, adequada a provocar medo ou inquietação. Estamos perante um crime de perigo concreto (neste sentido, vide, entre outros, Ac. Relação de Évora, de 24/04/2001, CJ, 2001, T. 2, pág. 270; Ac. Relação de Coimbra, de 16/03/2000, CJ, 2000, T. 2, pag. 45; e Ac. Relação Lisboa, de 09/02/2000, T. 1, pág. 149).
No que se refere ao tipo subjectivo de ilícito o crime de ameaça exige o dolo, manifestando-se este na consciência da adequação da ameaça a provocar medo ou intranquilidade no ameaçado.
Vem também o arguido acusado da prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 2º, nº 5, alínea g), 3º, nº 2, alínea g) e 86º, nº 1, alínea d) do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, aprovado pela Lei nº 5/2006, de 23/02.
Dispõe a alínea d) do n.º 1 do art.º 86º que, “Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, exportar, importar, transferir, guardar, reparar, desativar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou transferência, usar ou trouxer consigo: (…)
d) Arma branca dissimulada sob a forma de outro objeto, faca de abertura automática ou ponta e mola, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, cardsharp ou cartão com lâmina dissimulada, estrela de lançar ou equiparada, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, as armas brancas constantes na alínea ab) do n.º 2 do artigo 3.º, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 do artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão elétrico, armas elétricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, artigos de pirotecnia, exceto os fogos-de-artifício das categorias F1, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de julho, e bem assim as munições de armas de fogo constantes nas alíneas q) e r) do n.º 2 do artigo 3.º, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias;”.
O artº 2º, nº 1, alínea m) da mencionada lei dá-nos a definição de «Arma Branca» todo o objeto ou instrumento portátil dotado de uma lâmina ou outra superfície cortante, perfurante ou corto-contundente, de comprimento superior a 10 cm, as facas borboleta, as facas de abertura automática ou de ponta e mola, as facas de arremesso, as estrelas de lançar ou equiparadas, os cardsharp ou cartões com lâmina dissimulada, os estiletes e todos os objetos destinados a lançar lâminas, flechas ou virotões”, referindo o artº 3, nº 2, alíneas f) e g) que “2 - São armas, munições e acessórios da classe A: f) As armas brancas sem afetação ao exercício de quaisquer práticas venatórias, comerciais, agrícolas, industriais, florestais, domésticas ou desportivas, ou que pelo seu valor histórico ou artístico não sejam objeto de coleção; g) Quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão (…).
Preceitua o art. 3º, nº 1 da Lei 5/2006 que “As armas e munições são classificadas nas classes A, B, B1, C, D, E, F e G, de acordo com o grau de perigosidade, o fim a que se destinam e a sua utilização”.
O artº 2º do mesmo Diploma legal aclara no n.º 5 outras definições como a que se transcreve com especial relevo para o caso dos autos: “g) «Detenção de arma», o facto de ter em seu poder ou disponível para uso imediato pelo seu detentor”.
Estamos perante um crime de perigo comum e abstracto, não lesando, assim, de forma directa e imediata qualquer bem jurídico, apenas implicando a probabilidade de um dano contra um objecto indeterminado, dano esse que a verificar-se será não raras vezes gravíssimo.
Com este tipo legal o legislador pretendeu evitar toda a actividade idónea a perturbar a convivência social pacífica e garantir através da punição destes comportamentos potencialmente perigosos, a defesa da ordem e segurança públicas contra o cometimento de crimes, em particular contra a vida e integridade física.
Procedendo agora à analise da matéria dada como provada nos presentes autos, ficou demonstrado que no dia 21/04/2023, o arguido AA cumpria pena no Estabelecimento Prisional de Coimbra. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, pelas 10 horas, no interior de sala de formação aí existente, o arguido tinha na sua posse um objeto perfurante, que construiu, com as seguintes características: instrumento artesanal e de construção manual com 21,5 centímetros de comprimento, vulgarmente conhecido na gíria da população prisional como “chino”, construído a partir de um pedaço de madeira com cerca de 16 centímetros de comprimento e 1,5 centímetros de espessura, no qual foi feito um entalhe e encaixado um pedaço de osso animal previamente aguçado. Tal objeto não tem aplicação definida, tendo como único intuito a sua utilização como arma de agressão, não tendo o arguido justificado a sua posse.
Ao ser surpreendido na posse daquela arma pelo formador BB, que lha retirou e guardou, o arguido, gritando, disse-lhe: “se eu apanhar algum castigo à sua pala, você nem sabe do que lhe sou capaz de fazer. Eu mato-o, mas é que o mato mesmo. Eu venho aqui à sala e mato-o. Não se esqueça que eu o mato mesmo”.
Mais se provou que o arguido conhecia as características do objeto perfurante que detinha e que construiu, bem sabendo que a mesma era suscetível de ser usado como arma de agressão e que a sua posse lhe estava vedada. Ao proferir as expressões descritas, o arguido agiu com o propósito de, com o anúncio daquele mal, direta e necessariamente, provocar medo a BB, bem sabendo que para tal aquelas eram idóneas.
Mais resulta que, em face das noções supra mencionadas, a objecto que o arguido detinha, instrumento construído exclusivamente para agressão, é arma da classe A.
No que se reporta ao crime de ameaça, verificamos que a expressão dirigida pelo arguido ao ofendido, é apta a preencher o tipo legal do crime de ameaça, porque apta a provocar naquela receio e temor. Com efeito ao mencionar que “se eu apanhar algum castigo à sua pala, você nem sabe do que lhe sou capaz de fazer. Eu mato-o, mas é que o mato mesmo. Eu venho aqui à sala e mato-o. Não se esqueça que eu o mato mesmo”, quer com estas expressões significar que o matava.
Cumpre, então, analisar se, quanto à expressão proferida, in casu se verifica a agravação do tipo legal do crime de ameaça prevista no artº 155º, nº 1, alíneas a) e c) do Cód. Penal e também constante da acusação deduzida.
O artº 155º, nº 1, alíneas a) e c) do Cód. Penal, estabelece que a conduta é agravada, quando ocorram as seguintes circunstâncias: “quando os factos previstos nos artigos 153º a 154º-C forem realizados: a) por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos; (…) c) contra uma das pessoas referidas na alínea l) do nº 2 do artigo 132º, no exercício das suas funções ou por causa delas; (…) o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, nos casos dos artigos 153º e 154º-C, com pena de prisão de 1 a 5 anos, nos casos do nº 1 do artigo 154º e do artigo 154º-A (…)”.
