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CARTEL
PRIVATE ENFORCEMENT
INDEMNIZAÇÃO
DANO
PRESUNÇÃO JUDICIAL
JUROS
PRESCRIÇÃO
Sumário
I - Da decisão da Comissão Europeia de 19-07-2016, proferida no Processo AT 39824 – Camiões, resulta que as práticas restritivas da concorrência envolveram, para além de trocas de informações comerciais sensíveis, acordos entre as empresas concorrentes para aumentar os preços brutos dos camiões médios e pesados. II - O art.º 349.º do CC permite ao julgador recorrer a presunções judiciais, nos casos em que é admitida a prova testemunhal (art.º 351.º do CC), autorizando-o a retirar ilações de factos conhecidos para considerar provados factos desconhecidos. III - Não viola as regras do direito probatório o tribunal recorrido ter considerado que esses acordos provocaram um aumento do preço de mercado dos camiões transaccionados, levando em consideração o período alongado em que a infracção foi cometida, a área geográfica e a grande quota de mercado das empresas envolvidas. IV - O recurso à estimativa judicial prevista pelo art.º 9.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2018, parte do pressuposto que se encontra demonstrada a existência de um dano decorrente da violação do direito da concorrência (que corresponde, in casu, ao sobrecusto da aquisição dos camiões), mas que, de acordo com a prova disponível, se mostra praticamente impossível ou excessivamente difícil fixar o seu valor exacto. V - Para que o direito à indemnização, por violação das leis da concorrência, venha a ter tradução prática e o lesado seja ressarcido dos prejuízos causados, o art.º 9.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2018, admite que o dano possa ser calculado por estimativa aproximada, de acordo com critérios de equidade, quando os meios de prova disponíveis tornem praticamente impossível ou excessivamente difícil a sua quantificação. VI - Nestes casos, existe mora do devedor, independentemente de interpelação, por estar em causa uma obrigação de indemnização decorrente da prática de facto ilícito (art.º 805.º, n.º 2, al. b), do CC) e por a falta de liquidez decorrer de comportamentos de ocultação e de dissimulação assumidos pelas empresas que participaram nos acordos colusórios destinados ao aumento do preço dos camiões (art.º 805.º, n.º 3, primeira parte, do CC). VII - Nestas acções de indemnização, por violação do direito da concorrência, o prazo de prescrição de 5 anos dos juros de mora inicia-se com a publicação da decisão da Comissão Europeia de 19-07-2016 (Processo AT 39824 – Camiões), data em que se deve presumir que o lesado teve conhecimento da infracção, das empresas envolvidas e danos causados pelos acordos colusórios.
Texto Integral
Acordam os juízes que integram a secção da propriedade intelectual, concorrência, regulação e supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa
I - RELATÓRIO:
“MAPAFOZ – MADEIRAS E DERIVADOS, LDA.”, com sede na Rua do Loural, n.º 3, Bajouca, Leiria, instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra “MAN TRUCK & BUS AG”, com sede em Dachauer Straße 667, Munique, Alemanha, que aqui se dá por integralmente reproduzida, pedindo que seja condenada a pagar-lhe uma indemnização de montante não inferior a € 106.404,02, acrescida de juros que se venceram após 14-07-2019 sobre o montante do capital (€ 60.253) até pagamento.
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A ré “MAN TRUCK & BUS AG” apresentou contestação, na qual se defendeu por impugnação e por excepção, sustentando a prescrição do direito que a autora pretende fazer valer com a presente acção.
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Após a realização de audiência de julgamento, mediante sentença proferida no dia 26-04-2024, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão – Juiz 3 julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré “MAN TRUCK & BUS AG” a pagar à autora “MAPAFOZ – MADEIRAS E DERIVADOS, LDA.” as seguintes quantias:
--€ 14 831,66, a título de capital;
--€ 4 751,82, a título de juros civis vencidos até à data da citação (29-10-2019);
--a título de juros civis contados à taxa legal de 4% (e das demais que venham a ser aprovadas pela lei) vencidos (desde 29-10-2019) e vincendos até integral pagamento sobre o capital.
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A ré “MAN TRUCK & BUS AG” interpôs recurso da sentença, que terminou com a apresentação das seguintes conclusões: “ 4.1. Recurso da Decisão sobre a Matéria de Facto 4.1.1. Impugnação dos factos dados como provados respeitantes à Decisão da Comissão: pontos 1 a 44 da decisão sobre a matéria de facto § 1. No ponto 4 da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal a quo deu como reproduzido o conteúdo integral da Decisão da Comissão (cuja única versão autêntica é a versão inglesa) e, nos pontos seguintes, fez uma “tradução livre” para português de alguns considerandos, a qual tem várias incorreções que indiscutivelmente afetam a caracterização que o Tribunal a quo fez da Conduta Sancionada, tornando-a mais gravosa do que aquela que foi efetivamente sancionada pela Comissão. § 2. Considerando que (i) a Decisão da Comissão foi adotada em sede de procedimento de transação; (ii) a única versão que faz fé é a versão em língua inglesa; (iii) acordos de fixação de preços constituem “acordos” na aceção do artigo 101.º, n.º 1, do TFUE, enquanto trocas de informações sobre preços se qualificam como práticas concertadas; (iv) o termo “arrangement” é utilizado em sentido amplo e pode englobar tanto “agreement” (acordos) como “concerted practices” (práticas concertadas), ou seja, “arrangement” não é o mesmo que “agreement” (acordo); (v) na versão em língua portuguesa do Resumo da Decisão, o termo “arrangements” foi traduzido incorretamente para “acordos”; (vi) na determinação da natureza de uma infração apenas relevam componentes que lhe sejam típicas por terem ocorrido de forma regular e habitual, a tradução e a interpretação do texto da Decisão da Comissão devem ser feitas em estrita observância do seu elemento literal. § 3. Assim, deve o Tribunal ad quem alterar a redação dos pontos 6, 18, 21 e 37 da decisão sobre a matéria de facto, nos seguintes termos: § 4. No ponto 6, que corresponde ao § 2 da Decisão da Comissão (“(2) The infringement consisted of collusive arrangements on pricing and gross price increases (…)”), onde se lê “(2) A infração consistiu em acordos colusórios relativos aos preços e aos aumentos do preço bruto (…)” deve passar a ler-se “(2) A infração consistiu em atividades colusórias relativos aos preços e aos aumentos do preço bruto (…)” (realces nossos), em linha, de resto, com a tradução que o Tribunal a quo fez do termo “arrangement” no § ponto 33 da decisão sobre a matéria de facto; § 5. No ponto 18, que respeita ao § 47 da Decisão da Comissão (“(47) (…) the Addressees were better able to calculate (…)”), onde se lê “(47) (…) os Destinatários conseguiram calcular melhor (…)” deve passar a dizer-se “(47) (…) os Destinatários ficaram em melhor posição para calcular (…)”; § 6. No ponto 20, relativo ao § 49 da Decisão da Comissão (“(49) (…) The Addressees’ headquarters (…) were directly involved in the discussion of prices (…) discussions took place via German Subsidiaries (…)”), onde se lê “(49) (…) As sedes (…) estiveram diretamente envolvidas na negociação dos preços (…) ocorreram negociações através de Filias alemãs (…)” deve passar a dizer-se “(49) (…) As sedes (…) estiveram diretamente envolvidas na discussão dos preços (…) ocorreram discussões através de Filias alemãs (…)”; § 7 .No ponto 21, que se refere ao § 50 da Decisão da Comissão (“(50) These collusive arrangements included agreements and/or concerted practices on pricing and gross price increases (…)”), onde se diz na tradução para português “(50) Entre os acordos colusórios, incluíram-se acordos e/ou práticas concertadas (...)” deve passar a dizer-se “(50) Entre as atividades colusórias, incluíram-se acordos e/ou práticas concertadas (...)”. § 8. No ponto 37, que se refere ao § 81 da Decisão da Comissão (“(81) (…) the various arrangements and mechanisms adopted by the Addressees (...)”), onde se diz na tradução para português “(81) (…) os vários acordos e mecanismos adotados pelos Destinatários (…)” deve passar a dizer-se “(81) (…) as várias atividades e mecanismos adotados pelos Destinatários”. § 9. A alteração dos referidos pontos da matéria de facto é relevante, designadamente, no contexto da apreciação dos factos que o Tribunal a quo considerou provados a respeito dos prejuízos, os quais, entre o mais, assentam nas incorreções assinaladas nas conclusões que antecedem. 4.1.2. Impugnação dos factos dados como provados respeitantes aos prejuízos (listados sob a epígrafe “factos comuns” na Decisão Recorrida): pontos 83 a 92 da decisão sobre a matéria de facto § 10. O Tribunal a quo concluiu pela existência de prejuízos (traduzidos no pagamento de um sobrecusto na aquisição dos camiões em causa na presente ação), decorrentes da Conduta Sancionada, nos termos que constam dos factos 83 a 92 da Decisão Recorrida. § 11. Tais factos não podiam, porém, ter sido dados como provados, tendo o Tribunal a quo incorrido em vários erros de julgamento, traduzidos essencialmente numa (ii) enviesada interpretação da Decisão Recorrida (para a qual contribuiu em grande medida uma também incorreta tradução para português da versão inglesa) que, por seu turno, serviu de base a sucessivas presunções judiciais (desprovidas de suporte factual) e (ii) numa incorreta apreciação da contraprova produzida pela Recorrente. 4.1.2.1. Questão prévia: o standard da prova § 12. Para efeitos de apreciação e ponderação da prova respeitante aos invocados danos, o Tribunal a quo adotou um standard de prova apoiado num juízo de probabilidade assente no seu grau de convicção (cf., designadamente, os §§ 1919-1924 e §§ 2240 – 2245 da Decisão Recorrida). § 13. Tal standard é, todavia, incompatível com o disposto nos arts. 346.º do CC e 414.º do CPC, segundo os quais, em caso de dúvida sobre a verificação de um facto, o julgador deve resolvê-la contra a parte a quem competia provar o facto, independentemente do seu grau de convicção quanto à probabilidade de tal facto se ter verificado. § 14. O art.º 346.º do CC não exige, para que determinado facto seja dado como não provado, que a contraprova demonstre o facto contrário ao facto alegado ou a inexistência do facto alegado, apenas tendo de o tornar duvidoso. § 15. De igual modo, o art.º 414.º do CPC impõe que a dúvida sobre a realidade de um facto seja resolvida contra a parte a quem o facto aproveita. § 16. Apenas no domínio das presunções legais, que não foram (nem podiam ser) aplicadas nos presentes autos, é que a parte contra a qual opera a presunção tem o ónus de demonstrar o facto contrário para ilidir a presunção. § 17. A contraprova produzida pela Recorrente foi mais do que suficiente para criar dúvidas sérias e fundadas quanto à possibilidade de terem ocorrido prejuízos decorrentes da Conduta Sancionada, mas o Tribunal a quo, na ponderação que dela fez, exigiu que a mesma demonstrasse, com total certeza, a inexistência de sobrecustos. § 18. A contraprova apresentada pela Recorrente foi certamente (mais do que) suficiente para impedir que o Tribunal a quo estabelecesse uma presunção judicial de danos que, sendo uma “simples prova da primeira aparência” deveria inevitavelmente sucumbir pera nte a robustez da contraprova apresentada pela Recorrente. § 19. Ao não aplicar corretamente o que decorre dos arts. 346.º do CC e 414.º do CPC, o Tribunal a quo violou regras de direito probatório material e processual e o princípio da igualdade de armas previsto no art.º 4.º do CPC.
4.1.2.2. A Conduta Sancionada, tal como descrita na Decisão da Comissão, não pode servir de base a uma presunção judicial de existência de um dano traduzido num sobrecusto § 20. Uma leitura atenta e objetiva da Decisão da Comissão não pode levar a outra conclusão se não a de que a Conduta Sancionada consistiu essencialmente em trocas de informações sobre preços e aumentos de preços brutos, não obstante a existência de casos pontuais de acordos de fixação de preços brutos limitados, contudo, ao período de 1997 a 2004 (conforme resulta do § 51 da Decisão da Comissão). § 21. A limitação temporal dos casos em que, pontualmente, a Comissão considerou ter havido acordos de fixação de preços brutos é relevante para o presente caso, já que todos os camiões em causa foram adquiridos a partir de 2007. § 22. É, em grande medida, por força da tradução incorreta para “acordo” do termo “arrangement”, que o Tribunal a quo considerou que a Conduta Sancionada teria consistido em acordos explícitos de fixação de aumentos ou subidas de preços (brutos e líquidos) (cf. §§ 1612-1624, 1656-1663), erro de que, com o devido respeito, igualmente enferma o acórdão do TRL de 06.11.2023, proferido no processo n.º 54/19.6YQSTR.L1, várias vezes invocado pelo Tribunal a quo na Decisão Recorrida. § 23. Da análise dos §§ 51-63 da Decisão da Comissão resulta que há apenas duas referências a acordos de fixação de preços brutos de lista dos camiões: a primeira referência consta do § 51 da Decisão da Comissão, mas apenas se reporta ao período de 1997 a 2004 e respeita a casos pontuais (“in some cases”) e não a casos habituais ou recorrentes; a segunda referência a acordos de fixação de preços consta do § 53, mas não diz respeito ao mercado português (e sim ao mercado francês) e também só se refere ao período de 1997 a 2004. § 24. A referência feita no § 51 da Decisão da Comissão ao facto de, ocasionalmente, terem sido discutidos (e não acordados) preços líquidos é circunscrita a alguns países, que não estão identificados, não sendo possível afirmar se Portugal estaria incluído. § 25. A ausência de acordos de fixação de preços (além de casos pontuais) é corroborada também pela ausência de qualquer referência na Decisão da Comissão à existência de mecanismos de controlo e sanção, algo que é tipicamente considerado como necessário para assegurar a efetiva implementação de um acordo. § 26. A descrição da Conduta Sancionada feita no capítulo 3 (§§ 46-63) da Decisão da Comissão está repleta, tanto no que refere ao período de 1997 a 2004, como no que toca ao período subsequente de 2005 a 2011, de referências a trocas de informações sobre preços brutos, seja na forma de trocas de informações, seja na forma de discussões sobre os mesmos (trocas de impressões e/ou opiniões). § 27. O facto de terem ocasionalmente sido acordados preços brutos, no períodocompreendido entre 1997 e 2004, não pode levar à conclusão de que a conduta tenha consistido em acordos de fixação de preços, pois não é esse o elemento que a caracteriza. Tais acordos revestem carácter de excecionalidade face ao comportamento predominante que consistiu em trocas de informações sobre preços brutos. § 28. Tendo em conta o âmbito muito amplo da definição de “cartel” nos arts. 2.º, n.º 14, da Diretiva (citado pelo Tribunal a quo na nota de rodapé n.º 4), e 2.º, al. e), da LPE, também uma troca de informações sobre preços brutos entre concorrentes pode qualificar-se tecnicamente como cartel (na vertente de prática concertada), apesar de não representar uma das suas formas mais graves. § 29. O montante das coimas aplicadas pela Comissão não é indicativo de que a Conduta Sancionada tenha consistido em acordos de fixação de preços, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo nos §§ 1607-1609 da Decisão Recorrida. § 30. O valor absoluto da coima não reflete necessariamente a gravidade da infração, porquanto as coimas são calculadas, não só em função da gravidade da conduta, mas também e principalmente em função do volume de negócios realizado pela empresa com a venda dos produtos afetados, entre outros aspetos. § 31. A Comissão atribuiu à Conduta Sancionada uma gravidade comparavelmente reduzida, tendo em conta às percentagens concretamente aplicadas no âmbito do cálculo das coimas (17% e 17%) e os intervalos aplicáveis (0%-30% e 15%-25%) (§§ 107-127 da Decisão da Comissão). § 32. Contrariamente ao que consta dos §§ 1716-1731 da Decisão Recorrida, a aplicação pela Comissão do ponto 25 das Linhas de Orientação também não evidencia que a Conduta Sancionada tenha consistido em acordos horizontais de fixação de preços. § 33. O § 40 do acórdão do TJUE, proferido no processo C-588/20, invocado pelo Tribunal a quo nos §§ 1853-1859 da Decisão Recorrida, não releva, porque se trata de um excerto de uma parte puramente descritiva (e não vinculativa) de um acórdão proferido no procedimento de reenvio judicial em que não estava em causa a qualificação da natureza da Conduta Sancionada, não relevando também neste contexto, pela mesma razão, o Acórdão do TJUE proferido no âmbito do processo C-312/21. § 34. Apesar de a Comissão, no § 50 da Decisão da Comissão, ter concluído que as trocas de informações entre as empresas envolvidas tinham o objetivo de alinhamento de preços brutos no EEE, dela não decorre que os destinatários tivessem celebrado acordos nesse sentido e que tivessem conseguido alcançar esse objetivo. § 35. A Decisão da Comissão não refere a existência de efeitos no mercado causados pela Conduta Sancionada, contrariamente ao que sugere o Tribunal a quo. § 36. O critério da afetação do comércio entre os Estados-Membros, constante do § 85 da Decisão da Comissão e invocado nos §§ 1887-1890 da Decisão Recorrida, não tem nada que ver com efeitos da Conduta Sancionada no mercado, ou seja, ao nível dos preços líquidos (conforme também concluído pelo TRL no acórdão proferido no processo n.º 54/19.6YQSTR.L1), tratando-se de um critério puramente jurisdicional que visa distinguir as situações em que é aplicável o direito da concorrência da UE daquelas em que se aplica apenas o direito da concorrência nacional. § 37. Os §§ 46-48 da Decisão da Comissão, a que aludem os §§ 1631-1680 da Decisão Recorrida, também não permitem concluir pela existência de qualquer efeito da Conduta Sancionada nos preços líquidos, antes deles se retirando que a troca de informações sobre preços brutos não foi a mais abrangente possível, estando sujeita a limitações fundamentais, enunciadas, designadamente, no §48: “à exceção da DAF, todos os Destinatários tiveram acesso ao configurador de pelo menos um outro Destinatário [e] [a]lguns configuradores apenas concediam acesso a informações técnicas, como os portais dos fabricantes de carroçarias, e não incluíam quaisquer informações sobre preços.”). § 38. O § 47 a que o Tribunal a quo recorrentemente alude na Decisão da Comissão também não permite concluir ou sequer indicia a existência de efeitos ao nível dos preços líquidos pagos pelos consumidores finais, já que o que ali se refere é que as empresas envolvidas “ficaram em melhor posição” para calcular os preços líquidos aproximados dos seus concorrentes, não significando que o tivessem efetivamente conseguido fazer, sendo que só ficaram em melhor posição em função da qualidade da informação que cada um tinha sobre o mercado, que se desconhece qual seja. § 39. Para conseguirem calcular os preços líquidos aproximados dos seus concorrentes, as empresas envolvidas, no mínimo, teriam de ter conhecimento sobre os descontos aplicados pelos seus concorrentes aos seus preços brutos, o que não é de todo mencionado na Decisão da Comissão. § 40. Ao contrário do que resulta dos §§ 1631 a 1680, 1747 a 1781 da Decisão Recorrida, a mera qualificação técnica da Conduta Sancionada como cartel e/ou restrição por objeto também não é indicativa da existência de efeitos no mercado. § 41. Sendo todos os cartéis restrições por objeto (como entendido pelo Tribunal a quo no § 1747 da Decisão Recorrida), o termo “restrição por objeto” engloba uma variedade considerável de práticas com diferentes níveis de suscetibilidade de terem efeitos no mercado. § 42. As referências feitas ao acórdão do TJUE no proc. C-67/13 (cf. §§ 1747-1751 da Decisão Recorrida) e ao § 21 (a) do Guia Prático (cf. §§ 1772-1781 da Decisão Recorrida) não permitem igualmente extrair as conclusões que o Tribunal a quo deles pretende retirar porque, por um lado, não estamos perante os acordos de fixação de preços a que se refere o TJUE e, por outro lado, o Guia Prático refere que até os cartéis hardcore (que não é o caso da Conduta Sancionada) podem resultar num aumento de preços, mas tal não é um efeito obrigatório e necessário, muito menos o sendo num caso de troca de informações sobre preços brutos. § 43. Ademais, ao contrário do que consta dos §§ 1782 a 1833 da Decisão Recorrida, a duração da Conduta Sancionada não é, por si só, comprovativa nem indicativa da existência de efeitos de mercado, pois consistindo a infração essencialmente numa troca de informações sobre preços brutos, que não envolveu uma fixação de preços líquidos, nem um sistema de monitorização e punição de desvios, é muito difícil, se não impossível, mensurar se a prática está ou não a ser bem-sucedida. § 44. Por outro lado, assumir (como parece fazer o Tribunal a quo) que houve continuidade na composição do grupo dos colaboradores envolvidos na infração ao longo dos 14 anos, não corresponde à realidade de grupos corporativos como as empresas envolvidas, em que os colaboradores, em particular o middle e senior management (como os envolvidos na infração), muda regularmente de posição e/ou empresa dentro (ou até fora) do grupo. § 45. Contrariamente à tese veiculada pelo Tribunal a quo nos §§ 1863 a 1881 da Decisão Recorrida, a extensão da Conduta Sancionada, em termos de cobertura de território e quota de mercado, também não é comprovativa nem indicativa de efeitos no mercado. § 46. Só poderia eventualmente ser assim, se não tivesse havido concorrência entre os fabricantes envolvidos na infração, nem oferta significativa por parte de fabricantes de camiões não envolvidos. § 47. Porém, no presente caso, a concorrência entre os fabricantes envolvidos é evidenciada na Figura 3 do Parecer Técnico da CL de 11.12.2023, em que as quotas de mercado individuais dos fabricantes envolvidos, mudam de forma significativa tanto de um ano para outro como ao longo do período de infração, tendo, por exemplo, a DAF conseguido aumentar a sua quota de mercado de 12% em 1997 para 21% em 2011 (ou seja, quase a duplicou). § 48. A Figura 3 do Parecer Técnico CL de 30.10.2023 indica também que houve uma oferta significativa por parte de fabricantes não envolvidos na infração, tendo a sua quota de mercado agregada atingido 19% em 2002 e 2003 (ou seja, quase um quinto do mercado português) e, mais globalmente, crescido de 4% em 1997 para 14% em 2011 (ou seja, mais do que triplicou). § 49. Além disso, a quota de mercado agregada dos fabricantes não envolvidos só refleteas suas vendas efetuadas e, assim, não representa inteiramente o poder disciplinador que os fabricantes não envolvidos tenham exercido sobre os preços líquidos aos quais os fabrica ntes envolvidos conseguiram efetuar as suas vendas. § 50. Ao contrário do que defende o Tribunal a quo nos §§ 1896-1905 da Decisão Recorrida, os resultados do meta-estudo realizado pela Oxera (2009) não são comprovativos nem indicativos de efeitos no mercado causados pela Conduta Sancionada, nomeadamente porque (i) baseiam-se em meta-estudos que analisaram cartéis hardcore, como o conluio em procedimentos de contratação pública, a fixação de preços líquidos ou a repartição de mercado, etc; (ii) a base de dados em que se baseiam conduz reconhecidamente a vários enviesamentos no sentido de uma sobrestimação dos efeitos de cartéis; (iii) as estimativas de sobrepreço foram obtidas utilizando uma grande variedade de métodos de qualidade e fiabilidade muito diferentes; (iv) os preços analisados são preços pagos por clientes diretos e não por clientes indiretos, como é o caso da Recorrida. § 51. Pese embora adotando uma interpretação diferente da Conduta Sancionada, o TRL, no seu acórdão de 06-11-2023 (proc. 12/19.0YQSTR.L1) considerou que “Não podemos, com todo o respeito, acompanhar a decisão do tribunal de primeira instância, de que a partir dos elementos que conhecemos, o dano foi necessariamente verificado. Isto é, de que a partir dos factos base de suporte indicados pelo tribunal de primeira instância, designadamente: a conduta sancionada pela Comissão de acordos colusórios de alinhamento de preços, aumentos de preços brutos, trocas de informação de preços brutos, pontual abordagem de preços líquidos de alguns países e o reconhecimento de que o preço é um dos principais instrumentos de concorrência, se presume, sem mais, o facto desconhecido: o dano” (cf. § 120). § 52. Face ao exposto, a decisão da matéria de facto deve ser alterada na parte em que o Tribunal a quo deu como provados os factos 83, 84 e 89, que pressupõem a existência de acordos explícitos de fixação de preços, devendo o Tribunal ad quem considerá-los não provados, do que resulta necessariamente que os factos que deles dependem ou que os pressupõem (factos 85, 86, 87, 88, 90, 91 e 92). 4.1.2.3. A contraprova produzida pela Recorrente torna, no mínimo, duvidosa a existência de prejuízos decorrentes da Conduta Sancionada § 53. A contraprova apresentada pela Recorrente tem a virtualidade de, no mínimo, tornar altamente duvidosa a existência de um sobrecusto ao nível dos preços pagos pela Recorrida para aquisição dos camiões em causa nos presentes autos, dado que, o tipo de infração em causa, as características do mercado dos camiões e a análise empírica realizada com dados de transações reais, levam à inelutável conclusão de que é altamente improvável que tenha havido efeitos no mercado, traduzidos num aumento dos preços líquidos. § 54. Contudo, o Tribunal a quo parece ter partido do princípio (errado) de que competia à Recorrente demonstrar a inexistência de um aumento dos preços finais dos camiões durante o período da Conduta Sancionada, tendo esse ponto de partida interferido na valoração da prova feita pela Recorrente e nas consequências que dela deveria ter retirado, aliado às desrazoáveis e infundadas suspeitas sobre a integridade dos danos utilizados no parecer técnico por si apresentado. § 55. Para contraprova dos factos alegados em matéria de prejuízos, a Recorrente apresentou um parecer elaborado pela OXERA em 2019, do qual resulta, com especial relevância para os presentes autos, o seguinte: “(…) Na indústria de camiões, os preços líquidos dependem de muitos fatores, incluindo as circunstâncias do mercado local, o tipo de camião, as características dos revendedores, o tipo e a dimensão do comprador e as negociações individuais entre o revendedor e o comprador. Assim, qualquer ligação entre as listas de preços brutos e os preços líquidos não pode ser inferida automaticamente, antes carece de ser avaliada de acordo com os factos concretos” (cf. § 2.8 do parecer OXERA). § 56. Mais se refere no dito parecer que “A troca de informações no que respeita aos preços brutos não pode ser assumida como resultando em custos adicionais sobre os preços de camiões líquidos, já que existe um conjunto de mecanismos económicos que podem ter impedido essa ligação” (cf. § 4.34 do parecer OXERA). § 57. O Tribunal a quo procurou afastar a relevância deste parecer com fundamento no facto de o mesmo ter como pressuposto o entendimento de que a Conduta Sancionada consistiu em trocas de informações sobre preços brutos. § 58. Porém, como demonstrado supra, a qualificação feita no Parecer da Oxera de 2019 quanto à Conduta Sancionada corresponde a uma correta interpretação da mesma tal como descrita na Decisão da Comissão. § 59. Aliás, tais conclusões estão em linha com o Parecer Técnico da CL de 11.12.2023 que, tendo analisado dados de transações efetivas de camiões da marca MAN, concluiu que os preços líquidos, cobrados à primeira entidade fora do grupo MAN, mantiveram-se estáveis, quando os preços brutos de lista aumentaram, o que só possível porque os descontos concedidos anularam o efeito da subida destes últimos. § 60. Deste modo, com toda a probabilidade, a Conduta Sancionada não teve impacto nos preços finais pagos pelos adquirentes dos camiões, como é o caso da aqui Recorrida, pois se nem os clientes diretos (primeira entidade fora do grupo) foram afetados, logicamente, os clientes indiretos também não o foram. § 61. O Parecer Técnico da CL de 11.11.2023, da autoria, entre outros, do Professor AA…, da empresa Compass Lexecon, tem 4 secções (incluindo a que contém a Introdução), sendo que as secções 2 e 3 têm como principais objetivos (i) avaliar, de uma perspetiva económica, a Conduta Sancionada, e (ii) examinar as condições de mercado durante o período relevante, por forma a verificar se teria sido possível aos fabricantes de camiões, sem recurso a acordos explícitos, encontrar um entendimento comum relativamente aos preços líquidos. § 62. As principais conclusões de tais secções são as seguintes: (i) não pode haver uma presunção geral de que uma troca de informações resulte em efeitos anticompetitivos e (ii) as características do mercado de camiões tornam-no não propenso ao conluio, conforme explicitado por AA…. § 63. Em particular, a heterogeneidade dos produtos, o facto de a procura ser cíclica e instável, o carácter assimétrico do mercado, a opacidade dos preços e a existência de outros elementos, para além do preço, relevantes para o processo de aquisição, determinam a insusceptibilidade de a Conduta Sancionada ter tido efeitos nos preços finais. § 64. Estas características foram consideradas relevantes pelo TRL no seu acórdão de 12-09-2023 (processo 12/19.0YQSTR.L1), onde se faz precisamente menção às características do mercado dos camiões como impeditivas do estabelecimento de uma presunção geral de que a infração levou a aumento dos preços finais. § 65. O Parecer Técnico CL de 11.12.2023 contém ainda uma quarta secção cuja principal conclusão é a de que existe um (empiricamente comprovado) desligamento entre os preços brutos de lista e os preços líquidos de viaturas da marca MAN, pelo menos, entre 2007 e 2020, por força dos descontos concedidos a concessionários e a clientes finais. § 66. Tal significa que, mesmo que tivesse havido um acordo ao nível dos preços brutos (quod non), o mesmo não teria tido impacto nos preços finais, precisamente por força da inexistência de uma relação direta e sistemática entre os dois tipos de preços. § 67. A análise empírica efetuada pela CL apoia-se em dados sobre preços finais, entendidos como os preços cobrados à primeira entidade fora do grupo MAN (i.e. concessionários independentes ou consumidores finais nos casos de vendas diretas da subsidiária do grupo, a MAN PT), obtidos para o período de 2007 a 2019, e em dados sobre preços brutos de lista de camiões da marca MAN, que abrangem o período compreendido entre 1996 e 2019. § 68. O desligamento que existe entre os preços brutos e os preços finais é motivado (i) pela grande dispersão dos descontos concedidos e (ii) pelo seu crescente aumento ao longo do tempo. § 69. A figura 6 (p. 36) do Parecer Técnico da CL de 11.12.2023 ilustra, para o ano de 2007 (ano com maior número de vendas), a dispersão dos descontos, que se situam num intervalo de 12,8% a 54,1%, não havendo casos em que o desconto tenha sido zero, o que significa que nenhum cliente paga o preço equivalente ao preço bruto de lista (cf. depoimento de BB… e CC…, respetivamente, minutos 00:14:33 a 00:15:44, ficheiro áudio Diligencia 58-19.9YQSTR_2024-01-31_10-37-13.mp3 e minuto 00:06:43 a 00:08:30, ficheiro áudio Diligencia. 