Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
ASSOCIAÇÃO
ASSEMBLEIA GERAL
DELIBERAÇÃO
ANULABILIDADE
EXTINÇÃO
LEGITIMIDADE
Sumário
1- Uma vez que o art.º 178º do Código Civil exclui a A. do elenco de pessoas em cujo interesse a anulabilidade prevista no art.º 177º do Código Civil foi estabelecida, a mesma não é parte legítima para arguir a anulabilidade das deliberações tomadas em assembleia da 1ª R. 2- Uma vez que os estatutos da 1ª R. prevêem que o seu património reverte para a A. em caso de extinção, esta é parte legítima para pedir a declaração da extinção da 1ª R., pois assume-se como titular de um interesse relevante nessa extinção, nos termos e para os efeitos do art.º 183º, nº 2, do Código Civil. (Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:
A C. propôs acção declarativa com processo comum contra a associação G. (1ª R.) e a F. (2ª R.), pedindo que:
I. Sejam declarados nulos:
a. O negócio de doação do imóvel identificado no artigo 10º;
b. A constituição da auto-denominada “comissão administrativa”;
c. A convocatória publicada na edição do Jornal Público de 26 de Junho de 2020;
d. As deliberações tomadas na reunião que teve lugar na data de 15 de Julho de 2020 e “acta número 2”.
II. Seja cancelado o registo de aquisição do referido imóvel a favor da 2ª R. (AP. 2752 de 04-03-2021 da Conservatória do Registo Predial de ...) e os subsequentes.
III. Seja decretada a extinção da 1ª R., nos termos do art.º 182º, nº 2, al. b), do Código Civil, comunicando-se tal extinção ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas, para os efeitos do disposto no art.º 6º, al. g) e h), do D.L. 129/98, de 13/5;
IV. Seja declarado que a A. é proprietária de todo o património da 1ª R., incluindo o prédio identificado no artigo 10º, bem como de todo o espólio existente;
V. Com as consequências daí decorrentes, designadamente, a condenação da 2ª R. a restituir à A. o referido prédio, livre de pessoas e bens e ónus ou encargos, bem como do espólio da 1ª R. que lá ainda se encontre.
Alega para tanto e em síntese que:
. É uma associação sem fins lucrativos com estatuto de utilidade pública, sendo a 1ª R. sua associada;
. Por força do art.º 7º dos estatutos da 1ª R. o património desta reverte a favor da A. em caso de dissolução;
. A 1ª R. encontra-se sem qualquer actividade há mais de vinte anos, não tendo, até 15/7/2020, órgãos sociais eleitos ou em funções, o que era do conhecimento da 2ª R.;
. Atenta tal inactividade e inexistência de órgão sociais da 1ª R., uma autodenominada “comissão administrativa” fez publicar uma convocatória para uma assembleia geral extraordinária a ter lugar na sede da 1ª R., em 15/7/2020, pelas 18.00 h.;
. Nessa assembleia geral foi apresentada uma lista de candidatos aos corpos sociais, a qual foi aprovada por unanimidade dos seus participantes;
. Nessa mesma assembleia geral foi aprovada por unanimidade a doação à 2ª R. do prédio urbano onde se situa a sede da 1ª R.;
. Tal doação foi formalizada por escritura de 2/2/2021, outorgada no cartório notarial a cargo da notária CS;
. A assembleia geral de 15/7/2020 foi convocada por número de associados da 1ª R. inferior ao imposto pelos estatutos e pela lei;
. A convocatória da assembleia geral carecia de ser feita por via judicial, atenta a ausência de corpos sociais da 1ª R.;
. A convocatória da assembleia geral carecia de ser feita também por aviso aos sócios, ou em boletim próprio, ou através de aviso nas instalações da 1ª R.;
. A acta da assembleia geral é omissa quanto à existência de quórum constitutivo;
. A actuação dos diversos intervenientes na assembleia geral e nas deliberações aí tomadas, bem como a colaboração activa da 2ª R. nesse processo, teve por única e exclusiva intenção a transmissão do imóvel para a esfera jurídica da 2ª R., em prejuízo da A.