A alínea l) do art.º 132º do Cód. Penal estipula que é susceptível de revelar a especial censurabilidade e perversidade a circunstância de o agente “praticar o facto contra membro de órgão de soberania, do Conselho de Estado, Representante da República, magistrado, membro de órgão do governo próprio das regiões autónomas, Provedor de Justiça, governador civil, membro de órgão das autarquias locais ou de serviço ou organismo que exerça autoridade pública, comandante de força pública, jurado, testemunha, advogado, solicitador, agente de execução, administrador judicial, todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos, agente das forças ou serviços de segurança, funcionário público, civil ou militar, agente de força pública ou cidadão encarregado de serviço público, docente, examinador ou membro de comunidade escolar, ou ministro de culto religioso, jornalista, juiz ou árbitro desportivo sob a jurisdição das federações desportivas, no exercício das suas funções ou por causa delas”.
Perante a matéria dada como provada, verificamos que a conduta do arguido preenche a agravação do tipo legal de crime em análise, pois aquele ao proferir as expressões supra mencionadas, está a anunciar que a mata e proferiu tais expressões ciente que o ofendido era formador no estabelecimento prisional e por causa do desempenho dessas funções, integrando o crime na forma agravada.
Incorre, assim, o arguido, na prática de um crime de ameaça agravado, p. e p. pelos artºs 153º, nº 1 e 155º, nº 1, alíneas a) e c), ambos do Cód. Penal e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 2º, nº 5, alínea g), 3º, nº 2, alínea g) e 86º, nº 1, alínea d) do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, aprovado pela Lei nº 5/2006, de 23/02.
*
VI - Determinação da pena concreta aplicável
Para determinação da medida da pena aplicável no caso concreto impõe-se, em primeiro lugar, considerar a moldura penal prevista pelo tipo legal respectivo. O crime de ameaça agravada, p. e p. pelo artº 155º, nº 1, alíneas a) e c), do Cód. Penal, é punível com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias e o crime de detenção de arma proibida, previsto pelo artº 86º, nº 1, alínea d) da Lei nº 5/2006, de 23/02, é punível com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.
O arguido encontra-se acusado da prática destes crimes como reincidente, pelo que a demonstrarem-se os requisitos da reincidência, nos termos do artº 76º do mesmo Cód. Penal o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado, sendo que a agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores.
Assim, a moldura penal a considerar em caso de reincidência será de 1 (um) mês e 10 (dez) dias de prisão a 2 anos de prisão ou pena de multa de 13 (treze) a 240 (duzentos e quarenta) dias, quanto ao crime de ameaça agravada e de 1 (um) mês de 10 (dez) dias de prisão a 4 (quatro) anos de prisão ou pena de multa de 13 (treze) a 480 (quatrocentos e oitenta) dias, quanto ao crime de detenção de arma proibida.
Uma vez fixada a moldura penal que cabe em abstracto ao caso, temos que encontrar a pena que concretamente caberá à conduta do arguido.
A determinação da pena em sentido estrito tem como princípios regulativos essenciais a culpa e a prevenção, conforme o preceituado no art.º 71º, n.º 1 do Código Penal, sendo que o modo como estes princípios regulativos irão influir no processo de determinação do quantum da pena é determinado pelo programa político-criminal em matéria dos fins das penas, que, resumidamente, se reconduz a dois postulados ou pressupostos: o de que as finalidades de aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e na reintegração do agente na comunidade, e o de que toda a pena há-de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta cuja medida não poderá em caso algum ultrapassar (art.º 40º, nºs 1 e 2 do Código Penal).
As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa. A culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas.
Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena. Esta deve, em toda a sua extensão, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade.
Como factores concretos da medida da pena, deverão ser levadas em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (princípio da proibição da dupla valoração), deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente os factores elencados no art.º 71º, n.º 2 do Código Penal.
Consideramos, em primeiro lugar, os factores que relacionam com a execução do facto e que abrangem o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência e ainda os sentimentos manifestados na preparação do crime e os fins e motivos que o determinaram (art.º 71º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do Cód. Penal).
Em segundo lugar, há que considerar os factores relativos à personalidade do agente, como sejam as suas condições pessoais e económicas, a sensibilidade à pena e susceptibilidade de ser por ela influenciado ou as qualidades da personalidade manifestadas no facto (alíneas d) e f) do n.º 2 do art.º 71º citado).
Por último, o art.º 72º, n.º 2, alínea e) põe em relevo os factores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime.
Em matéria de escolha da pena, rege o princípio geral da preferência pela pena alternativa não privativa da liberdade, a qual deverá ser aplicada sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, se revele adequada e suficiente á realização das finalidades da punição, de acordo com o disposto no art.º 70º do Código Penal.
Assim, desde que imposta ou aconselhada, face às exigências de prevenção especial de socialização, só não será de aplicar a pena alternativa não detentiva se a pena de prisão se mostrar indispensável para que não seja irremediavelmente posta em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.
No caso concreto a pena de multa não satisfaz de forma suficiente e adequada as finalidades da punição, designadamente as exigências de reprovação e prevenção do crime, estando, pois, indicada uma pena de prisão. Com efeito, como decorre dos factos assentes, o arguido já tem antecedentes criminais pela prática de diversos tipos legais de crime, num total de 10 condenações, com uma condenação pela prática de um crime de detenção de arma proibida em pena de prisão efectiva, persistindo com a prática deste crime, mesmo após já sido condenado em pena de prisão efectiva.
No que se refere à medida concreta da pena, esta é fixada de acordo com os critérios gerais do art.º 71º do Cód. Penal, com base nas seguintes directivas já enunciadas: o princípio da culpa que funciona como limite máximo da pena, as exigências de prevenção geral positiva ou de integração que funcionam como limite mínimo da pena e as exigências de prevenção especial de ressocialização que, dentro dos limites máximos e mínimos referidos, actua, determinando, em último termo, a medida da pena.
Ora, no caso concreto verifica-se que levando em conta a intensidade do dolo, no que se refere quer ao tipo-de-ilícito, quer ao tipo-de-culpa, tal intensidade é elevada, pois o arguido agiu com dolo directo.
No que diz respeito à ilicitude dos factos esta é também elevada, por referência ao bem jurídico violado e às consequências emergentes da conduta ilícita, pois estamos perante uma conduta que se traduz numa ofensa à liberdade de decisão e de acção e uma conduta adequada a perturbar a convivência social pacífica, traduzindo-se num comportamento potencialmente perigoso, em particular contra a vida e integridade física.
As exigências de prevenção geral positiva são de um nível bastante elevado, tendo em conta a necessidade de desincentivar eficazmente a comissão de crimes dos tipos daqueles que nos autos estão em consideração.
As exigências de prevenção especial são muito elevadas, pois do CRC junto aos autos constata-se que a arguido tem diversas condenações pela prática de diversos tipos legais de crime, tendo uma condenação pela prática de um crime de detenção de arma proibida em pena de prisão efectiva, demonstrando uma personalidade desconforme ao direito, sendo que as anteriores condenações, algumas das quais em pena de prisão efectiva não o demoveram da prática de crimes em geral e destes em particular.
Vem o arguido acusado da prática destes crimes como reincidente.
Dispõe o artº 75º, nº 1 do Cód. Penal, que “é punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime”, estabelecendo o artº 76º do mesmo Diploma que, em caso de reincidência, o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado, sendo que a agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores.