58-19.9YQSTR_2024-01-31_11-45-14.mp3). § 70. A dispersão acentuada dos descontos verifica-se também nos demais anos analisados, conforme resulta da figura 7 da p. 39 do Parecer Técnico da CL de 11.12.2023 e foi também explicitado pela testemunha AA… (cf. minutos 00:19:51 a 00:21:31 do ficheiro áudio Diligencia_58-19.9YQSTR_2024-01-09_14-06-12.mp3). § 71. A dispersão dos descontos significa que clientes diferentes podem pagar preços diferentes por camiões relativamente similares entre si em função do poder negocial que tiverem, conforme confirmado pelas testemunhas BB… e CC… (cf. respetivamente, minutos 01:03:37 a 01:04:17 ficheiro áudio Diligencia_58-19.9YQSTR_2024-01-31_10-37-13.mp3 e minutos 00:14:30 a 00:15:26 do ficheiro áudio Diligencia_58-19.9YQSTR_2024-01-31_11-45-14.mp3). § 72. Por outro lado, a figura 7, da p. 39, do Parecer Técnico da CL de 11.12.2023, evidencia também a evolução crescente dos descontos ao longo do tempo, acompanhando a evolução dos preços brutos de lista, o que permitiu que os preços finais se mantivessem relativamente estáveis (cf. depoimento de AA… minutos 00:22:52 a 00:23:36, ficheiro áudio Diligencia_58-19.9YQSTR_2024-01-09_14-06-12.mp3). § 73. Dada a acentuada dispersão dos descontos e a sua evolução crescente ao longo do tempo, não é possível inferir o preço líquido de um determinado camião a partir do seu preço bruto de lista. § 74. As figuras 8, 13 e 16 do Parecer Técnico da CL de 11.12.2023, que comparam a evolução dos preços brutos, dos preços líquidos e dos custos, evidenciam graficamente a conclusão exposta anteriormente. § 75. A figura 16 em particular, constante da p. 49 do Parecer Técnico da CL de 11.12.2023, que representa a análise daquelas três variáveis para camiões da mesma dimensão dos que foram adquiridos pela Recorrida, permite extrair as seguintes principais conclusões: (i) os preços finais, representados pela linha vermelha são essencialmente determinados pela evolução dos custos (representados pela linha preta); (ii) os preços finais são relativamente estáveis ao longo do tempo; (iii) os preços brutos de lista, representados pela linha azul, aumentam ao longo do período analisado, inclusivamente após o período da infração (cf. depoimento de AA…, em particular, minutos 00:36:13 a 00:39:05, ficheiro áudio Diligencia_58-19.9YQSTR_2024-01-09_14-06-12.mp3). § 76. O facto de os preços brutos de lista terem aumentado ao longo do tempo não significa que esse aumento seja imputável à Conduta Sancionada, como o Tribunal a quo precipitadamente afirma nos §§ 2246 a 2252 da Decisão Recorrida, podendo dever-se a fatores como a melhoria da tecnologia, o aumento da procura ou o aumento do custo das matérias-primas. § 77. Para que se pudesse concluir sobre a existência de uma ligação entre a Conduta Sancionada e o aumento dos preços brutos (o que, a verificar-se, não teria, contudo, necessariamente impacto nos preços finais, que são os que relevam no contexto da presente ação), teria de ser feita uma análise de regressão. § 78. O facto de os preços brutos terem aumentado mesmo após o período da infração, de forma crescente, até, pelo menos 2019, como resulta da figura 16, parece, na realidade, confirmar a inexistência de uma ligação entre o seu aumento e a Conduta Sancionada, uma vez que esse aumento continuado após vários anos após a cessação da infração é contraintuitivo. § 79. As figuras 9 e 10 constantes da p. 42 do Parecer Técnico da CL de 11-12-2023 atestam igualmente a inexistência de uma relação direta e sistemática entre preços brutos e preços líquidos, porquanto comparam a evolução, no tempo (2006-2010, no caso da figura 9, e 2007-2011, no caso da figura 10) dos preços brutos e dos preços líquidos no que respeita a dois dos modelos da MAN mais vendidos, delas resultando que em determinados meses os preços brutos e os preços líquidos variam em sentidos opostos e, mesmo quando os dois tipos de preços variam no mesmo sentido, a magnitude da variação é consideravelmente diferente (cf. depoimento de AA,… minutos 00:31:47 a 00:32:33 e 00:34:18 a 00:35:38, ficheiro áudio Diligencia_58-19.9YQSTR_2024-01-09_14-06-12.mp3, e p. 42 do Parecer Técnico CL de 11.12.2023 onde constam as figuras 9 e 10 a que a testemunha se refere). § 80. Em suma, no período compreendido entre 2007 e 2020, os descontos concedidos intra-grupo MAN anularam o aumento dos preços brutos de lista, o que significa que o aumento dos preços brutos de lista foi internalizado no seio do grupo MAN, não existindo uma correlação direta e sistemática entre os preços brutos de lista e os preços finais. § 81. Por fim, a figura 17 constante da p. 50 do Parecer Técnico da CL de 11.12.2023, que compara os preços brutos de lista de todos os camiões objeto de ações judiciais intentadas em Portugal e os preços a que esses camiões foram adquiridos pelos respetivos compradores (e autores nas referidas ações judiciais), corrobora igualmente as conclusões extraídas das demais figuras anteriormente referidas, na medida em que os preços brutos estão desligados dos preços finais (cf. depoimento de AA… minutos 00:40:38 a 00:41:34, ficheiro áudio Diligencia_58-19.9YQSTR_2024-01-09_15-14-46.mp3). § 82. As críticas que o Tribunal a quo tece a respeito da contraprova apresentada pela Recorrente e, em particular, as que dirige ao Parecer Técnico da CL de 11.12.2023, são infundadas e resultam de uma errada interpretação do mesmo. § 83. Em primeiro lugar, o Tribunal a quo considera que a análise económica da Conduta Sancionada, bem como as características do mercado dos camiões, constantes das secções 2 e 3 do Parecer Técnico da CL de 11.12.2023, não são relevantes porque assentam no entendimento de que a Conduta Sancionada consistiu em trocas de informações sobre preços brutos e o entendimento do Tribunal a quo é outro. § 84. Porém, não só o entendimento adotado pelos autores do parecer é o correto à luz da Decisão da Comissão, como, mesmo que assim não fosse, a Conduta Sancionada verificou-se apenas ao nível dos preços brutos, sendo que a primeira parte do Parecer Técnico CL de 11.12.2023 é relevante para se perceber por que razão é que uma coordenação ao nível dos preços brutos dificilmente teria efeitos nos preços líquidos e a razão prende-se, essencialmente, com as especificidades do mercado dos camiões, às quais, com o devido respeito, o Tribunal a quo não atribuiu a devida e necessária atenção. § 85. A análise empírica que é feita na secção 4 do Parecer e que parte do pressuposto, apenas para benefício da referida análise, de que a Conduta Sancionada teria consistido em “acordos colusórios sobre preços e aumentos dos preços brutos”, evidencia que, mesmo que tivesse havido um acordo explícito sobre os preços brutos, e não apenas uma troca de informações sobre preços brutos, o resultado seria o mesmo, porquanto, como já referido, os preços brutos não estão diretamente correlacionados com os preços líquidos e, para isso, contribuem várias características do mercado dos camiões, designadamente, a forma bilateral como os preços são negociados. § 86. A este respeito, o Tribunal riposta que é própria Decisão da Comissão que refere que, a partir dos preços brutos, seria possível calcular os preços líquidos e que foram discutidos preços líquidos, mas tal afirmação decorre, por um lado, de uma errada tradução do § 47 da Decisão da Comissão (em resultado desse erro, o Tribunal convolou aquilo que para a Comissão é uma mera probabilidade condicionada numa certeza) e, por outro lado, de uma errada convicção de que discutir ocasionalmente preços líquidos, que é o que consta do § 51 da Decisão da Comissão, seria o mesmo que acordar em preços líquidos, mas claramente não é. § 87. O que é dito no § 47 da Decisão da Comissão é que os destinatários da Decisão, ao ter trocado informações sobre preços brutos, ficaram em melhor posição de inferir os preços finais aproximados dos seus concorrentes, dependentemente da qualidade de informação sobre o mercado que cada um tinha ao seu dispor, o que não equivale a dizer, como afirma o Tribunal a quo, que conseguiram calcular os preços finais aproximados dos seus concorrentes. § 88. Como se pode ler no Parecer Técnico da CL de 11.12.2023, que se debruça sobre o § 47 da Decisão da Comissão “A transparência relativamente aos preços finais só poderia ter sido alcançada se o conhecimento dos PLB dos concorrentes tivesse permitido inferências fiáveis sobre os seus preços finais (históricos, presentes ou futuros). Todavia, não é este o caso, porque os fabricantes concederam descontos muito substanciais sobre os seus PLB, e estes descontos variaram significativamente de cliente para cliente” (cf. ponto 3.20, p. 19 e ss). § 89. Em segundo lugar, as suspeitas lançadas pelo Tribunal a quo a respeito da integridade e fiabilidade dos dados utilizados pela CL na sua análise empírica são desprovidas de fundamento. § 90. O Tribunal começa por referir que estranha o facto de terem sido incluídos novos dados no segundo parecer técnico da CL, mas tal é inócuo, na medida em que as conclusões da análise feita pela CL em nada se alteraram por força dos dados adicionais considerados. § 91. O mote para a realização de um segundo parecer foi a inclusão da análise da evolução dos preços brutos de lista, dos custos e dos preços líquidos (vertida nas figuras 8, 13 e 16 do Parecer Técnico da CL de 11.12.2023), para ir ao encontro da primeira decisão proferida pelo TCRS no âmbito das ações follow-on decorrentes da Decisão da Comissão, onde se faz alusão à necessidade de se fazer essa análise comparativa (cf. depoimento de AA…, minutos 00:14:27 a 00:17:11 do ficheiro áudio Diligencia_58-19.9YQSTR_2024-01-09_11-44-18.mp3do ficheiro áudio Diligencia_58-19.9YQSTR_2024-01-09_11-44-18.mp3) § 92. Essa análise complementar poderia ter sido feita com os dados disponíveis aquando da elaboração do primeiro parecer em 2020. § 93. A discrepância verificada entre os depoimentos de AA… e BB… – o primeiro referiu que os concessionários desconhecem os preços brutos de lista e o segundo afirmou o contrário – não justifica, de modo algum, que o Tribunal a quo ponha em causa a integridade e fiabilidade de todos os dados fornecidos pela Ré à CL para elaboração do parecer e a validade e pertinência das conclusões da análise empírica efetuada. § 94. A acusação feita pelo Tribunal a quo no sentido de que a Recorrente teria tentado enganar a empresa que contratou para realizar um parecer técnico e que, nesse (não verificado) pressuposto, “todos os dados apresentados” não seriam “credíveis” (cf. §§2098 a 2102 da Decisão Recorrida), é manifestamente desrazoável e desproporcional face à apontada contradição entre os depoimentos das duas testemunhas (poderia dar-se o caso de a testemunha AA…ter simplesmente compreendido mal aquilo que lhe foi transmitido, cenário que o Tribunal a quo nem sequer ponderou). § 95. Para além da desconformidade verificada entre os dois depoimentos, que, para além de não ser apta a duvidar da credibilidade de todos os dados usados pela CL na sua análise, é circunscrita a um aspeto muito particular, o Tribunal a quo não indicou mais nenhum motivo que fundamente a sua acusação (grave) de que a Recorrente poderia ter manipulado dados tendo em vista a obtenção de uma vantagem. § 96. O facto de os concessionários terem conhecimento sobre os preços brutos de lista em nada interfere com as conclusões da análise empírica do Parecer Técnico da CL de 11.12.2023, pois, mesmo que o preço que aqueles pagam para aquisição dos camiões para posterior revenda corresponda a uma percentagem do preço bruto de lista, a verdade é que os descontos praticados intra-grupo, pelo menos, entre 2007 e 2020 levaram a que tais preços se mantivessem estáveis e, por isso, desligados dos preços brutos de lista que registaram, no referido período, uma crescente evolução. § 97. Em terceiro lugar, o Tribunal a quo procura afastar as conclusões do Parecer Técnico da CL de 11.12.2023, em particular, as que resultam da análise empírica, referindo que essa análise é redutora, quando, perscrutados os motivos dessa afirmação, conclui-se que a mesma provém de um erro de base do Tribunal a quo a respeito, por um lado, do tipo e finalidades da prova concretamente apresentada pela Recorrente e, por outro lado, do facto de o Tribunal a quo entender que competia a esta última demonstrar a inexistência do sobrecusto alegado pela Recorrida. § 98. Concretamente, o Tribunal a quo refere que uma comparação temporal entre os preços brutos e os preços líquidos não é suficiente e deveria ser utilizado um mercado comparador para se poder usar o método das duplas diferenças, olvidando-se que esse método se destina a estabelecer e a quantificar um eventual sobrecusto, pelo que quem o deveria ter utilizado era a Recorrida, pois era a si que competia fazer esta prova. § 99. A Recorrente não se propôs fazer uma quantificação alternativa do sobrecusto de 16% aventado pela Recorrida, não só porque esta não apresentou qualquer prova a este respeito que carecesse de ser rebatida, mas também porque o propósito da contraprova da Recorrente foi o de demonstrar, com base em dados reais, a inexistência de uma correlação entre preços brutos de lista e preços finais, com isso concluindo que, mesmo que tivesse havido um acordo ao nível dos primeiros, os segundos, com toda a probabilidade, não teriam sido impactados. § 100. O Tribunal a quo invoca ainda que o facto de a CL apenas dispor de dados relativos a preços finais de 2007 em diante seria uma limitação, quando, na verdade, as viaturas em causa na presente ação foram adquiridas entre 2007 e 2010, pelo que os preços pelos quais tais viaturas foram adquiridas pelos concessionários independentes (cf. factos provados 68. e 74.) estão incluídos nos dados concretamente analisados pela CL (os preços pelos quais as entidades locadoras terão, posteriormente, adquirido os camiões aos concessionários independentes não estão incluídos porque, como referido, a MAN não tem visibilidade sobre os preços cobrados pelos concessionários independentes aos seus clientes). § 101. O Tribunal a quo afirma também que o facto de os preços finais se terem mantido estáveis não é garantia da inexistência de um sobrecusto, porque, não fora a Conduta Sancionada, os mesmos poderiam ter sido inferiores, mas tal conclusão depende da realização de uma análise de regressão, sem a qual não é possível confirmar ou infirmar a conjetura do Tribunal a quo. § 102. O facto de haver marcas situadas numa gama mais alta do que outras em termos de preço nada diz sobre o aumento dos preços finais ou sobre a respetiva manutenção, se não fosse a Conduta Sancionada, pois o preço é apenas um dos critérios tidos em conta pelos clientes, a par de outros (assistência técnica, proximidade à oficina, eficiência), ao acresce o facto de os clientes serem especialmente conhecedores do mercado e terem um perfil bastante agressivo na negociação (cf. depoimento de CC), pelo que cai por terra a especulação vertida nos §§2170 a 2176 da Decisão Recorrida. § 103. Também o eventual impacto da crise financeira mundial sobre os preços finais, a que aludem os §§ 2186 e ss. da Decisão da Comissão, teria de ser analisado através de uma análise de regressão, ao que acresce que o potencial efeito da crise pode ter operado a nível das quantidades vendidas e não ao nível dos preços praticados. § 104. Quanto à possibilidade de os efeitos da Conduta Sancionada poderem permanecer para lá do período da infração, cabe referir que o período analisado no Parecer Técnico da CL de 11-12-2023 está compreendido entre 2007 e 2019, ou seja, estende-se 8 anos para além do termo daquela, mantendo-se o nível dos preços finais relativamente estável em contraste com o aumento crescente dos preços brutos. § 105. Não é credível que, mesmo que os potenciais efeitos de uma determinada infração anticoncorrencial se estendam para além da sua cessação, se prolonguem durante 8 anos. § 106. O facto de apenas terem sido considerados dados da MAN na análise empírica feita pela CL não é, ao contrário do que refere o Tribunal a quo, uma limitação, pois o que se visa na presente ação é apurar se houve um sobrecusto verificado no que respeita aos camiões da marca MAN, que são os que estão em causa na presente ação. § 107. As conclusões da análise empírica incluída no Parecer Técnico da CL de 11-12-2023, que o Tribunal a quo não logrou afastar ou enfraquecer através dos argumentos analisados nos parágrafos que antecedem, relevam não só para afastar a presunção judicial de que teria havido um sobrecusto ao nível dos preços pagos pelos clientes diretos (in casu, os concessionários independentes), mas também para afastara segunda presunção operada pelo Tribunal a quo no sentido de que tal sobrecusto ter-se-ia repercutido ao longo de toda a cadeia de comercialização até à Recorrida. § 108. São dois os alicerces em que se baseia a presunção judicial de repercussão do (também ele presumido) sobrecusto: (i) a verificação de um sobrecusto ao nível dos preços brutos de lista; (ii) os preços líquidos são determinados por “influência” dos preços brutos de lista e, como tal, o aumento dos primeiros conduziria inelutavelmente ao aumento dos segundos. § 109. Ambos os alicerces são frágeis: o primeiro porque assenta numa presunção judicial infundada que, como demonstrado, decorre, em larga medida, de uma interpretação errada e deturpada da Decisão da Comissão e que, além do mais, deveria ter cedido perante a contraprova da Recorrente; o segundo porque parte do pressuposto errado de que os preços finais dependem direta e necessariamente dos preços brutos de lista, quando não é assim. § 110. Como resulta da contraprova apresentada pela Recorrente, no caso dos camiões da marca MAN o aumento dos descontos intra-grupo foi suficientemente elevado para neutralizar o aumento dos preços brutos de lista, pelo que se os preços finais cobrados aos clientes diretos estão desligados dos preços brutos, necessariamente também os preços finais cobrados pelos concessionários aos clientes indiretos, como é o caso da Recorrida, estão desligados dos preços brutos (e não foram impactados pelo respetivo aumento). § 111. É importante lembrar, neste contexto, que a Recorrente não tem intervenção no preço que é fixado pela MAN PT (subsidiária portuguesa) aos seus clientes (clientes diretos) e esta, por seu turno, não tem intervenção nos preços cobrados pelos concessionários aos seus respetivos clientes (cf. depoimento de BB… (minutos 00:32:10 a 00:32:53 ficheiro áudio Diligencia_58-19.9YQSTR_2024-01-31_10-37-13.mp3), AA… (minutos 00:40:57 a 00:42:10 do ficheiro áudio Diligencia_58-19.9YQSTR_2024-01-09_14-06-12.mp3 e CC… (minutos 00:18:38 a 00:22:15 do ficheiro áudio Diligencia_58-19.9YQSTR_2024-01-31_11-45-14.mp3). § 112. Como entendido pelo TRL no seu acórdão de 12-09-2023 (proc. 12/19.0YQSTR.L1) “No contexto da natureza do mercado em causa, o juízo de presunção exige considerar fatores explicativos complexos do mercado específico dos camiões, (…) ponderar o fenómeno da repercussão, com as particulares dificuldades que apresenta e que se acentuam, tornando-a mais difícil e difusa, quanto maior for o distanciamento do lesado na cadeia de distribuição face ao lesante” (cf. § 123). § 113. Face ao exposto, reitera-se novamente que os factos dados como provados sob os pontos 83 a 92 devem ser dados como não provados. 4.1.3. Factos que deveriam ter sido dados como provados 4.1.3.1. Factos considerados irrelevantes que deveriam ter sido dados como provados § 114. A factualidade relativa às características do mercado dos camiões que o Tribunal a quo considerou irrelevante impedia-o, caso tivesse ficado provada nos exatos termos que decorrem da prova apresentada pela Recorrente, de estabelecer um nexo lógico entre a Conduta Sancionada e o dano e, com isso, presumir este último, porquanto as referidas características tornam o mercado dos camiões não propenso ao conluio. § 115. Mesmo que se considerasse que a Conduta Sancionada consistiu em acordos de fixação sobre preços brutos (no que não se concede e apenas se equaciona para efeitos de raciocínio), tais características fazem com que seja extremamente difícil implementar esse suposto acordo ao nível dos preços finais, criando, assim, sérias e fundadas dúvidas quanto à possibilidade de a Conduta Sancionada ter tido um impacto nos preços finais pagos pelos clientes e, como tal, de a Recorrida ter suportado o presumido sobrecusto. § 116. o Tribunal a quo deveria ter-se pronunciado sobre as mesmas e incluí-las na decisão sobre a matéria de facto, mais concretamente no elenco de factos provados. § 117. Não o tendo feito, o Tribunal a quo cometeu um erro de julgamento da matéria de facto devendo o Tribunal ad quem, ao abrigo dos seus poderes de substituição ao tribunal recorrido, estatuídos nos arts. 662.º, n.º 1, e 665.º, n.º 2, do CPC, aditar ao elenco de factos provados a factualidade identificada de seguida. § 118. Por ter sido alegado pela Recorrente nos artigos 151.º a 153.º da Contestação e por se encontrar provado pelo § 26 da Decisão da Comissão, pelos pontos 3.5 a 3.12 da secção 3 do Parecer Técnico CL de 11.12.2023 e pelos depoimentos das testemunhas AA… (minutos 00:21:35 a 00:21:40, 00:38:51 a 00:39:49 e 00:46:09 a 00:46:44 do ficheiro áudio Diligencia_58-19.9YQSTR_2024-01-09_11-44-18.mp3) e BB… (minutos 00:06:38 a 00:09:00 do ficheiro áudio Diligencia_58-19.9YQSTR_2024-01-31_10-37-13.mp3), devem ser aditados à matéria de facto provada os seguintes factos: d) Os camiões são bens específicos e direcionados às necessidades de cada cliente (cf. art.º 151.º da Contestação); e) Os camiões são produtos intrinsecamente complexos, diferenciados e cada fabricante de camiões oferece uma ampla gama com centenas de diferentes opções e variantes (cf. art.º 152.º da Contestação); f) O portefólio de camiões comercializados pelo grupo MAN consiste num sistema modular, em que os clientes podem configurar o modelo de camião que mais lhes convém de entre uma grande variedade de opções, existindo mais de 20 000 versões de camiões (cf. art.º 153.º da Contestação). § 119. Por ter sido alegado pela Recorrente nos artigos 162.º e 175.º a 178.º da Contestação e por se encontrar provado pelos pontos 3.15 a 3.21 da secção 3 do Parecer Técnico CL de 11.12.2023 e pelos depoimentos das testemunhas AA… (minutos 00:39:49 a 00:40:36 do ficheiro áudio Diligencia_58-19.9YQSTR_2024-01-09_11-44-18.mp3), BB… (minutos 00:14:56 a 00:15:45, 00:47:45 a 00:48:26 e 01:04:02 a 01:04:18 do ficheiro áudio Diligencia_58-19.9YQSTR_2024-01-31_10-37-13.mp3) e CC… (minutos 00:10:05 a 00:11:08 e 00:14:30 a 00:15:26 do ficheiro áudio Diligencia_58-19.9YQSTR_2024-01-31_11-45-14.mp3), devem ser aditados à matéria de facto provada os seguintes factos: c) Os preços pagos pelos clientes finais são opacos (cf. art.º 175.º da Contestação); d) O preço pago pelo cliente final (tanto nas vendas feitas pela empresa nacional do Grupo MAN, como nas vendas feitas pelos concessionários) é negociado bilateralmente e determinado em função de circunstâncias concretas do camião e das características do cliente (quantidade de camiões adquiridos, potencial do cliente, exposição do cliente na área de influência e a própria aptidão negocial do cliente) (cf. arts. 162.º e 175.º da Contestação). § 120. Por ter sido alegado pela Recorrente no artigo 172.º da Contestação e por se encontrar provado pelo depoimento da testemunha BB… (minutos 00:31:46 a 00:32:10 do ficheiro áudio Diligencia_58-19.9YQSTR_2024-01-31_10-37-13.mp3), deve ser aditado à matéria de facto provada o seguinte facto: b) A Recorrente não tem qualquer intervenção na fixação dos preços pelos quais a MAN Truck & Bus Portugal, Sociedade Unipessoal, Lda. vende os camiões aos concessionários ou diretamente a clientes finais (cf. art.º 172.º da Contestação). § 121. Por consubstanciar factualidade instrumental relevante que resultou da instrução da causa e que ficou provada através dos depoimentos das testemunhas BB… (cf. minutos 00:32:10 a 00:32:54 do ficheiro áudio Diligencia_58-19.9YQSTR_2024-01-31_10-37-13.mp3) e CC… (cf. minutos 00:12:14 a 00:13:09 do ficheiro áudio Diligencia_58-19.9YQSTR_2024-01-31_11-45-14.mp3), devem ser aditados à matéria de facto provada os seguintes factos: c) Os concessionários fixam livremente os preços de venda aos clientes finais, decidindo autonomamente os descontos que aplicam; d) As empresas do Grupo MAN desconhecem o desconto concedidos pelos concessionários e o preço final pago pelos clientes dos concessionários. § 122. Por ter sido alegado pela Recorrente nos artigos 166.º a 168.º da sua Contestação e por se encontrar provado pelo § 26 da Decisão da Comissão, pelos pontos 3.24 a 3.26 e pela Figura 2 da secção 3 do Parecer Técnico CL de 11.12.2023 e pelo depoimento da testemunha AA… (cf. minutos 00:35:45 a 00:35:55 do ficheiro áudio Diligencia_58-19.9YQSTR_2024-01-09_11-44-18.mp3), devem ser aditados à matéria de facto provada os seguintes factos: c) A procura de camiões é altamente cíclica (cf. art.º 166.º da Contestação); d) Os camiões são adquiridos exclusivamente por clientes empresariais, que muitas vezes adiam a decisão de renovar a sua frota de camiões em períodos de crise económica (cf. art.º 167.º da Contestação). § 123. Por ter sido alegado pela Recorrente nos artigos 163.º a 164.º da sua Contestação e por se encontrar provado pelo § 26 da Decisão da Comissão, pelos pontos 3.13 a 3.14 e 3.22 a 3.23 da secção 3 do Parecer Técnico CL de 11.12.2023 e pelos dos depoimentos das testemunhas AA… (cf. minutos 00:46:44 a 00:49:12 do ficheiro áudio Diligencia_58-19.9YQSTR_2024-01-09_11-44-18.mp3) e CC… (cf. minutos 00:11:12 a 00:12:02 e 00:16:51 a 00:18:38 do ficheiro áudio Diligencia_58-19.9YQSTR_2024-01-31_11-45-14.mp3), deve ser aditado à matéria de facto provada o seguinte facto: b) Para além do preço, há outros fatores que influem a decisão de compra dos camiões, designadamente serviços de financiamento, serviços de manutenção, serviços de garantia alargada, desempenho técnico do camião, o consumo de combustível, custo operacionais, custos do serviço pós-venda (cf. arts. 163.º e 164.º da Contestação). § 124. Por consubstanciar factualidade instrumental relevante que resultou a instrução da causa e que ficou provada através dos pontos 3.27 a 3.29 e das figuras 3 e 4 da secção 3 do Parecer Técnico CL de 11.12.2023 e dos depoimentos das testemunhas AA… (cf. minutos 00:40:42 a 00:41:10, 00:41:30 a 00:44:45 e 00:45:33 a 00:45:38 do ficheiro áudio Diligencia_58-19.9YQSTR_2024-01-09_11-44-18.mp3) e BB… (cf. minutos 00:10:21 a 00:12:37 do ficheiro áudio Diligencia_58-19.9YQSTR_2024-01-31_10-37-13.mp3), deve ser aditado à matéria de facto provada o seguinte facto: a) A estrutura de mercado é assimétrica e durante o período da infração os fabricantes tinham quotas de mercado diferentes. 4.1.3.2. O Tribunal a quo deveria ter dado como provada a repercussão (parcial) a jusante (também) relativamente aos veículos com as matrículas 49-…-… e 58-…-… § 125. Para o caso de este Tribunal (i) manter a decisão do Tribunal a quo quanto à existência de um sobrecusto no valor de 5% sobre o preço de aquisição resultante da Conduta Sancionada e (ii) manter a decisão do Tribunal a quo que julgou válida a cessão de créditos indemnizatórios celebrada entre a Madeiras Af, Lda. (cedente) e a Recorrida (cessionária) relativamente aos veículos com as matrículas 49-..