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REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
REGIME PROVISÓRIO
AUDIÇÃO DO MENOR
CONTRADITÓRIO
NULIDADE
Sumário
1- Quando através da audição do menor em processo tutelar cível se visa a aquisição de prova, importa que essa audição seja dada a conhecer aos restantes intervenientes processuais, nos casos em que não foi permitida a sua presença, já que só assim é garantido o contraditório, nos termos dos art.º 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, e 25º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível. 2- Pretendendo-se fazer uso probatório das declarações prestadas pelo menor, tendo em vista a determinação de regime provisório de regulação das responsabilidades parentais, nos termos do art.º 38º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, há que providenciar pelo exercício do contraditório por parte dos progenitores, dando a conhecer aos mesmos as declarações em momento prévio à decisão desse regime provisório, e sob pena de invalidade dessa decisão, como consequência da nulidade processual praticada. (Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:
Em 21/11/2024 A.F., mãe de A.C., nascido a 30/4/2009, intentou acção de regulação das responsabilidades parentais contra P.C., pai do referido menor, alegando em síntese que requerente e requerido viveram em união de facto durante 18 anos e até 2021, vindo o menor a residir de forma alternada com cada um dos progenitores após a separação, mas tendo o requerido passado a dificultar a estadia do menor com a requerente, inclusive impedindo o menor de ir para casa desta e de falar consigo, assim se tornando necessário fixar o regime que regule as responsabilidades parentais.
Em 25/12/2024 foi proferido despacho liminar com o seguinte teor:
“Convoque os progenitores para conferência de pais a que alude o art.º 35º, nº 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), a realizar nas instalações deste tribunal no próximo dia 13 de Fevereiro de 2025, às 15:30 horas. * Cite o Requerido, se necessário mediante prévia obtenção de informação sobre o último paradeiro ou morada [nos termos do artigo 236º do Código de Processo Civil (CPC)] e notifique nos termos e com a cominação prevista no nº 4 do mencionado artigo 35º do RGPTC. Notifique o Ministério Público para efeitos do disposto no nº 3 do artigo 17º do RGPTC. Mais convoque os menores e solicite os bons ofícios à Unidade de Supervisão e Qualificação de Assessoria ao Tribunal (USQAT) / SCML no sentido de indicar técnico habilitado para o acompanhamento da criança na audição, o qual, desde já, se nomeia e convoca para o efeito – cfr. artigos 4.º, n.º 1, alínea c), 5.º, n.º 7, alínea a) e 35.º, n.º 3, e 41º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC). * Caso se venha a apurar, em tempo útil, que a citação/notificação pelo serviço do correio se frustrou, diligencie de forma expedita e por qualquer meio, pela sua concretização, inclusive por contacto telefónico, nos termos do artigo 15º do RGPTC. * Oportunamente, em data próxima da diligência, junte • CRC dos progenitores, se necessário com prévias pesquisas de dados pessoais - art.º 3º, nºs 1 e 2 da Lei nº 113/2009, de 17 de Setembro. • informação sobre os rendimentos dos progenitores”.
Em 13/2/2025 foi realizada conferência, a qual se iniciou com a audição do menor, aí se tendo determinado não ser de registar em acta as declarações prestadas, por ter o menor solicitado a confidencialidade dessas declarações.
Após, foi tentado acordo entre os progenitores sobre a regulação das responsabilidades parentais, que não se mostrou possível.
Foram ainda tomadas declarações a ambos os progenitores sobre a situação económico-social e projectos de vida dos mesmos.