São, assim, pressupostos da reincidência os seguintes:
a) Formais: o cometimento de um crime doloso que deva ser punido com prisão efetiva superior a seis meses; a condenação anterior, com trânsito em julgado, de um crime doloso, em pena de prisão superior a seis meses e o não decurso de mais de 5 anos entre o crime anterior e a prática do novo crime.
b) Material: que se mostre que, segundo as circunstâncias do caso, a condenação ou condenações anteriores não serviram ao agente de suficiente advertência contra o crime.
O preenchimento do pressuposto material tem de assentar em factos concretos, não bastando a mera menção ao certificado de registo criminal. Torna-se necessário explicitar, designadamente da motivação para a prática dos factos, de ausência voluntária de hábitos de trabalho e sobre a personalidade do arguido, que permitam concluir que entre os crimes pelos quais cumpriu prisão e o crime em apreciação, existe uma íntima conexão, nomeadamente a nível de motivos e forma de execução, relevantes do ponto de vista da censura e da culpa, que permita concluir que a reiteração radica na personalidade do arguido, onde se enraizou um hábito de praticar crimes, e a quem a anterior condenação em prisão efetiva não serviu de suficiente advertência contra o crime, e não um simples multiocasional na prática de crimes em que intervêm causas fortuitas ou exógenas (cfr. Ac. Tribunal Relação de Coimbra de 30/05/2012, in www.dgsi.pt).
No caso dos autos, o pressuposto material da reincidência encontra-se alegado tendo por referência as condenações constantes do CRC do arguido e foi dado como provado que o arguido, para além de noutros processos, o arguido foi condenado nos seguintes processos em penas de prisão efetiva superior a 6 meses: no processo 1519/11...., do Juízo de Média Instância Criminal de Sintra, por sentença de 09/04/2014, transitada em julgado em 19/05/2014, pela prática, em 29/09/2011, de um crime de furto qualificado, na pena de 1 ano de prisão; no processo 345/15...., do Juízo Local Criminal de Alenquer, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, por sentença de cúmulo jurídico de penas de 13/12/2018, transitada em julgado em 11/02/2019, pela prática, em 31/08/2013, de um crime de detenção de arma proibida, e pela prática, em 30/05/2015, de um crime de dano qualificado, na pena única de 1 ano e 8 meses; no processo de Cúmulo Jurídico 2850/14...., do Juízo Central Criminal de Sintra do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, por acórdão de 21/04/2015, transitado em julgado em 22/05/2015, cumulando as penas aplicadas nos processos 1029/11.... e 1519/11...., pela prática de um crime de roubo qualificado em 29/09/2011, dois crimes de roubo qualificado em 03/10/2011, dois crimes de roubo qualificado em 04/10/2011, seis crimes de roubo qualificado em 05/10/2011, três crimes de roubo em 06/10/2011, dois crimes de roubo qualificado em 14/10/2011, um crime de roubo e um crime de roubo tentado em 26/10/2011, um crime de furto simples e um crime de furto qualificado em 27/10/2011, um crime de roubo qualificado em 27/10/2011, um crime de furto qualificado em 13/11/2011, na pena única de 16 anos de prisão.
Em cumprimento das penas de prisão em que foi condenado, o arguido esteve preso nos seguintes períodos: entre 19/11/2011 até 04/07/2014, à ordem do Processo 1029/11....; entre 04/07/2014 e 23/12/2015, à ordem do Processo 843/01....; entre 23/12/2015 e 09/06/2023, à ordem do Processo 2850/14.... e desde 09/06/2023 até ao presente, à ordem do Processo 345/15.....
Também o pressuposto material foi alegado e dado como provado, pois não obstante as condenações supra-referidas, e estar ainda a cumprir pena de prisão, à data da prática dos factos acima descritos, o arguido não tinha interiorizado a advertência contida naquelas condenações, reincidindo na prática de ilícitos.
Pelo exposto, será o arguido condenado como reincidente, dado que a pena concreta a aplicar será sempre de prisão efectiva e superior a seis meses.
Assim, nos termos do art.º 71º do Cód. Penal, aplica-se ao arguido uma pena de 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de ameaça agravado e 1 (um) ano de prisão pela prática do crime de detenção de arma proibida.
Ora, tendo o arguido praticado dois crimes importa fazer referência ao concurso de crimes. Para determinar a medida da pena que caberá ao concurso, em primeiro lugar, o tribunal tem de determinar a pena que concretamente caberia a cada um dos crimes do concurso, como se de crimes singulares se tratasse para tanto seguindo o procedimento normal de determinação da pena. No presente caso encontramos, então, uma pena de 6 (seis) meses de prisão e uma pena de 12 (doze) meses de prisão para cada um dos crimes que o arguido praticou.
A moldura penal do concurso terá como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (art.º 77º, n.º 2 do Cód. Penal). Desde logo, porém, tem limites absolutos, pois o máximo da moldura penal do concurso não poderá ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa. Quanto ao limite mínimo, também se encontra estabelecido no n.º 2 do mesmo art.º 77º, e considera-se a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
No presente caso, aplicando este critério, encontramos uma moldura penal situada entre os 12 (doze) e os 18 (dezoito) meses de prisão, pelos crimes ameaça agravada e detenção de arma proibida.
Estabelecida a moldura penal do concurso importa determinar, dentro dos limites daquela, a medida da pena conjunta do concurso, que se encontrará em função das exigências gerais de culpa e de prevenção. Neste caso, a lei fornece ao tribunal, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art.º 71º, n.º 1, um critério especial estabelecido no n.º 1 do art.º 77º que estabelece que na determinação concreta da pena referente ao concurso serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Assim, afigura-se-nos adequado e proporcional aplicar ao arguido uma pena de 15 (quinze) meses de prisão, resultante do concurso dos crimes de ameaça agravada e detenção de arma proibida.
O artº 50º do Código Penal dispõe que o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 (cinco) anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias dele, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sendo que o período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão.
No caso concreto, tendo em atenção que o arguido já tem um elevado número de condenações (10), entre eles, por crimes de idêntica natureza ao que está em consideração nos autos, demonstrando uma personalidade desvaliosa e indiferente às anteriores condenações que lhe foram aplicadas, incluindo as penas de prisão efectiva, persistindo com este tipo de conduta, consideramos que a suspensão da pena não se mostra adequada no caso concreto, dado que não é possível efectuar um juízo de prognose favorável no sentido de que a aplicação desse instituto surtisse o efeito desejado, nomeadamente dissuadindo o arguido da prática de futuros crimes.
Por todo o exposto, afigura-se-nos adequado e proporcional aplicar ao arguido AA a pena única de 15 (quinze) meses de prisão, pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artºs 153º, nº 1 e 155º, nºs 1, alíneas a) e c), ambos do Código Penal e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 2º, nº 5, alínea g), 3º, nº 2, alínea g) e 86º, nº 1, alínea d) do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, aprovado pela Lei nº 5/2006, de 23/02.