-.. e 58-…-… (no que não se concede e apenas por dever de patrocínio se equaciona), ainda assim deverá dar como provada a repercussão (parcial) a jusante do alegado sobrecusto relativamente aos mesmos dois veículos, na mesma medida em que o Tribunal a quo o fez quanto aos outros dois (com as matrículas 87-…-… e 29-…-…). § 126. O Tribunal a quo só não considerou a repercussão a jusante de 2% quanto aosveículos de matrículas 49-…-… e 58-…-… por ter aplicado um argumento excessivamente formalístico, contrário aos parâmetros interpretativos legalmente definidos. Vejamos: § 127. Não obstante a ambiguidade no modo como a Recorrida configurou a ação, o Tribunal a quo entendeu que a Recorrida formulou o pedido indemnizatório relativo aos veículos com a matrícula 49-…-… e 58-…-… na qualidade de cessionária – assumindo, por isso, como sua, a posição jurídica da cedente –, invocando, para tanto, a celebração de acordo de cessão de créditos entre a sua subsidiária Madeiras Af (cedente) e a Recorrida (cf. Doc. n.º 6 da PI aperfeiçoada), o qual teria por objeto o putativo crédito indemnizatório da Madeiras Af sobre a Recorrente. § 128. Em sede de Contestação (em particular, no art.º 259.º), a Recorrente alegou, desde logo, a repercussão a jusante do alegado sobrecusto, tendo, posteriormente, desenvolvido tal alegação na Resposta à PI aperfeiçoada (cf. artigos 70.º a 92.º). § 129. Dada a dupla qualidade que a Recorrida assume nos autos (enquanto adquirente de dois dos camiões e, no que respeita aos veículos 49-…-… e 58-…-…, enquanto cessionária do pretenso crédito indemnizatório de uma entidade terceira), quando a Recorrente invocou, a título subsidiário, a exceção perentória de repercussão a jusante, considerava a repercussão considerando as duas dimensões que processualmente se concentram na Recorrida: (i) por um lado, a repercussão ocorrida no âmbito da atividade da Recorrida, quanto aos dois primeiros veículos, e, por outro lado, (ii) a repercussão ocorrida no âmbito da atividade desenvolvida pela pessoa cuja posição jurídica, em sua substituição, a mesma Autora assume nos presentes autos. § 130. Ou seja, a Recorrente referia-se à repercussão relativa aos quatro veículos. § 131. Esta é, aliás, a única interpretação admissível, quando se considerem os critérios de interpretação jurídica vigentes na ordem jurídica portuguesa e aplicáveis no âmbito do processo. § 132. De acordo com o art.º 295.º do CC, que se reporta a “atos jurídicos” em geral, neles se incluindo as peças processuais das partes, a Contestação da Recorrente (e a sua Resposta à PI aperfeiçoada) deve ser interpretada à luz dos critérios estabelecidos no art.º 236.º, n.º 1, e no art.º 237.º do CC. § 133. Ora, de acordo com a norma do art.º 236.º, n.º 1, do CC, a interpretação em causa deve ser efetuada de forma devidamente contextualizada e enquadrada, e não em termos puramente formalistas. § 134. E todo o comportamento processual do declarante (a aqui Recorrente) conflui no sentido interpretativo acima explicitado, destacando-se, tal como melhor desenvolvido nestas alegações: (i) O facto de a Recorrente se ter referido, no artigo 77.º da sua Resposta à PI aperfeiçoada, aos quatro veículos dos autos como sendo os veículos relevantes para se aferir da repercussão a jusante do alegado sobrecusto; (ii) O facto de os fundamentos invocados pela Recorrente a esse título assumirem caráter geral, não se reportando a um concreto sujeito, sendo antes relativos à teoria económica; (iii) O facto de a repercussão ter sido invocada pela Recorrente em sede de contestação, visando-se, por natureza, com a invocação desta exceção perentória, reduzir o montante indemnizatório formulado pela Recorrida na PI, a qual se reporta a quatro veículos, pelo que resulta claro que, quando a Recorrente invocou a repercussão, se referia à repercussão relativa aos mesmos quatro veículos. § 135. Se dúvidas subsistissem, os critérios fixados no artigo 237.º do CC conduzem à mesma conclusão interpretativa: (i) por um lado, o sentido declarativo menos oneroso para o declarante (a aqui Recorrente) é o de que a repercussão se refira aos quatro veículos; (ii) por outro lado, esse é também o sentido interpretativo mais conducente ao equilíbrio das posições das Partes, dado que, referindo-se a Recorrida ao sobrecusto relativo a quatro veículos, deve interpretar-se que a invocação da repercussão do sobrecusto por parte da Recorrente também se reporta a esses quatro veículos. § 136. Mediante a convocação dos critérios interpretativos legalmente aplicáveis (contextualizadores e de enquadramento), que não critérios meramente formalistas (adotados pelo Tribunal a quo), é de concluir que a Recorrente invocou a repercussão do sobrecusto quanto aos quatro veículos dos autos – incluindo, assim, o âmbito de atividade da própria Madeiras Af, Lda. § 137. A fundamentação do Tribunal a quo para considerar verificada a repercussão (parcial) do sobrecusto quanto aos veículos de matrículas 87-…-… e 29-…-… (cf. fundamentação subjacente ao facto provado n.º 103, pp. 93 a 98 da Decisão Recorrida) assume caráter geral, reconduzindo-se, no essencial, a critérios constantes do Guia Prático da Comissão, e sendo, no mais, integralmente replicável e aplicável à repercussão do sobrecusto relativo aos aludidos veículos de matrículas 49-…-… e 58-…-…, § 138. Sobretudo tendo em conta (i) a inconclusividade da perícia relativamente à Recorrida, (ii) que a Madeiras Af, Lda. também foi constituída / iniciou a sua atividade durante o período da infração (neste caso, em 1998), e (iii) que a Madeiras Af, Lda. tem um âmbito de atividade idêntico ao da Recorrida (cf. factos provados n.ºs 45, 45-A e 102, bem como §§ 2488 e 2489 da Decisão Recorrida. § 139. Assim, se e na medida em que este Tribunal confirmar a existência de um dano no valor estabelecido pelo Tribunal a quo, o que apenas por mero dever de patrocínio se concebe, deve, em consequência, julgar provada a verificação da repercussão (parcial) a jusante também quanto aos dois veículos de matrícula 49-…-… e 58-…-… e, nessa medida, deve ser aditado um facto provado nos seguintes termos (similares ao facto provado n.º 103): “Parte do valor pago em excesso pela Madeiras Af na aquisição dos veículos de matrículas 49-…-… e 58-…-… derivado da conduta a que alude a Decisão da Comissão foi repercutido, em valor não concretamente apurado, por si, nos montantes cobrados aos seus clientes pelos serviços que presta de madeireira” (cf. fundamentação subjacente ao facto provado n.º 103 relativamente aos veículos de matrículas 87-…-… e 29-…-…, pp. 93 a 98 da Decisão Recorrida, certidão permanente da Madeiras Af, Lda. junta pela Recorrida através de requerimento datado de 24.03.2021, com a ref.ª 49803, e facto provado n.º 45-A). § 140. Adicionalmente, para completude e por corresponder à prova produzida (designadamente o depoimento da testemunha DD), a Recorrente requer que seja também aditado um facto provado prévio ao anterior, nos seguintes termos (espelhando, assim, o facto provado n.º 102): “A Madeiras Af utilizou os veículos de matrículas 49-…-… e 58-…-… no âmbito da sua atividade económica de exploração, comércio e transformação de madeiras, importação e exportação de madeiras” (cf. depoimento da testemunha DD, prestado na audiência de julgamento de 08-01-2024, minutos 00:08:43 a 00:10:47 e 00:15:52 a 00:17:55 do ficheiro áudio Diligencia_58-19.9YQSTR_2024-01-08_16-19-11.mp3, bem como certidão permanente da Madeiras Af, Lda. junta pela Recorrida através de requerimento datado de 24-032021, ref.ª 49803, e facto provado n.º 45-A). § 141. Sendo provada a repercussão a jusante também relativamente aos veículos de matrícula 49-…-… e 58-…-…, o valor da condenação da Recorrente terá de ser, consequentemente, adaptado, no sentido de passar a prever a redução de 2% tal como aplicado aos veículos 87-…-… e 29-…-… (cf. §§ 4808 e seguintes da Decisão Recorrida). 4.2. Recurso da Decisão sobre a Matéria de Direito 4.2.1. O facto ilícito é o que decorre da Decisão da Comissão e não tem os contornos que o Tribunal a quo lhe atribuiu § 142. O Tribunal a quo qualificou o ato ilícito como consistindo em acordos de fixação de preços brutos e aumentos de preços, o que resulta, conforme exposto supra, de uma errada tradução para português de vários parágrafos do texto da Decisão da Comissão (cuja versão inglesa é a única que faz fé), e de uma consequente deturpada interpretação da mesma. § 143. O ato ilícito, à luz do qual devem ser avaliados os demais requisitos da responsabilidade civil extracontratual, consistiu, porém, em trocas de informações sobre preços brutos e aumentos de preços brutos nos termos que estritamente resultam da Decisão da Comissão (cf., em particular, o capítulo 2.1.2.2 das presentes alegações). 4.2.2. Os requisitos do Dano e do Nexo de Causalidade não estão verificados 4.2.2.1. Questão prévia: a invalidade da cessão de créditos indemnizatórios relativamente aos veículos com as matrículas 49-…-… e 58-…-…e respetivas consequências (§§ 4016 a 4152 da Decisão Recorrida) § 144. Os veículos com as matrículas 49-…-… e 58-…-… terão sido adquiridos pela Recorrida à sua subsidiária Madeiras Af, Lda., tendo o Tribunal a quo considerado, como se viu supra, que o pedido indemnizatório formulado relativamente aos mesmos assenta numa cessão de créditos da referida subsidiária para a Recorrida, que aquele considerou (erradamente) válida (§§ 4016 a 4152 da Decisão Recorrida). § 145. A Recorrida alegou que tal subsidiária lhe cedeu o seu alegado direito indemnizatório sobre a Recorrente (cf. artigo 5.º e Doc. n.º 6 da PI aperfeiçoada). § 146. Porém, tal cessão de créditos é inválida, desde logo por força do artigo 280.º, n.º 1, do CC, pois tem por objeto um crédito não apenas futuro, mas de existência verdadeiramente incerta e eventual, indeterminado e indeterminável. § 147. A existência real e jurídica e a exigibilidade de um crédito indemnizatório fundado em responsabilidade civil extracontratual dependem de uma decisão judicial que dê por verificados os seus pressupostos, sem a qual qualquer pretensão à indemnização permanece numa esfera meramente eventual e indeterminável. § 148. Ademais, apesar de o Tribunal a quo reconhecer que a cessão gratuita de créditos futuros não é admissível (cf. art.º 942.º, n.º 1, do CC) e que “não [resulta] dos factos provados o pagamento de qualquer quantia pela cessão de crédito em causa” (cf. §§ 4121 a 4125, bem como §§ 4126 e 4127 da Decisão Recorrida), o mesmo, erradamente, assume que a cessão de créditos operada consiste num ato de comércio, fazendo presumir a sua onerosidade. § 149. Porém, a cessão de créditos não e ato de comércio objetivo, visto que não se encontra especialmente prevista em qualquer lei de natureza comercial, e, para que se tratasse de um ato de comércio subjetivo seria necessário que o ato (i) tivesse sido praticado por um comerciante, (ii) não tivesse natureza exclusivamente civil, e (iii) não resultasse do seu conteúdo e circunstâncias que o mesmo não está conexionado com o comércio do respetivo sujeito que o pratica (cf. 2.ª parte do artigo 2.º do Código Comercial). § 150. Apesar de a Madeiras Af, Lda. ser uma comerciante, as indemnizações fundadas em responsabilidade civil extracontratual têm natureza exclusivamente civil pelo que a cessão do respetivo crédito indemnizatório também a terá (cf., entre outros, Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 01.07.2021, no âmbito do processo n.º 3655/06.9TVLSB.L2.S1, disponível em www.dgsi.pt, e PINTO COELHO, in Lições de Direito Comercial, 1.º Vol., pp. 70 e 71). § 151. A cessão de créditos operada, além de ter sido feita intragrupo (i.e. da subsidiária da Recorrida para a própria), não tem qualquer ligação com o objeto social da Madeiras Af, Lda. (nem com o da Recorrida), não tendo sido praticado no âmbito da sua atividade comercial, mas sendo antes um ato isolado e excecional em nada relacionado com os objetos sociais das duas empresas. § 152. Cabia à Recorrida fazer a prova da onerosidade da cessão de créditos. Não o tendo feito, não se pode deixar de concluir que, também por esta razão, tal cessão é inválida. § 153. deve este Tribunal julgar nula a cessão de créditos que constitui o Doc. n.º 6 da PI aperfeiçoada, e, em consequência, declarar a ilegitimidade substantiva ativa da Recorrida na presente ação no que respeita a estes dois veículos, dado que a mesma não pode reclamar (supostos) danos de terceiros, absolvendo a Recorrente do pedido quanto a essa parte. § 154. Por fim, ainda que o Tribunal ad quem venha a considerar válida a cessão de créditos em causa (no que não se concede), reitera-se que deverá, de qualquer modo, dar como provada a repercussão (parcial) a jusante relativamente aos veículos com as matrículas 49-…-… e 58-…-…, tal como demonstrado pela Recorrente no capítulo 2.2.2 destas alegações. 4.2.2.2. A Recorrida não fez prova do dano nem, consequentemente, do nexo de causalidade § 155. Como resulta do exposto em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, a Recorrida não fez prova do dano – traduzido, neste caso, na existência de um custo adicional – e muito menos da respetiva quantificação – e, consequentemente do nexo de causalidade, quando era àquela que indiscutivelmente competia fazer essa prova. § 156. Mais competia à Recorrida demonstrar que o custo adicional teria sido repercutido em toda a cadeia de distribuição dos veículos da marca MAN, designadamente nos concessionários independentes (que adquiriram os veículos aogrupo MAN), nas entidades de locação financeira (que adquiriram os veículos aos concessionários independentes) e na própria Recorrida (que, por último, os adquiriu às entidades de locação financeira), o que aquela manifestamente não logrou fazer. § 157. As presunções de dano e de repercussão do dano previstas, respetivamente, nos arts. 9.º, n.º 1 e 8.º, n.º 3 da LPE, não são aplicáveis ao presente caso, uma vez que se trata de normas substantivas que não são aplicáveis ratione temporis ao presente caso. § 158. O Tribunal a quo estabeleceu duas presunções judiciais que carecem de suporte factual: em primeiro lugar, o Tribunal a quo presumiu a existência de um sobrecusto ao nível dos preços brutos que decorreria da própria Decisão da Comissão; em segundo lugar, o Tribunal a quo presumiu que esse (presumido) sobrecusto se teria repercutido ao longo de toda a cadeia de comercialização até à Recorrida. § 159. Ou seja, o Tribunal a quo, na prática, substituiu as presunções legais que consabidamente não podia aplicar no presente caso, por duas presunções judiciais. § 160. Porém, o acervo dos factos que ficaram efetivamente provados (e que não são aqueles, como vimos, que o Tribunal a quo incluiu no elenco de factos provados) não permitem fazer operar tais presunções. § 161. Em primeiro lugar, porque, relativamente a determinados parágrafos, o Tribunal a quo fez uma errada tradução para português e, por inerência, uma errada interpretação da Decisão da Comissão e considerou que dela resultaria a existência de acordos sobre preços brutos no sentido do respetivo aumento, quando o que dela resulta é algo diferente, conforme sobejamente exposto nas presentes alegações. § 162. Consistindo a natureza da infração essencialmente em trocas de informações sobre preços brutos e aumentos de preços brutos (salvo casos pontuais e circunscritos de acordos sobre preços brutos que não definem, justamente pelo seu caráter isolado, a natureza da Conduta), cai por terra a primeira presunção operada pelo Tribunal a quo, ao que acrescente o facto de a contraprova apresentada pela Recorrente concorrer igualmente no sentido de que o mercado dos camiões não é propenso ao coluio, designadamente, por força das suas inúmeras particularidades (vg. heterogeneidade do produto, negociação bilateral de preços, opacidade dos preços, assimetria do mercado). § 163. Em segundo lugar, e no que respeita à segunda presunção estabelecida pelo Tribunal a quo (repercussão do presumido sobrecusto ao longo da cadeia até à Recorrida), conclui-se que a mesma assenta também ela numa errada interpretação da Decisão da Comissão, invocando o Tribunal a quo, por diversas vezes, o respetivo § 47,como se dele resultasse que também os preços líquidos teriam sido afetados pela Conduta Sancionada, quando o que ali se refere é que os destinatários da Decisão da Comissão ficaram em melhor posição para calcular os preços líquidos aproximados dos concorrentes dependentemente do nível de informação que cada um tinha sobre o mercado. § 164. Acresce que a contraprova apresentada pela Recorrente logrou demonstrar que não há qualquer indício de que tenha havido um sobrecusto decorrente da Conduta Sancionada, não só devido às características específicas do mercado dos camiões, mas também em virtude dos resultados da análise empírica contida no Parecer Técnico CL de 11.12.2023, conjugada com os depoimentos de CC… e de BB…. § 165. Tendo sido empiricamente evidenciado no referido parecer que não existe uma ligação sistemática entre preços brutos e preços líquidos ao nível dos camiões da marca MAN, conclui-se que, ainda que tivesse existido um acordo ao nível dos preços brutos, os preços finais não teriam sido impactados, pelo que as presunções estabelecidas pelo Tribunal a quo teriam de ceder, nos termos do disposto no art.º 414.º do CPC e do art.º 346.º do CC, impondo-se concluir pela inexistência de um sobrecusto e da respetiva repercussão. § 166. As críticas apontadas pelo Tribunal à prova apresentada pela Recorrente não são adequadas à finalidade e propósito da análise empírica que foi feita no Parecer Técnico CL de 11.12.2023, estando subjacente às mesmas e à valoração da contraprova apresentada pela Recorrente o entendimento errado do Tribunal a quo de que competiria à Recorrente fazer prova da inexistência do presumido sobrecusto, quando apenas lhe competia gerar dúvidas fundadas sobre a verificação do mesmo, o que manifestamente logrou fazer. § 167 Não tendo sido provada a existência de um dano – correspondente ao pagamento de um sobrepreço – e não tendo consequentemente ficado provado o nexo de causalidade, não estão verificados os pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar e, como tal, deve o Tribunal ad quem revogar a Decisão Recorrida e absolver a Recorrida do pedido. 4.2.2.3. Impossibilidade de recurso a estimativa judicial na ausência total de prova para a quantificação do alegado dano § 168. Sem prescindir do exposto supra quanto à inexistência de um dano e do nexo de causalidade, não tendo sido feita, pela Recorrida, a quantificação do sobrecusto presumido pelo Tribunal a quo, este não poderia ter recorrido, como recorreu, à estimativa judicial do dano, que é um mecanismo de ultima ratio previsto no art.º 9.º, n.º 2 da LPE § 169. O recurso à estimativa judicial depende necessariamente da produção de prova por parte do lesado destinada à respetiva quantificação, até mesmo quando este beneficia da presunção legal de dano prevista no art.º 9.º, n.º 1 da LPE (que não é aplicável aos presentes autos ratione temporis). § 170. Para avaliar se é “praticamente impossível” ou “excessivamente difícil calcular com exatidão os anos totais sofridos pelo lesado (condições de que depende a aplicação do art.º 9.º, n.º 2 da LPE), o lesado tem, pelo menos, de fazer um esforço probatório mínimo para quantificação do dano, sob pena de a ponderação sobre a dificuldade probatória não ter qualquer objeto. § 171. No presente caso, como se reconhece na Decisão Recorrida, e mesmo perante a disponibilização da Recorrente para partilhar os dados utilizados no Parecer Técnico da CL de 11-12.2023, “a posição da Autora quanto a esse pressuposto da quantificação do dano se acha absolutamente negligente, ou seja, existiu por parte da Autora um descomprometimento probatório a esse respeito”, o que prejudica o recurso à estima judicial” (§§ 4197-4204. § 172. De acordo com o entendimento do TJUE vertido no Acórdão Tráficos MF SL, relativo ao processo C-312/21 “(…) na hipótese de a impossibilidade prática de avaliar o dano resultar da inação do demandante, não cabe ao juiz nacional substituir‑se a este último nem colmatar as suas falhas” (ponto 57 do referido Acórdão). § 173. O TRL, no seu Acórdão de 06-11-2023, na esteira da referida decisão do TJUE, referiu também que “este poder deve ser uma ultima ratio ao dispor do tribunal e não pode visar colmatar falhas processuais das partes”, § 174. Tendo igual entendimento sido preconizado pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão em caso análogo ao presente, que culminou com a improcedência da ação: “Não é, pois, possível pedir uma indemnização, como a Autora fez, sem recorrer a um relatório técnico que, para além de ter essa denominação, cumpra os requisitos mínimos, propondo uma hipótese razoável, tecnicamente fundamentada em dados verificáveis, servindo-se de métodos aceites pela teoria económica. Razão pela qual, falece aqui a pretensão da Autora” (cf. decisão de 14-02-2023, proferida no âmbito do processo 64/19.3YQSTR). § 175. No presente caso, ao ter estimado o valor do dano sem que a Recorrida tenha feito qualquer esforço probatório destinado à respetiva quantificação, o Tribunal a quo substituiu-se àquela, suprindo a sua (reconhecida) inércia probatória. § 176. Os argumentos que o Tribunal usou para procurar justificar o recurso à estimativa judicial mesmo perante a inquestionável inércia da Recorrida não colhem, porquanto (i) visam desonerar a Recorrida com base no “muitíssimo elevado” custo inerente à quantificação dano, o que está por demonstrar e, em qualquer caso, não poder servir para desonerar totalmente o lesado de, pelo menos, tentar fazer prova do quantum do dano, (ii) partem do pressuposto de que a Recorrida teria necessariamente de recorrer a dados da Recorrente para fazer essa prova, o que não é obrigatório; (iii) estão contaminados pelo juízo de falta de integridade que o Tribunal a quo infundadamente teceu a respeito dos dados usados no parecer técnico da Recorrente; (iv) têm por base uma opinião do Tribunal a quo sobre qual a metodologia que considera mais robusta, quando, na verdade, existem outros métodos previstos no Guia Prático destinados à quantificação do sobrecusto dos quais a Recorrida poderia ter lançado mão (competindo depois ao Tribunal valorar a robustez dessa prova). § 177.A referência feita no §§ 4283-4296 da Decisão Recorrida a um excerto específico do Acórdão do TRL de 06-11-2023 não permite justificar nem validar a opção do Tribunal a quo de recorrer à estimativa judicial, pois o que ali se refere é que, mesmo que o ali lesado não tenha pedido documentos em poder da parte contrária, o facto de ter apresentado um parecer técnico é, no entendimento do TRL, suficiente para se lançar mão da estimativa judicial. A situação ali em causa é, pois, totalmente diferente da que se verifica nos presentes autos. § 178. A referência às decisões dos tribunais espanhóis e à decisão do CAT, nas quais foi estimado o quantum do dano, é igualmente inócua para o presente caso, porquanto, naqueles casos, o lesado fez um esforço mínimo para quantificar o alegado dano, diferentemente do que sucede nos presentes autos. § 179. O recurso à estimativa judicial sem que a Recorrida tenha sequer tentado quantificar o dano que alega ter sofrido viola as regras sobre a repartição do ónus da prova e o princípio da igualdade de armas, consagrado no artigo 4.º do CPC. § 180. A interpretação do art.º 9.º, n.º 2 da LPE no sentido de que o tribunal pode proceder aos cálculos dos danos sofridos pelo lesado sem que este tenha levado a cabo qualquer diligência de produção de prova destinada à quantificação do dano alegado é inconstitucional por violação do princípio do processo equitativo, consagrado no art.º 20.º, n.º 4, da Constituição, o que desde já se invoca. § 181. Do mesmo modo, deve igualmente entender-se que a interpretação do disposto no art.º 342.º do CC no sentido de permitir que a existência de dificuldades na prova de um facto que cabe à parte que o invoca a pode desonerar de quaisquer diligências tendentes à respetiva prova é inconstitucional, por violação do princípio do processo equitativo, consagrado no art.º 20.º, n.º 4, da Constituição, o que desde já se invoca. 4.2.3. Subsidiariamente: repercussão do sobrecusto § 182. Para a eventualidade de a primeira parte do presente recurso ser desestimada, o que se alega por cautela e sem conceder, a Recorrente volta a insistir na sua defesa subsidiária de repercussão a jusante do sobrecusto alegadamente incorrido com a aquisição dos quatro camiões em causa nesta ação. § 183. Com efeito, e tal como demonstrado pela Recorrente no capítulo 2.2.2 destas alegações, o Tribunal a quo também deveria ter dado como provada a referida repercussão (ainda que parcial) relativamente aos veículos com as matrículas 49-…-… e 58-…-…, da mesma forma que o fez quanto aos outros dois veículos. § 184. Dando-se como provada a repercussão (parcial) a jusante relativamente aos veículos com as matrículas 49-…-… e 58-…-…, o valor da condenação da Recorrente terá de ser, consequentemente, adaptado, no sentido de passar a prever o “desconto” de 2% tal como aplicado aos veículos 87-…-… e 29-…-… (cf. §§ 4808 e seguintes da Decisão Recorrida). 4.2.4. Subsidiariamente: questões finais quanto aos juros de mora § 185. A título subsidiário, e apenas para o caso de o Tribunal ad quem confirmar a Decisão Recorrida na parte em que esta condenou a Recorrente ao pagamento de uma indemnização à Recorrida, o valor da condenação da Recorrente sempre teria de ser inferior ao estipulado na Decisão Recorrida, uma vez que que o Tribunal a quo incorreu em dois erros na determinação dos juros de mora. § 186. Em primeiro lugar, o Tribunal a quo desaplicou incorretamente o art.º 805.º, n.º 3, 2.ª parte do CC, que estabelece a regra de que na “responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação” e estipulou, invocando o princípio da efetividade, que os juros são devidos desde a data de pagamento do valor residual previsto nos contratos de locação financeira (data da verificação do suposto dano), sob pena de esta não ser ressarcida pela perda de oportunidade de dispor do capital. § 187. Porém, a Diretiva não impõe a cobrança de juros desde o tempo da produção do dano, não prescreve que os lesados têm genericamente o direito a lucros cessantes (a menos, claro, que deles façam prova) e a ressarcibilidade da desvalorização monetária motivada pelo decurso do tempo, que se encontra referida na Diretiva (Considerando 12), encontra-se salvaguardada no direito interno, tanto pelo mecanismo da correção monetária previsto no art.º 566.º, n.º 2, do CC, como pela obrigação de pagamento de juros de mora a contar da data da citação (ou, seoportunamente requerida e aplicada a referida correção monetária, desde a respetiva decisão atualizadora). § 188. Ao interpretar e aplicar as normas do art.º 805.º, n.º 2, al. b), e n.º 3, segunda parte, do CC, em articulação com o princípio da efetividade e o disposto no art.º 101.º do TFUE, no sentido de, num caso em que o crédito é ilíquido e emerge de responsabilidade civil por facto ilícito, serem cobrados juros de mora a partir da data da verificação do dano e não desde a data da citação, a Decisão Recorrida violou o princípio da proteção da confiança e da certeza jurídica ínsitos no artigo 2.º, 18.º e 20.º da Constituição, o que desde já se invoca. § 189. Por conseguinte, deve a Decisão Recorrida ser revogada na parte em que desaplica a norma segundo a qual na responsabilidade por facto ilícito só são devidos juros desde a data da citação da Recorrente, resultante do disposto no art.º 805.º, n.º 3, 2.ª parte, do CC, e substituída por outra que aplique a referida norma e, consequentemente, determine que, a serem devidos juros, os mesmos só seriam devidos desde a data de citação da Recorrente. § 190. Em segundo lugar, e subsidiariamente para o caso de este Venerando Tribunal entender que são devidos juros vencidos antes da data da citação da Recorrente (o que não se admite e apenas se equaciona por dever de cautela e de patrocínio), o Tribunal a quo desaplicou a regra prevista no art.º 310.º al. d), do CC segundo a qual os juros prescrevem em 5 anos, invocando novamente, sem fundamento atendível, o princípio da efetividade. § 191. A Diretiva reconhece aos Estados-Membros a competência para estabelecerem regras aplicáveis aos prazos de prescrição para intentar ações de indemnização e da leitura do art.º 10.º e do Considerando 36 Diretiva pode concluir-se com segurança que não há qualquer incompatibilidade entre o regime da prescrição da obrigação de pagamento de juros constante do art.º 310.º, al. d), do CC e o regime resultante da Diretiva. § 192. O direito singular a cada prestação de juros pode ser afetado pelo decurso do tempo de modo distinto do direito unitário às diversas prestações, sem que tal se traduza numa restrição grave aos direitos conferidos pelo Direito da UE, sendo que a própria Diretiva procura obstar a atribuição de indemnizações excessivas de índole punitiva (cf. art.º 3.º n.º 3, da Diretiva). § 193. Ao interpretar e aplicar a norma do art.º 310.º, al. d) do CC, em articulação com o princípio da efetividade e o disposto no art.º 101.º do TFUE, no sentido de considerar não prescritos os juros vencidos há mais de cinco anos, a Decisão Recorrida violou o princípio da proteção da confiança e da certeza jurídica ínsitos no arts. 2.º, 18.º e 20.º da Constituição, o que desde já se invoca. § 194. Por conseguinte, caso o Tribunal ad quem confirme o entendimento adotado na Decisão Recorrida de que são devidos juros vencidos antes da data da citação da Recorrente, no que não se concede, deverá aplicar o art.º 310.º, al. d), do CC e considerar prescritos os juros vencidos 5 anos antes da citação da Recorrente.” *
A autora “MAPAFOZ – MADEIRAS E DERIVADOS, LDA.” não respondeu ao recurso interposto pela ré “MAN TRUCK & BUS AG”.