Ainda no âmbito dessa mesma conferência o Ministério Público apresentou a seguinte promoção:
“Tendo em conta o que o nos foi transmitido, dos elementos dos autos, das declarações prestadas pelo Jovem (…), resulta desde já indiciado que entre os Progenitores se encontram evidenciado um elevado conflito e desentendimento quanto a várias questões, nomeadamente aquelas que respeitam à sua conjugalidade e património, inexistindo um canal um canal de comunicação fluído entre ambos, resultando também destes elementos que o Jovem (…) se encontra triste e a vivenciar emoções negativas e a ter um relacionamento muito intranquilo e perturbador com a sua Mãe, o que já se reflecte no seu sucesso escolar, uma vez que já apresenta algumas notas negativas no presente ano escolar; sendo que o mesmo também chorou de forma muito emocionada no decurso das declarações que prestou no Tribunal. Face a este contexto parece-nos que o [A.C.] precisa de ter um ambiente mais tranquilo e que lhe dê conforto num regime de maior permanência; não nos parecendo que o regime que se encontrava em prática, de residência alternada, se adeque ao seu superior interesse neste momento. Nestes termos e uma vez que os Progenitores não chegaram a acordo, entendendo o Ministério Público que o regime de residência alternada não se adequa ao superior interesse do Jovem, promovo se fixe o seguinte REGIME PROVISÓRIO DE REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS I- A Criança [A.C.], nascido a 30-04-2009, fica aos cuidados do Pai, com quem fixa residência. II- As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os Progenitores, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos Progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informação ao outro logo que possível. III- O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao Progenitor com quem se encontrar naquele momento. IV- A Mãe está com o filho em fins de semana alternados com início à sexta-feira findas as actividades lectivas até segunda-feira de manhã, entregando-o na escola no início das actividades lectivas. i. nas semanas que não correspondam ao fim de semana da Mãe, o filho estará com a Mãe um dia por semana a combinar entre os Progenitores, com pernoita junto da Mãe. V- As férias da Páscoa serão repartidas de forma equitativa entre os Progenitores, passando o Menor uma semana de férias com cada um, sendo os períodos a acordar entre os Pais. VI- A título de alimentos a Mãe procede ao pagamento da quantia de €: 200,00 (duzentos Euros) a creditar até ao dia 8 de cada mês na conta bancária a indicar pelo Progenitor. VII- A Mãe comparticipará em 40% da prestação mensal do Colégio frequentado pelo Menor, valor esse que lhe será apresentado pelo Pai após pagar a mensalidade. VIII- As despesas médicas e medicamentosas que não sejam comparticipadas pelo Estado, seguros ou subsistemas de saúde serão divididas à razão de 40% pela Mãe e 60% pelo Pai. i. as despesas escolares de livros, material escolar e visitas de estudo obrigatórias serão divididas à razão de 40% pela Mãe e 60% pelo Pai. * Mais promovo se notifiquem os Progenitores para providenciarem pelo acompanhamento psicológico do Menor com a maior brevidade possível e bem assim se remeta os mesmos para Audição Técnica Especializada, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 38º, alínea b) e 23º do RGPTC. * Promovo ainda se remeta cópia dos articulados presentes nos autos e da presente acta à CPCJ da área de residência do Jovem para que procedam à avaliação e diagnóstico da sua situação a fim de se aferir se o mesmo se encontra exposto a factores de perigo que justifiquem a adopção de medida de promoção e protecção, solicitando-se à CPCJ que realize essas diligência com a celeridade possível e remeta aos autos informação sobre as diligências encetadas e respectivas conclusões”.
Da referida promoção foi dado conhecimento ao menor, tendo ainda sido concedido prazo de 24 horas aos progenitores para se pronunciarem sobre a mesma.
A requerente apresentou requerimento em que invocou, em síntese, que nenhuma decisão deve ser proferida sem que seja dado conhecimento das declarações do menor, permitindo aos progenitores o exercício do contraditório, mais invocando que o superior interesse do menor fica salvaguardado com a guarda partilhada por ambos os progenitores e com a repartição das despesas correntes relativas ao menor, até porque a profissão do requerido exige que o mesmo se ausente para o estrangeiro no mínimo de duas semanas por mês, pelo que não tem condições para, sozinho, assegurar a guarda do menor.
Quanto ao requerido, apresentou requerimento em resposta ao requerimento da requerente onde invoca, em síntese, que a sua rede de apoio familiar lhe permite assegurar a guarda do menor, mesmo quando se encontra esporadicamente a trabalhar no estrangeiro, em estadias que não ultrapassam duas semanas, e que a requerente não assegura ao menor o ambiente de segurança e conforto que o mesmo carece, como sucedeu em episódio nocturno que terminou para o menor com um braço partido. Conclui pedindo que se fixe regime provisório nos termos da promoção do Ministério Público.