*
Dispõe o art° 109° n° 1 do Código Penal que “são declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem o sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos”.
No caso dos autos, a arma apreendida e descrita nos factos provados, pela sua natureza, oferece o risco de ser utilizada para a prática de factos ilícitos típicos, motivo pelo qual se declara perdida a favor do Estado.».
3. - APRECIAÇÃO DO RECURSO
3.1- - Os pontos 2, 3, 4, 5 e 6 da factualidade provada foram incorretamente julgados?
O arguido, ora recorrente, não se conforma com a matéria de facto dada como provada, decorrendo de forma clara da alegação recursiva que pretende impugnar a mesma.
A impugnação da decisão da matéria de facto em sede de recurso pode processar-se por uma de duas vias: mediante a arguição de vício de texto prevista no artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal – dispositivo que consagra uma forma de reexame da matéria de facto mais restrita, comummente designada de revista alargada – ou através de recurso amplo ou efetivo da matéria de facto, previsto no artigo 412º, n.ºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma, a denominada a impugnação ampla da decisão da matéria de facto.
Na primeira hipótese, a discordância do recorrente traduz-se na invocação de vício(s) da decisão recorrida contemplado(s) no artigo 410º, n.º 2, e este recurso é considerado como sendo ainda em matéria de direito; optando pela segunda hipótese, o recorrente terá de socorrer-se de provas contidas nos autos e examinadas em audiência, que deverá especificar nos moldes prescritos no artigo 412º, n.ºs 3 e 4.
Concretizando melhor:
Estatui o artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal que «[m]esmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso à matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida por si ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova.»
Os elencados vícios constituem defeitos estruturais e intrínsecos da decisão, razão pela qual a lei exige que a sua demonstração resulte patenteada pelo respetivo texto, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, estando, por isso, excluída a possibilidade de consideração de outros elementos extrínsecos ou exógenos, ainda que constem do processo, emergentes de prova constituída ou advinda do próprio julgamento[3].
No âmbito da análise dos vícios decisórios, contrariamente ao que sucede com a impugnação ampla da matéria de facto, o tribunal de recurso não aprecia a matéria de facto – no sentido da reapreciação da prova –, limitando a sua atuação, num exercício de exegese hermenêutica, à deteção dos vícios que a decisão recorrida evidencia e, não sendo possível saná-los, determina a remessa do processo para novo julgamento, em consonância com o preceituado no artigo 426º do Código de Processo Penal.
A matéria de facto que padeça dos sobreditos vícios está «(…) ostensivamente divorciada da realidade das coisas, quer por ser insuficiente, quer por ser contraditória, quer por erroneamente apreciada»[4], razão pela qual, ainda que não sejam invocados, são de conhecimento oficioso – cfr. acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95[5].
Por seu turno, dispõe o artigo 412º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal: “3 - Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas. 4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”
Trata-se de mecanismo adequado a tentar reverter o erro de julgamento e obter a modificação da decisão sobre a matéria de facto nos termos consentidos pelo artigo 431º, al. b), do Código de Processo Penal. É a denominada impugnação ampla, visando uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente aos concretos “pontos de facto” que o recorrente considera incorretamente julgados, através da (re)avaliação das provas que, em seu entender, imponham decisão diversa da recorrida.
O recurso interposto com esse desiderato poderá ter como fundamento:
- A atribuição, pelo tribunal recorrido, aos meios de prova convocados como suporte da decisão, de conteúdo diverso daquele que efetivamente têm ou daquele que foi realmente produzido em audiência; ou
- A violação de critérios legais de valoração e apreciação da prova (incorporada nos autos ou produzida oralmente em audiência): pela valoração de meios de prova ilegais ou nulos; pela violação de critérios de apreciação da prova vinculada (vg. prova documental e pericial); pela violação de princípios gerais de apreciação da prova, designadamente o princípio da livre apreciação previsto no artigo 127º do Código de Processo Penal e o princípio in dubio pro reo[6].
Contudo, cumpre sublinhar que, como vem reiteradamente assinalando a doutrina[7] e a jurisprudência[8], nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento sobre a matéria impugnada, antes constituindo um mero remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo que o recorrente deverá expressamente indicar.
Por isso, recai sobre o recorrente o ónus de proceder a uma tríplice especificação conforme estipulado no artigo 412º, n.º 3, do Código de Processo Penal: os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados [al. a)]; as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida [al. b)]; as provas que devem ser renovadas [al. c)].
A especificação dos “concretos pontos de facto” traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam na sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados.
Por seu turno, a especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas “provas” impõem decisão diversa da recorrida. Exige-se, pois, que o recorrente refira o que é que nesses meios de prova não sustenta o facto dado por provado ou como não provado, de forma a relacionar o seu conteúdo específico, que impõe decisão diversa da recorrida, com o facto individualizado que se considera incorretamente julgado[9].
Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430º do mesmo diploma).
Havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na ata, devendo aquele indicar concretamente as passagens [das gravações] em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes, em consonância com o estabelecido nos nºs 4 e 6 do artigo 412º do Código de Processo Penal. Na ausência de consignação na ata do início e termo das declarações, bastará, de acordo com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão n.º 3/2012[10], «a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas pelo recorrente».
Volvendo ao caso dos autos, lida a motivação do recurso e as conclusões desta extraídas, conquanto o recorrente comece por aludir ao «erro notório na apreciação da matéria de facto», constata-se que o mesmo não pretende convocar o vício decisório de erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal, por reporte ao texto da sentença, mas, antes, ao erro de julgamento quanto aos pontos 2, 3, 4, 5 e 6 da factualidade provada, com fundamento na incorreta valoração dos meios de prova que indica, pelas razões que aduz, o que nos remete para a impugnação ampla da matéria de facto, nos termos delineados no artigo 412º, n.ºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma.
O recorrente indicou os concretos pontos da matéria de facto sobre os quais julga ter existido erro de julgamento e mencionou as concretas provas que, no seu entender, impõem decisão diversa da recorrida, procedendo para o efeito à indicação das concretas passagens – que transcreveu – das suas declarações e do depoimento da testemunha BB, explicitando o seu raciocínio, observando, assim, o antedito ónus de especificação.
Convém, porém, ter presente que na tarefa de reapreciação da prova pelo tribunal de recurso intrometem-se necessariamente fatores como a ausência de imediação e da oralidade – dado que o “contacto” com as provas se circunscreve ao que consta das gravações –, sendo que, como é sobejamente sabido, a imediação e a oralidade constituem princípios estruturantes do direito processual penal português. Por isso, há que dar a devida relevância à perceção que a oralidade e a imediação conferem ao julgador do tribunal a quo. Como decorrência, quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se baseia na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só pode censurá-la se resultar demonstrado que tal opção é de todo em todo inadmissível face às regras da lógica e da experiência comum.