Regularmente citadas as RR., apresentaram contestação conjunta onde se defendem por excepção, invocando a ilegitimidade da A. e a caducidade do direito de arguir a anulabilidade das deliberações tomadas em 15/7/2020, mais se defendendo por impugnação e concluindo pela sua absolvição da instância e, assim não se entendendo, pela sua absolvição do pedido.
Após exercício do contraditório pela A., relativamente à matéria de excepção, foi realizada audiência prévia e proferido despacho saneador, com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto e sem necessidade de maiores considerações, ao abrigo do disposto nos art.º 278º, n.º 1 al. d) e e), 577º, al. e) e 578º todos do Código de Processo Civil absolvo os réus da instância”.
A A. recorre deste despacho, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
1. A recorrente tem interesse directo na declaração da extinção do 1.º R. uma vez que este não se limita à declaração da invalidade do negócio que determinou a transmissão do prédio dos autos a favor da 2.ª R., mas também ao direito ao espólio do 1.º R.;
2. 1.º R. que há mais de vinte anos não desenvolvia qualquer actividade nem órgãos sociais, tendo sido resgatado do limbo em que se encontrava apenas com o intuito de formalizar a transmissão de imóvel a favor da 2.ª R.;
3. A constituição da auto-denominada “comissão administrativa”, a convocatória feita publicar pela mesma na edição do jornal (…) de 26 de Junho de 2020 e as deliberações tomadas na reunião ocorrida na data de 15 de Julho de 2020 são nulas, por violação do Regulamento Geral Interno, dos Estatutos do 1.º R. e do artigo 173.º, n.º 3, do CC;
4. A decisão recorrida é omissa quanto à apreciação das invocadas nulidades, o que determina a sua nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC;
5. Os RR. actuaram com aparência de legalidade, com o único fito de formalizar a transmissão de imóvel a favor da 2.ª R., sem especial preocupação com a legalidade substancial dos actos e ao arrepio da prossecução do fim do 1.º R., do seu escopo, da sua razão de ser, contando com a inexistência de escrutínio em virtude de apenas serem conhecidos associados directamente envolvidos no esquema fraudatório;
6. No caso dos autos, reunidos os elementos comummente definidores da fraude à lei, seja a regra jurídica objecto de fraude, as normas jurídicas instrumentalizadas pelos recorridos, a actividade fraudatória e a intenção fraudatória (animus fraudandi);
7. O tribunal a quo ficou-se pela verificação superficial do objecto do litígio, da aparência de conformidade com a lei, demitindo-se da apreciação sobre a existência de fraude à lei, instituto que, não tendo norma expressa no nosso ordenamento jurídico, está amplamente consagrado na doutrina e jurisprudência, configurando uma desobediência indirecta à lei, geradora de nulidade;
8. Dão-se por violados, por erro de interpretação, os artigos 30.º do CPC e 183.º, n.º 2 do CC; 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, por referência ao artigo 173.º, n.º 3, do CC; 286.º, do CC; 167., n.º 2, do CC, e 280.º, do CC.
As RR. apresentaram alegação de resposta, aí sustentando a manutenção da decisão recorrida.
***
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, prendem‑se com:
. A nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia;
. A ilegitimidade processual da A.
***
A factualidade com relevo para o conhecimento do objecto do presente recurso é a que decorre das ocorrências e dinâmica processual expostas no relatório que antecede.
***
Da nulidade por omissão de pronúncia
Segundo a al. d) do nº 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando aí deixe de ser apreciada questão que devesse ser apreciada.
Quanto aos casos de omissão de pronúncia que conduzem à nulidade da sentença, refere Lebre de Freitas (in Código de Processo Civil Anotado, volume II): “Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe estão submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe caiba conhecer (art 660º/2), o não conhecimento do pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade (…)”.
Com efeito, decorre do nº 2 do art.º 608º do Código de Processo Civil que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão dessas questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras questões. Do mesmo modo, aí se prescreve (nº 1) que “a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica”.