*
Admitido o recurso e colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO:
a) Factos provados:
A primeira instância julgou provados os seguintes factos: “- Da Decisão da Comissão Europeia datada de 19-07-2016 – Processo AT.39824 — Camiões: 1. No dia 18-01-2011, a Comissão, no âmbito do processo com a referência CASE AT.39824 Trucks (PROCESSO AT.39824 Camiões), ao abrigo do disposto no art.º 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e do disposto no art.º 53.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (Acordo EEE), iniciou uma investigação ao mercado de produção de veículos pesados de mercadorias; 2. A decisão da Comissão em dar início a tal investigação assentou num pedido de imunidade apresentado pela Man à Direcção-Geral da Concorrência no dia 20-09-2010, nos termos do ponto 14 da Comunicação da Comissão relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis, momento em que revelou a sua participação num alegado cartel de camiões que afectava o mercado único europeu; 3. Subsequentemente, a MAN, a DAF, a DAIMLER, a VOLVO, a RENAULT e a IVECO apresentaram à Comissão um pedido formal de transacção, nos termos do disposto no art.º 10.º-A, n.º 2 do Regulamento (CE) n.º 773/2004 da Comissão; 4. Tendo a Comissão Europeia adoptado a Decisão datada de 19-07-2016 – Processo AT.39824 — Camiões e publicada no mesmo dia, com o conteúdo constante do documento n.º 6 junto com a contestação apresentada em 10-01-2020, ref.ª 41066 (link “case number 39824” e subsequente link “EN published on 30-06-2020”, no item “19.07.2016 Settlement Decision”), que aqui se considera integralmente reproduzido; 5. Nessa sede, foi consignado o seguinte, em sede de “Introdução”: (1) This Decision relates to a single and continuous infringement of Article 101 of the Treaty on the Functioning of the European Union ("TFEU") and Article 53 of the Agreement on the European Economic Area ("EEA Agreement") – tradução nossa livre: “(1) A presente Decisão é relativa a uma infracção única e continuada do Artigo 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia ("TFUE") e do Artigo 53.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu ("Acordo EEE"). 6. E que “(2) The infringement consisted of collusive arrangements on pricing and gross price increases in the EEA for medium and heavy trucks; and the timing and the passing on of costs for the introduction of emission technologies for medium and heavy trucks required by EURO 3 to 6 standards. The infringement covered the entire EEA and lasted from 17 January 1997 until 18 January 2011” – tradução nossa livre: “(2) A infracção consistiu em acordos colusórios relativos aos preços e aos aumentos do preço bruto no EEE dos camiões de média tonelagem e pesados; e na temporização e a transmissão dos custos relativos à introdução das tecnologias de emissões para camiões e média tonelagem e pesados conforme exigido pelas normas EURO 3 a 6. A infracção abrangeu todo o EEE e decorreu entre 17-01-1997 e 18-01-2011”; 7. E ainda que; “(3) The facts as outlined in this Decision have been accepted by MAN, Daimler, Iveco, Volvo and DAF (the "Addressees") in the settlement procedure; – tradução nossa livre: “(3) Os factos descritos na presente Decisão foram aceites pela MAN, Daimler, Iveco, Volvo e DAF (os "Destinatários") no procedimento de resolução.” 8. Foram identificados os seguintes “produtos sujeitos ao processo”: (5) The products concerned by the infringement are trucks weighing between 6 and 16 tonnes ("medium trucks") and trucks weighing more than 16 tonnes ("heavy trucks") both as rigid trucks as well as tractor trucks (hereinafter, medium and heavy trucks are referred to collectively as "Trucks"). The case does not concern aftersales, other services and warranties for trucks, the sale of used trucks or any other goods or services sold by the addressees of this Decision.” – tradução nossa livre: “(5) Os produtos relacionados com a infracção são camiões com um peso situado entre as 6 e as 16 toneladas ("camiões de média tonelagem") e camiões com um peso superior a 16 toneladas ("camiões pesados"), tanto na forma de camiões rígidos como de camiões tractores de semi-reboque (doravante, os camiões de média tonelagem e pesados são designados colectivamente por "Camiões")” (excluindo camiões para utilização militar.). O processo não diz respeito aos serviços pós-venda, outros serviços e garantias para camiões, venda de camiões usados ou quaisquer outros bens ou serviços vendidos pelos destinatários da presente Decisão”. 9. Os “Destinatários da Decisão” foram identificados como sendo os seguintes: (6) The undertakings, comprising the legal entities listed in sections 2.2.1 to 2.2.5, (together referred to as the "Addressees") took part in the infringement. 1.2.1. MAN (7) MAN (MAN SE and its subsidiaries together are referred to as "MAN") manufactures and distributes trucks, buses, diesel engines, turbo machinery as well as special gear. In addition MAN provides financial services relating to the distribution of its products. (8) The legal entities of MAN that are liable for the infringement are: – MAN SE with its registered office in Munich, Germany; – MAN Truck & Bus AG (hereinafter referred to as "MAN HQ") with its registered office in Munich, Germany; – MAN Truck & Bus Deutschland GmbH (hereinafter referred to as "MAN DE") with its registered office in Munich, Germany. (9) MAN's total worldwide turnover in 2015 was EUR 13,702 million. 1.2.2. Daimler (…) 1.2.3. Iveco (…) 1.2.4. Volvo/Renault (…) 1.2.5. DAF (…)”; Tradução nossa livre: (6) Participaram na infracção as empresas que correspondem às entidades jurídicas indicadas nas secções 2.2.1 a 2.2.5 (designadas colectivamente por "Destinatários"). 1.2.1. MAN (7) A MAN (as MAN SE e as suas filiais são designadas colectivamente por "MAN") fabrica e distribui camiões, autocarros, motores a diesel, turbomáquinas e também equipamentos especiais. Além disso, a MAN presta serviços financeiros relacionados com a distribuição dos seus produtos. (8) As entidades jurídicas da MAN que são responsáveis pela infracção são as seguintes: – MAN SE com sede social em Munique, Alemanha; – MAN Truck & Bus AG (designada doravante por "MAN HQ") com 168 sede social em Munique, Alemanha; – MAN Truck & Bus Deutschland GmbH (designada doravante por "MAN DE") com sede social em Munique, Alemanha. (9) O volume de negócios total a nível mundial da MAN em 2015 foi de 13.702 milhões de euros. 1.2.2. Daimler (…) 1.2.3. Iveco (…) 1.2.4. Volvo/Renault (…) 1.2.5. DAF (…)”; 10. Em sede do item “Descrição do mercado dos camiões”, a Decisão fez constar, nomeadamente, o seguinte: “1.3.2. Structure of the sales force: “(25) All of the Addressees have national marketing subsidiaries in key market countries that usually import the trucks. All of the Addressees sell their products through distributors and their respective networks of authorised dealers or, in certain particular cases/regions, directly to key customers. Some of the distributors and dealers are owned by the truck manufacturers as part of their sales organisation, others are independente.” – tradução nossa livre: “1.3.2. Estrutura da força de vendas: “Todos os Destinatários têm filiais de comercialização nacionais nos principais países do mercado que normalmente importam os camiões. Todos os Destinatários vendem os seus produtos através de distribuidores e das respectivas redes de revendedores autorizados ou, em certos casos/regiõesespecíficas, directamente aos principais clientes. “Alguns dos distribuidores e revendedores são propriedade dos fabricantes de camiões como parte da respectiva organização de vendas, outros são independentes.” 11. Mais consignou o seguinte: 1.3.3. Characteristics of the trucks market: (26) The demand for trucks is highly cyclical. While passenger cars are acquired by both private and commercial customers, trucks are acquired solely by comercial customers. Since trucks are durable goods for professional use, customers often postpone the investment in fleet renewal in times of economic crises, and compensate for this when their businesses thrive. Trucks are not commodity products but are specified according to individual customer requirements and are inherently complex. All of the Addressees offer a range of trucks and hundreds of diferente options and variants. Furthermore, perceived reliability, technical performance, fuel consumption, maintenance costs, and branding play an important role in customers’ purchasing decisions. Other important aspects are a widespread network of service stations, after sales costs, operating costs, etc;” – tradução nossa livre:“1.3.3. Características do mercado dos camiões: “(26) A procura de camiões é altamente cíclica. Enquanto os automóveis de passageiros são adquiridos por clientes particulares e comerciais, os camiões são adquiridos exclusivamente pelos clientes comerciais. Uma vez que os camiões são bens duradouros para utilização profissional, em muitos casos os clientes adiam o investimento na renovação da frota durante os períodos de crise económica, compensando essa falta de investimento quando se verifica uma maior prosperidade nos negócios. Os camiões não são produtos de base, mas são especificados de acordo com os requisitos individuais do cliente e são inerentemente complexos. Todos os Destinatários disponibilizam uma gama de camiões e centenas de opções e variantes diferentes. Além disso, a fiabilidade perceptível, o desempenho técnico, o consumo de combustível, os custos de manutenção e a imagem de marca desempenham um papel importante nas decisões de compra dos clientes. Outros aspectos importantes são a dimensão da rede de estações de serviço, os custos do serviço pós 215 venda, os custos operacionais, etc.”; 12. E quanto a “1.3.4. Price setting mechanisms and gross price lists: “(27) The pricing mechanism in the truck sector follows generally the same steps for all of theAddressees. Like in many other industries, pricing starts generally from an initial gross list price set by the Headquarters. Then transfer prices are set for the import of trucks into different markets via wholly owned or independent distributor companies. Furthermore there are prices to be paid by dealers operating in national markets and the final net customer prices. These final net customer prices are negotiated by the dealers or by the manufacturers where they sell directly to dealers or to fleet customers. The final net customer prices will reflect substantial rebates on the initial gross list price. Not all steps are always followed, as manufacturers also sell directly to dealers or to fleet customers.” – tradução nossa livre: “1.3.4. Mecanismos de fixação de preços e listas de preços brutos: “(27) De um modo geral, o mecanismo de atribuição de preços do sector dos camiões segue o mesmo processo para todos os Destinatários. Como acontece em muitos outros sectores, a atribuição de preços parte normalmente do preço de tabela bruto inicial estipulado pela Sede. Em seguida, são estipulados preços de transferência para a importação de camiões para os diferentes mercados através de empresas distribuidoras detidas a 100 % ou independentes. Além disso, existem também os preços que serão pagos pelos revendedores que operam nos mercados nacionais e os preços líquidos finais cobrados aos clientes. Estes preços líquidos finais cobrados aos clientes são negociados pelos revendedores ou pelos fabricantes nos casos em que estes vendem directamente aos revendedores ou aos clientes de frota. Os preços líquidos finais cobrados aos clientes reflectem descontos substanciais sobre o preço de tabela bruto inicial. Nem todos os procedimentos são sempre seguidos, uma vez que os fabricantes também vendem directamente aos revendedores ou aos clientes de frota.”; 13. Mais ficou escrito na mesma sede que “(28) With regard to the initial gross price lists of new trucks, all of the Addressees except Iveco applied a gross price list with harmonised gross list prices across the EEA. Renault introduced EEA price lists in 2000 but its implementation took some time, Volvo had an EEA price list since January 2002; DAF since September 2002; MAN since 2004; and Daimler since 2006. These initial EEA gross price lists were decided by the Headquarters. The EEA price lists contained the prices of all medium and heavy truck models as well as all factory-fitted options that the respective manufacturer offered.” – tradução nossa livre: “(28) No que diz respeito às listas de preços brutos iniciais dos novos camiões, à excepção da Iveco, todos os Destinatários aplicaram uma tabela de preços brutos com preços de tabela brutos harmonizados em todo o EEE. A Renault introduziu as listas de preços para o EEE em 2000 mas demorou algum tempo a implementá-las, a Volvo tinha uma lista de preços para o EEE desde Janeiro de 2002; a DAF desde Setembro de 2002; a MAN desde 2004; e a Daimler desde 2006. Estas tabelas iniciais de preços brutos para o EEE foram decididas pela Sede. As listas de preços para o EEE continham os preços de todos os modelos de camiões e também todas as opções de instalação na fábrica que o respectivo fabricante oferecia.”; 14. A mesma Decisão da Comissão referiu: “1.3.5. Transparency on the trucksmarket: (29) The truck sector is characterised by a high degree of transparency. The Addressees had access to competitively relevant data such as truck registrations through public registries. Furthermore, truck producers and their distributor companies had regular exchanges within various industry associations. Within some of these associations, data on order intake and delivery periods or stock levels was exchanged. In addition, the Addressees had access, to varying degrees, to further data through customers spontaneously presenting competitors' offers in order to negotiate prices and via mystery shopping.” – tradução nossa livre: “1.3.5. Transparência no mercado dos camiões:“(29) O sector dos camiões é caracterizado por um elevado grau de transparência. Os Destinatários tiveram acesso a dados concorrencialmente relevantes, como os registos dos camiões através dos registos públicos. Além disso, os produtores de camiões e as respectivas empresas distribuidoras mantiveram uma troca regular de dados com diversas associações do sector. Nalgumas destas associações, verificou-se uma troca de dados sobre a recepção de encomendas e os períodos de entrega ou níveis de stock. Além disso, os Destinatários tiveram acesso a mais dados, em graus variáveis, através da apresentação espontânea, pelos clientes, das ofertas dos concorrentes com o objectivo de negociar os preços, e também através da metodologia do cliente mistério.”; 15. E que “(30) As a result, one of the remaining uncertainties for the Addressees on the trucks market was the future market behaviour of competing truck producers and in particular their respective intentions with regard to changes to their gross prices and gross price lists.” – tradução nossa livre: “(30) Por conseguinte, uma das incertezas que os Destinatários ainda tinham relativamente ao mercado dos camiões era o comportamento futuro dos produtores de camiões e, mais concretamente, as suas intenções no que diz respeito às alterações aos respectivos preços brutos e às tabelas de preços brutos.”; 16. Sob a epígrafe de “A investigação da Comissão”, foi consignado o seguinte: “(43) (…) MAN, DAF, Daimler, Volvo/Renault and Iveco (i.e. the Addressees) submitted to the Commission their formal requests to settle pursuant to Article 10a (2) of Regulation (EC) No 773/2004 (the “settlement submissions”). The settlement submission of each Addressee contained: – an acknowledgement in clear and unequivocal terms of the Addressee's liability for the infringement summarily described as regards its object, the main facts, their legal qualification, including its role and the duration of its participation in the infringement in accordance with the results of the settlement discussions (…);” Tradução nossa livre: “(43) (…) a MAN, DAF, Daimler, Volvo/Renault e Iveco (ou seja, os Destinatários) apresentaram à Comissão pedidos formais de transacção ao abrigo do n.º 2 da alínea a) do Artigo 10.º do Regulamento (CE) n.º 773/2004 (as "propostas de transacção"). A proposta de transacção de cada Destinatário continha: “– um reconhecimento, em termos claros e inequívocos, da responsabilidade do Destinatário pela infracção descrita resumidamente quanto ao objecto, aos principais factos e à qualificação jurídica, incluindo a sua função e a duração da sua participação na infracção de acordo com os resultados das negociações conducentes à transacção (…)”; 17. No que toca à “Descrição da Conduta”, a Decisão fez consignar o seguinte, designadamente: “(46) All of the Addressees exchanged gross price lists and information on gross prices, and most of them (see (48)) engaged in exchanging computer-based truck configurators. All of these elements constituted commercially sensitive information. Over time, truck configurators, containing the detailed gross prices for all models and options,replaced the traditional gross price lists. This facilitated the calculation of the gross price for each possible truck configuration. The exchange was operated both on a multilateral and on a bilateral level.” – tradução nossa livre: “(46) Todos os Destinatários trocaram tabelas de preço brutos e informações sobre preços brutos, e a maioria dos Destinatários (ver (48)) participou na troca de configuradores de camiões informatizados. Todos estes elementos constituíam informações sensíveis do ponto de vista comercial. Ao longo do tempo, os configuradores de camiões, que incluem os preços brutos detalhados de todos os modelos e opções, substituíram as tabelas de preços brutos tradicionais. Esta processo facilitou o cálculo do preço bruto de cada uma das possíveis configurações de camiões. A troca foi realizada ao nível multilateral e ao nível bilateral.”; 18. Que “(47) In most cases, gross price information for truck components was not publicly available and information that was publicly available was not as detailed and accurate as the information exchanged between, amongst others, the Addressees. By exchanging current gross prices and gross price lists, combined with other information gathered through market intelligence, the Addressees were better able to calculate their competitors' approximate current net prices – depending on the quality of the market intelligence at their disposal.” – tradução nossa livre: “(47) Na maioria dos casos, a informação sobre os preços brutos dos componentes de camiões não estava disponível publicamente e a informação que estava disponível publicamente não era tão detalhada e precisa como a informação que foi trocada entre os Destinatários e entre outras entidades. Com a troca da informação sobre os preços brutos e as tabelas de preços brutos actuais, juntamente com o recurso a outras informações sobre o mercado, os Destinatários conseguiram calcular melhor os preços líquidos actuais aproximados dos seus concorrentes – em função da qualidade das informações sobre o mercado que tinham à sua disposição.” 19. E que “(48) Similarly, the exchange of configurators helped the comparison of own offers with those of competitors, which further increased the transparency of the market. In particular, it could be understood from the truck configurators which extras would be compatible with which trucks, and which options would be part of the standard equipment or an extra. All of the Addressees, with the exception of DAF, had access to theconfigurator of at least one other Addressee. Some configurators only granted access to technical information, such as bodybuilder portals, and did not include any price information.” – tradução nossa livre: “(48) Da mesma forma, a troca dos configuradores contribuiu para a comparação das próprias ofertas com as dos concorrentes, o que aumentou ainda mais a transparência do mercado. Concretamente, tornou-se possível compreender, com base nos configuradores dos camiões, quais eram os extras compatíveis com cada modelo de camião, e quais eram as opções que fariam parte do equipamento de série ou que seriam um extra. À excepção da DAF, todos os Destinatários tiveram acesso ao configurador de pelo menos um outro Destinatário. Alguns configuradores apenas concediam acesso a informações técnicas, como os portais dos fabricantes de carroçarias, e não incluíam quaisquer informações sobre preços.” 20. No que toca à “Natureza e âmbito da infracção”, a Decisão verteu o seguinte: “(49) The collusive contacts engaged in by the Addressees in the period 1997 to 2010 took place in the form of regular meetings at venues of industry associations, at trade fairs, product demonstrations by manufacturers or competitor meetings organised for the purpose of the infringement. They also included regular exchanges via e-mails and phone calls. The Addressees' headquarters (hereinafter: Headquarter-Level) were directly involved in the discussion of prices, price increases and the introduction of new emission standards until 2004. From at least August 2002 onwards, discussions took place via German Subsidiaries (hereinafter: German-Level), which, to varying degrees, reported to their Headquarters.” – tradução nossa livre: “(49) Os contactos colusórios nos quais participaram os Destinatários no período de 1997 a 2010 ocorreram na forma de reuniões regulares nas instalações das associações industriais, em feiras comerciais, demonstrações de produtos pelos fabricantes ou reuniões entre concorrentes organizadas para o efeito da infracção.Também incluíram trocas regulares por correio electrónico e chamadas telefónicas. As sedes dos Destinatários (doravante: o Nível das Sedes) estiveram directamente envolvidas na negociação dos preços, dos aumentos dos preços e da introdução de novas normas de emissões até 2004. A partir, pelo menos, de Agosto de 2002, ocorreram negociações através de Filiais alemãs (doravante: o Nível Alemão) que, em graus variáveis, seguiam instruções das respectivas Sedes.”; 21. Que “(50) These collusive arrangements included agreements and/or concerted practices on pricing and gross price increases in order to align gross prices in the EEA and the timing and the passing on of costs for the introduction of emission technologies required by EURO 3 to 6 standards. (…)” – tradução nossa livre: “(50) Entre os acordos colusórios, incluíram-se acordos e/ou práticas concertadas relativas à atribuição de preços e aos aumentos dos preços brutos para alinhar os preços brutos no EEE, e a temporização e a transmissão dos custos relativos à introdução das tecnologias de emissões exigidas pelas normas EURO 3 a 6.”; 22. Que “(51) From 1997 until the end of 2004, the Addressees participated in meetings involving senior managers of all Headquarters (see for example (52)). In these meetings, which took place several times per year, the participants discussed and in some cases also agreed their respective gross price increases. Before the introduction of price lists applicable at a pan-European (EEA) level (see above at (28)), the participants discussed gross price increases, specifying the application within the entire EEA, divided by major markets. During additional bilateral meetings in 1997 and 1998 apart from the regular detailed discussions on future gross price increases, the relevant Addressees exchanged information on harmonising gross price lists for the EEA. Occasionally, the participants, including representatives of the Headquarters of all of the Addressees, also discussed net prices for some countries. They also agreed on the timing of the introduction of, and on the additional charge to be applied to, the emissions technology complying with EURO emissions standards. In addition to agreements on the levels of price increases, the participants regularly informed each other of their planned gross price increases. Furthermore, they exchanged their respective delivery periods and their country-specific general market forecasts, subdivided by countries and truck categories. In addition to the meetings, there were regular exchanges of competitively sensitive information by phone 389 and email.”; – tradução nossa livre: “(51) Entre 1997 e até ao final de 2004, os Destinatários participaram em reuniões realizadas entre membros da direção superior de todas as Sedes (ver, por exemplo, (52)). Nestas reuniões, que ocorreram várias vezes por ano, os participantes discutiram e, em alguns casos, chegaram a acordo em relação aos aumentos dos respetivos preços brutos. Antes da introdução das tabelas de preços aplicáveis ao nível pan-europeu (EEE) (ver acima em (28)), os participantes discutiram os aumentos dos preços brutos, com a especificação da aplicação em todo o EEE dividido pelos principais mercados. Durante as reuniões bilaterais complementares em 1997 e 1998, além das habituais discussões pormenorizadas sobre os futuros aumentos dos preços brutos, os Destinatários relevantes trocaram informações sobre a harmonização das tabelas de preços brutos para o EEE. Em determinadas ocasiões, os participantes, incluindo representantes das Sedes de todos os Destinatários, discutiram também os preços líquidos para alguns países. Concordaram também relativamente ao momento da introdução e aos encargos adicionais a aplicar às tecnologias de emissões, em cumprimento das normas de emissões EURO. Além dos acordos relativos aos níveis dos aumentos dos preços, os participantes informaram-se regularmente uns aos outros sobre os aumentos planeados para os preços brutos. Além disso, trocaram informações sobre os respetivos prazos de entrega e as previsões gerais de mercado específicas de cada país, subdivididas por países e categorias de camiões. Além das reuniões, houve trocas regulares de informações sensíveis do ponto de vista concorrencial por telefone e correio electrónico”; 23. Que “(52) The following examples of meetings illustrate the nature of the discussions, in particular between the Addressees at the Headquarter-Level during the early period of the infringement. On 17 January 1997, a meeting was organised in Brussels. It was attended by representatives of the Headquarters of all of the Addressees. The evidence demonstrates that future gross list price changes were discussed. During a meeting on 6 April 1998 in the context of an industry association meeting, which was attended by representatives of the Headquarters of all of the Addressees, the participants coordinated on the introduction of EURO 3 standard compliant trucks. They agreed not to offer EURO 3 standard compliant trucks before it was compulsory to do so and agreed on a range for the price additional charge for EURO3 standard compliant trucks.” – tradução nossa livre: “(52) Os seguintes exemplos de reuniões ilustram a natureza das discussões, nomeadamente entre os Destinatários ao Nível das Sedes durante o período inicial da infracção. A 17 de janeiro de 1997, foi organizada uma reunião em Bruxelas. Participaram nesta reunião representantes das Sedes de todos os Destinatários. Os elementos de prova demonstram que foram discutidas as futuras alterações aos preços brutos de tabela. Durante uma reunião realizada a 6 de Abril de 1998 no contexto de uma reunião de uma associação industrial, na qual participaram representantes das Sedes de todos os Destinatários, os participantes coordenaram a introdução no mercado dos camiões que cumpriam a norma EURO 3. Concordaram não comercializar camiões em conformidade com a norma EURO 3 antes de ser obrigatório fazê-lo, e chegaram a acordo em relação a um intervalo de preço adicional para os camiões em conformidade com a norma EURO 3. Nas próximas alterações às tabelas de preços em euros, os elementos de prova demonstram também que todos os Destinatários estavam envolvidos em discussões relativas à utilização da introdução da moeda Euro para reduzir os descontos. As partes envolvidas constataram que a França tinha os preços mais baixos e concordaram que os preços praticados nesse país tinham de ser aumentados.”; 24. Que “(54) After the introduction of the Euro currency and with the introduction of pan-European (EEA) price lists for almost all manufacturers (see (28)), the Addressees started systematically to exchange their respective planned gross price increases through their German subsidiaries (see for example (59)), while the collusive contacts at the level of senior managers of the Headquarters continued in parallel between 2002 and 2004. For example during a meeting on 10 and 11 April 2003, in the context of an industry association meeting, which was attended by, amongst others, representatives of the Headquarters of all of the Addressees, discussions took place concerning, amongst other things, prices and the modalities of the introduction of Euro 4 standard compliant trucks, similar to the discussions that had previously been held concerning the Euro 3 standard (see (52)). In addition, non446 senior representatives of the Headquarters and the German Subsidiaries occasionally organised common meetings including both common and separate agenda points and discussions (see for example (59)).” – tradução nossa livre: “(54) Após a introdução da moeda Euro e com a introdução de tabelas de preços pan-europeias (EEE) para quase todos os fabricantes (ver (28)), os Destinatários começaram sistematicamente a trocar os respetivos aumentos planeados para os preços brutos através das filiais alemãs (ver, por exemplo, (59)), enquanto os contactos colusórios ao nível dos membros da direção superior das Sedes continuaram paralelamente entre 2002 e 2004. Por exemplo, durante uma reunião nos dias 10 e 11 de abril de 2003, no contexto de uma reunião de uma associação industrial na qual participaram, entre outros, representantes das Sedes de todos os Destinatários, ocorreram discussões relativas, entre outros aspetos, aos preços e às modalidades de introdução no mercado dos camiões que cumpriam a norma Euro 4, semelhantes às discussões que tinham ocorrido previamente em relação à norma Euro 3 (ver (52)). Além disso, os representantes não-executivos das Sedes e das Filiais Alemãs organizaram ocasionalmente reuniões que incluíram pontos de ordem de trabalhos e discussões tanto comuns como individuais (ver, por exemplo, (59))”; 25. Que “(56) In later years, the meetings involving the German-Level became more formalised and gross price increase information that was not available in the public domain was usually inserted in a spread sheet split by truck standard model for each producer. These exchanges took place several times per year. The future gross price increase information exchanged referred either only to the basic truck models or to the trucks and the available options (often this was indicated separately in the tables exchanged), and usually no net prices or net price increases were exchanged. Information on intended future gross price increases exchanged at the level of the German Subsidiaries was, in varying degrees, forwarded to the respective Headquarters.” – tradução nossa livre: “(56) Nos anos posteriores, as reuniões realizadas ao Nível Alemão tornaram-se mais formalizadas e as informações sobre os aumentos dos preços brutos que não estavam disponíveis no domínio público passaram a ser registadas numa folha de cálculo dividida por modelo padrão de camião para cada produtor. “Estas trocas de informações ocorreram várias vezes por ano. As futuras informações trocadas sobre os aumentos dos preços brutos foram referentes apenas aos modelos básicos de camiões ou aos camiões e às opções disponíveis (em muitos casos, estas informações foram indicadas separadamente nas tabelas trocadas) e normalmente não foram trocados preços líquidos nem aumentos de preços líquidos. As informações relativas aos futuros aumentos planeados para os preços brutos trocadas ao nível das Filiais Alemãs foram, em graus variáveis, encaminhadas para as respectivas Sedes.”; 26. Que “(57) The exchange on planned future gross price increases and on the new emissions standards technology continued over the years and as of 2007 regularly included also the delivery periods of the truck producers. As of 2008, the exchanges became more formalised by using a unified template for the purpose of exchanging information concerning the planned gross price increases.” – tradução nossa livre: “(57) A troca de informações sobre os futuros aumentos planeados para os preços brutos e a nova tecnologia das normas de emissões continuou a verificar-se ao longo dos anos e, a partir de 2007, passou a incluir também os períodos de entrega dos produtores de camiões. A partir de 2008, as trocas de informações tornaram-se mais formalizadas através do recurso a um modelo unificado concebido para a troca de informações relativas aos aumentos planeados dos preços brutos.”; 27. Que “(58) The exchanges, at least, put the Addressees in a position to take account of the information exchanged for their internal planning process and the planning of future gross price increases for the coming calendar year. Furthermore the information may have influenced the price positioning of some of the Addressees' new products.” – tradução nossa livre: “(58) No mínimo, estas trocas de informações colocaram os Destinatários na posição de poder considerar as informações trocadas no âmbito do seu processo de planeamento e para o planeamento de futuros aumentos dos preços brutos no ano civil seguinte. Além disso, as informações podem ter influenciado o posicionamento de preço de alguns dos novos produtos dos Destinatários.”; 28. Que “(59) The following examples illustrate the nature of the discussions in which representatives of the German-Level took part. At the end of 2004, an employee of DAF Trucks Deutschland GmbH sent an email to, amongst others, the representatives of the German Subsidiaries requesting that they communicate their planned gross price increases for 2005. The summarised and compiled price increase information was sent back to all of the participants, including all of the Addressees, a few days later containing information on intended gross price increases. The Addressees attended a meeting between 4 and 5 July 2005 in Munich which was attended by both non-senior Headquarter Level representatives and employees of the German Subsidiaries. It appears from the evidence that common activities and meetings were scheduled. In addition special sessions were also foreseen involving the non-senior representatives of the Headquarters and separate meetings involving the representatives of the German Subsidiaries. During one of these latter sessions the participants, including all of the Addressees, exchanged information about their planned future gross price increases for 2005 and 2006 as well as the additional cost of complying with the EURO 4 emissions standards. Further meetings involving representatives of the German-Subsidiaries continued the discussions on price increases and the price increases for Euro 4 and Euro 5 standards include the meetings held on 12 April 2006 as well as on 12 and 13 March 2008.” – tradução nossa livre: “(59) Os seguintes exemplos ilustram a natureza das discussões nas quais participaram os representantes do Nível Alemão. No final de 2004, um funcionário da DAF Trucks Deutschland GmbH enviou uma mensagem de correio electrónico a vários destinatários entre os quais se encontram os representantes das Filiais Alemãs, pedindo-lhes que comunicassem os seus aumentos de preços brutos planeados para 2005. As informações resumidas e compiladas sobre os preços foram enviadas, alguns dias depois, a todos os participantes, incluindo todos os Destinatários, e continham informações sobre os aumentos de preços brutos planeados. Os Destinatários participaram numa reunião que ocorreu entre 4 e 5 de julho de 2005 em Munique, na qual compareceram representantes não-executivos do Nível das Sedes e funcionários das Filiais Alemãs. Com base nos elementos de prova, parece que foram agendadas actividades comuns e reuniões. Além disso, foram também previstas sessões especiais com a participação de representantes não-executivos das Sedes e reuniões individuais com a participação dos representantes das Filiais Alemãs. Durante uma destas sessões individuais, os participantes, entre os quais se incluíam todos os Destinatários, trocaram informações sobre os futuros aumentos dos respectivos preços brutos em 2005 e 2006, e também sobre os custos adicionais do cumprimento das normas de emissões EURO 4. Noutras reuniões, nas quais participaram representantes das Filiais Alemãs, foi dada continuidade às discussões sobre aumentos dos preços e os aumentos dos preços para as normas Euro 4 e Euro 5, nomeadamente as reuniões realizadas 12-04-2006 e também nos dias 12 e 13-03-2008.”; 29. E que “(60) The evidence shows that information on gross price increases of, amongst others, all of the Addressees as of November 2010 and as of January 2011 had been collected from participants in the exchanges. The content of this list has been reproduced in a handwritten note by an employee of MAN who also received the gross price increase information concerning the other participants directly from Daimler. This information was provided when Daimler called MAN to find out details about MAN's next gross price increase.” – tradução nossa livre: “(60) Os elementos de prova demonstram que tinham sido obtidas, dos participantes nas trocas de informações e a partir de Novembro de 2010 e Janeiro de 2011, informações sobre os aumentos dos preços brutos de, entre outros, todos os Destinatários. O conteúdo desta lista foi reproduzido numa nota manuscrita por um funcionário da MAN que também recebeu as informações sobre os aumentos dos preços brutos relativas aos outros participantes directamente da Daimler. Estas informações foram fornecidas quando a Daimler contactou a MAN para ficar a conhecer os detalhes do próximo aumento dos preços brutos da MAN.”; 30. Quanto ao “âmbito geográfico” da infracção, o mesmo foi definido como tendo abrangido “todo o EEE ao longo de toda a duração da infracção”; 31. No que se relaciona com a “Duração da Infracção”, a decisão fixou-a nos seguintes marcos temporais: “(62) (…) todos os Destinatários iniciaram a participação na infracção a 17 de Janeiro de 1997. (63) Considera-se que a infração terminou no dia 18-01-2011, que é a data do início das inspeções. No caso da MAN, considera-se que a infração terminou a 20-09-2010, a data em que a empresa solicitou a imunidade.” 