Outrossim, importa sinalizar que o tribunal de segunda instância só poderá alterar o decidido pela primeira instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem, ou seja, se resultar demonstrada à saciedade a imperatividade da modificação do decidido.
Em suma, o tribunal de recurso só pode (e deve) alterar aquela decisão se da análise que faz das provas documentadas indicadas pelo recorrente, em concatenação com as regras da experiência comum e da lógica, concluir que o juízo probatório levado a cabo pelo tribunal a quo é, à luz daqueles elementos, insustentável, indefensável (porque decidiu claramente sem prova ou em indiscutível contradição com as preditas regras), revelando-se, por isso, imperioso decidir de forma distinta. Mas, se o tribunal de recurso se convencer que os concretos elementos de prova indicados pelo recorrente permitem ou consentem uma decisão diferente, mas que não a “tornam necessária” ou racionalmente “obrigatória”, então deve manter a decisão da primeira instância tal como está[11].
Retornando ao caso dos autos, analisemos se assiste razão ao recorrente.
Consigna-se que, para melhor perceção dos argumentos aduzidos pelo recorrente e dos fundamentos da motivação do tribunal a quo no que respeita à sua convicção, procedemos à audição integral das declarações prestadas em audiência de julgamento pelo arguido e pela testemunha BB [gravações disponíveis no sistema informático citius – media studio], pois só assim se consegue perceber o contexto em que se inserem os excertos indicados e transcritos pelo recorrente e se existem outros que os contrariem ou, até, infirmem, consabido que é que os relatos raramente são unívocos desde o início até ao fim.
Posto isto, vejamos:
O recorrente insurge-se, desde logo, contra o facto dado como provado sob o ponto 2, com o seguinte teor: «2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, pelas 10 horas, no interior de sala de formação aí existente, o arguido tinha na sua posse um objeto perfurante, que construiu, com as seguintes características: instrumento artesanal e de construção manual com 21,5 centímetros de comprimento, vulgarmente conhecido na gíria da população prisional como “chino”, construído a partir de um pedaço de madeira com cerca de 16 centímetros de comprimento e 1,5 centímetros de espessura, no qual foi feito um entalhe e encaixado um pedaço de osso animal previamente aguçado.»
Sustenta o recorrente, em síntese, que resulta dos excertos que transcreveu, quer das suas declarações, quer do depoimento prestado pela única testemunha presente, BB, que foram “apreendidos” dois objetos, e não um objeto perfurante, com 21,5 centímetros de comprimento, vulgarmente conhecido na gíria da população prisional como “chino”, que não tinha em sua posse um artefacto finalizado com as características descritas naquele ponto 2 dos factos provados, mas sim dois objetos, nomeadamente, um pedaço de madeira e um pedaço de osso, pelo deverá o referido facto ser alterado passando a constar que: 2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, pelas 10 horas, no interior de sala de formação aí existente, o arguido tinha na sua posse um osso de animal e um pedaço de madeira, no qual foi feito um entalhe apto a ser encaixado um pedaço de osso animal previamente aguçado.
Apreciando, dir-se-á que da concatenação da globalidade das declarações prestadas pelo recorrente e do depoimento prestado pela testemunha BB com a prova documental constante dos autos conclui-se que assiste razão ao primeiro.
Efetivamente, a testemunha e o recorrente convergem quanto ao facto de a primeira ter intercetado o segundo quando este efetuava, no torno, um entalhe num pedaço de madeira com o objetivo de nele encaixar um osso pontiagudo, previamente aguçado, que tinha na mão, o que resulta igualmente do auto de notícia/participação de fls. 7 dos autos.
É inquestionável que se tratava, então, de duas peças separadas. E a tal conclusão não obsta o teor do relatório de exame de fls. 42, efetuado pela PSP, quando refere que «Foi presente a exame um instrumento artesanal e de construção manual (Foto 1), apreendido no Estabelecimento Prisional de Coimbra, vulgarmente conhecido na gíria da população prisional, como "chino", construído a partir de um pedaço de madeira com cerca de 16 cm de comprimento e cerca de 1,5 cm de espessura, no qual foi feito um entalhe e encaixado um pedaço de osso animal previamente aguçado, de forma a tornar este objeto com cerca de 21,5 cm de comprimento total, num objeto perfurante», e do qual constam duas fotografias do objeto com as duas sobreditas peças encaixadas, a primeira da vista geral e a segunda da ponta perfurante.
Com efeito, as duas peças terão sido unidas numa só para verificar se o osso aguçado encaixava no entalhe que o recorrente estava a fazer com vista a construir uma espécie de faca, tal como o próprio recorrente admitiu, tendo assim permanecido após e sido apresentado a exame.
Destarte, impõe-se a modificação da redação do ponto 2, a qual passará a ser a seguinte:
2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, pelas 10 horas, no interior de sala de formação aí existente, o arguido fez um entalhe um pedaço de madeira, com cerca de 16 centímetros de comprimento e 1,5 centímetros de espessura, apto para nele encaixar um pedaço de osso animal previamente aguçado, com aproximadamente 5,5 cm de comprimento, que tinha na sua posse.
O recorrente sustenta que também o ponto 3 da factualidade provada – «3. Tal objeto não tem aplicação definida, tendo como único intuito a sua utilização como arma de agressão, não tendo o arguido justificado a sua posse» – se encontra incorretamente julgado porquanto o depoimento da testemunha e as suas declarações, cujos excertos salienta, se mostram alinhados quanto à existência de tais objetos que, diferentemente do que se deu como provado, não constituirão uma arma, nem tinham, no estado em que se encontravam, a virtualidade de serem utilizados como tal, pelo que deve passar a ter a seguinte redação: “3. A posse de tais objetos teria como único intuito a sua utilização para preparar um utensílio com características de uma arma utilizada para intimidação”.
É evidente que há que coadunar o ponto n.º 3 com a alteração do ponto n.º 2, com o qual está interligado, quanto à existência de dois objetos que se encontravam separados, ainda que o recorrente pretendesse uni-los, como o próprio admitiu. Todavia, o que tem relevância para o objeto do processo é a natureza perfurante do osso que havia sido aguçado para o efeito e a sua aptidão para ser usado como instrumento de agressão, ainda que o seu manuseio se tornasse mais fácil e, eventualmente, mais eficaz quando encaixado no entalhe do pedaço de madeira.
Apesar de o recorrente reiteradamente referir que a sua intenção era apenas ameaçar [naturalmente, com a parte do osso aguçado] outros reclusos que já o haviam ameaçado, agredido e roubado, não é crível, em face das regras da experiência comum, que não o destinasse, essencialmente, a ser usado como instrumento de agressão, fosse em ação de defesa, de retaliação ou de outra natureza. Mas, ainda que apenas fosse para intimidação, sempre seria de considerar que a sua posse era injustificada porquanto não tinha um propósito lícito. Contudo, como se assinalou, ressuma das declarações do próprio recorrente na sua globalidade, e não apenas dos excertos que transcreveu no recurso, que, atentas as caraterísticas intrínsecas do osso aguçado e o contexto de vivencia prisional em que aquele o fez, o destinava a ser usado como meio de agressão.