Ou seja, “cumpre ao juiz apreciar as questões jurídicas ainda carecidas de resolução, obedecendo à ordem lógica que concretamente se revele mais eficiente”, o que “depende tanto do modo como foi conformada a acção como dos meios de defesa que foram apresentados”. E, a “não ser que a apreciação de alguma questão esteja prejudicada pela resposta dada a outra, o juiz deverá conhecer de todas elas, evitando, assim, a nulidade por omissão de pronúncia” (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 726).
Assim, e reconduzindo tais considerações ao caso concreto da omissão de pronúncia invocada pela A., logo se alcança que não se verifica a nulidade em questão, na medida em que a verificação do pressuposto processual da (falta de) legitimidade adjectiva da A., com a correspondente decisão de absolvição das RR. da instância, determinou que ficasse prejudicado o conhecimento do mérito da causa, desde logo no que respeita à parte do pedido que se prende com a invalidade da constituição da comissão administrativa, da convocatória da assembleia geral, e das deliberações aí tomadas.
Pelo que, sem necessidade de ulteriores considerações, improcedem as conclusões do recurso, no que respeita à questão da nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia.
***
Da legitimidade processual da A.
Tendo presente o disposto nos art.º 5º, nº 1, 552º, nº 1, al. d), e 581º, nº 3 e 4, todos do Código de Processo Civil, apresenta-se como pacífico que o pedido corresponde ao efeito jurídico que o autor pretende obter.
Recordando o ensinamento de Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil, volume 2º, 1945, pág. 360 e seguintes), “a petição chama-se inicial, porque dá começo à instância (…); serve fundamentalmente para o autor expor os fundamentos e o objecto da sua pretensão. Por isso é que, ao mencionar os requisitos a que há-de satisfazer a petição inicial, o artigo 480.º exige que o autor: 4.º Exponha, com a maior clareza e concisão, os factos e as razões de direito sobre que assentam as conclusões; 5.º Formule o pedido com toda a precisão.
Ainda, do mesmo modo, explica o mesmo autor que “depois de exigir que o autor formule o pedido com toda a precisão, o artigo 480.º esclarece no § 2.º, que o pedido deve ser formulado de modo que não haja dúvidas sobre o efeito jurídico, declarativo ou constitutivo, que se pretende obter; e se a acção for de condenação, acrescenta-se, há-de especificar-se a prestação que o réu tem de satisfazer. Em boa técnica jurídica uma coisa é a pretensão do autor, outra o pedido. A pretensão dirige-se ao réu; o pedido dirige-se ao tribunal. Aquele é um elemento da relação jurídica substancial; este um elemento da relação jurídica processual. A pretensão exprime o direito que o autor se arroga contra o réu; o pedido traduz‑se na providência que o autor solicita ao tribunal. É claro que a pretensão repercute-se naturalmente no pedido; a espécie de providência que o autor vai pedir ao tribunal deve ser, logicamente, o reflexo da pretensão que se arroga contra o réu”.
Pelo que, continua, “de maneira que o pedido consiste, em última análise, no efeito jurídico que o autor se propõe obter com a acção (art.º 480.º, § 2.º). O pedido equivale, assim, ao objecto da acção (art.º 502.º, § 2.º). E como o efeito jurídico há-de obter-se através de um acto do juiz – o acto jurisdicional característico que é a decisão – segue-se que o pedido se concretiza na espécie de providência que o autor quer receber do juiz”.
Reconduzindo tais considerações ao caso concreto dos autos, a partir do conjunto de pretensões expressas pela A. no pedido formulado na P.I. apreendem-se dois núcleos de efeitos jurídicos distintos. O primeiro deles prende-se com a invalidade dos actos praticados pela 1ª R. e relativos à assembleia de 15/7/2020 (desde a constituição da comissão administrativa que a convocou até à formalização da doação aprovada nessa assembleia). O segundo núcleo de efeitos jurídicos prende-se com a extinção da 1ª R. e suas consequências, no que respeita ao destino a dar ao património do mesmo.
Ou seja, pode-se afirmar que a A. cumulou dois conjuntos distintos de pretensões e que se apresentam entre eles numa relação de autonomia, pois que emergem de duas causas de pedir distintas, sem qualquer relação de dependência entre elas.