32. Em sede de “apreciação jurídica”, a Decisão consignou, nomeadamente, o seguinte: “(68) The conduct described in Section 4 above can be characterised as a complex infringement of Article 101 of the TFEU and Article 53 of the EEA Agreement, consisting of various actions which can either be classified as agreements or concerted practices, within which the Addressees knowingly substituted practical cooperation between them for the risks of competition.” – tradução nossa livre: “(68) A conduta descrita na anterior Secção 4 pode caracterizar-se como uma infração complexa do Artigo 101.º do TFUE e do Artigo 53.º do Acordo EEE, uma vez que é composta por várias ações que podem ser classificadas como acordos ou práticas concertadas, no âmbito das quais os Destinatários substituíram conscientemente os riscos da concorrência pela colaboração prática.”; 33. Que “(69) This conduct therefore presents all of the characteristics of an agreement and/or concerted practice in the sense of Article 101(1) of the TFEU and Article 53(1) of the EEA Agreement, which had as its object the prevention, restriction and/or distortion of competition with respect to Trucks within the EEA. The Addressees were, in particular, involved in the above-described anticompetitive arrangements concerning the sale of Trucks through several layers of competitor meetings and other contacts, which took place at the Headquarter-Level and the German-Level.” – tradução nossa livre: “(69) Por conseguinte, esta conduta apresenta todas as características de um acordo e/ou prática concertada na aceção do n.º 1 do Artigo 101.º do TFUE e do n.º 1 do Artigo 53.º do Acordo EEE, uma vez que tinha por objeto a prevenção, restrição e/ou distorção da concorrência no que diz respeito a Camiões no EEE. Concretamente, os Destinatários estavam envolvidos nas atividades anticoncorrenciais descritas acima em relação à venda de Camiões através de várias camadas de reuniões entre concorrentes e outros contactos, que ocorreram ao Nível das Sedes e ao Nível Alemão.”; 34. E ainda que “(71) In the present case, the conduct described in Section 4 constitutes a single and continuous infringement of Article 101(1) of the TFEU and Article 53(1) of the EEA Agreement from 17 January 1997 until 18 January 2011. At the same time, on the basis of the facts described above, any one of the aspects of conduct, including in respect of any one of the products and in respect of any one of the Member States (or wider regions) has as its object the restriction of competition and therefore constitutes an infringement of Article 101 TFEU and/or Article 53 of EEA Agreement in its own right. The single anti-competitive economic aim of the collusion between the Addressees was to coordinate each other's gross pricing behaviour and the introduction of certain emission standards in order to remove uncertainty regarding the behaviour of the respective Addressees and ultimately the reaction of customers on the market. The collusive practices followed a single economic aim, namely the distortion of independent price setting and the normal movement of prices for Trucks in the EEA.” – tradução nossa livre: “(71) No presente processo, a conduta descrita na Secção 4 constitui uma infração única e continuada do n.º 1 do Artigo 101.º do TFUE e do n.º 1 do Artigo 53.º do Acordo EEE no período de 17 de janeiro de 1997 a 18 de janeiro de 2011. Simultaneamente, com base nos factos descritos anteriormente, qualquer um dos aspetos da conduta, incluindo no que diz respeito a qualquer um dos produtos e em relação a qualquer um dos Estados-Membros (ou regiões mais vastas), tem por objetivo a restrição da concorrência e, por conseguinte, constitui, só por si, uma infração do Artigo 101.º do TFUE e/ou do Artigo 53.º do Acordo EEE. O único objetivo económico anticoncorrencial da colusão entre os Destinatários foi coordenar o comportamento mútuo ao nível da atribuição de preços brutos e a introdução de determinadas normas de emissões para eliminar a incerteza quanto ao comportamento dos respetivos Destinatários e, em última análise, a reação dos clientes no mercado. As práticas de colusão tinham um único objetivo económico, nomeadamente a distorção da fixação independente dos preços e do movimento normal dos preços dos camiões no EEE.”; 35. Que “(74) Although as of 2004 the collusive contacts took place amongst the German Subsidiaries rather than amongst the Headquarters, such contacts had nevertheless the same object as the previous meetings between representatives of the Headquarter-Level, namely the distortion of independent price setting and of the normal movement for prices for Trucks in the EEA. This is evidenced by the fact that the discussions between the representatives of the German Subsidiaries continued to address the same topics, and in the same way as in other previous meetings involving representatives of the Headquarters”; – tradução nossa livre: “(74) Embora os contactos colusórios tenham ocorrido, a partir de 2004, entre as Filiais Alemãs e não entre Sedes, tais contactos tinham, ainda assim, o mesmo objetivo das reuniões anteriores realizadas entre os representantes do Nível das Sedes, nomeadamente a distorção da fixação independente de preços e do movimento normal dos preços dos Camiões no EEE. Esta situação é comprovada pelo facto de as discussões realizadas entre os representantes das Filiais Alemãs terem continuado a abordar os mesmos tópicos, e da mesma forma, que as reuniões anteriores realizadas entre os representantes das Sedes.”; 36. Que “(75) By exchanging EEA-wide applicable gross price lists, the Addressees were in a better position to understand from the price increase informationexchanged by the German Subsidiaries, each other's European price strategy, than they would have been solely on the basis of the market intelligence at their disposal.” – tradução nossa livre: “(75) Com a troca das tabelas de preços brutos aplicáveis em todo o EEE, os Destinatários encontravam-se em melhor posição para compreender, com base as informações sobre os aumentos dos preços que foram trocadas pelas Filiais Alemãs, a estratégia de cada um para os preços na Europa, do que se apenas pudessem contar com as informações do mercado que tinham à disposição.”; 37. Que “(81) The anti-competitive behaviour described in paragraphs (49) to (60) above has the object of restricting competition in the EEA-wide market. The conduct is characterised by the coordination between Addressees, which were competitors, of gross prices, directly and through the exchange of planned gross price increases, the limitation and the timing of the introduction of technology complying with new emission standards and sharing other commercially sensitive information such as their order intake and delivery times. Price being one of the main instruments of competition, the various arrangements and mechanisms adopted by the Addressees were ultimately aimed at restricting price competition within the meaning of Article 101(1) of the TFEU and Article 53(1) of the EEA Agreement.” – tradução nossa livre: “(81) O comportamento anticoncorrencial descrito nos anteriores pontos (49) a (60) tem o objetivo de limitar a concorrência no mercado ao nível do EEE. A conduta é caracterizada pela coordenação dos preços brutos entre os Destinatários que eram concorrentes, diretamente e através da troca de informações sobre os aumentos planeados dos preços brutos, da limitação e temporização da introdução da tecnologia que cumpria as novas normas de emissões e da partilha de outras informações sensíveis do ponto de vista comercial, como a receção de encomendas e os tempos de entrega. Uma vez que os preços são um dos principais instrumentos da concorrência, os vários acordos e mecanismos adotados pelos Destinatários tinha o objetivo principal de limitar a concorrência em termos de preços na aceção do significado do n.º 1 do Artigo 101.º e do n.º 1 do Artigo 53.º do Acordo EEE.”; 38. E que “(82) It is settled case-law that for the purposes of Article 101 of the 659 TFEU and Article 53 of the EEA Agreement there is no need to take into account the actual effects of na agreement when it has as its object the prevention, restriction or distortion of competition within the internal market and/or EEA, as applicable. Consequently, in the present case it is not necessary to show actual anti-competitive effects as the anti competitive object of the conduct in question is proved.” – tradução nossa livre: (82) É jurisprudência assente que, para os efeitos previstos no Artigo 101.º do TFUE e no Artigo 53.º do Acordo EEE, não é necessário considerar os efeitos reais de um acordo quando este tem por objetivo o impedimento, a limitação ou a distorção da concorrência no mercado interno e/ou no EEE, conforme aplicável. Por conseguinte, no presente processo, não é necessário demonstrar os efeitos anticoncorrenciais reais, uma vez que o objetivo anticoncorrencial da conduta em questão ficou comprovado.” 39. Sob a epígrafe de “Efeitos no comércio”, a Decisão atentou para o seguinte: “(85) (…) taking into account the market share and turnover of the Addressees within the EEA, it can be presumed that the effects on trade are appreciable. (Tradução nossa livre: (…) tendo em conta a quota de mercado e o volume de negócios dos Destinatários no EEE, pode assumir-se que os efeitos no comércio são consideráveis”); 40. Em termos de “Responsabilidade”, a par das demais Destinatárias, a Decisão considerou responsáveis pela infracção do Artigo 101.º do TFUE e do Artigo 53.º do Acordo EEE: “6.1. MAN “(95) As seguintes entidades jurídicas são consideradas conjunta e solidariamente responsáveis pela infração cometida pela MAN: “(a) a MAN Truck & Bus AG, enquanto participante direta, pelo envolvimento na infração de 17-01-1997 a 20-09-2010, e, enquanto empresa-mãe, pela conduta da sua filial MAN Truck & Bus Deutschland GmbH de 3-05-2004 a 20-09-2010. a MAN Truck & Bus AG confirmou que, enquanto empresa-mãe, exerceu uma influência decisiva sobre a sua filial MAN Truck & Bus Deutschland GmbH durante o período relevante. “(b) a MAN Truck & Bus Deutschland GmbH, enquanto participante direta, pelo envolvimento na infração de 03-05-2004 a 20-09-2010. “(c) a MAN SE, enquanto empresa-mãe, pela conduta da sua filial MAN Truck & Bus AG de 17-01-1997 a 20-09-2010 e da sua filial MAN Truck & Bus Deutschland GmbH de 03-05-2004 a 20-09-2010. A MAN SE confirmou que exerceu, enquanto empresa-mãe, uma influência decisiva sobre a sua filial detida a 100% MAN Truck & Bus AG de 17-01-1997 a 20-09-2010 e, enquanto empresa-mãe (indireta), sobre a sua filial MAN Truck & Bus Deutschland GmbH de 03-05-2004 a 20-09-2010.” 41. Na fixação das coimas, a Comissão teve em conta, entre outros aspectos, para além do modo intencional com que a infracção foi cometida, o facto de os mecanismos de coordenação de preços, de entre as restrições à concorrência, assumirem os efeitos mais prejudicais; a duração da infracção; a elevada quota de mercado dos destinatários no mercado europeu de camiões médios e pesados, o facto de a infracção ter abrangido todo o território do EEE, aplicando o ponto 25 das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.º 2, al. a), do art.º 23. º do Regulamento (CE) n.º 1/2003, justificando que a infracção cometida pelos Destinatários tinha envolvido colusão horizontal em matéria de preços na acepção do significado desse ponto 25, conforme descrito no ponto “7. MEDIDAS CORRETIVAS” da Decisão; 42. A Comissão concedeu imunidade total da coima à MAN; 43. Por fim, termos de dispositivo da Decisão, foi consignado o seguinte, no Artigo 1.º: “Por terem participado em práticas de colusão relativamente aos preços e aos aumentos do preço bruto no EEE dos camiões de média tonelagem e pesados e à temporização e transmissão dos custos relativos à introdução das tecnologias de emissões para camiões de média tonelagem e pesados conforme exigido pelas normas EURO 3 a 6, as seguintes empresas violaram o Artigo 101.º da TFUE e o Artigo 53.º do Acordo EEE durante os períodos indicados: “(a) MAN SE, de 17-01-1997 a 20-09-2010; MAN Truck & Bus AG, de 17-01-1997 a 20-09-2010; MAN Truck & Bus Deutschland GmbH, de 03-05-2004 a 20-09- 2010; “(b) AB Volvo (publ), de 17-01-1997 a 18-01-2011; Volvo Lastvagnar AB, de 17-01-1997 a 18-01-2011; Volvo Group Trucks Central Europe GmbH, de 20-01-2004 a 18-01-2011; Renault Trucks SAS, de 17-01-1997 a 18-01-2011; “(c) Daimler AG, de 17-01-1997 a 18-01- 2011; “(d) Fiat Chrysler Automobiles N.V., de 17-01-1997 a 31-12- 2010; CNH Industrial N.V., de 01-01-2011 a 18-01-2011; Iveco S.p.A., de 17-01-1997 a 18-01-2011; Iveco Magirus AG, de 26-06-2001 a 1801-2011; “(e) PACCAR Inc., de 17-01-1997 a 18-01-2011; DAF Trucks N.V., de 17 -01-1997 a 18-01-2011; DAF Trucks Deutschland, de 20-01-2004 a 18-01-2011 44. Já no artigo 2.º do mesmo dispositivo da decisão, consignou o seguinte: “São aplicadas as seguintes coimas pela infracção referida no Artigo 1.º: “(a) EUR 0 conjunta e solidariamente à MAN SE, MAN Truck & Bus AG e à MAN Truck & Bus Deutschland GmbH “(b) EUR 670.448.000 conjunta e solidariamente à AB Volvo (publ), à Volv Lastvagnar AB e à Renault Trucks SAS, das quais a Volvo Group Trucks Central Europe GmbH é considerada conjunta e solidariamente responsável pelo pagamento do montante de € 468.855.017. “(c) € 1.008.766.000 à Daimler AG. “(d) € 494.606.000 à Iveco S.p.A., da qual: “(1) a Fiat Chrysler Automobiles N.V. é considerada conjunta e solidariamente responsável pelo pagamento do montante de € 156 746,105 “(2) a Fiat Chrysler Automobiles N.V. e a Iveco Magirus AG são responsáveis conjunta e solidariamente pelo pagamento do montante de € 336.119.346, e “(3) A CNH Industrial N.V. e a Iveco Magirus AG são responsáveis conjunta e solidariamente pelo pagamento do montante de EUR 1.740.549. “(e) € 752.679.000 conjunta e solidariamente à PACCAR Inc. e à DAF Trucks N.V., da qual a DAF Trucks Deutschland GmbH é conjunta e solidariamente responsável pelo pagamento do montante de €376.118.773. (…)” - Da identificação da Autora e da Madeiras Af, Lda.: 45. A Autora tem o seguinte objecto social: exploração florestal, limpeza de matas, comércio de madeiras e seus derivados em bruto e serradas, serração de madeiras e fabrico de artigos de madeira, prestação de serviços de silvicultura e agricultura. Fabricação de carvão e de outros produtos resultantes da destilação de madeira. Produção de pellets. Comércio por grosso e a retalho dos produtos produzidos. Importação. Exportação. Compra e venda de propriedades. Compra e venda de veículos automóveis pesados e ligeiros. Compra e venda de máquinas agrícolas e industriais. Transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem de âmbito nacional e internacional, tendo iniciado actividade em 2008; 45.-A A Madeiras Af, Lda. tem como objecto social a exploração, comércio e transformação de madeiras, importação e exportação de madeiras, tendo sócio e gerente comum com a Autora, AAF...; - Dos veículos abrangidos pela Decisão, que foram objecto de contratos celebrados pela Autora e consequências da conduta da Ré: - Da viatura de matrícula 87-…-…: 46. A Autora dirigiu-se à AC-MANutenção e Comércio de Veículos, SA (AC MAN ou AC Manutenção), distribuidor oficial de veículos da marca MAN, a fim de adquirir, mediante um preço, uma viatura modelo 33.540 6x4, com Peso Bruto 26 000, 763 Tara 11 870, Cilindrada 12 419, Tipo de Caixa Especial, Categoria Pesado, no estado de novo, com quem negociou o preço da viatura; 47. O acordo relativamente ao preço de aquisição da viatura, à qual foi posteriormente atribuída a matrícula 87-…-…, foi realizado em data não apurada, mas em Agosto de 2010, pelo valor de € 100 000, acrescido de IVA; 48. Foi prevista a entrega da viatura no mês de Dezembro de 2010; 49. Nesse negócio teve também intervenção a empresa TraidAc - Comércio e Acessórios de veículos Lda., que emitiu uma factura proforma em 22 de Setembro de 2010 à aqui Autora, no citado valor, uma vez que ambas as empresas pertencem ao mesmo Grupo ACXXI; 50. O referido camião foi adquirido, no estado de novo, à aqui Ré MAN Truck & Bus SE, que o fabricou, tendo sido facturada a venda da viatura à MAN TRUCK & BUS Holanda, que por sua vez facturou a venda à MAN TRUCK & BUS Portugal e que registou a propriedade da viatura em 08.04.2011 e que, por sua vez, facturou a venda à AC MAN, também em 08-04-2011; 51. O veículo quando foi entregue à Autora foi-o em estado novo 52. Para a aquisição desse veículo de matrícula 87-…-…, a Autora celebrou um acordo escrito, em data não apurada, mas tendencialmente coincidente com 29-12-2010, denominado por “Contrato de Locação Financeira Mobiliária”, com o n.º de processo 2056721, onde figurava como Locatária, com Banco Espírito Santo SA, que figurava como locador, tendo sido indicado como fornecedora da viatura a Traidac – Comércio e Acessórios de Veículos, Lda.; 53. O Locador adquiriu para o efeito a dita viatura, em estado novo, pelos valores € 100 000, acrescido de IVA, no valor de € 21 000, registando a propriedade da viatura em 08.04.2011, a qual estava anteriormente inscrita, também desde 08-04-2011, em nome da MAN TRUCK & BUS Portugal; 54. Esse mesmo acordo escrito denominado por “Locação Financeira Mobiliária” teve ainda por objecto outro equipamento da marca Listrailer, modelo SRD, matrícula C-…, igualmente adquirido pelo Locador, cujo fornecedor era a Evicar (Leiria), Comércio de Veículos, SA; 55. O conjunto de ambos os objectos do acordo escrito consubstanciaram o total de € 191.593,72; 56. O referido acordo teve início em 02-02-2011 e termo em 02-02-2013; 57. Foi ainda acordado, nessa sede, que a 1.ª renda seria no valor de € 31.538,84 (acrescida de IVA, num total de € 38.792,77), as restantes 23 no valor de € 7.176,69, acrescidas de IVA, ajustável a partir da 2.ª renda de acordo com a evolução da Euribor mensal e o valor residual de € 3.831,87, acrescido de IVA; 58. A Autora procedeu à liquidação das 24 rendas mensais e do valor residual fixado, sendo este liquidado em 02-02-2013; 59. Nessa data, cessou a relação locatária até então vigente, por opção de compra, conforme convencionado, tendo o BES transferido definitivamente a propriedade do veículo para a Autora que a registou em 28-03-2013; - Da viatura de matrícula 29-…-…: 60. A viatura de Modelo TGX 33.540 6x4, Peso Bruto: 26.000, Tara: 12 260, Cilindrada: 12.419, Tipo de Caixa: Aberta, Categoria Pesado, à qual foi atribuída a matrícula 29-…-…, foi fabricada pela aqui ré, MAN Truck & Bus, que a transmitiu directamente a entidade não concretamente apurada; 61. Relativamente a esse veículo de matrícula 29-…-…, no estado de novo, a Autora celebrou, em data não concretamente apurada, mas tendencialmente coincidente com 20-08-2010, um acordo escrito denominado por “Contrato de Locação Financeira Mobiliária”, onde figurava como Locatária, com Banco Espírito Santo SA, que figurava como locador e que adquiriu para o efeito a dita viatura à Hydraplan Manutenção e Comércio de Veículos, SA, concessionária independente da MAN, pelo montante de € 100.085,91, contrato esse que teve início em 20-08-2010 e termo em 20-08-2015; 62. Para aquele efeito, a Hydraplan Manutenção e Comércio de Veículos, SA adquiriu a viatura à MAN Portugal; 63. O Locador registou a propriedade da viatura em 20-09-2010; 64. A Autora procedeu à liquidação das 60 rendas mensais, sendo a primeira no montante de 4.166,67 € e as restantes no montante de 1.770,66 € cada uma, acrescendo o Iva à taxa legal, ajustável a partir da 2.ª renda de acordo com a evolução da Euribor mensal; 65. O valor residual foi fixado no contrato no montante de € 2.001,72, acrescido de IVA, que a Autora liquidou, como convencionado, em 20-08-2015; 66. Nesta data cessou a relação locatária até então vigente, por opção de compra, conforme convencionado, tendo o BES transferido definitivamente a propriedade do veículo para a Autora, que a registou em 15-10-2015; -Da viatura de matrícula 49-…-…: 67. A viatura Modelo: TGX.26480 6x4 BB, Peso Bruto: 26.000, Tara: 15.890, Cilindrada: 12.419, Tipo de Caixa: Especial, Categoria Pesado, à qual foi atribuída a matrícula 49-…-…, foi fabricada pela aqui ré, MAN Truck & Bus, que a transmitiu directamente a entidade não concretamente apurada; 68. Relativamente a esse veículo de matrícula 49-…-…, a Madeiras Af, Lda. celebrou um acordo escrito denominado por “Contrato de Locação Financeira Mobiliária”, datado de 06-05-2008, onde figurava como Locatária, com BESLeasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, SA, que figurava como locador e que adquiriu para o efeito a dita viatura no estado de novo pelo montante de € 91 581,63, à Leiritrucks Comércio de viaturas Lda., concessionária independente da MAN, acordo esse que teve início 02-08-2008 e termo em 02-08-2010; 69. O Locador registou a propriedade da viatura em 11-09-2008; 70. A Madeiras Af Lda. liquidou o valor das 24 rendas mensais acordadas, sendo a primeira no montante de 9 158,17 € e as restantes 23 no montante de 3 712,96 € cada uma, acrescendo o Iva à taxa legal, ajustável a partir da 2.ª renda de acordo com a evolução da Euribor mensal; 71. O valor residual foi fixado no acordo no montante líquido de 1.831,64 € (2.216,28 € com iva incluído), o qual foi igualmente liquidado, conforme convencionado, em 02-08-2010; 72. Nesta data cessou a relação locatária até então vigente, por opção de compra de Madeiras Af Lda., conforme convencionado, tendo o BES transferido definitivamente a propriedade do veículo para ela, que a registou em 22-09-2010; -Da viatura de matrícula 58-…-…: 73. A viatura Modelo: 18.480 4x2 BLS, Peso Bruto: 40.000, Tara: 7.540, Cilindrada: 12.419, Tipo de Caixa: Sem caixa, Categoria: Tractor, à qual foi atribuída a matrícula 58-…-… foi fabricada pela aqui ré, MAN Truck & Bus, que a transmitiu directamente a entidade não concretamente apurada; 74. Relativamente a esse veículo de matrícula 58-…-…, a Madeiras Af Lda. celebrou um acordo escrito, datado de 27-06-2007, denominado por “Contrato de Locação Financeira Mobiliária” onde figurava como Locatária, com o BPI, que figurava como locador e que adquiriu para o efeito a dita viatura no estado de novo à Leiritrucks - Comércio de viaturas Lda., concessionária independente da MAN, pelo montante de € 85.000 contrato esse que teve início em 25-07-2007 e termo em 25-07-2009; 75. O Locador registou a propriedade da viatura em 30-08-2007; 76. A Madeiras Af, Lda. liquidou o valor das 24 rendas mensais acordadas, sendo a primeira no montante de 3.655,27 € bem como as restantes, acrescendo o Iva à taxa legal, ajustável a partir da 2ª renda de acordo com a evolução da Euribor mensal; 77. O valor residual foi fixado no contrato no montante líquido de 1.700 € (2.057 € com iva incluído), o qual foi igualmente liquidado, conforme convencionado, em 25-07-2009; 78. Nesta data cessou a relação locatária até então vigente, por opção de compra de Madeiras Af Lda., conforme convencionado, tendo o BPI transferido definitivamente a propriedade do veículo para ela, que a registou em 14-01-2010; - Das duas viaturas de matrícula 49-…-… e 58-…-…: 79. A Madeiras Af Lda. emitiu uma declaração escrita datada de 11-06-2019, com o seguinte teor, designadamente: “A empresa Madeiras Af, Lda. declara que vendeu a MAPAFOZ – MADEIRAS E DERIVADS, LDA., (…) as viaturas abaixo identificadas transferindo para ela todos os direitos e obrigações inerentes à propriedade e circulação das viaturas, incluindo os direitos indemnizatórios que lhe assistem contra a empresa fabricante da marca MAN em função da decisão da comissão europeia de 19-07-2016: Matrícula: 49-…-… Modelo: TGX.26480 6x4 BB Peso Bruto: 26.000 Tara: 15.890 Cilindrada: 12.419 Tipo de Caixa: Especial Categoria Pesado Valor de aquisição: 91.581,63 Fornecedor: Leiritrucks - Comércio de viaturas Lda Matrícula: 58-…-… Modelo: 18.480 4x2 BLS Peso Bruto: 40.000 Tara: 7.540 Cilindrada: 12.419 Tipo de Caixa: Sem caixa Categoria: Trator Valor de aquisição: 85.000 Fornecedor: Leiritrucks - Comércio de viaturas Lda” 80. As viaturas 49-…-… e 58-…-… entraram no activo imobilizado da empresa autora, em data posterior a 2019, onde ainda se mantêm; 81. A Autora registou a propriedade das duas viaturas a seu favor em 07-02-2019; - Factos comuns: 82. As marcas Daf, Daimler, Iveco, MAN, Scania e Volvo/Renault detinham praticamente todo o mercado de viaturas pesadas; 83. O acordo a que alude a Decisão da Comissão anteriormente dada como provada influenciou os preços de viaturas pesadas no período compreendido entre 1997 e 2011; 84. No cumprimento desse acordo, a MAN, de forma concertada com as outras empresas abrangidas pela Decisão da Comissão, conseguiu um aumento de preços das suas viaturas não concretamente apurado sobre aquele que seria o preço que as viaturas apresentariam no mercado se não fosse esse acordo; 85. Em consequência desse acordo, a Autora desembolsou na aquisição da viatura com a matrícula 87-…-… a quantia de 100.000 € quando o preço que teria pago se não fosse esse acordo nunca seria tal, mas inferior, de valor não concretamente apurado; 86. A viatura 29-…-… importou na quantia de 100.085,91 € quando o preço que teria pago se não fosse esse acordo nunca seria tal, mas inferior, de valor não concretamente apurado; 87. A viatura 49-…-… importou na quantia de 91.581,63 € quando o preço que importaria se não fosse esse acordo nunca seria tal, mas inferior, de valor não concretamente apurado, 88. A viatura 58-…-… importou na quantia de 85.000 € quando o preço que importaria se não fosse esse acordo nunca seria tal, mas inferior, em valor não concretamente apurado; 89. Ao agir da forma descrita na Decisão da Comissão, a Ré provocou um aumento dos preços na distribuição de viaturas em Portugal, quer através dos seus agentes quer de outros agentes comerciais externos que adquiriram viaturas da marca para revenda; 90. No caso das viaturas em discussão nestes autos, as empresas que venderam as viaturas novas às Locadoras adquiriram-nas a empresas distribuidoras legitimadas pela Ré, sejam sucursais ou concessionários, mas em todo o caso representantes com poderes da marca e do fabricante MAN, que introduziram no mercado essas viaturas com o referido agravamento de preços provocado pela conduta a que alude a Decisão da Comissão; 91. Apesar da Autora não ser adquirente directa das viaturas, por não as ter comprado diretamente à Ré, certo é que os referidos operadores que no mercado português adquiriam dela, directa ou indirectamente, suportaram na totalidade o agravamento de preços provocado pela conduta aludida na Decisão da Comissão e repercutiram-no depois, também, sobre a cadeia de adquirentes a jusante; 92. Agravamento esse que afectou a Autora e a Madeiras Af que igualmente despenderam a mais pela aquisição das viaturas o valor acrescentado consequente da conduta a que alude a Decisão da Comissão; - Da contestação e resposta à excepção de prescrição: 93. A CE efectuou buscas em 18-01-2011, nos termos do art.º 20.º do Regulamento 1/2003 (Decisão da Comissão, § 32), e publicou, no mesmo dia, um comunicado sobre esta matéria; 94. A imprensa nacional e internacional também noticiou e identificou as empresas do grupo MAN como denunciantes e foram publicadas notícias relatando a suspeita de condutas anticoncorrenciais, como a notícia publicada pela SIC Notícias em 19-01-2011, “Fabricantes de camiões como Daimler, Volvo, Scania ou Man sob investigação”; como o artigo publicado pelo Financial Times datado de 18-01-2011, com o título "Brussels swoops on truckmakers", e como o artigo publicado no Financial Times em 03-03-2011, com o título "Truckmakers in Brussels antitrust probe"; 95. Em 20-11-2014, a CE deu início a um processo ao abrigo do art.º 11.º, n.º 6 do Regulamento 1/2003 e transmitiu, entre outros, à MTB SE a correspondente comunicação de objecções, tendo no mesmo dia, publicado um comunicado de imprensa sobre esta matéria, intitulado “Antitrust: Commission sends statement of objections to suspected participants in trucks cartel”, IP/14/2002, que se mostra junto como documento n.º 6 da contestação e que aqui se dá por integralmente reproduzido; 96. A imprensa, nomeadamente a portuguesa, também noticiou o assunto e identificou a MAN como uma das empresas envolvidas e alvo da investigação e da comunicação de objecções, como é o caso da notícia publicada na “Transportes e Negócios” de 26-11-2014, com o título “Volvo provisiona 400 milhões por suspeitas de cartel”, que se mostra junta como documento n.º 7 da contestação e aqui se dá por integralmente reproduzida; 97. Houve relatos sobre o conteúdo da comunicação de objecções, conforme o artigo publicado no Financial Times de 23.12.2014, “Top truckmakers operated cartel for 14 years, says EU”, junto como documento n.º 8 da contestação e que aqui se dá integralmente por reproduzido; 97.-A No dia 06-04-2017, o Jornal Oficial da UE publicou o Resumo da Decisão da Comissão de 19/07/2016 relativa a um processo nos termos do art.º 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e do art.º 53.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu – Processo AT.39824 — Camiões; 98. A Autora propôs a presente acção em 11-07-2019; 99. Aquando da propositura desta acção, a Autora não juntou de imediato uma tradução para alemão da PI, o que retardou a citação da MTB SE; 100. A tradução para alemão da PI só foi junta aos autos em 18-10-2019; 101. A MTB SE recebeu a carta de citação e assinou o aviso de recepção em 29-10-2019; 102. A Autora tem vindo a utilizar as viaturas em causa para os fins e no âmbito da sua actividade económica de fabrico de bens e/ou prestação de serviços aos seus clientes; 103. Parte do valor pago em excesso pela Autora na aquisição dos veículos 87-…-… e 29-…-… derivado da conduta a que alude a Decisão da Comissão foi repercutido, em valor não concretamente apurado, por si, nos montantes cobrados aos seus clientes pelos serviços que presta de madeireira; 104. A Autora enviou à Ré, em 17-08-2029, a carta com o conteúdo que consta de fls. 331vrs a 334, que aqui se dá por integralmente reproduzida, em sede da qual interpelou a Ré para o pagamento das quantias reclamadas nestes autos, carta essa que a Ré recebeu.”