Como decorrência, harmonizando o ponto 3 dos factos provados com o ponto 2, aquele passará a ter a seguinte redação: 3. Tais objetos não têm aplicação definida, tendo como único intuito a utilização do osso aguçado como arma de agressão, não tendo o arguido justificado a sua posse.
Mais à frente, sustenta o recorrente que deverá ser alterada a redação do facto constante do ponto 5 em conformidade, considerando o anteriormente exposto quanto aos factos 2 e 3, nomeadamente, no que tange à existência de dois objetos distintos, e não uma arma finalizada.
Tal ponto tem o seguinte teor: «5. O arguido conhecia as características do objeto perfurante que detinha e que construiu, bem sabendo que a mesma era suscetível de ser usado como arma de agressão e que a sua posse lhe estava vedada.»
Ora, na senda do que vimos explicando, a concretização de que se tratava de dois objetos que se encontravam separados, mas que se destinavam a ser unidos pelo recorrente, apenas foi determinada por uma questão de precisão factual em consonância com a prova produzida, sem qualquer repercussão prática porque o que releva para o apuramento da responsabilidade criminal do recorrente no que tange ao crime de detenção de arma proibida é o pedaço de osso aguçado, de natureza perfurante, e a sua aptidão para ser usado como arma de agressão, do que aquele, aliás, estava ciente como ressuma das suas declarações – “…estou bastante arrependido pelo facto cometido, de ter esse bocadinho de osso, …”. Assim, ainda que os pontos 2 e 3, com a redação que ora lhes foi dada, aludam a dois objetos, o ponto 5 dos factos provados, reportando-se ao “objeto perfurante”, mostra-se consonante com aqueles, referindo-se, precisamente, ao objeto criminalmente relevante – o osso aguçado – ali mencionado.
Assim, apenas há que proceder à correção do lapso de escrita detetado – em vez de “a mesma”, deveria ter-se escrito “o mesmo”.
A redação do ponto 5 passará, pois, a ser a seguinte: 5. O arguido conhecia as características do objeto perfurante que detinha e que construiu, bem sabendo que o mesmo era suscetível de ser usado como arma de agressão e que a sua posse lhe estava vedada.
Finalmente, considera o recorrente que houve erro de julgamento quanto à matéria de facto também quanto ao vertido nos pontos 4 e 6 dos factos provados, que têm o seguinte teor:
«4. Ao ser surpreendido na posse daquela arma pelo formador BB, que lha retirou e guardou, o arguido, gritando, disse-lhe: “se eu apanhar algum castigo à sua pala, você nem sabe do que lhe sou capaz de fazer. Eu mato-o, mas é que o mato mesmo. Eu venho aqui à sala e mato-o. Não se esqueça que eu o mato mesmo”.
6. Ao proferir as expressões descritas, o arguido agiu com o propósito de, com o anúncio daquele mal, direta e necessariamente, provocar medo a BB, bem sabendo que para tal aquelas eram idóneas.»
Com base nas suas declarações e no depoimento prestado pela testemunha BB, que transcreveu nos pontos 27 e 28, respetivamente, da motivação do recurso, o recorrente manifesta a sua perplexidade perante a circunstância de, considerando a constante presença de vários reclusos, formadores e guardas, durante os períodos em que decorrem as formações, não tenha sido possível indicar uma testemunha que tivesse ouvido as expressões proferidas, e afirma que não é crível que a testemunha BB lhe tenha conseguido retirar pacificamente os objetos, tendo oportunidade de os guardar no seu gabinete e, posteriormente regressado para junto dos formandos onde aquele se encontrava, para só nesse momento proferir as expressões ameaçadoras, pois, naquele contexto, de acordo com um “juízo de causalidade adequada”, reagiria de imediato, quer fosse para evitar que tais objetos lhe fossem retirados, quer fosse para proferir as ameaças que, alegadamente, proferiu.
Mais alega o recorrente que, conforme decorre do excerto do depoimento da testemunha BB transcrito no ponto 40 da motivação, quando este foi questionado se teve receio pela sua integridade física, referiu que sentiu receio, como sempre sente, apesar de o arguido nada ter demonstrado que justificasse esse receio e que, «a aceitar-se que o arguido ameaçou o ofendido nos termos dados como provados, ter-se à de aceitar também, que a própria testemunha não acreditou na possibilidade do perigo ou mal com que foi ameaçado se vir a materializar, face às suas expressivas declarações», que transcreveu do ponto 41 da motivação.
Conclui que os pontos 4 e 6 deveriam ser considerados não provados.
Não assiste, porém, razão ao recorrente, que apenas transcreveu os excertos das suas declarações e do depoimento da testemunha BB que eram favoráveis à sua tese. Contudo, ouvido na íntegra o depoimento de BB, constata-se que este relata, de forma objetiva, escorreita e coerente a dinâmica dos factos, revelando-se seguro quanto ao teor das expressões que o recorrente lhe dirigiu, que afirmou ter ouvido bem porque este falou alto, o que se mostra consonante com o facto de estar exaltado como a testemunha referiu e o próprio recorrente admitiu. Com efeito, nas declarações que prestou, o recorrente começou por referir “…o senhor BB, que era o formador, já andava a implicar comigo há algum tempo” e “… disse algo que não me agradou (…) fiquei indignado ao ouvir aquilo….”, só depois relatando a sua versão do sucedido. Considerando tal contexto, e em face da intervenção do BB, ao retirar ao arguido os objetos, privando-o dos mesmos, e atentas as previsíveis repercussões, designadamente, disciplinares, daí decorrentes, as expressões proferidas pelo recorrente e o propósito com que o fez exarados como provados surgem como perfeitamente verosímeis. E é isso, precisamente, que está plasmado nos pontos de facto em causa, nada se referindo sobre como o BB se sentiu em consequência de tais expressões.
Impõe-se, porém, harmonizar a redação do ponto 4 com o decidido quanto aos pontos de facto antecedentes e expurgá-lo do termo conclusivo “arma”, passando a ter a seguinte redação: 4. Ao ser surpreendido na posse daqueles objetos pelo formador BB, que lhos retirou e guardou, o arguido, gritando, disse-lhe: “se eu apanhar algum castigo à sua pala, você nem sabe do que lhe sou capaz de fazer. Eu mato-o, mas é que o mato mesmo. Eu venho aqui à sala e mato-o. Não se esqueça que eu o mato mesmo”.
A redação do ponto 6 permanece inalterada.
Procede, pois, parcialmente a impugnação da matéria de facto.
3.2 - O arguido/recorrente deve ser absolvido do crime de ameaça agravada e do crime de detenção de arma proibida?
Conquanto a alegação recursiva não seja muito clara, depreende-se da sua análise global, concatenada com o pedido formulado a final, que o recorrente entende que deve ser absolvido do crime de ameaça porque, na sua ótica, não deveriam ser considerados provados os factos descritos nos pontos 4 e 6 da factualidade provada.