Foi então proferido despacho com o seguinte teor:
“Questão prévia – da nulidade processual não ter sido admitida a presença dos progenitores e suas Ils. Mandatárias aquando da audição do jovem (…). Consabidamente a criança/jovem tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse. Neste sentido, o disposto nos artigos: (i) 3º da Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos das Crianças, aprovada por Resolução da Assembleia da República n.º 7/2014, publicada no Diário da República, 1.ª série, N.º 18 de 27 de Janeiro de 2014; (ii) art.º 24º nº 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia - aprovada em protocolo anexo ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, tal como resultou do Tratado de Lisboa; (iii) artigo 12º nº2 da Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos da Criança; (iv) art.º 21º do Regulamento Bruxelas II ter (Regulamento (EU) 2019/111, do Conselho, de 25/06/2019; (v) No direito interno está prevista no art.º 4º al. c) e 35º nº 3 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) e nos artºs 1878º nº 2 1901º, 1906º, n.º 9 do Código Civil (CC). Pacificamente se aceita, pois, que à luz de tais normas a audição e participação da criança nos processos judiciais em que sejam intervenientes, de acordo com a sua idade e maturidade é essencial para o reconhecimento e execução de decisões relativas ao direito de convívio da criança com os seus progenitores. Em termos procedimentais, o art.º 5º do RGPTC, estabelece a audição da criança em duas situações distintas: a primeira, para que a criança possa manifestar a sua opinião, a atender na decisão a tomar (cfr. n.ºs 1 e 4); a segunda, para que sejam tomadas declarações à criança, sempre que tal o justifique, para que o seu depoimento possa ser considerado como meio probatório (cfr. n.ºs 6 e 7). Como se elucida no Ac. da RL de 12.01.2023, p. 438/17.4T8VFX-E.L1-8: “Quando a audição da criança se assuma como uma diligência probatória, essa audição deverá efectuar-se na presença dos mandatários dos progenitores, sob pena de nulidade, nos termos do art.º 5º, nº 7, al. b) do RGPTC e art.º 3º, nº 3, do CPC, ex vi do art.º 549º, nº 1, do mesmo diploma”. Porém, quando a audição da criança seja no exercício de um direito subjectivo da criança para que esta possa livremente exprimir a sua opinião, a mesma não está sujeita às regras referidas nos citados nºs 6 e 7 do referido art.º 5º, não existindo qualquer nulidade quando a mesma não é realizada na presença de advogados, podendo o juiz ouvir a criança sem a presença de qualquer mandatário.” Ressalvando o sempre devido respeito, a progenitora confunde uma e outra audição, sendo que muita da jurisprudência invocada se reporta à audição em audiência de julgamento. Por ser intuitivo, resultante da ordem natural das coisas e do bom senso, acompanhamos Rui Alves Pereira in «Por uma Cultura da Criança Enquanto Sujeito de Direitos “O Princípio da Audição da Criança” (Revista Julgar, online, Setembro de 2015» relativamente à confidencialidade do depoimento, o qual refere: “Conforme já referido, reveste especial importância quem está presente na audição da Criança, questão que está intimamente ligada à possibilidade de considerar o depoimento da Criança completamente confidencial como acontece com o sistema alemão. Com efeito, perante os Tribunais Alemães, a audição é realizada pelo juiz, mas todos os dados colhidos têm carácter secreto, com o intuito de não se violar a relação de confiança estabelecida com a Criança, pelo que não pode constar, de forma patente, da decisão a proferir. O princípio da confidencialidade do depoimento, que não é uso no nosso sistema jurídico, evitando as habituais repercussões nas relações com os pais quando estes têm acesso ao que foi dito pela criança.” Por sua vez, Diogo Ravara, no Ac. RL, de 10/11/2020, refere que a criança tem as faculdades de requerer que a sua audição não seja presenciada pelos seus pais e respectivos mandatários, e de optar pela confidencialidade das declarações que prestar no exercício daquele direito. (grifado nosso) No recente Ac. da RL de 24/10/2024, relatado pelo Sr. Desembargador Adeodato Brotas, textua-se: “O direito da criança a ser ouvida para expressar a sua opinião, sobre as questões que lhe dizem respeito, tem de ser exercido de modo livre e esclarecido, liberto de quaisquer circunstâncias, físicas, psicológicas ou condições que a possam inibir ou limitar a sua verdadeira opinião. Daí a preocupação do legislador com a possibilidade de a diligência de audição poder ser agendada especialmente para o efeito – o que inculca a sua realização em momento, dia ou sessão diferente daquela em que se realizará a produção de prova. Ainda a preocupação de garantir a existência de condições adequadas para a audição, bem como com a não sujeição da criança a qualquer pressão ou ambiente intimidatório, hostil, o que pode