O tribunal de primeira instância considerou como não provada a seguinte matéria de facto: “1. A TraidAC, a Hydraplan e a Leiritrucks compraram directamente ao fabricante alemão, a aqui ré, MAN Truck & Bus, as viaturas em causa nestes autos, respectivamente; 2. Foi a Autora que liquidou os valores residuais fixados nos acordos escritos denominados de “Contrato de locação financeira mobiliária”, por respeito às viaturas 49-…-… e 58-…-… 3. A Autora entregou à Madeiras Af, para adquirir a propriedade das viaturas de matrícula 49-…-… e 58-…-… e/ou no âmbito da declaração a que alude o facto provado n.º 79, o valor correspondente ao valor dos veículos adquiridos pelas Locadoras ou quaisquer outros; 4. Aquando da aquisição das viaturas os preços de viaturas equivalentes nas marcas mais comercializadas em Portugal equivaliam-se, não sendo susceptíveis de influenciar as decisões de compra para os potenciais compradores: Daf, Daimler, Iveco, MAN, Scania e Volvo/Renault; 5. No referido espaço temporal outros fabricantes que não aqueles, mas que não operavam em Portugal, ofereciam no mercado viaturas em tudo equivalentes a preços, em média, na ordem de 16% abaixo do praticados por aqueles fabricantes, o que passou despercebido no mercado nacional; 6. Contudo, dada a diferença substancial de preços para a mesma categoria de veículos e equivalência de características técnicas, potencial e níveis de qualidade em geral, a Autora não hesitaria na aquisição de outras marcas em circunstâncias normais de mercado;
7. O aumento dos preços das viaturas decorrente do acordo a que alude a Decisão da Comissão Europeia foi precisamente na ordem dos 16%, pelo que quanto à viatura 87-…-… e à viatura 29-…-… foram pagas a mais as quantias de 16. 000 €, por cada uma, quanto, à viatura 49-…-… foi paga a mais a quantia de 14.653 € e quanto à viatura 58-…-… foi paga a mais a quantia de 13.600 €; 8. A Madeiras Af repercutiu sobre a Autora o excedente do valor que pagou resultante do acordo a que alude a Decisão da Comissão, transferindo para ela, na totalidade, esse agravamento; - Da contestação: 9. O Camião 46-GF-60 foi inicialmente vendido pela MAN Truck & Bus Deutschland (a subsidiária alemã do grupo MAN) a uma sociedade sediada na Alemanha e entregue nesse país; 10. O Camião 58-…-… foi inicialmente vendido a uma sociedade francesa, designada por Casse e entregue em França; 11. A Autora teve conhecimento da infracção imputada à Ré e dos seus alegados infractores em qualquer um dos momentos indicados nos factos provados n.ºs 93 a 97; 12. Parte do valor pago em excesso pela Autora na aquisição dos veículos de matrículas 49-…-… e 58-…-… derivado da conduta a que alude a Decisão da Comissão foi repercutido, em valor não concretamente apurado, por si, nos montantes cobrados aos seus clientes pelos serviços que presta.”
b) Objecto do recurso:
Como decorre do disposto nos arts. 635.º, n.º 3, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, as conclusões do recorrente delimitam o recurso apresentado, estando vedado ao tribunal hierarquicamente superior àquele que proferiu a decisão recorrida conhecer de questões ou de matérias que não tenham sido suscitadas, com excepção daquelas que sejam de conhecimento oficioso.
Deste modo, compete à parte que se mostra inconformada com a decisão judicial proferida indicar, nas conclusões do recurso que interpôs, que segmento ou que segmentos decisórios, pretende ver reapreciado(s), delimitando o recurso quanto aos seus sujeitos e/ou quanto ao seu objecto.
A delimitação (objectiva e/ou subjectiva) do recurso condiciona a intervenção do tribunal hierarquicamente superior, que se deve cingir à apreciação e à decisão das matérias indicadas pela parte recorrente, com excepção de eventuais questões que se revelem de conhecimento oficioso.
Isto significa que está vedado ao tribunal de recurso proceder a uma reapreciação de questões ou de matérias que não tenham sido suscitadas e, por consequência, que os seus poderes de cognição se encontram delimitados pelo recurso interposto no âmbito de um processo da iniciativa das partes.
A iniciativa das partes condiciona a intervenção do tribunal de recurso e delimita os seus poderes de cognição, sem prejuízo do caso julgado já formado e de eventuais questões que possam ser apreciadas a título oficioso.
I - Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
A recorrente “Man Truck & Bus AG” começou por impugnar os factos considerados provados nos arts. 1.º a 44.º da sentença, respeitantes à decisão da Comissão Europeia de 19-07-2016, para tanto alegando, em suma, que a “tradução livre” de inglês para a língua portuguesa realizada pelo tribunal de primeira instância, apresenta diversas incorrecções, em muitos dos termos ou vocábulos utilizados (v.g. arrangement, these collusive arrangements, various arrangements).
Vejamos:
Decorre do art.º 640.º do CPC, respeitante ao “ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto”, que a parte deve especificar, sob pena de rejeição do recurso, os factos concretos que considera incorrectamente julgados, os meios probatórios que impunham diferente decisão sobre a matéria de facto impugnada e a decisão que, no seu entender, devia ter sido proferida.
O tribunal a quo procedeu, essencialmente, nos referidos artigos da matéria de facto provada, à reprodução, em inglês, de segmentos da decisão da Comissão Europeia de 19-07-2016, proferida no âmbito do Processo AT 39824 – Camiões, seguida, de uma “tradução livre”, para língua portuguesa.
É a tradução para língua portuguesa desses segmentos que levou à interposição de recurso por parte da empresa “Man Truck & Bus AG”, mediante a simples alegação de que alguns termos foram incorrectamente traduzidos.
Por conseguinte, verifica-se que não especificou qualquer meio de prova que impusesse diversa decisão sobre a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo, o que deverá, desde logo, conduzir à rejeição do recurso, por incumprimento do ónus previsto pela al. b) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC.
O tribunal a quo considerou como provados os factos em causa com base no documento n.º 6 da contestação apresentada pela recorrente “Man Truck & Bus AG”, redigido em língua inglesa, referente à decisão da Comissão Europeia de 19-07-2016, proferida no Processo AT 39824 – Camiões.
Este meio de prova documental, com o sentido constante do art.º 362.º do CC, tem a vitualidade de demonstrar o teor da referida decisão redigida em língua inglesa, mas dele não decorre, por si só, que se mostre acertada a alegação constante do presente recurso no que diz respeito às incorrecções que apresenta a tradução realizada pelo tribunal de primeira instância.
“Prova documental é a que resulta do documento” e do documento n.º 6 da contestação resulta, exclusivamente, o teor da mencionada decisão da Comissão Europeia, como se viu, redigida em língua inglesa.
Acresce que a recorrente “Man Truck & Bus AG” não ofereceu qualquer meio de prova demonstrativo daquilo que alega, muito em particular, nem sequer especificou ou indicou uma qualquer tradução da referida decisão materializada em documento, que possa levar este tribunal de recurso a ponderar a incorrecção dos factos que estão redigidos em língua portuguesa.
As provas são aquelas que constam dos arts. 341.º a 396.º do CC (v. g. presunções, confissão, prova documental, prova pericial, prova por inpecção e prova testemunhal), mas nenhuma delas foi especificada pela recorrente “Man Truck & Bus AG” para demonstrar o alegado desacerto da decisão recorrida.
Ainda que a tradução para a língua portuguesa não fosse obrigatória, de acordo com o disposto no art.º 134.º, n.º 1, do CPC, a natureza e a extensão do documento em causa, aconselhava, porventura, a sua realização, de modo a que não surgissem dúvidas ou divergências a este respeito.
Seja como for, o recurso deve ser rejeitado, de acordo com o disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC, quando a recorrente não especifique qualquer meio de prova que imponha uma diferente decisão sobre a matéria de facto impugnada, não obstante ter alegado que ocorreram incorrecções da tradução para português realizada pelo tribunal a quo do documento por si apresentado em língua inglesa, que não traduziu e que nada requereu a este propósito.
Não existe fundamento para alterar a matéria de facto fixada quando a recorrente, sem indicar qualquer meio de prova, se limita a afirmar que a tradução para língua postuguesa de um documento redigido em língua inglesa, realizada pelo tribunal a quo, apresenta diversas incorrecções, em muito dos termos ou dos vocábulos utilizados (v.g. negociação em vez de discussão dos preços ou acordos em vez de actividades colusórias).
Em sede de recurso da decisão sobre a matéria de facto, não compete ao tribunal ad quem proceder, por si próprio, a uma tradução dos documentos que serviram de suporte probatório aos factos provados, de modo a confirmar (ou a infirmar) a falta de acerto da tradução realizada pelo tribunal a quo.
Compete-lhe, grosso modo, (re)apreciar os meios probatórios constantes dos autos com vista a verificar se a matéria de facto foi (ou não) incorrectamente julgada pelo tribunal a quo, se deve ser mantida ou se deve ser alterada, sendo certo que a “Man Truck & Bus AG” não ofereceu, sequer, uma tradução da decisão da Comissão Europeia materializada em documento.
Deste modo, o recurso interposto pela empresa “Man Truck & Bus AG” deverá ser julgado improcedente na parte em que pretende a alteração dos factos considerados provados nos arts. 1.º a 44.º da sentença, relativos à decisão da Comissão Europeia de 19-07-2016 - Processo AT 39824 – Camiões.
Prosseguindo:
De igual modo, a recorrente “Man Truck & Bus AG” veio impugnar os factos considerados como provados relativos aos prejuízos, que se mostram vertidos nos arts. 83.º a 92.º da decisão sobre a matéria de facto.
A este propósito, veio defender, muito em suma, que o tribunal recorrido, para a prova dos prejuízos sofridos pela “Mapafoz – Madeiras e Derivados, Lda.”, procedeu a interpretação enviesada da mencionada decisão da Comissão Europeia de 19-07-2016 (para a qual contribuiu a incorrecta tradução para português da sua versão inglesa), o que, por seu turno, serviu de base a sucessivas presunções judiciais (desprovidas de qualquer suporte factual) e a uma incorrecta apreciação da contraprova por si produzida.
Vejamos:
Neste particular, a sentença recorrida considerou provado, com particular relevância, que o “(…) acordo a que alude a Decisão da Comissão (…) influenciou os preços de viaturas pesadas no período compreendido entre 1997 e 2011 (…)”, que “(…) a MAN, de forma concertada com as outras empresas abrangidas pela Decisão da Comissão, conseguiu um aumento de preços das suas viaturas não concretamente apurado sobre aquele que seria o preço que as viaturas apresentariam no mercado se não fosse esse acordo (…)”, que “(…) a Ré provocou um aumento dos preços na distribuição de viaturas em Portugal, quer através dos seus agentes quer de outros agentes comerciais externos que adquiriram viaturas da marca para revenda (…)” e que “(…) Apesar da Autora não ser adquirente directa das viaturas, por não as ter comprado diretamente à Ré (…) os referidos operadores (…) suportaram na totalidade o agravamento de preços provocado pela conduta aludida na Decisão da Comissão e repercutiram-no depois, também, sobre a cadeia de adquirentes a jusante (…)”.
Ao contrário do que deixa alegado a recorrente “Man Truck & Bus AG”, não se vislumbra que a decisão recorrida tenha infringido as regras do direito probatório material e processual vertidas nos arts. 346.º do CC e 414.º do CPC, muito em particular que o tribunal a quo tenha considerado os prejuízos como provados, não obstante ocorressem dúvidas sérias e fundadas sobre a sua existência.
De acordo com o disposto no art.º 414.º do CPC, sob a epígrafe “princípio a obervar em caso de dúvida”, que “a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita”.
Em anotação a este dispostivo, Lebre de Freitas esclarece o seguinte: “(…) a dúvida do julgador sobre a ocorrência de um facto equivale à falta de prova desse facto, pelo que resulta em desvantagem para a parte que tinha o ónus de o provar. Di-lo o art.º 346.º do CC para os casos em que a dúvida resulta da contraprova oposta pela parte não onerada à prova produzida pela parte onerada; mas o princípio aplica-se também nos casos em que não é produzida prova suficiente pela parte onerada, sem que a parte contraria tenha, por seu lado, produzido qualquer meio de prova (…)” – in “Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª Edição, pág. 215.
Incorrerá em erro de julgamento o julgador que venha a considerar como provado um determinado facto, não obstante existam dúvidas sobre a sua ocorrência, decorrentes da insuficiência da prova apresentada pela parte a quem o facto aproveita e/ou da contraprova oferecida pela parte contrária.
No caso vertente, percorrendo a fundamentação constante da decisão recorrida, não se vislumbra que o tribunal a quo se tenha deparado com dúvidas sobre se a conduta imputada à recorrente “Man Truck & Bus AG” causou (ou não) prejuízos patrimoniais à recorrida “Mapafoz – Madeiras e Derivados, Lda.” e, não obstante essas dúvidas, tenha vindo a considerar esses prejuízos como provados.
Conforme melhor se deixará explanado, o tribunal recorrido seguiu um racicocínio lógico com vista à demonstração da factualidade constante dos arts. 83.º a 92.º (vide maxime fls. 60 a 92 da sentença recorrida), que não merece qualquer crítica ou reparo, levando em consideração a globalidade da prova produzida.
Para a demonstração destes factos, a sentença partiu da afirmação de que a infracção imputada à empresa recorrente “Man Truck & Bus AG” não se cingiu à mera troca de informações sobre preços entre concorrentes, que envolveu acordos que visavam o aumento do preço de camiões médios e pesados, para, de seguida, explicitar os motivos que levam o tribunal a quo a considerar irrelevante a contraprova dos factos alegados, muito em particular o estudo elaborado pela “Oxera” ou o estudo “Sobre a Plausibilidade dos Efeitos nos Preços da Conduta Sancionada no Caso dos Camiões”, junto aos autos no dia 11-12-2023.
Após efectuar esse percurso, conseguiu apurar, de modo lógico, sem quaiquer hesitações ou dúvidas, que a conduta imputada à “Man Truck & Bus AG”, grosso modo, causou prejuízos à “Mapafoz – Madeiras e Derivados, Lda.”, decorrente do aumento do preço bruto e líquido dos camiões e, em consequência, considerou demonstrada a factualidade dos arts. 83.º a 92.º da sentença.
Por conseguinte, não se vislumbra que o tribunal recorrido, ao proceder à análise da prova produzida nestes autos, tenha incorrido em violação do princípio da igualdade de armas (art.º 4.º do CPC), conforme deixou alegado à recorrente “Man Truck & Bus AG”, muito em particular que tenha favorecido, sem fundamento, a autora, em detrimento da ré, por ter infringido regras da prova.
De acordo com o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, sob a epígrafe “modificabilidade da decisão de facto”, “(…) a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversas (…)”. In casu, salvo o devido respeito, nada autoriza, que se proceda à alteração a factualidade provada constante dos arts. 83.º a 92.º da sentença, não obstante a recorrente “Man Truck & Bus AG” se mostre inconformada com a livre valoração das provas levada a cabo pelo tribunal de primeira instância.
Ainda que possa (legitimamente) discordar da convicção formada (muito em particular quando afirma que a contraprova por si oferecida se mostrava mais do que suficiente para criar dúvidas sérias e fundadas sobre a existência de prejuízos resultantes da conduta sancionada), o julgador aprecia livremente a prova produzida (art.º 607.º, n.º 5, do CPC), sem que dessa apreciação, resulte, por si só, uma violação do princípio de igualdade de armas, caso venha a desconsiderar as percepções da prova ou os factos invocados por uma das partes.
Aliás, o recurso em referência assenta no pressuposto que, necessariamente, tinham de ocorrer dúvidas sobre a existências dos prejuízos, com as quais, todavia, o julgador, não se deparou, de acordo com a sua livre convicção, conforme fundamentos que deixou expostos na motivação da matéria de facto.
Como se verá, o tribunal recorrido, de acordo com a sua livre convicção, não atribuiu ao estudo elaborado pela “Oxera” ou ao estudo “Sobre a Plausibilidade dos Efeitos nos Preços da Conduta Sancionada no Caso dos Camiões” a relevância que a empresa recorrente “Man Truck & Bus AG” pretendia que lhes fosse reconhecido, por forma a que, a final, se pudesse concluir que, no mínimo, existem dúvidas sobre se a conduta sancionada provocou (ou não) prejuízos.
De um modo mais detalhado:
Muito embora a recorrente “Man Truck & Bus AG” se tenha esforçado para demonstrar o contrário, não se afigura que o tribunal recorrido tenha incorrido em erro julgamento quando considerou que a infracção que lhe foi imputada extravasou à singela troca de informações entre as empresas concorrentes (muito em particular sobre preços ou sobre aumentos de preços).
Da decisão da Comissão Europeia de 19-07-2016 (Processo AT 39824 – Camiões), muito em particular da sua introdução, resulta apurada uma infracção continuada aos arts. 101.º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia e 53.º do Acordo Sobre o Espaço Económico Europeu - vide art.º 5.º dos factos provados que corresponde ao considerando (1) da decisão.
De acordo com estes dispositivos, a recorrente “Man Truck & Bus AG” foi sancionada (em conjunto com as outras empresas concorrentes) por terem ocorrido acordos entre empresas ou práticas concertadas susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-Membros, que impediram, restringiram ou falsearam a concorrência no mercado interno, designadamente por implicarem uma fixação dos preços de compra ou de venda.
Essa decisão acrescenta, logo de seguida, que a “(…) infracção consistiu em acordos colusórios relativos aos preços e aos aumentos do preço bruto no EEE dos camiões de média tonelagem e pesados (…)”– vide art.º 6.º dos factos provados que corresponde ao considerando (2) da decisão.
Mais à frente, a decisão da Comissão Europeia de 19-07-2016 deixa explícito que “entre os acordos colusórios, incluíram-se acordos e/ou práticas concertadas relativas à atribuição de preços e aos aumentos dos preços brutos para alinhar os preços brutos no EEE, e a temporização e a transmissão dos custos relativos à introdução das tecnologias de emissões” – vide art.º 21.º dos factos provados que corresponde ao considerando (50) da decisão.
Destes pontos da decisão da Comissão Europeia resulta, de modo inelutável, que as práticas restritvas da concorrência envolveram entendimentos ou acordos de vontade entre as empresas concorrentes relativos a aumentos dos preços brutos dos camiões médios e pesados.
A empresa “MAN” reconheceu “os factos descritos na presente decisão” (vide art.º 7.º dos factos provados), o que significa que não ficaram excluídos os “acordos e/ou práticas concertadas relativas à atribuição de preços e aos aumentos dos preços brutos para alinhar os preços brutos no EEE”.
Do considerando (3) da decisão não consta qualquer ressalva, excepção ou restrição à aceitação dos factos dela constante por parte da empresa “MAN”, por forma a conferir respaldo à posição sustentada no presente recurso no sentido que a conduta sancionada “consistiu essencialmente em trocas de informações sobre preços e aumentos de preços brutos”.
Muito embora as práticas concertadas entre as empresas tenham implicado a troca de “tabelas de preço brutos e informações sobre preços brutos” e também, entre alguns concorrentes, a “troca de configuradores de camiões informatizados”, o que constituiu partilha de informação sensível sob o ponto de vista comercial (vide art.º 17.º dos factos provados que corresponde ao considerando (46) da decisão), também consubstanciaram acordos colusórios relativos a aumentos do preço bruto de camiões médios e pesados.
Do que se deixa exposto resulta que as infracções verificadas pela Comissão Europeia, ainda que tenham envolvido trocas de informações comerciais sensíveis, também se traduziram em acordos firmados entre as empresas concorrentes para o aumento do preço dos camiões.
Ainda que não se enquadre nas atribuições do tribunal ad quem, em sede de recurso sobre a matéria de facto, proceder à tradução de documentos constantes dos autos, de modo a verificar a correcção da tradução realizada pelo tribunal a quo, sempre se dirá que “arrangement” significa, em língua portuguesa, “arranjo” ou “acordo”, de acordo com o “Dicionário Oxford”.
Deste modo, não se afigura que o tribunal a quo tenha procedido à uma tradução incorrecta do vocábulo de língua inglesa “arrangement”, nem tão-pouco que, por tal motivo, tenha incorrido em erro de julgamento quando considerou que a conduta imputada à empresa recorrente “Man Truck & Bus AG” extravasou a singela partilha de informações comerciais sobre preços.
Seja como for, a empresa não procedeu, em devido tempo, à tradução do documento em causa, nem nada requereu a este propósito, com vista a demonstrar que lhe assiste razão nos reparos que agora aponta à sentença.
No que diz respeito ao período temporal em que se verificaram essas práticas concertadas, a decisão da Comissão Europeia indica que a infracção “decorreu entre 17 de Janeiro de 1997 e 18 de Janeiro de 2011” - vide art.º 6.º dos factos provados que corresponde ao considerando (2) da decisão.
Mais uma vez se refere que a recorrente aceitou todos “os factos descritos na presente decisão”, sem qualquer excepção, ressalva ou limitação, o que significa que nenhum desses factos se deve considerar excluído.
Por seu turno, o art.º 1.º do dispositivo da decisão da Comissão Europeia de 19-07-2016 deixou, a este propósito, esclarecido o seguinte: “Por terem participado em práticas de colusão relativamente aos preços e aos aumentos do preço bruto no EEE dos camiões de média tonelagem e pesados e à temporização e transmissão dos custos relativos à introdução das tecnologias de emissões para camiões de média tonelagem e pesados (…) durante os períodos indicados:“(a) MAN SE, de 17-01-1997 a 20-09-2010; MAN Truck & Bus AG, de 17-01-1997 a 20-09-2010; MAN Truck & Bus Deutschland GmbH, de 03-05-2004 a 20-09- 2010 (…)” – vide art.º 43.º dos factos provados.
Os contactos conlusórios ocorreram desde o início desse período temporal até 2010, através de diferentes formas, incluindo reuniões regulares (v.g. reuniões em instalações das associações industriais ou em feiras comerciais), trocas regulares de correio electrónico e chamadas telefónicas.
Os contactos estabelecidos entre as empresas permitiram alcançar, como se viu, “acordos e/ou práticas concertadas relativas à atribuição de preços e aos aumentos dos preços brutos para alinhar os preços brutos no EEE.”
Entre 1997 e finais de 2004, esses contactos envolveram os membros da direcção das empresas concorrentes, os preços foram negociados pelas sedes, o que permitiu, em alguns casos, que se tenha chegado a acordo sobre o aumento dos preços brutos dos camiões - vide arts. 20.º a 22.º dos factos provados que correspondem aos considerandos (49) a (51) da decisão.
Todavia, confome ressalta do art.º 35.º da matéria de facto provada pelo tribunal a quo, que corresponde ao considerando (74) da decisão da Comissão Europeia, “embora os contactos colusórios tenham ocorrido, a partir de 2004, entre as Filiais Alemãs e não entre Sedes, tais contactos tinham, ainda assim, o mesmo objetivo das reuniões anteriores realizadas entre os representantes do Nível das Sedes, nomeadamente a distorção da fixação independente de preços e do movimento normal dos preços dos Camiões”.
Isto significa que a partir de 2004, os contactos colusórios passaram a ser estabelecidos nas filiais, em vez de serem realizados nas sedes, mas apresentavam o mesmo propósito das reuniões anteriormente realizadas, muito em particular a distorção dos preços dos camiões médios e pesados.
O comportamento anticoncorrencial teve o “objectivo de limitar a concorrência no mercado” e a conduta empreendida pelas empresas concorrentes visou a “coordenação dos preços brutos entre os destinatários que eram concorrentes” – vide, neste sentido, art.º 37.º dos factos provados que corresponde ao considerando (81) da decisão da Comissão Europeia.
Deste modo, não têm sustento no texto da decisão as conclusões constantes do recurso quando se afirma que a conduta que foi sancionada pela Comissão Europeia consiste essencialmente numa troca de informações entre as empresas concorrentes e que os casos (meramente pontuais) de acordos de fixação dos preços brutos dos camiões ocorreram durante o período de 1997 a 2004.
Subscreve-se a sentença recorrida quando afirma que “(…) ainda que o corpo da decisão aluda à existência dessatroca de informações (sensíveis, por sinal), importa referir que, devidamente interpretada a decisão, se pode concluir precisamente que essas trocas de informações eram um mecanismo que servia os ditos acordos colusórios sobre os preços (…)” ou que “(…) não subsistem dúvidas de que os acordos em causa na Decisão da Comissão, nos quais a Ré participava, visavam, designadamente, a negociação dos preços dos camiões e o seu aumento (…), em violação das regras de um mercado concorrencial (…)”.
Importa ainda referir que o tribunal de primeira instância fez uso de diversas circunstâncias para ajudar a fundamentar a decisão proferida sobre a matéria de facto em causa, designadamente quando invocou o montante das coimas impostas pela Comissão Europeia, a aplicação do ponto 25 das linhas de orientação, a qualificação como “cartel” da conduta que foi sancionada pela decisão ou ainda a jurisprudência existente sobre a matéria em causa.
Estas circunstâncias auxiliaram o tribunal a quo a cimentar a convicção a que chegou sobre a interpretação da decisão da Comissão Europeia (ou seja, que a recorrente se envolveu com outras empresas em acordos colusórios para aumentar o preço bruto dos camiões médios e pesados).
Isto não obtante se reconhecer que o valor das coimas não resulta, unicamente, da gravidade da infracção, que a jurisprudência invocada na decisão recorrida não é vinculativa para a delimitação da conduta sancionada ou que o termo “cartel” engloba uma varidade de práticas concertadas, conforme, aliás, deixou assinalado a empresa recorrente “Man Truck & Bus AG”.
Todavia, estas circunstâncias, conjuntamente com outras, sobretudo com o texto da decisão da Comissão Europeia de 19-07-2016 (do qual ressalta, como se viu, que a “Man Truck & Bus AG” se envolveu em acordos colusórios para aumentar o preço bruto dos camiões médios e pesados) contribuíram para o apuramento da factualidade constante dos arts. 83.º a 92.º da sentença.
Deste modo, como a conduta sancionada pela Comissão Europeia consistiu, indiscutivelmente, em acordos destinados ao aumento dos preços brutos dos camiões, importa, de seguida, apreciar se merece (ao não) reparo a conclusão a que chegou o tribunal a quo no sentido destes acordos terem influenciado o preço de mercado dos camiões transaccionados, o que permitiu a demonstração da matéria de facto constante dos arts. 83.º a 92.º da sentença.
Inserido no capítulo atinente às provas, o art.º 349.º do CC permite ao julgador recorrer a presunções judiciais, nos casos em que é admitida a prova testemunhal (art.º 351.º do CC), autorizando-o a retirar ilações de factos conhecidos para considerar provados factos desconhecidos.
Essas presunções judiciais podem assentar em regras da experiência comum.
Conforme se deixou exposto, muito a este propósito, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-07-2011, proferido no âmbito do Proc. n.º 3612/07.6TBLRA (in www.dgsi.pt) “(…) o uso, pelas instâncias, em processo civil, de regras de experiência comum é um critério de julgamento, aplicável na resolução de questões de facto, não na interpretação e aplicação de normas legais, que fortalece o princípio da livre apreciação da prova, como meio de descoberta da verdade, apenas subordinado à razão e à lógica (…)”.