Todavia, como decorre da análise da questão anterior, apesar da alteração da primeira parte do ponto 4, esta reporta-se apenas ao facto de o recorrente ter sido surpreendido na posse de dois objetos, em vez de um, que é inócua, mantendo-se, porém, o que era relevante – que aquele proferiu as expressões em causa no circunstancialismo que haviam sido dados como provados.
O recorrente não coloca em crise a subsunção jurídico penal de tais factos efetuada pelo tribunal a quo, tendo pugnado tão somente pela consideração dos mesmos como não provados e, consequentemente, pela absolvição do crime a que respeitavam.
Tendo soçobrado a pretensão do recorrente no que respeita àqueles factos, fica irremediavelmente prejudicada a visada absolvição do crime de ameaça.
Já no que concerne ao crime de detenção de arma proibida, o recorrente ancora a pretensão de absolvição do mesmo na modificação da matéria de facto provada no sentido que propugnou e na argumentação de que, atenta essa alteração, não se pode considerar que os objetos apreendidos consubstanciem arma proibida.
Concretizando melhor, alega o recorrente, em síntese, que os objetos apreendidos, no mesmo momento, mas com existências individuais, eram um osso e um bocado de madeira; que o artigo 3º n.º 2 al. g) do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, aprovado pela Lei nº5/2006, de 23/02, recorre à terminologia “construídos” e não em construção, resultando do artigo 86.º n.º 1 al. d), do citado diploma legal, as expressões “quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão (…) outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão”, pelo que é evidente que a verdadeira questão radicará no elemento diferenciador do instrumento já construído, daquele que está ainda em processo de construção e finalização; que à luz daquele diploma, não se permitirá classificar um bocado de madeira e um bocado de osso (ainda que o objetivo fosse a criação de um instrumento que pudesse ser utilizado como arma [de intimidação, como invoca]) como preenchendo o conceito legal de arma proibida e, nessa medida, não poderá ser punido pela posse daqueles objetos.
Ora, pese embora a pretensão do recorrente de mutação do teor dos pontos 2, 3 e 5 tenha tido parcial acolhimento, não é de molde a ter repercussão na subsunção jurídico penal efetuada neste âmbito.
Com efeito, o recorrente elabora o seu raciocínio sobre a premissa de que o pedaço de madeira e o osso aguçado apenas poderiam ser usados como arma de agressão se já estivessem acoplados um ao outro, mas como não estavam, embora fosse esse o seu objetivo, não formavam, ainda, um instrumento construído, mas antes em construção.
Todavia, assim não é, pois o que tem virtualidade de ser usado como meio de agressão, pela sua natureza perfurante e/ou cortante, é o osso pontiagudo, e não o pedaço de madeira no qual aquele iria encaixar, servindo como cabo. E aquele osso já havia sido aguçado, mostrando-se pronto a usar e a cumprir a função visada pelo recorrente.
Como assinala o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer «aquele osso, tendo por ele sido previamente aguçado, constituía em si mesmo, um instrumento construído exclusivamente com o fim de ser utilizado como arma de agressão, pois que foi por ação do arguido que uma simples peça anatómica animal se transformou num objeto capaz de, quando utilizado para esse fim, perfurar o corpo de outra pessoa, sendo o cabo de madeira apenas um acrescento que facilitaria a sua utilização, mas que a impedia caso não fosse aplicado, não lhe alterando as caraterísticas físicas ou funcionais.
Para melhor ilustrar a conclusão anterior, pensemos numa lâmina metálica pontiaguda que, embora se apresente normalmente encaixada num cabo de madeira, ninguém duvida que também pode ser utilizada para cortar ou espetar mesmo sem esse cabo, ainda que o seu manejo, dessa forma, possa ser mais difícil ou desconfortável – assim, quer se trate de um osso previamente aguçado, quer se trate de uma lâmina metálica pontiaguda, se construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, fazem incorrer o seu detentor no crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86º, 1, al. d), por referência ao art.º 3º, 2, al. g), ambos da Lei 5/2006, de 23 de fevereiro».
Ademais, como deflui da fundamentação de direito da sentença recorrida, nesta, apesar de se ter em perspetiva um único objeto, formado por duas partes – o pedaço de madeira e o pedaço de osso animal –, valorou-se a natureza «perfurante», que se reporta, obviamente, ao osso que tinha sido «previamente aguçado», bem como a circunstância de não ter aplicação definida, tendo sido construído com o único intuito de ser usado como arma de agressão.
Significa isto que, apesar da modificação da matéria de facto provada nos moldes supra determinados, permanece o facto essencial – a posse, pelo recorrente, de um pedaço de osso aguçado, construído com o único propósito de ser usado como arma de agressão – que integra a previsão de arma proibida, atenta a caraterização desta supra efetuada, mostrando-se preenchidos os elementos objetivo e subjetivo do crime de detenção de arma proibida.
Improcede, assim, a pretensão do recorrente de ser absolvido, quer do crime de ameaça agravada, quer do crime de detenção de arma proibida.
3.3 - As penas parcelares e a pena única são excessivas?
O recorrente insurge-se, ainda, contra a pena que lhe foi irrogada, peticionando que lhe seja aplicada «uma pena adequada, proporcional e mais justa», o que aponta para a pena única, «mais próxima dos limites mínimos legais», o que indicia que se refere às penas parcelares. Aliás, se atentarmos na motivação do recurso, constatamos que o recorrente alude aos critérios de determinação da medida concreta da pena, nomeadamente, os previstos no artigo 71º do Código Penal e às molduras [abstratas] mínimas dos crimes em causa [cfr., a título exemplificativo, os pontos 54 e 64], sem qualquer referência expressa à pena única e aos critérios de determinação desta contidos no artigo 77º do Código Penal.
Em face desta ambiguidade, terá que se entender que o recorrente discorda das penas parcelares e da pena única resultante do cúmulo jurídico daquelas.
Todavia, a doutrina mais representativa e a jurisprudência, incluindo do Supremo Tribunal de Justiça[12], têm sufragado o entendimento de que a sindicabilidade da medida da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respetivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos fatores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada».[13]
Assim, o tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, «apenas quando detetar incorreções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na deteção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exato da pena que, decorrendo duma correta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada.»[14]
Ora, no caso em apreço, o tribunal a quo explanou na sentença, de forma minuciosa e assertiva, os critérios legais que presidem às operações de escolha e determinação da medida concreta das penas parcelares, tendo em conta os pressupostos da reincidência, e da pena única, atenta a situação de concurso efetivo de crimes, tudo analisando em função da factualidade provada nos autos.
O recorrente não coloca em causa os critérios adotados pelo tribunal a quo, não se insurge quanto à sua condenação como reincidente, apenas discordando da valoração efetuada no que concerne às exigências de prevenção geral, alegando a falta de indicação do grau de culpa com que atuou e de outras circunstâncias fácticas, que não concretiza, divergindo da dosimetria das penas aplicadas por cada um dos crimes e da pena única.