Assim, e no que respeita aos actos praticados pela 1ª R. e relativos à assembleia de 15/7/2020, a A. sustenta que:
. As deliberações tomadas em 15/7/2020 “resultam de assembleia geral ilegal, pois convocada por número de associados inferior ao imposto pelos estatutos e pela lei”, já que foi convocada por uma comissão administrativa composta por 3 pessoas e que não foi nomeada pela direcção nem por assembleia geral da 1ª R. (art.º 20º, 21º e 24º da P.I.);
. A convocatória para a assembleia de 15/7/2020 deveria ter sido efectuada por aviso aos sócios por correio e anúncio em órgão de imprensa local, ou em boletim próprio, ou através de aviso nas instalações da associação e num órgão da imprensa local (art.º 31º da P.I.);
. A acta da assembleia é omissa quanto à existência de quórum constitutivo e mostra-se violado o disposto no art.º 180º do Código Civil (art.º 33º da P.I.).
Ou seja, todas as irregularidades em apreço reconduzem-se ao disposto no art.º 177º do Código Civil, que prescreve que “as deliberações da assembleia geral contrárias à lei ou aos estatutos, seja pelo seu objecto, seja por virtude de irregularidades havidas na convocação dos associados ou no funcionamento da assembleia, são anuláveis”.
Nesta medida, e face ao disposto no referido art.º 177º do Código Civil, a consequência jurídica dos actos alegados pela A. e relativos às irregularidades da convocação dos associados da 1ª R., bem como também ao funcionamento da assembleia de 15/7/2020, expressa-se na anulabilidade das deliberações aí tomadas.
Por outro lado, resulta do art.º 178º do Código Civil que é titular do direito à arguição da anulabilidade das deliberações qualquer associado que não tenha votado a deliberação, a par do órgão da administração da associação.
O que equivale a dizer, para os efeitos do art.º 287º do Código Civil, que não assiste à A. legitimidade para arguir a anulabilidade em questão, porque não pertence ao círculo de pessoas titulares do interesse nessa anulação, segundo o prescrito no art.º 178º do Código Civil.
Com efeito, e como explicam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil anotado, volume I, 4ª edição revista e actualizada, 1987, pág. 264), “não basta ter interesse na anulação para legitimar a intervenção da parte que a invoca. Esse é o regime da nulidade. Agora exige-se que seja a pessoa no interesse da qual a lei estabelece a anulabilidade. Há, portanto, que resolver sempre uma questão de direito e não, como na nulidade, apreciar somente o facto do interesse na destruição dos efeitos do negócio”.
Ou, dito de forma mais simples, à face do art.º 178º do Código Civil a A. não é titular do interesse relevante na declaração de anulabilidade das deliberações tomadas na assembleia de 15/7/2020, não estando assim legitimada a arguir tal vício.
Ora, dispõe o art.º 30º do Código de Processo Civil que o autor detém legitimidade processual activa quando tem interesse directo em demandar, exprimindo‑se o mesmo pela utilidade derivada da procedência da acção, e sendo que na falta de indicação da lei em contrário é considerado como titular desse interesse relevante aquele que é sujeito da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
Como explicam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 59), condensando toda a jurisprudência e doutrina sobre esta questão, o pressuposto processual da legitimidade “é identificado em função da relação jurídica configurada pelo autor. Assim, avaliado tal pressuposto por um critério formal, o autor é parte legítima se, atenta a relação jurídica que invoca, surgir nela como sujeito susceptível de beneficiar directamente do efeito jurídico pretendido”. Mas igualmente explicam que “casos há ainda em que é a própria lei que identifica o detentor da legitimidade activa ou passiva, prevalecendo tal indicação sobre a eventual alegação do autor em sentido inverso (…)”.
Assim, e regressando ao caso concreto, logo se alcança, no que respeita ao primeiro núcleo de pretensões da A. (as que se prendem com os actos praticados pela 1ª R. e relacionados com a assembleia de 15/7/2020), que o que está em causa é a anulabilidade das deliberações aí tomadas, e sendo que a A. não detém legitimidade processual para arguir a mesma, porque a lei a exclui do elenco de pessoas em cujo interesse tal anulabilidade foi estabelecida.