No caso vertente, o tribunal recorrido, partindo de factos conhecidos, nomeadamente decorrentes da própria decisão da Comissão Europeia de 19-07-2016 (existência de acordos colusórios para o aumento do preço dos camiões, período de tempo em durou a conduta sancionada pela Comissão Europeia, número de empresas concorrentes envolvidas nesses acordos e área geográfica), associados a regras da experiência comum, concluiu que a conduta sancionada teve influência nos preços (brutos líquidos) dos camiões e, deste modo, julgou provada a matéria de facto em discussão nestes autos.
Segundo o próprio texto da mencionada decisão da Comissão Europeia, os factos imputados à recorrente “Man Truck & Bus AG” tiveram lugar entre 17-01-1997 e 20-09-2010, visaram, para além do mais, o aumento do preço dos camiões médios e pesados e envolveram muitas das principais empresas que produzem e que distribuem estes equipamentos no espaço económico europeu (a saber: MAN, Daimler, Iveco, Volvo/Renault e DAF) .
Os camiões em apreço nestes autos foram transacionados durante o período de tempo em que as mencionadas empresas, que representam uma percentagem elevada da quota de mercado, tinham concertado os preços destes veículos pesados em todo o espaço económico europeu.
Por conseguinte, de acordo com critérios de lógica, não custa admitir que os preços dos veículos pesados em referência tenham sido influenciados (mais propriamente aumentados) pelos acordos colusórios firmados pelas empresas concorrentes (entre elas, a “Man Truck & Bus AG”).
Levando em conta todas estas circunstâncias, não será destituído de sentido concluir que estas empresas conseguiram provocar um aumento do preço (bruto e líquido) dos camiões no espaço económico europeu.
Também se mostra em conformidade com as mencionadas regras da experiência comum que a empresa recorrente “Man Truck & Bus AG” actuou com o intuito de obter vantagens patrimoniais decorrentes do aumento o preço dos camiões por si produzidos e/ou comercializados.
A não ser assim, caso não tivesse conseguido aumentar o preço bruto dos camiões para obter vantagens patrimoniais, seria caso para perguntar o que a teria levado a manter contactos regulares com as empresas congéneres durante um período tão alargado tempo (ou seja, desde 17-01-1997 até 20-09-2010, como decorre da decisão da Comissão Europeia).
Deste modo, nenhuma censura pode ser dirigida à sentença proferida pelo tribunal a quo, de acordo com as regras da experiência comum, por ter considerado que o período alargado de tempo em que perdurou a infracção (desde 17-01-1997 até 20-09-2010, ou seja, durante mais de 13 anos), associado à elevada quota de mercado das empresas sancionadas e à ampla área geográfica (todo o espaço económico europeu), determinou um aumento do preço final dos camiões pesados que foram transaccionados.
Em abono da sua tese, a recorrente “Man Truck & Bus AG” veio ainda alegar que, conforme resulta da figura 3 do estudo “Sobre a Plausibilidade dos Efeitos nos Preços da Conduta Sancionada no Caso dos Camiões”, junto aos autos no dia 11-12-2023, que as quotas de mercado dos fabricantes envolvidos mudaram significativamente de ano para ano e também ao longo do período da infracção.
Todavia, essa circunstância, conforme deixou assinalado a decisão recorrida, não pode fazer olvidar que as empresas infractoras (MAN, Daimler, Iveco, Volvo/Renault e DAF), no seu conjunto, representavam uma quota muito significativa do mercado no espaço económico europeu, pelo que existindo acordos colusórios, entre elas, como resultou demonstrado, não será descabido reconhecer que os preços líquidos dos camiões pesados sofreram aumentos.
Em face do exposto, entende-se que não viola as regras do direito probatório o tribunal recorrido ter considerado que esses acordos colusórios provocaram um aumento do preço de mercado dos camiões transaccionados, levando em consideração o período alongado em que a infracção foi cometida, a área geográfica e a quota de mercado das empresas envolvidas.
De seguida:
A recorrente “Man Truck & Bus AG” veio alegar que a contraprova por si produzida torna, no mínimo, duvidosa a existência de prejuízos decorrentes da conduta sancionada pela decisão da Comissão Europeia de 19-07-2016.
Com particular destaque, em abono da sua tese, apresentou a este propósito o estudo elaborado pela “Oxera” e o parecer “Sobre a Plausibilidade dos Efeitos nos Preços da Conduta Sancionada no Caso dos Camiões” (junto aos autos no dia 11-12-2023), da autoria de AA…, com vista a demonstrar que a conduta sancionada não teve impacto nos preços finais pagos pelos adquirentes dos camiões.
A este propósito, importa referir que se concorda, globalmente, com as considerações tecidas pelo tribunal de primeira instância (vide máxime fls. 75 e ss. da sentença) a respeito da contraprova oferecida pela recorrente “Man Truck & Bus AG”, que não foi considerada determinante para impedir a demonstração dos factos provados constantes dos arts. 83.º a 92.º da sentença recorrida.
Os meios de prova oferecidos pela recorrente “Man Truck & Bus AG”, em grande medida, procuram demonstrar que a troca de informações sobre preços brutos entre as empresas concorrentes que produzem e/ou comercializam camiões pode não ter influenciado o preço final destes veículos suportado pelo consumidor.
Conforme a sentença recorrida deixa, desde logo, assinalado, a conduta sancionada pela Comissão Europeia não envolveu, ao longos dos anos, meras trocas de informações comerciais sobre os preços brutos dos camiões médios ou pesados.
Mais uma vez se salienta que da decisão da Comissão Europeia resulta, de modo incontornável, que as práticas restritivas da concorrência envolveram, para além de trocas de informações comerciais sensíveis, acordos firmados entre as empresas para aumentar os preços brutos dos camiões.
Deste modo, estes meios de prova assentam, em grande parte, no pressuposto (errado) de que a conduta sancionada ficou restringida ou limitada a mera troca de informações comerciais sensíveis, o que, nessa medida, compromete a sua consistência para efeitos de comprovar (ou de, pelo menos, criar a dúvida) a ausência de prejuízos para os consumidores.
A recorrente “Man Truck & Bus AG”, com particular destaque, alegou que “não pode haver uma presunção geral de que uma troca de informações resulte em efeitos anticompetitivos” e que “as características do mercado de camiões tornam-no não propenso ao conluio, conforme explicitado por AA...”
Todavia, estas alegações não têm correspondência na decisão da Comissão Europeia de 19-07-2016, proferida no Processo AT 39824 – Camiões, porquanto, como se viu, as práticas restritivas da concorrência envolveram, para além de trocas de informações comerciais sensíveis, acordos entre as empresas concorrentes para aumentar os preços brutos dos camiões.
Isto significa que o depoimento da testemunha acima mencionada e que os estudos em causa não têm a virtualidade de contrariar as conclusões a que chegou a Comissão Europeia no que diz respeito, grosso modo, à descrição da conduta imputada às empresas produtores e distribuidoras de camiões.
De seguida, a recorrente “Man Truck & Bus AG” veio também alegar, mesmo admitindo que houve um acordo explicíto com vista a aumentar os preços brutos dos camiões, que essa circunstância não teria efeitos na fixação dos preços líquidos, na medida em que, os preços brutos não estão directamente relacionados com os preços líquidos e que, para isso, contribuem diversas carcaterísticas do mercado dos camiões, entre as quais, a negociação bilateral dos preços.
Como primeira nota, importa, desde logo, salientar que se rejeita o entendimento de que os preços finais cobrados aos clientes se encontram, completamente, desligados dos preços brutos dos camiões que são estabelecidos pelas empresas que se dedicam à sua produção e distribuição.
No denominado parecer técnico “Sobre a Plausibilidade dos Efeitos nos Preços da Conduta Sancionada no Caso dos Camiões” deixou-se assinalado que “(…) um acordo para aumentar os PLB (ou mesmo um aumento dos PLB) não induz necessariamente um efeito sobre os preços finais. Tal só ocorre sob certas condições de mercado que não são verificadas no caso em apreço (…)” – vide pág. 26.
De seguida, acrescenta-se neste parecer, com particular relevância, que “em circunstâncias normais, se os descontos são habituais e não públicos, os preços finais não devem ser influenciados por acordos sobre PLBs” e que “é mais provável que a colusão sobre os PLS tenha um efeito sobre os preços finais (…) se a conduta incluir acordos explícitos sobre os descontos (…) quando maior for a proporção de clientes que não obtém descontos (…) se a remuneração da rede de distribuição desencoraja os descontos (…) quanto maior for a proporção de clientes com condições implícitas ou explícitas que lhes garantam as melhores condições de Venda (renegociação de outras ofertas, cláusulas do cliente (…)”.
Deste meio de prova (em conformidade, aliás, com as regras da experiência comum) ressalta que o aumento do preço bruto de um determinado bem pode ter influência no preço final a suportar pelo cliente, mantendo-se inalteradas as demais circunstâncias relativas à transacção realizada (v.g. carga fiscal, descontos, custos de distribuição).
Todavia, admite-se que o incremento do preço bruto possa não ter, no caso concreto, repercussões no preço final do bem, muito em particular devido à forma como foi negociado e ao eventual desconto que foi concedido.
Como se disse no mencionado parecer técnico, “os descontos são habituais”, o que significa que nem sempre acontecem e que, mesmo que venham a concedidos pelo vendedor, o seu montante ou percentagem poderá estar dependente do cliente em causa e/ou da negociação realizada.
No caso vertente, dos elementos de prova invocados pela recorrente “Man Truck & Bus AG” resultam condições gerais sobre o mercado de camiões, muito em particular estimativas ou cálculos sobre se a conduta sancionada (nesta vertente, de acordos colusórios relativos a aumentos do preço bruto de camiões) teve (ou não) influência no preço final da transacção.
Em particular, nada se sabe, nem nada resulta das alegações apresentadas ou dos meios de prova invocados pela empresa “Man Truck & Bus AG”, que permitam retirar conclusões seguras sobre o modo como decorreu a negociação dos camiões em referência nestes autos, nomeadamente, se o preço final de aquisição resultou (ou não) de descontos concedidos e, em caso afirmativo, qual o seu montante.
Não obstante alegue, em termos gerais, que diversas circunstâncias do mercado contribuem para o preço final pago pelo cliente, designadamente a negociação bilateral realizada, de concreto, nada se sabe, afirmando a recorrente “Man Truck & Bus AG” que não teve “intervenção no preço que é fixado pela MAN PT (subsidiária portuguesa) aos seus clientes (clientes diretos) e esta, por seu turno” e que não teve “intervenção nos preços cobrados pelos concessionários”.
Sabe-se, todavia, que foram celebrados acordos entre várias empresas concorrentes destinados a aumentar o preço bruto dos camiões.
Isto significa que, neste particular, os meios de prova oferecidos não têm a virtualidade de contrariar a convicção formada pelo tribunal de primeira instância no sentido de, pelo menos, levantar dúvidas sobre a existência de prejuízos decorrentes da conduta sancionada, com o intuito de, a final, se vir a considerar como não provada a factualidade constante dos arts. 83.º a 92.º da sentença.
Para além de estudos de mercado, médias, cálculos e estimativas, nada resultou, em concreto, destes elementos de prova, que, v.g., permitam afirmar que, não obstante o aumento do preço bruto dos camiões, a subsidiária portuguesa ou o concessionário diminuíram as margens de lucro e concederam descontos aos clientes, que determinaram a eliminação ou o esbatimento daquele incremento.
Isto, partindo do pressuposto que, não havendo aumento do preço bruto, a subsidiária portuguesa ou o concessionário não fariam idêntico desconto.
É a própria recorrente “Man Truck & Bus AG” que alega que o preço final dos camiões está dependente de diversas circunstâncias (em conformidade, aliás, com o mencionado parecer técnico), mas a prova que ofereceu, a este propósito, nada permitiu demonstrar, em concreto, para, no mínimo, levantar dúvidas no espírito do julgador sobre a existência dos prejuízos invocados pela autora.
Como se viu, os acordos colusórios destinados ao aumento do preço bruto dos camiões encontram-se demonstrados e os veículos pesados mencionados nos presentes autos foram adquiridos durante o período temporal mencionado pela decisão da Comissão Europeia de 19-07-2016.
Essas circunstâncias, associadas ao longo período de tempo em durou a conduta sancionada pela Comissão Europeia, ao número de empresas concorrentes envolvidas nos acordos colusórios, à área geográfica e a quota no mercado europeu das empresas MAN, Daimler, Iveco, Volvo/Renault e DAF, permitiu ao tribunal recorrido, de acordo com regras da experiência comum, considerar como provada a matéria de facto impugnada.
Para o efeito, o tribunal de primeira instância também levou em consideração o Guia Prático da Comissão (do qual resulta, conforme deixa assinalado a decisão recorrida, serem residuais os casos de cartéis que não implicam um sobrecusto) e descredibilizou os dados que foram fornecidos aos autores dos pareceres com base nos fundamentos que deixou expostos.
Ainda que discutível, foi esta a avaliação da prova realizada pelo tribunal de primeira instância, a qual somente é susceptível de ser contrariada, com o intuito de proceder à modificação do quadro factual traçado, desde que os meios de prova, oferecidos pela recorrente “Man Truck & Bus AG”, levassem a decisão diversa (vide art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC).
O julgador aprecia livremente a prova produzida (art.º 607.º, n.º 5, do CPC) e o recurso da matéria de facto não se destina à realização de um segundo julgamento, antes visa a correcção de erros de julgamento, que resultem dos concretos meios de prova indicados pela parte insatisfeita com a decisão.
Como se disse, os meios de prova oferecidos não têm a virtualidade de contrariar a apreciação da prova realizada pelo tribunal a quo, ou seja, não conseguiram demonstrar (ou, pelo menos, criar a dúvida) de que os acordos colusórios destinados ao aumento do preço bruto dos camiões não tiveram impacto nos preços suportados pelos adquirentes dos veículos em referência.
Conforme deixou sublinhado o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-02-2025, proferido no Proc. n.º 54/19.6YQSTR (inwww.dgsi.pt), a propósito de um caso muito semelhante, no âmbito de uma acção de «private enforcement», por conduta violadora do art.º 101.º do TFUE, é possível inferir a existência de dano e de nexo causal a partir dos elementos constantes da decisão da Comissão Europeia de 19-07-2016, proferida no Processo AT 39824 – Camiões.
“(…) No plano da lógica, não resulta como irrazoável, improvável ou arbitrário considerar que os cartéis conduzem habitualmente a um preço adicional e que, quanto maior a duração e sustentabilidade de um cartel, tanto mais difícil será argumentar a ausência de uma qualquer incidência negativa nos preços (…)”.
Em face do exposto, o recurso deverá ser julgado improcedente na parte em que a empresa “Man Truck & Bus AG” pretende que os factos dos arts. 83.º a 92.º da sentença recorrida venham a ser dados como não provados.
Prosseguindo:
A recorrente “Man Truck & Bus AG” veio também alegar, em sede de impugnação da matéria de facto, que a sentença considerou irrelevantes factos por si alegados na contestação que deviam ter sido dados como provados.
Vejamos:
A sentença proferido pelo tribunal a quo deixou consignado, a este propósito, que “(…) a demais matéria alegada pelas partes que não se compreendeu nem na matéria dada como provada nem na não provada se reporta a matéria considerada pelo tribunal como irrelevante para a boa decisão da causa, matéria de direito ou de cariz meramente conclusivo (…)”.
Acrescentou-se, logo, de seguida, que “ (…) importa nesta sede fazer especial referência à matéria articulada pela Ré, em sede de contestação, que não foi incluída nem no manancial fáctico dado como provado, nem no nãoprovado, que dizia respeito às características técnicas dos camiões; ao processo de negociação e fixação de preços dos camiões; à cadeia de comercialização durante o período da infracção (sem prejuízo daqueles que ficaram provados); às características do mercado dos camiões, o facto de estar em causa uma procura cíclica e a efectiva concorrência entre fabricantes durante o período da infracção (…)” e que “(…) tais matérias ficaram totalmente prejudicadas em face da prova produzida que culminou na prova dos factos alegados pela Autora consubstanciadores dos requisitos da responsabilidade civil (…)”.
Muito embora não exista, presentemente, norma equivalente à do art.º 646.º, n.º 4, do anterior CPC, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a considerar que a matéria de facto se deve cingir aos acontecimentos da vida corrente (realidades do mundo exterior e realidades psíquicas), dela se excluindo questões de direito, juízos de valor e juízos conclusivos.
Conforme se defendeu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-05-2021, proferido no âmbito do Proc. n.º 1011/11.6TBAGH (inwww.dgsi.pt), “(…) mantém-se na nossa ordem jurídica o mecanismo anteriormente previsto no art.º 646.º, n.º 4, do CPC, devendo ser suprimida da fundamentação de facto da sentença toda a matéria dela constante suscetível de ser qualificada como questão de direito, bem como a que integre juízos conclusivos ou de valor (…)” – em idêntico sentido, vide Acórdão de 19-12-2018, proferido no âmbito do Proc. n.º 857/08.7TVLSB.
Por outro lado, “não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2.º, n.º 1, 137.º e 138.º, todos do CPC)” - vide Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-03-2023, Proc. n.º 189/20.2T8ALJ, inwww.dgsi.pt.
No caso vertente, verifca-se que a recorrente “Man Truck & Bus AG” pretende a inclusão na factualidade provada de factos notórios (com o sentido atribuído pelo n.º 1 do art.º 412.º do CPC), conclusivos e acima de tudo irrelevantes para a apreciação da causa, conforme deixa assinalado a decisão recorrida.
Por exemplo, “a estrutura do mercado é assimétrica”, “durante o período da infracção os fabricantes tinham quotas de mercado diferentes” e a “procura de camiões é altamente cíclica” constituem factos conclusivos que se encontram dependentes da alegação e da prova da quota de mercado de cada uma dessas empresas e das vendas de camiões realizadas em cada momento.
Por outro lado, não escapa ao conhecimento geral que “os camiões são bens específicos direccionados para as necessidades de cada cliente”, que “cada fabricante de camiões oferece um ampla gama com centenas de diferentes opções e variantes” e que “o preço pago pelo cliente final é negociado bilateralmente e determinado em função das circusntâncias concreta do camião e das carcaterísticas do cliente (quantidade de camiões adquiridos, potencial do cliente, exposição do cliente na área de influência e a própria aptidão negocialdo cliente)”.
Acresce que a factualidade alegada, de modo muito genérico, se mostra irrelevante ou inútil, conforme se refere na decisão recorrida, para as finalidades pretendidas pela empresa recorrente “Man Truck & Bus AG”.
Em primeiro lugar, mostra-se inútil inserir a factualidade relativa às características do mercado dos camiões para demonstrar que “não é propenso ao conluio”, na medida em que se encontra assente, conforme decorre da decisão da Comissão Europeia, que foram estabelecidos acordos colusórios, entre as empresas concorrentes, destinados ao aumento do preço bruto dos camiões.
Por outro lado, a factualidade alegada também se mostra irrelevante para demonstrar que a recorrida “Mapafoz – Madeiras e Derivados, Lda.” não suportou qualquer sobrecusto decorrente dos mencionados acordos, na medida em que se limita a considerações genéricas e que nada se alega a respeito dos negócios jurídicos de compra e venda dos camiões mencionados nos presentes autos.
Se o preço final está dependente de um conjunto de circunstâncias, como alega, importaria apurar, em concreto, designadamente qual era o poder negocial das empresas adquirentes dos camiões, se foram (ou não) concedidos descontos e, em caso afirmativo, qual o seu montante ou percentagem, com vista a ser concluir que não sofreram um sobrecusto.
Destas alegações muito genéricas nada se consegue retirar de útil ou de relevante com vista a contrariar a convicção formada pelo tribunal de primeira instância no sentido de que os acordos colusórios provocaram um aumento do preço de mercado dos camiões transaccionados.
Deste modo, em face das considerações que se deixam expostas, nesta parte, o recurso interposto pela empresa “Man Truck & Bus AG” também deverá ser julgado improcedente, na medida em que não se encontram fundamentos para aditar novos factos à matéria de facto provada.
De seguida:
Ao nível do recurso da matéria de facto, a recorrente “Man Truck & Bus AG” veio ainda alegar que devem ser aditados dois novos factos à matéria de facto considerada provada pelo tribunal de primeira instância, relativos à repercussão (parcial) a jusante dos veículos com as matrículas 49-…-… e 58-…-…, que foram adquiridos pela empresa “Madeiras Af, Lda.” e cujos créditos indemnizatórios foram cedidos à autora “Mapafoz – Madeiras e Derivados, Lda.”.
Vejamos:
Na sentença recorrida, no segmento respeitante à “repercussão do sobrecusto” (vide fls. 118), referiu-se o seguinte: “(…) mostra-se provado que parte do valor pago em excesso pela Autora na aquisição dos veículos de matrículas 87-…-…e 29-…-… derivado da conduta a que alude a Decisão da Comissão foi repercutido, em valor não concretamente apurado, por si, nos montantes cobrados aos seus clientes pelos serviços que presta. Não se mostra, porém, provado o mesmo relativamente às viaturas de matrícula 49-…-… e 58-…-…, sendo certo que a Ré nunca alegou qualquer repercussão da Madeiras Af para os seus clientes (…)”.
Para se compreender melhor a questão suscitada, importa referir que os veículos com as matrículas87-…-… e 29-…-… foram adquiridos directamente pela recorrida “Mapafoz – Madeiras e Derivados, Lda.”, enquanto que os veículos com as matrículas 49-…-… e 58-…-… foram adquiridos pela empresa “Madeiras Af, Lda.”, a qual, no dia 11-06-2019, emitiu uma declarar a dizer que as vendeu à recorrida “Mapafoz – Madeiras e Derivados, Lda.” e que transferiu para ela todos os direitos e obrigações inerentes à sua propriedade e à sua circulação – vide máxime arts. 46.º, 61.º, 62.º, 68.º, 74.º e 79.º dos factos provados.
De acordo com o disposto no art.º 5.º do CPC, compete às partes alegarem os factos integrantes da causa de pedir ou das excepções invocadas, o que, ao nível da matéria de facto, limita a intervenção juiz do processo, sem prejuízo do disposto nas als. a) a c) do n.º 2 deste mesmo preceito.
Isto significa que o juiz deve apreciar a relação material controvertida nos moldes em que esta lhe é apresentada pelas partes, sem prejuízo de poder considerar na decisão, oficiosamente, factos instrumentais, complementares ou notórios, que não tenham sido articulados nas peças processuais.
Se o juiz é livre na escolha dos normativos aplicáveis ao caso e na interpretação jurídica que deles deve ser realizada, encontra-se vinculado, em processos desta natureza, pela matéria de facto que venha a ser alegada pelas partes, a qual está obrigado a conhecer, sob pena de nulidade da sentença.
No caso vertente, concorda-se com a afirmação constante da sentença recorrida no sentido de que a recorrente “Man Truck & Bus AG” nada alegou sobre a empresa “Madeiras Af, Lda.” ter repercutido o aumento do preço de aquisição dos camiões com as matrículas 49-…-… e 58-…-…, resultante dos acordos colusórios, nos serviços que prestou aos seus clientes ao longo do tempo.
Após ter alegado no art.º 244.º da contestação que estes camiões foram vendidos a entidades localizadas fora do território português, no art.º 259.º desta peça processual acrescenta que “(…) caso se considere que a Autora pagou efetivamente um preço excessivo (…) o valor pago em excesso teria sido repercutido, pela Autora, nos montantes cobrados aos seus clientes pelos serviços que presta, o que “anularia” o eventual dano da Autora (…)”.
Da contestação parece resultar que a recorrente “Man Truck & Bus AG” distinguiu duas situações: admitiu que a recorrida “Mapafoz – Madeiras e Derivados, Lda.” adquiriu directamente os veículos com as matrículas 87-…-… e 29-…-…, ao mesmo tempo em que alegou que os veículos com as matrículas 49-…-… e 58-…-… tinham sido adquiridos por entidades terceiras localizadas fora de Portugal.
Assim, quando no art.º 259.º da contestação alegou que “caso se considere que a Autora pagou efetivamente um preço excessivo”, somente se estava a referir aos veículos com as matrículas 87-…-… e 29-…-…, que admitiu terem sido adquiridos directamente pela autora “Mapafoz – Madeiras e Derivados, Lda.”.
Tanto assim é que se acrescenta, de seguida, que “o valor pago em excesso teria sido repercutido, pela Autora, nos montantes cobrados aos seus clientes”.
Nada é alegado na contestação (assim com na resposta à petição inicial aperceiçoada) de que resulte que as “entidades localizadas fora do território português” ou que a empresa “Madeiras Af, Lda.” fizeram repercutir o sobrecusto da sua aquisição nos serviços que prestaram aos seus clientes.
Compreende-se perfeitamente a posição da recorrente “Man Truck & Bus AG” quando afirma que os critérios constantes do Guia Prático da Comisssão também são aplicáveis aos camiões com as matrículas 49-…-… e 58-…-….
Todavia, o tribunal recorrido não podia extravasar a matéria de facto constante dos articulados, ou seja, não podia vir a considerar, em sede de sentença, factos que não foram alegados pelas partes ao longo do processo.
A recorrente “Man Truck & Bus AG” nada alegou, de modo expresso, a respeito dos factos que pretende que sejam aditados à matéria de facto provada (por muito que pudessem estar no seu espírito), que, com o devido respeito, não constam do art.º 259.º da contestação (nem da resposta à petição inicial aperfeiçoada).
Por conseguinte, inexiste fundamento para que a condenação da empresa recorrente “Man Truck & Bus AG” sofra de uma redução de 2%, relativamente aos veículos com às matrículas 49-…-… e 58-…-…, correspondente ao alegado sobrecusto que acabou por ser repercutido nos serviços prestados aos clientes.
Em face do exposto, o recurso deverá ser julgado improcedente na medida em que a empresa “Man Truck & Bus AG” não alegou nos articulados os factos que pretende ver aditados à matéria de facto dada como provada e, por consequência, a sua condenação não deverá sofrer a redução de 2%, relativamente aos veículos com às matrículas 49-…-… e 58-…-…, que foram previamente adquiridos pela empresa “Madeiras Af, Lda.”.
II - Impugnação da decisão sobre a matéria de direito:
Como primeira nota, importa deixar assinalado que as infracções verificadas pela Comissão Europeia, ainda que tenham envolvido trocas de informações comerciais sensíveis, também se traduziram em acordos firmados entre as empresas para o aumento do preço dos camiões.
Deste modo, não tem sustento a alegação de que conduta sancionada pela Comissão Europeia, através da decisão de 19-07-2016, Processo AT 39824 - Camiões, consubstanciou uma mera troca de informações comerciais, entre as empresas concorrentes, sobre preços brutos ou sobre aumentos dos preços.
Por conseguinte, nestes casos, o acto ilícito é constituído ou integrado pelos acordos colusórios, firmados entre as empresas concorrentes (MAN, Daimler, Iveco, Volvo/Renault e DAF), destinados a aumentar o preço dos camiões médios e pesados dentro do espaço económico europeu.
Em sede de recurso da matéria de direito, a recorrente “Man Truck & Bus AG” começou por sustentar a invalidade da cessão de créditos indemnizatórios relativamente aos veículos com as matrículas 49-…-… e 58-…-…, para tanto alegando, em suma, que essa cessão teve por objecto um crédito futuro, indeterminado e indeterminável, que incumbia à recorrida “Mapafoz – Madeiras e Derivados, Lda.” fazer a prova da onerosidade da cessão desse crédito futuro e que, como não o fez, deve ser declarada a nulidade deste negócio jurídico.
Vejamos:
Dispõe o art.º 577.º, n.º 1, do CC, a respeito da cessão de créditos, que “o credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor”.
Deste preceito, em conjugação com o disposto no art.º 405.º, n.º 1, do CC, que consagra o princípio da liberdade contratual, resulta que o credor pode legitimamente ceder o seu crédito a um terceiro, mesmo sem obter a concordância do devedor, desde que essa cedência não contrarie a lei, o estabelecido pelas partes ou a própria natureza da obrigação.
Por regra, o crédito pode ser livremente transmitido a um terceiro, mesmo quando o devedor manifeste a sua oposição a essa cessão.
De acordo com o princípio da liberdade contratual, os sujeitos podem livremente celebrar os negócios jurídicos que entenderem e com quem entenderem, desde que respeitem os limites estabelecidos pela lei. In casu, importa, desde logo, afastar as restrições à livre celebração deste negócio jurídico decorrentes da convenção das partes ou da própria natureza da prestação, na medida em que não se encontra apurada a existência de qualquer cláusula contratual que proibisse a cessão de créditos, nem tão-pouco a posição do credor se afigura relevante neste negócio.
Deste modo, o negócio jurídico em causa (mediante o qual a firma “Madeiras Af, Lda.” transferiu para a “Mapafoz – Madeiras e Derivados, Lda.” “os direitos indemnizatórios que lhe assistem contra a empresa fabricante da marca MAN em função da decisão da comissão europeia de 19-07-2016”) somente pode ser declarado inválido caso se prove que infringiu uma disposição legal.
Em abono da sua tese, a recorrente “Man Truck & Bus AG” veio invocar o disposto no art.º 280.º, n.º 1, do CC, do qual resulta que é “nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável”.
Afigura-se isento de quaisquer dúvidas que o objecto da cessão de créditos se encontra perfeitamente determinado, consistindo, de modo claro, nos direitos indemnizatórios, resultantes da decisão da Comissão Europeia de 19-07-2016, Processo AT 39824 – Camiões, a exercercontra a empresa fabricante dos veículos pesados com as matrículas 49-…-… e 58-…-….
A indeterminabilidade não é sinónimo de obrigação ilíquida.
O objecto contratual é indeterminável quando não é passível de ser determinado, quando é impossível exigir ao devedor a prestação negocial fixada pelas partes, o que conduz à nulidade do negócio jurídico celebrado. Por seu turno, a obrigação contratual é ilíquida quando o seu montante ainda não está apurado, por se encontrar dependente de uma operação de cálculo.
A obrigação que levou à cessão de créditos da empresa “Madeiras Af, Lda.” para a recorrida “Mapafoz – Madeiras e Derivados, Lda.” prende-se com a reparação dos prejuízos sofridos em virtude da “Man Truck & Bus AG”, em conjunto com outras empresas concorrentes (Daimler, Iveco, Volvo/Renault e DAF), ter firmado acordos colusórios destinados a aumentar o preço dos camiões médios e pesados dentro do espaço económico europeu.