implicar que as declarações sejam prestadas sem a presença dos progenitores, dos seus mandatários, designadamente em situações de grande litigiosidade entre os progenitores e, inclusivamente, com carácter de confidencialidade se essa confidencialidade contribuir para a espontaneidade, tranquilidade e segurança da criança. Se assim é, mais se acentuam essas garantias da criança quando é ela própria quem solicita que as suas declarações sejam confidenciais, sem que os pais lhes possam aceder e, que o que ela refere, e a opinião que tem sobre a situação que está a viver, apenas seja sinteticamente referida aos progenitores – delimitando, ela própria, o que pretende lhes seja transmitido – e pedindo que parte das suas declarações não sejam, sequer, gravadas. O juiz, em tais circunstâncias, está sujeito ao dever de confidencialidade e, por isso, impedido de quebrar a confiança nele depositada e o sigilo que lhe foi pedido. Tudo isto por uma razão muito simples: nos processos tutelares cíveis, está em causa o superior interesse da criança que, inequivocamente, se sobrepõe aos interesses dos pais. A esta vista, findamos como começamos: a sentença não padece de nulidade por falta do exercício do contraditório relativo à audição confidencializada do menor. Estas as razões que levaram o Tribunal a determinar a confidencialidade das declarações prestadas pela criança. É claro que o exercício cabal do contraditório simplifica a tarefa de julgar, e nesse sentido admitimos que os Advogados poderiam ter conhecimento das declarações prestadas pelo menor, mas com a condição de não as poder revelar por algum modo, mormente e em especial ao progenitor que o constituiu nos autos, sendo que esta salvaguarda não está prevista e protegida no nosso ordenamento jurídico. Termos em que é de indeferir a impetrada nulidade. * Nos autos é pelo Ministério Público requerida a fixação de um regime provisório, por considerar que o [A.C.] precisa de ter um ambiente mais tranquilo e que lhe dê conforto num regime de maior permanência; não lhe parecendo que o regime que se encontrava em prática, de residência alternada, se adeqúe ao seu superior interesse neste momento. A prolação de decisões provisórias é, nos termos do nº 1 do art.º 28º do RGPTC apresentada como uma faculdade inserida no âmbito dos poderes de actuação oficiosa do Tribunal, sendo que do disposto no art.º 38º do RGPTC decorre que no contexto do procedimento tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais, tal decisão é obrigatória, devendo ser proferida na conferência de pais quando ambos os progenitores compareçam, e não cheguem a acordo que seja homologado. É certo que que os progenitores concordarão no sentido de ser estabelecido um regime de residência alternada do filho, sendo o intuito da progenitora por períodos de 15 dias para cada um deles; porém, da audição do menor resulta que, por ora, tal regime não salvaguarda o superior interesse da criança. Efectivamente, da audição da criança não resulta que o seu superior interesse seja salvaguardado nas circunstâncias pretendidas. Para que a pretensão dos progenitores prevaleça importa obter e carrear para os autos mais elementos, designadamente por intermédio da remessa dos progenitores da audição técnica especializada, nos termos previstos no artigo 23.º do RGPTC, por um período máximo de dois meses”. No final, aferida as circunstâncias, trabalhadas as questões consideradas pertinentes e salvaguardado o superior interesse da criança, será estabelecido um regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais – por acordo ou decisão judicial. O descontrolo emocional da progenitora em juízo, do qual o filho se apercebeu em virtude de se encontrar numa sala próxima com a Sra. Técnica da Unidade de Supervisão e Qualificação de Assessoria ao Tribunal (USQAT), não terá contribuído para a objectivo que se pretende nesta fase, designadamente o de se estabilizar e resguardar o jovem a eventuais conflitos entre os progenitores e/ou com este. Decidindo. Em face do exposto, ponderada factualidade indiciária carreada para os autos, é de atender à douta promoção Ministério Público e, consequentemente, estabelecer um regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais nos seguintes termos: I- A Criança (…), nascido a 30-04-2009, fica aos cuidados do Pai, com quem fixa residência. II- As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os Progenitores, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos Progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informação ao outro logo que possível. III- O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao Progenitor com quem se encontrar naquele momento. IV- A Mãe está com o filho em fins de semana alternados, com início à sexta-feira findas as actividades lectivas até segunda-feira de manhã, entregando-o na escola no início das actividades lectivas. i. nas