Contudo, o recorrente apenas concretiza os motivos da sua discordância quanto àquele primeiro parâmetro, alegando que não se «pode considerar que as exigências de prevenção geral são muito elevadas considerando o sentimento comunitário de afetação de valores no caso em apreço (incidentes desta natureza ocorridos em meio prisional), cuja gravidade, para todos os efeitos, e face a este tipo de crime, não é das mais elevadas», ao contrário do entendido pelo tribunal a quo, que as considerou de «nível bastante elevado, tendo em conta a necessidade de desincentivar eficazmente a comissão de crimes dos tipos daqueles que nos autos estão em consideração». Afigura-se-nos, porém, que não assiste razão ao recorrente, na medida em que a sua análise é parcial, tendo em perspetiva tão somente o meio restrito [prisional] em que ocorreram os ilícitos. Mas, ainda que apenas tal fosse de considerar, sempre seriam de considerar elevadas as exigências de prevenção geral, atenta a necessidade de reafirmar a validade das normas jurídicas violadas.
No que concerne ao grau de culpa, o recorrente apenas refere que o tribunal a quo não o determinou, o que não corresponde à verdade porquanto foi expressamente considerado – e bem, refira-se – de intensidade elevada, pois aquele agiu com dolo direto.
O recorrente alega, outrossim, que não foram referidas pelo tribunal a quo «as concretas circunstâncias fácticas que justificam a aplicação de dosimetria no quíntuplo da moldura mínima, quanto ao crime de ameaça agravada, e no nônuplo da moldura mínima, quanto ao crime de detenção de arma proibida», o que também não corresponde à verdade, pois, como ressuma da análise da fundamentação da sentença neste conspecto, foram expressamente ponderadas, além da culpa e das exigências de prevenção geral já mencionadas, o grau de ilicitude dos factos e as exigências de prevenção especial, considerados de grau elevado e muito elevado, respetivamente. Aliás, o próprio recorrente afirma-se ciente de que as exigências de prevenção especial são «de índice superior, considerando precisamente as suas circunstâncias pessoais».
Destarte, não se descortinando a violação de qualquer princípio ou comando legal, mostrando-se respeitado o binómio culpa-prevenção, a fixação das penas parcelares praticamente no primeiro quarto das molduras correspondentes mostra-se bastante parcimoniosa, para não dizer benevolente. E a pena única – fixada em 15 meses –, atenta a moldura de 12 meses a 18 meses e considerando a imagem global dos factos e a personalidade evidenciada pelo recorrente, também se mostra perfeitamente proporcionada.
Em suma, afigura-se-nos inexistir fundamento para intervenção corretiva, por parte deste tribunal ad quem, quanto à concreta medida das penas parcelares e da pena única resultante do cúmulo jurídico daquelas.
Ante o exposto, improcede esta última questão.
*
III. – DISPOSITIVO
Nos termos e pelos fundamentos supra expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em:
A) – Determinar que os pontos 2, 3, 4 e 5 passem a ter a seguinte redação:
2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, pelas 10 horas, no interior de sala de formação aí existente, o arguido fez um entalhe um pedaço de madeira, com cerca de 16 centímetros de comprimento e 1,5 centímetros de espessura, apto para nele encaixar um pedaço de osso animal previamente aguçado, com aproximadamente 5,5 cm de comprimento, que tinha na sua posse;
3. Tais objetos não têm aplicação definida, tendo como único intuito a utilização do osso aguçado como arma de agressão, não tendo o arguido justificado a sua posse;
4. Ao ser surpreendido na posse daqueles objetos pelo formador BB, que lhos retirou e guardou, o arguido, gritando, disse-lhe: “se eu apanhar algum castigo à sua pala, você nem sabe do que lhe sou capaz de fazer. Eu mato-o, mas é que o mato mesmo. Eu venho aqui à sala e mato-o. Não se esqueça que eu o mato mesmo”;
5. O arguido conhecia as características do objeto perfurante que detinha e que construiu, bem sabendo que o mesmo era suscetível de ser usado como arma de agressão e que a sua posse lhe estava vedada;
B) – No demais, confirmar a sentença recorrida.
Não é devida tributação [artigo 513º, n.º 1, a contrario, do Código de Processo Penal].
*
*
(Elaborado e revisto pela relatora, sendo assinado eletronicamente pelas signatárias – artigo 94º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal)
*
Coimbra, 28 de maio de 2025
Isabel Gaio Ferreira de Castro
[Relatora]
Cândida Martinho
[1.ª Adjunta]
Maria José Guerra
[2.ª Adjunta]
[1] Todas as transcrições a seguir efetuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se a correção de erros de escrita e as alterações da formatação do texto, da responsabilidade da relatora.
[2] Neste sentido, Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2015, págs. 335 e 336.
[3] Neste sentido, cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 15.ª edição, página 822; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, 2.ª edição, Editorial Verbo, página 339; e Leal-Henriques e Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 6.ª edição, 2007, Rei dos Livros, página 77.
[4] Cfr. Conselheiro Pereira Madeira, in Código de Processo Penal Comentado, Almedina, págs. 1356.
[5] Publicado no DR, I-A, de 28 de dezembro de 1995
[6] Cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19.03.2014, processo 811/12.4JACBR.C1, acessível em http://www.dgsi.pt
[7] Cfr., entre outros, Damião Cunha, «O caso Julgado Parcial», 2002, pág. 37; Paulo Saragoça da Matta, A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença - Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais - pág. 253.
[8] Vide, neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15-12-2005 e de 09-03-2006, acessíveis em www.dgsi.pt
[9] Cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11.07.2017, disponível para consulta no sítio da internet http://www.dgsi.pt
[10] In D.R. n.º 77, Série I, de 18-04-2012
[11] Neste sentido, a título meramente exemplificativo, vejam-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/03/2015, processo 159/11.5PAPTL.G1; do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/03/2011, processo 288/09.1GBMTJ.L1-5, de 18/07/2013, processo 1/05.2JFLSB.L1-3, de 21/05/2015, processo 3793/09.6TDLSB.L1-9, e de 08/10/2015, processo 220/15.3PBAMD.L1-9; e do Tribunal da Relação de Évora de 19.05.2015, processo 441/10.5TABJA.E2, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[12] Cfr. os acórdãos do STJ de 09-05-2002, in CJ do STJ, 2002, Tomo II, pág. 193, de 14-2-2007 (relatado por Santos Cabral), de 11-10-2007 (relatado por Carmona da Mota), 27-05-2009 e de 16-6-2010 (relatados por Raúl Borges), acessíveis em www.dgsi.pt
[13] Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídica do Crime, 1993, §254, p. 197. Cfr., também, Anabela M. Rodrigues, A determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, 1995, págs. 97-106.
[14] Cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25.09.2017, disponível para consulta no sítio da internet http://www.dgsi.pt