O objecto desta cessão de créditos indemnizatórios encontra-se perfeitamente determinado, ainda que possa surgir como controverso o entendimento sufragado pelo tribunal a quo para liquidar o montante dos prejuízos causados (o que sucede com todos os veículos pesados envolvidos).
Maiores dúvidas se podem levantar quanto a saber se a cessão desses créditos contraria a lei ou se o seu objecto é legalmente impossível.
Partindo dos ensinamentos do Conselheiro Abrantes Geraldes, a sentença recorrida entendeu que o negócio jurídico estabelecido entre as empresas “Madeiras Af, Lda.” e “Mapafoz – Madeiras e Derivados, Lda.” consubstancia uma cessão de créditos futuros, que se deve presumir onerosa (como todos os actos de comércio), e, por consequência, legalmente admissível.
Neste particular, a recorrente “Man Truck & Bus AG” veio sustentar, grosso modo, que a cessão de crédito não é um acto de comércio, que, por isso, não se pode presumir a sua onerosidade, que a cessão gratuita de créditos futuros não é legalmente admissível (vide art.º 942.º, n.º 1, do CC) e que, por consequência, este tribunal de recurso deve declarar a invalidade do negócio jurídico em causa.
Todavia, salvo o devido respeito, quando a empresa “Madeiras Af, Lda.” transmitiu os “direitos indemnizatórios que lhe assistem”, relativamente aos veículos pesados com as matrículas 49-…-… e 58-…-…, não estava a ceder créditos futuros, cuja constituição estivesse dependente de “eventos vindouros”, seguindo as palavras citadas na sentença do Conselheiro Abrantes Geraldes.
Decorre da matéria de facto que a declaração que consubstancia a cessão de créditos se encontra datada de 11-06-2019 (vide máxime art.º 79.º dos factos provados), o que significa que é prévia à instauração da presente acção judicial e que é posterior à aquisição dos camiões com as matrículas 49-…-… e 58-…-… pela empresa “Madeiras Af, Lda.” e aos acordos colusórios, em que participou a recorrente “Man Truck & Bus AG”, destinados ao aumento do seu preço.
À data desse negócio jurídico já se encontram verificados todos os pressupostos integrantes dos “direitos indemnizatórios”, que a empresa “Madeiras Af, Lda.” transmitiu para a “Mapafoz – Madeiras e Derivados, Lda.”, muito embora ainda não tivesse sido instaurada a presente acção judicial.
Nessa data (11-06-2019), já se tinham verificado todos os factos determinantes da responsabilidade civil extracontratual, os créditos indemnizatórios já existiam na esfera jurídica da empresa transmitente e, por conseguinte, não se encontravam dependentes da ocorrência de um qualquer evento vindouro, não obstante não estarem reconhecidos judicialmente.
A circunstância de permanecer desconhecido o sentido da decisão judicial, não leva a que essa cessão envolva “créditos futuros”, porquanto o seu reconhecimento por parte do tribunal nunca esteve dependente da ocorrência de eventos posteriores à celebração do mencionado negócio jurídico.
A recorrente “Man Truck & Bus AG” não invoca um único facto relativo à responsabilidade civil extracontratual que seja posterior à cessão de créditos, muito embora alegue que o reconhecimento dos créditos transmitidos pela empresa “Madeiras Af, Lda.” se encontra dependente de uma decisão judicial.
Todavia, essa decisão judicial não tem a virtualidade de constituir os alegados créditos indemnizatórios, limita-se a declarar direitos previamente existentes, caso se verifiquem os pressupostos (de facto e jurídicos) que justifiquem a sua atribuição ao titular do direito em litígio.
A lei não proíbe a cessão de créditos ou de direitos litigiosos (entendidos como aqueles que se encontram dependentes de uma apreciação judicial devido a divergências existentes entre as partes envolvidas), desde que a transmissão não apresente como beneficiários profissionais forenses que estejam relacionados com o litígio (vide art.º 579.º do CC).
Como este tribunal de recurso não se depara, sequer, com uma situação de cessão de créditos futuros e como não se vislumbra qualquer fundamento legal para se declarar a invalidade do negócio jurídico celebrado, o recurso interposto pela empresa “Man Truck & Bus AG” deverá ser julgado improcedente e, em consequência, deverá ser confirmada a decisão recorrida (ainda que tendo por base fundamentos jurídicos parcialmente divergentes).
Prosseguindo:
De seguida, a empresa recorrente “Man Truck & Bus AG” veio também alegar que a recorrida “Mapafoz – Madeiras e Derivados, Lda.” não fez prova do dano, nem, consequentemente, do nexo de causalidade, pelo que deverá improceder a pretensão indemnizatória formulada nestes autos e deverá ser revogada a sentença proferida pelo tribunal de primeira instância.
Vejamos:
Antes de mais, importa dar aqui por reproduzidas todas as considerações acima tecidas a respeito do recurso sobre a matéria de facto, incluindo sobre a descrição da conduta sancionada pela Comissão Europeia e sobre a (ir)relevância da contraprova invocada no presente recurso.
Como se deixou assinalado, o tribunal a quo socorreu-se de um conjunto de circunstâncias (muito em particular da longa duração do cartel, da área geográfica e da elevada quota de mercado das empresas envolvidas) para considerar como provado que a conduta sancionada pela decisão da Comissão Europeia implicou uma subida dos preços (brutos e líquidos) nos camiões no espaço económico europeu e que, por esse motivo, a recorrida “Mapafoz – Madeiras e Derivados, Lda.” sofreu um prejuízo resultante da aquisição dos veículos pesados com as matrículas 87-…-…, 29-…-…, 49-…-… e 58-…-….
Também já se deixou assinalado que o art.º 349.º do CC permite ao julgador recorrer a presunções judiciais, nos casos em que é admitida a prova testemunhal (vide art.º 351.º do CC), autorizando-o a retirar ilações de factos conhecidos para considerar provados factos desconhecidos.
Mesmo não se aplicando ao caso o disposto nos arts. 8.º, n.º 3 e 9.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2018, de 05-06 (ratione temporis, como alega a recorrente “Man Truck & Bus AG”), o tribunal de primeira instância considerou ter ficado provada a matéria constante dos arts. 83.º a 92.º da sentença.
Aliás, levando em conta todas as circunstâncias mencionadas na sentença recorrida, conjugadas com as regras da experiência comum, não custa admitir, de acordo com critérios de lógica, de adequação e da razoabilidade, que os veículos pesados com as matrículas 87-…-…, 29-…-…, 49-…-… e 58-…-… foram adquiridos por um preço superior pelas empresas “Mapafoz – Madeiras e Derivados, Lda.” e “Madeiras Af, Lda.” devido aos acordos colusórios sancionados pela decisão da Comissão Europeia.
Esse custo adicional ou sobrecusto corresponde ao prejuízo que a recorrida “Mapafoz – Madeiras e Derivados, Lda.” sofreu (por si própria e enquanto cessionária dos direitos indemnizatórios que assistiam à “Madeiras Af, Lda.” sobre os camiões com as matrículas 49-…-… e 58-…-…) em consequência da infracção cometida pela recorrente “Man Truck & Bus AG”.
Em face do exposto, de acordo com a matéria de facto (máxime arts. 83.º a 92.º dos factos provados), em sede de enquadramento jurídico, não subsistem quaisquer dívidas que se encontra provada a existência de um dano (que corresponde ao pagamento de um custo adicional ou de um sobrecusto) e de um nexo de causalidade entre o acordo colusório em que participou a empresa recorrente e o aumento do preço de aquisição dos camiões acima mencionados (veículos pesados com as matrículas 87-…-…, 29-…-…, 49-…-… e 58-…-…), enquanto pressupostos da responsabilidade civil.
Por conseguinte, sem necessidade de outras considerações, nesta parte, o recurso interposto pela empresa “Man Truck & Bus AG” deverá ser julgado improcedente, por falta de fundamento.
Mais:
A empresa recorrente “Man Truck & Bus AG” veio sustentar que o tribunal de primeira instância estava impedido de recorrer à estimativa judicial prevista, como ultima ratio, pelo art.º 9.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2018, de 05 de Junho, na medida em que a quantificação do dano está necessariamente dependente de uma produção mínima de prova por parte do lesado.
Acrescentou ainda, a este propósito, que o tribunal recorrido substitutiu-se à recorrida “Mapafoz – Madeiras e Derivados, Lda.” e que supriu a sua inércia probatória, ao ter estimado o valor do dano sem que a autora tenha desenvolvido qualquer esforço probatório destinado à sua quantificação.
Vejamos:
Estabelece o art.º 9.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2018 (que transpõe a Diretiva 2014/104/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26-11-2014), a propósito da quantificação dos danos nas acções de indemnização resultantes de infracção ao direito da concorrência que “(…) se for praticamente impossível ou excessivamente difícil calcular com exatidão os danos totais sofridos pelo lesado ou o valor da repercussão a que se refere o artigo anterior, tendo em conta os meios de prova disponíveis, o tribunal procede a esse cálculo por recurso a uma estimativa aproximada (…)”.
À semelhança do que dispõe o n.º 3 do art.º 566.º do CC, também este preceito faz apelo a critérios de equidade, permitindo ao juiz proceder a uma estimativa aproximada do dano quando for praticamente impossível ou quando for excessivamente difícil proceder ao seu cálculo com exactidão.
O recurso a esta estimativa judicial parte do pressuposto que se encontra demonstrada a existência de um dano decorrente da violação do direito da concorrência, mas que, de acordo com a prova disponível, se mostra praticamente impossível ou excessivamente difícil fixar o seu valor exacto.
“Uma das maiores dificuldades encontradas pelos órgãos jurisdicionais e pelas partes nas ações de indemnização é o modo de quantificar os danos sofridos. A quantificação baseia-se na comparação da posição efetiva dos demandantes com a posição em que estariam se a infração não tivesse sido cometida. Em qualquer avaliação hipotética do modo como as condições de mercado e as interações entre os participantes no mercado teriam evoluído na ausência da infração, surgem frequentemente questões económicas e jurídicas em matéria do direito da concorrência, complexas e específicas. Os órgãos jurisdicionais e as partes são cada vez mais confrontados com estas questões e a perspetivar os métodos e as técnicas disponíveis para lhes fazer face” - vide comunicação da Comissão (2013/C 167/07).
Para que o direito à indemnização, por violação das leis da concorrência, venha a ter tradução prática e o lesado seja ressarcido dos prejuízos causados, o art.º 9.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2018, admite que o dano seja calculado por estimativa aproximada, de acordo com critérios de equidade, quando os meios de prova disponíveis tornem impossível ou excessivamente difícil a sua quantificação.
Nestes casos, resultantes de acordos colusórios para aumentar o preço dos camiões médios e pesados, o dano corresponde ao sobrecusto ou ao valor adicional que foi suportado pelos adquiriantes destes veículos pesados como decorrência da violação por parte das empresas concorrentes do direito da concorrência.
Conforme se deixou assinalado no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-02-2025, proferido no Proc. n.º 54/19.6YQSTR: “na sequência da prova da verificação de um dano - coincidente com o sobrecurso - há que recorrer à estimativa judicial para a determinação do quantum do dano - art.º 17.º, n.º 1 da Diretiva 2004/104 e art.º 9.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2018” e que “esta estimativa judicial assume-se como o único meio apto a colmatar as incertezas do material probatório na procura da justa composição do litígio, fazendo apelo a dados de razoabilidade e equilíbrio, tal como de normalidade, proporção e adequação às circunstâncias concretas, sem cair no arbítrio ou na mera superação da falta de prova de factos que pudessem ser provados“.
No caso vertente, como se viu, a recorrente “Man Truck & Bus AG” veio alegar que a recorrida “Mapafoz – Madeiras e Derivados, Lda.” não tentou sequer quantificar o dano que alega ter sofrido, ou seja, que não levou a cabo qualquer diligência de de prova, o que considera violar as regras da repartição do ónus da prova e o princípio de igualdade de armas previsto pelo art.º 4.º do CPC.
Todavia, essa alegação não encontra tradução na actividade processual desenvolvida pela empresa recorrida “Mapafoz – Madeiras e Derivados, Lda.”.
Com o intuito de demonstrar que sofreu um sobrecusto de 16% decorrente da aquisição dos camiões com as matrículas 87-…-…, 29-…-…, 49-…-… e 58-…-…, ofereceu e produziu diversos meios de prova (v.g. prova documental e testemunhal) que, não obstante, não mereceram acolhimento por parte do tribunal.
A sentença recorrida enunciou que a recorrida “Mapafoz – Madeiras e Derivados, Lda.” ofereceu, para quantificação destes danos, “o documento junto a fls. 309 e ss, com o título de «Avaliação dos custos»”, que “tentou ainda fazer prova desses 16% mediante o depoimento da testemunha FF..”, que “juntou os documentos 7 e 8 da petição inicial“ e ainda que “os orçamentos que estão em causa acabam também por embater frontalmente com a prova produzida pela mesma Autora”, designadamente com o depoimento da testemunha GG...
Da fundamentação da matéria de facto resulta que os meios de prova oferecidos pela empresa recorrida “Mapafoz – Madeiras e Derivados, Lda.” não se afiguraram convincentes para demonstrar o alegado sobrecusto de 16%.
Considerou que esta prova não era “minimamente sólida e sustentada” (à semelhança, aliás, dos elementos de prova oferecidos pela“Man Truck & Bus AG”, que foram considerados insuficientes para demonstrar que não houve sobrecusto), ao mesmo tempo em que reconheceu que sempre existem dificuldades na quantificação do dano resultante da infracção em referência nestes autos.
A este propósito, deixam-se assinaladas as dificuldades sentidas noutros Estados da União Europeia para quantificar esse dano (equivalente ao sobrecusto), resultante da conduta sancionada pela decisão da Comissão Europeia, que implicou uma subida dos preços nos camiões no espaço económico europeu.
Como a própria Comissão reconhece na comunicação acima mencionada “uma das maiores dificuldades encontradas pelos órgãos jurisdicionais e pelas partes nas ações de indemnização é o modo de quantificar os danos sofridos.”
Desnecessário será apelar aqui para o lapso de tempo decorrido desde as datas de aquisição dos camiões com as matrículas 87-…-…, 29-…-…, 49-…-… e 58-…-…, a duração dos acordos colusórios relativos ao aumento do preço destes veículos pesados, a ampla área geográfica (espaço económico europeu) e à quota de mercado das empresas envolvidas (Daimler, Iveco, Volvo/Renault e DAF).
Essas circunstâncias demonstram ser excessivamente difícil (senão, mesmo, impossível, em alguns casos) proceder ao cálculo do montante exacto do sobrecusto de cada um dos camiões, decorridos muitos anos sobre a sua aquisição, num mercado em que as empresas acima mencionadas tinham uma posição de destaque e em que os acordos colusórios vigoraram durante mais de uma década (como se viu, grosso modo, desde 1997 até 2010), num mundo sujeito a mudanças sucessivas.
Do que se deixa exposto resulta que os meios de prova oferecidos pela recorrida “Mapafoz – Madeiras e Derivados, Lda.” não permitiram retirar conclusões sólidas e seguras sobre o valor exacto do sobrecusto e que, perante essa situação, o tribunal a quo decidiu estimá-lo, de acordo com critérios de equidade, com vista a efectivar o direito à indemnização resultante da violação das leis da concorrência.
Ao contrário do que se deixa alegado, a empresa peticionante apresentou meios de prova, que, todavia, não permitiram retirar conclusões sólidas e seguras sobre o valor exacto do sobrecusto, pelo que, para efectivar o direito à indemnização, o tribunal de primeira instância decidiu proceder ao cálculo do seu montante, através de uma estimativa judicial, de acordo com juízos de equidade.
Essa excessiva dificuldade (senão, mesmo, impossibilidade, em alguns casos) de prova não constitui uma marca distintiva da presente acção judicial, trata-se de uma característica marcante das acções de indemnização (quer em Portugal, quer noutros Estados-membros da União Europeia), resultantes de práticas restritivas da concorrência sancionadas pela decisão da Comissão Europeia de 19-07-2016, proferida no Processo AT 39824 - Camiões.
Não se mostra fácil apurar a situação patrimonial em que o lesado se encontraria caso não tivessem ocorrido os acordos colusórios relativos ao aumento do preço dos veículos pesados, pelo que não são inéditas as dificuldades probatórias e o cálculo do dano com base em estimativas aproximadas.
Em suma: verifica-se que a empresa recorrida “Mapafoz – Madeiras e Derivados, Lda.” apresentou meios de prova para demonstrar um sobrecusto de 16% sobre os preços dos camiões transaccionados, ao mesmo tempo em que a empresa recorrente “Man Truck & Bus AG” ofereceu outros meios de prova para demonstrar que não houve qualquer sobrecusto resultante da sua aquisição.
O tribunal a quo produziu todos esses meios de prova em condições de igualdade para ambas as partes, ainda que tenha vindo a concluir, no âmbito dos poderes que lhe foram conferidos (neste como em todos os outros processos judiciais), de acordo com a livre apreciação da prova, que estava demonstrada a existência de um prejuízo para a empresa “Mapafoz – Madeiras e Derivados, Lda.” (por si própria e enquanto cessionária dos direitos indemnizatórios que cabiam à “Madeiras Af, Lda.”), mas sem que fosse possível fixar esses danos em 16% do preço de aquisição dos camiões.
Como a empresa peticionante logrou demonstrar o dano, mas não conseguiu provar o seu montante, o tribunal recorrido socorreu-se do mecanismo previsto pelo art.º 9.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2018, procedendo a esse cálculo, por estimativa judicial, com vista a efectivar o direito à indemnização, de acordo com critérios de equidade, levando em consideração as circunstâncias deste processo (v.g. anos em que os camiões foram adquiridos, crise económica mundial de 2008 a 2010 e preço de transacção).
Por conseguinte, não se vislumbra qualquer violação das regras da repartição do ónus da prova (a autora provou a existência de prejuízos patrimoniais, ainda que o seu montante tenha sido determinado de acordo com critérios de equidade, levando, designadamente, em conta as datas e os preços de aquisição dos camiões), do princípio da igualdade de armas (o tribunal produziu provas de ambas as partes, ainda que tenha procedido à sua valoração, de acordo com a livre convicção do julgador, considerando, em parte, procedente a pretensão indemnizatória, conforme resulta da sentença recorrida) ou do direito constitucional a um processo equitativo.
Estabelece o art.º 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, referente ao “acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva”, que “(…) todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo (…)”.
Jorge Miranda e Rui Medeiros escrevem em anotação a este dispositivo que “(…) a exigência de um processo equitativo (…) se não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta estrutura do processo, impõe, antes de mais, que as normas processuais proporcionem aos interessados meios efectivos de defesa dos seus direitos ou interesses juridicamente protegidos e paridade entre as partes na dialéctica que elas protegonizam no processo (…)” – in “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, pág. 441.
Por seu turno, de acordo com o disposto no art.º 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, “(…) qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei (…)”.
Em anotação a este dispositivo, Ireneu Cabral Barreto afirma que “(…) a figura do processo equitativo não pode se definida em abstracto, antes deve ser verificada segundo as circunstâncias particulares de cada caso, tomando em consideração o processo no seu conjunto (…) e, portanto, não pode ser considerado um elemento isolado, salvo se ele revestir uma importância tal que deva ser considerado decisivo para a apreciação geral do processo (…)” – in “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada”, pág. 165.
Acrescenta este autor que “(…) um processo equitativo exige, como elemento co-natural, que cada uma das partes tenha possibilidades razoáveis de defender os seus interesses numa posição não inferior à da parte contrária (…) ou, de outro modo, a parte deve deter a garantia de apresentar o seu caso perante o tribunal em condições que não a coloquem em substancial desvantagem face ao seu oponente (…)”.
Em primeiro lugar, importa assinalar que a invocação de inconstitucionalidade, por, alegadamente, as interpretações dos arts. 342.º do CC e 9.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2018, violarem o art.º 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, no segmento do direito a um processo equitativo, assenta no pressuposto que a empresa recorrida não ofereceu e que não levou a cabo qualquer diligência de prova destinada à quantificação do dano.
Como se viu, ofereceu diversos meios de prova, que, todavia, não foram atendidos pelo tribunal de primeira instância, com base nos fundamentos que se deixaram expostos (à semelhança, aliás, dos meios de prova que foram oferecidos pela recorrente, que também não convenceram o tribunal).
Em segundo lugar, não se afigura que as interpretações destes dispositivos, que permitiram proceder ao cálculo do montante da indemnização com base em estimativas judiciais, devido à excessiva dificuldade (ou, até mesmo, à impossibilidade) de prova do montante exacto dos prejuízos causados, configurem um desequilíbrio intolerável para a posição processual da empresa infractora do direito da concorrência.
Antes pelo contrário.
Caso não fosse possível recorrer ao mecanismo da “estimativa aproximada” para a fixação do montante do dano, o lesado, na prática, ficaria impossibilitado do obter a reparação dos seus prejuízos, na medida em que, nas acções indemnizatórias resultantes da violação do direito da concorrência, por vezes, se torna excessivamente difícil liquidar o custo adicional ou o sobrecusto resultante do cometimento da infracção.
Em face do exposto, improcede, nesta parte, o recurso interposto pela empresa “Man Truck & Bus AG”, por falta de fundamento.
Por último:
A empresa recorrente “Man Truck & Bus AG” veio alegar que o montante da condenação deverá ser reduzido, na medida em que o tribunal de primeira instância incorreu em dois erros na determinação dos juros de mora.
Em primeiro lugar, veio defender que os juros de mora devem ser contados desde a data da citação e não, conforme defendeu a sentença recorrida, desde a data do pagamento do valor residual que se encontra previsto nos contratos de locação financeira dos veículos pesados em causa.
Em segundo lugar, a título subsidiário, entende que os juros vencidos 5 anos antes da data da sua citação se devem considerar prescritos, de acordo com o disposto no art.º 310.º, al. d), do CC.
Vejamos:
A respeito da primeira questão suscitada, a jurisprudência desta secção do Tribunal da Relação de Lisboa tem entendido, ao que se julga de modo unânime, que, nestes casos, existe mora do devedor, independentemente de interpelação, por estar em causa uma obrigação de indemnização decorrente da prática de facto ilícito (art.º 805.º, n.º 2, al. b), do CC) e por a falta de liquidez decorrer de comportamentos de ocultação e de dissimulação, assumidos pelas empresas que participaram nos acordos colusórios destinados ao aumento do preço dos camiões (art.º 805.º, n.º 3, primeira parte, do CC) - vide, neste sentido, acórdãos de 06-11-2023, de 13-11-2024, de 27-11-2024 e de 02-05-2025, proferidos, respectivamente, no âmbito dos Procs. n.ºs 54/19.6YQSTR, 67/19.8YQSTR, 22/19.8YQSTR, 5/20.5YQSTR e 66/19.0YQSTR).
Subscrevendo inteiramente a posição perfilhada por esta jurisprudência, entende-se que os juros decorrentes da prática destas infracções ao direito da concorrência contam-se a partir da data da ocorrência do dano e não desde a data da citação da empresa que teve participação nos acordos colusórios destinados ao aumento do preço dos camiões.
Não se vislumbra que esta interpretação coloque em causa os princípios da protecção da confiança e da certeza jurídicas ínsitos nos arts. 2.º, 18.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, por forma a comprometer as legítimas expectativas da recorrente “Man Truck & Bus AG”.
Atendendo a que participou em acordos com outras empresas concorrentes, destinados ao aumento do preço dos camiões trasaccionados, a empresa recorrente “Man Truck & Bus AG” não pode ter ficado surpreendida por ter sido chamada a reparar os prejuízos decorrentes do seu comportamento, a partir do momento em que o sobrecusto teve impacto da esfera jurídica do lesado.
Nestes casos, o dano corresponde ao sobrecusto ou ao valor adicional que foi suportado pelos adquirentes destes veículos pesados e a interpretação sufragada visa reparar, de modo integral, os prejuízos resultantes da violação por parte destas empresas do direito da concorrência, sem que isso possa constituir factor de surpresa ou frustar as legítimas expectativas da empresa “Man Truck & Bus AG”.
Por último, desde já se adianta que também não assiste razão à recorrente “Man Truck & Bus AG” quando defende que se encontram prescritos os juros vencidos 5 anos antes da data da sua citação para a presente acção.
De acordo com o disposto no art.º 10.º, n.º 1 e 2, da Diretiva 2014/104/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26-11-2014, compete aos Estados-Membros estabelecer as regras relativas aos prazos de prescrição para instaurar as acções de indemnização, por violação do direito da concorrência (incluindo o início, a duração e as circunstâncias suspensivas e interruptivas desse prazo), o qual, todavia, não se inicia antes de cessar a infracção e de o lesado ter dela conhecimento (efectivo ou presumido).
Por seu turno, o art.º 6.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2018, veio consignar que este prazo de prescrição é de 5 anos “(…) a contar da data em que o lesado teve conhecimento ou da data em que se possa razoavelmente presumir que teve conhecimento (…) do comportamento em causa e de que este constitui uma infração ao direito da concorrência (…) da identidade do infractor (…)” e “do facto de a infração ao direito da concorrência lhe ter causado danos (…)”.
O art.º 310.º, al. d), do CC, invocado neste recurso, prevê que prescrevem no prazo de 5 anos os “(…) juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos (…)”.
Todavia, este prazo de prescrição deve ser contado nos termos dos precedentes dispositivos, muito em particular segundo o n.º 1 do art.º 306.º do CC, quando se prevê que o mesmo “começa a correr quando o direito puder ser exercido”.
Do confronto destes preceitos não decorre incompatibilidade destes regimes jurídicos relativamente ao prazo e à contagem do prazo de prescrição dos juros decorrentes de violação do direito da concorrência, caso se entenda que o lesado somente pode exigir o seu pagamento, exercendo o seu direito, quando tiver conhecimento (efectivo ou presumido) da infracção às leis da concorrência, da identidade do infractor e dos danos que lhe foram causados.
Se até essa data, o lesado permanecia na ignorância sobre a infracção, sobre os agentes infractores e/ou sobre os danos causados, o prazo de prescrição não se inicia, por inexistir inércia ou negligência da sua parte.
Torna-se também desnecessário considerar que o pagamento de juros constitui parte integral da reparação dos prejuízos causados ao lesado no âmbito destas acções de indemnização por violação do direito da concorrência.
No caso vertente, afigura-se que o prazo de prescrição de 5 anos teve o seu início com a publicação da decisão da Comissão Europeia de 19-07-2016 (Processo AT 39824 – Camiões), data em que se deve presumir (na ausência de outros factos) que a recorrida “Mapafoz – Madeiras e Derivados, Lda.” teve conhecimento da infracção ao direito da concorrência, das empresas envolvidas e, por conseguinte, dos eventais danos causados pelos acordos colusórios.
Nas acções de indemnização, por violação do direito da concorrência, o prazo de prescrição de 5 anos dos juros de mora inicia-se com a publicação da decisão da Comissão Europeia de 19-07-2016 (Processo AT 39824 – Camiões), data em que se deve presumir que o lesado teve conhecimento da infracção, das empresas envolvidas e danos causados pelos acordos colusórios, e, que por isso, pode exercer o direito relativo ao seu pagamento.
Deste modo, como ainda não estavam decorridos mais de 5 anos, desde a data da publicação da mencionada decisão da Comissão Europeia, quando a empresa recorrente “Man Truck & Bus AG” foi citada para os termos da presente acção judicial, apresenta-se destituída de qualquer fundamento a alegação apresentada de que os juros se encontram prescritos.
Por conseguinte, atendendo ao entendimento jurídico que acima se deixou expresso, afigura-se que se mostra prejudicada a invocação de inconstitucionalidade apresentada pela recorrente “Man Truck & Bus AG”.
De qualquer modo, sempre se dirá que o entendimento firmado a respeito da contagem do prazo de prescrição dos juros de mora decorre de lei prévia, que deve ser por todos conhecida, pelo que se entende que não se verifica qualquer violação do princípio da tutela da confiança e da certeza jurídica.
Em face do exposto, como improcede, também nesta parte, o recurso apresentado pela empresa recorrente “Man Truck & Bus AG”, deverá ser confirmada, integralmente, a sentença recorrida, proferida pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão – Juiz 3.
III – DECISÃO:
Em face do exposto, acordam os juízes que integram a secção da propriedade intelectual, concorrência, regulação e supervisão deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso interposto pela recorrente “Man Truck & Bus AG” e, em consequência, confirmar a sentença proferida pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão – Juiz 3.
Custas a cargo da recorrente “Man Truck & Bus AG”.
Lisboa, 28 de Maio de 2025
Paulo Registo
Armando Cordeiro
“Voto a decisão, mas não acompanho o acórdão no que respeita à apreciação da questão referente à prescrição dos juros de mora, com fundamento no disposto na al. d) do art.º 310.º, do CC. Consta do acórdão que “Nas acções de indemnização, por violação do direito da concorrência, o prazo de prescrição de 5 anos dos juros de mora inicia-se com a publicação da decisão da Comissão Europeia de 19-07-2016 (Processo AT 39824 – Camiões), data em que se deve presumir que o lesado teve conhecimento da infracção, das empresas envolvidas e danos causados pelos acordos colusórios, e, que por isso, pode exercer o direito relativo ao seu pagamento”. Discordo deste entendimento que, de resto, não resolve a questão suscitada. Entendo, tal como consta dos acórdãos 71/19.6YQSTR.L1 e 22/19.8YQSTR.L1, em que intervim como adjunto, que o princípio da efetividade é avesso à consideração de qualquer mecanismo de prescrição de juros ao abrigo do disposto na al. d) do art.º 310.º do Código Civil, já que tal conduziria ao não ressarcimento integral dos efeitos da grave prática colusória. Afigura-se-me, assim, totalmente correto o entendimento da sentença em recurso quanto à não prescrição dos juros.”
Eleonora Viegas
“Voto a decisão, mas subscrevo a declaração de voto que antecede”