Quanto ao segundo núcleo de pretensões (que se prende com a declaração judicial da extinção da 1ª R.), sustenta a A. que o seu direito decorre da al. b) do nº 2 do art.º 182º do Código Civil.
Nos termos deste preceito legal as associações extinguem-se por decisão judicial quando o seu fim real não coincida com o fim expresso no acto de constituição ou nos estatutos.
Mais dispõe o nº 2 do art.º 183º do Código Civil que nos casos previstos no referido nº 2 do art.º 182º do Código Civil “a declaração da extinção pode ser pedida em juízo pelo Ministério Público ou por qualquer interessado”.
Sustenta a A. a sua qualidade de interessada na declaração judicial de extinção da 1ª R., tendo em atenção que, à face do art.º 7º dos estatutos da 1ª R., todo o património da mesma existente ao tempo da extinção reverterá a seu favor.
Ou seja, tal como está configurada a causa de pedir que respeita a este segundo núcleo de pretensões, a A. detém um interesse juridicamente relevante na extinção da 1ª R., pois que a consequência desse facto é a devolução à A. do património da 1ª R. que exista ao tempo da extinção.
Importa aqui recordar que o conceito de interessado a que respeita o nº 2 do art.º 183º do Código Civil reporta-se à titularidade de uma qualquer relação cuja consistência, tanto jurídica como prática, seja afectada pelo acto da extinção.
Nessa medida, parece evidente a qualidade da A. de interessada na extinção da 1ª R., enquanto destinatária do património desta.
O que equivale a dizer, regressando ao disposto no art.º 30º do Código de Processo Civil, que a A. é titular do interesse relevante em pedir a declaração de extinção da 1ª R., tendo presente que a utilidade derivada dessa declaração judicial de extinção da 1ª R. expressa-se na referida devolução patrimonial a favor da A.
Questão distinta, e que já não respeita à legitimidade processual da A. para pedir a extinção da 1ª R. e o reconhecimento da sua qualidade de beneficiária do acervo patrimonial da mesma, é apurar se a factualidade alegada pela A. é apta à demonstração do fundamento da extinção invocado. Ou, dito de forma mais simples, tendo a A. invocado que a 1ª R. deve ser extinta porque o seu fim real não coincide com o fim expresso nos estatutos (al. b) do nº 2 do art.º 182º do Código Civil), importa verificar se a causa de pedir em questão está presente na sua vertente fáctica. Mas esta é uma questão que já não se compreende no objecto do presente recurso, antes competindo o seu conhecimento, a par das demais que a acção suscita, ao tribunal recorrido.
Em síntese, se é certo que improcedem as conclusões do recurso relativamente à ilegitimidade processual da A., no que respeita aos pontos I. e II. do pedido, não havendo que fazer qualquer censura à decisão recorrida quando absolve as RR. relativamente a essa parte da instância, já relativamente aos pontos III. a V. do pedido é de afirmar a legitimidade processual da A. para deduzir tais pretensões.
Pelo que importa revogar a decisão recorrida, nesta parte, havendo que determinar o prosseguimento dos autos, mas sem prejuízo da apreciação, pelo tribunal recorrido, de qualquer outra questão que obste a tanto.
***
DECISÃO
Em face do exposto julga-se parcialmente procedente o recurso e altera-se a decisão recorrida, mantendo-se a verificação da excepção dilatória da ilegitimidade processual activa relativamente aos pontos I. e II. do pedido, com a correspondente absolvição das RR. da instância, nesta parte, e julgando-se improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade processual da A. relativamente aos pontos III. a V. do pedido, determinando-se, nesta parte, o prosseguimento dos autos para conhecimento destas pretensões, e sem prejuízo da apreciação, pelo tribunal recorrido, de qualquer outra questão que obste a tal prosseguimento.
Custas, em ambas as instâncias, em partes iguais pela A. e pelas RR.
5 de Junho de 2025
António Moreira
Susana Mesquita Gonçalves
Paulo Fernandes da Silva