semanas que não correspondam ao fim de semana da Mãe, o filho estará com a Mãe um dia por semana a combinar entre os Progenitores, com pernoita junto da Mãe V- As férias da Páscoa serão repartidas de forma equitativa entre os Progenitores, passando o Menor uma semana de férias com cada um, sendo os períodos a acordar entre os Pais. VI- A título de alimentos a Mãe procede ao pagamento da quantia de €: 175,00 (cento e setenta e cinco Euros) a creditar até ao dia 8 de cada mês na conta bancária a indicar pelo Progenitor. VII- A Mãe comparticipa em 40% da prestação mensal do Colégio frequentado pelo Menor, valor esse que lhe será apresentado pelo Pai após pagar a mensalidade. VIII- As despesas médicas e medicamentosas que não sejam comparticipadas pelo Estado, seguros ou subsistemas de saúde serão divididas à razão de 40% pela Mãe e 60% pelo Pai. i. as despesas escolares de livros, material escolar e visitas de estudo obrigatórias serão divididas à razão de 40% pela Mãe e 60% pelo Pai. Remeto os progenitores para Audição Técnica Especializada nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 38º, alínea b) e 23º do RGPTC, solicitando-se a intervenção da Unidade de Supervisão e Qualificação de Assessoria ao Tribunal (USQAT), a fim de serem aferidos e dirimidos eventuais conflitos entre os progenitores, bem como da díade mãe-filho, com a possibilidade de audição, facultando-se para o efeito cópia da ATA e dos requerimentos ulteriores. Relego o conhecimento do pedido de remessa de cópia dos articulados presentes nos autos e da presente acta à Comissão de Protecção de Crianças e Jovens da área de residência do Jovem para que procedam à avaliação e diagnóstico da sua situação a fim de se aferir se o mesmo se encontra exposto a factores de perigo que justifiquem a adopção de medida de promoção e protecção, para momento ulterior ao do recebimento do relatório centrado na gestão do conflito. Mais indefiro a nulidade arguida”.
A requerente recorre desta decisão, sendo que na sua alegação invoca que as conclusões do recurso são aquelas que constam dos 57 pontos que aqui se reproduzem:
1. O Tribunal a quo ao violou a garantia do exercício do direito do contraditório, o que consubstancia uma nulidade de natureza processual
2. O menor, com 15 anos de idade, foi ouvido antes da realização da conferência de pais.
3. OTribunalaquo,depoisdeterouvidoomenor(…),nãotransmitiu,nada,dessaaudiçãoaosprogenitores.
4. Ao invés, após audição técnica do menor, o Ministério Público apresentou a sua Promoção, na qual propôs a atribuição de guarda única do menor com o pai, acusando a mãe de ter um comportamento “intranquilo e perturbador” com o menor,
5. Afirmações que o Ministério Público fez, alegadamente com base nas declarações do menor, cujo teor não transmitiu.
6. Perante a Promoção do Ministério Público, que se afigurou uma decisão surpresa para ambos os progenitores, e perante as graves acusações de que estava a ser alvo, a Recorrente arguiu a nulidade processual, por não ter sido recusado o acesso às declarações do menor.
7. Ao contrário do sufragado no Despacho recorrido, a Recorrente arguiu nulidade processual, em virtude de lhe ter sido negado o conhecimento do teor das declarações do menor e que alegadamente sustentam a promoção do Ministério Público e não por não ter sido admitida a presença dos progenitores e seus mandatários aquando da audição do menor.
8. OTribunalaquo,depoisdeterouvidoomenor(…),nãotransmitiu,nada,dessaaudiçãoaosprogenitores.
9. O facto de a audição do menor se proceder ao abrigo dos n.ºs 4 e 5 do artigo 5.º do RGPTC não veda, por absoluto, a confidencialidade de tais declarações quando as mesmas são tidas como meio de prova dos factos que fundamentam a decisão, ainda que em sede de regime provisório, como aconteceu no caso em apreço.
10. Pelo que, a recusa do Tribunal em conceder à Recorrente o acesso às declarações do menor e ao direito de conhecer os factos que lhe são imputados, constituiu uma violação ao direito ao contraditório, constituindo uma nulidade processual, nos termos do artigo 195.º do Código de Processo Civil.
11. Não se podendo, assim, aceitar o Despacho recorrido quando indefere a nulidade arguida e que deve ser revogado.
12. Pois, é inequívoco que Tribunal aquo iria recorreu às declarações do menor, prestadas em sede de audição técnica, como meio de prova para fundamentar a sua decisão de atribuição de guarda única ao pai, como aconteceu na Decisão recorrida.
13. Pois, vem ora o Tribunal aquo fundamentar a decisão de fixação provisoria de regulação das responsabilidades parentais do menor (…), nas declarações do menor, cujo teor as partes desconhecem.
14. O Tribunal aquo estabeleceu um regime de guarda/residência única do menor com o pai, alterando o regime de guarda partilhada que sempre foi vivenciado e com o qual as partes estão de acordo, em observar o direito ao contraditório.
15.Não tendo sido observado o contraditório perante as declarações do menor não podem tais declarações ser utilizadas como meio probatório ou como fundamento da decisão do Tribunal a quo.
16. No caso em apreço, não tendo o Tribunal aquo garantido o contraditório dos progenitores perante as declarações do menor, a sua utilização como meio probatório fundamentador da sua decisão, afigura-se ilícita.
17. Conforme proferido pelo Douto Tribunal da Relação de Lisboa, independentemente de como tenham sido transmitidas (em confidencialidade ou não) o conteúdo das declarações do menor, se for tido como meio de prova para a decisão do Tribunal, deve ser transmitido aos progenitores, de forma a estes poderem exercer o seu contraditório, à luz do artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, de forma a evitar a denominada “decisão-surpresa”.
18. A audição dos menores tem de ficar registada ou ser documentada e, quando não tiver sido contraditória, deve ser dado conhecimento da mesma aos progenitores, sob pena de invalidade da decisão subsequente.
19. Não basta que na decisão o Tribunal refira que tomou em consideração a opinião do menor.
20. Pelo exposto, ao Decisão recorrida que fixou o regime provisório das responsabilidades parentais do menor (…) ser declarada nula, ao abrigo do artigo 195.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
21. Acresce que, a Decisão recorrida não se encontra fundamentada.
22. O Despacho que decida sobre a fixação de um regime provisório de regulação das responsabilidades parentais, não pode ignorar o dever de fundamentação, tanto de facto como de direito.
23. Uma providência tutelar cível não autoriza uma tramitação arbitrária que incorra na inobservância de pressupostos ínsitos ao processo equitativo, como sejam o da fundamentação da decisão.
24. Uma decisão no âmbito de providência tutelar cível, ainda que provisória, não pode ser omissa na especificação dos factos provados, não provados, meios probatórios e respectiva subsunção jurídico-tutelar, sob pena de nulidade à luz do artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil.
25. No caso em apreço, o Tribunal aquo foi completamente omisso na especificação dos factos provados, não provados, e meios probatórios utilizados para a fixação do regime provisório.
26. A omissão de fundamentação da decisão do Tribunal a quo verificou-se tanto nas questões respeitantes à situação de vida de cada progenitor, de habitabilidade, rotinas, hábitos, condições económicas, despesas de cada progenitor, tal como na fundamentação respeitante à fixação da guarda única do progenitor.
27. O Tribunal fixou o regime provisório de exercício das responsabilidades parentais sem tais elementos terem sido minimamente apurados e sem ter sido dada a oportunidade aos progenitores de celebrar qualquer tipo de acordo.
28. Os progenitores tinham acordo estabelecido quanto à fixação de um regime de guarda alternada/partilhada, com preferência, por parte de ora Recorrente, de alternância de 15 dias e 8 dias de preferência do Requerido.
29. Não obstante, o Tribunal decidiu à revelia desse acordo e sem fundamentar.
30. O Requerido, conforme afirmado por si na Conferência de Pais, está regularmente fora do país, em trabalho.
31. A sua companheira, em virtude de ser radialista durante o dia e exercer a actividade de DJ durante a noite, também não consegue assegurar a guarda do menor.
32. As rotinas do progenitor e da sua companheira, conforme resulta dos autos, afiguram-se completamente contrárias às do menor.
33. Desconhece a Recorrente, também, da alegada ajuda dos avós paternos, pois enquanto viveu com o Requerido, estes nunca ajudaram no acompanhamento do menor, pois vivem longe da zona de conforto de [A.C.].
34. Já as saídas da Recorrente do país em trabalho, apesar de poderem ter de acontecer, são bastante residuais.
35. Conforme alegado pela ora Recorrente, o colégio privado que o menor frequenta foi sempre pago, exclusivamente, pelo Requerido, porquanto foi este quem impôs que o menor frequentasse o colégio privado.
36. A Recorrente nunca quis que o menor frequentasse o ensino privado, pelo que atenta a insistência do pai apenas na condição de este pagar a mensalidade, a mesma anuiu que o menor se mantivesse no ensino privado.
37. A frequência do ensino privado é uma exigência do pai, contra a vontade da Recorrente, pelo que deve a prestação do colégio ser suportada na totalidade pelo pai.
38. Até porque, o progenitor, ora Requerido, aufere de rendimentos consideravelmente mais altos do que a Recorrente.
39. Na sua decisão, o Tribunal aquo não faz qualquer referência aos factos supra aduzidos, carecendo em fundamentar e especificar os factos tidos como provados e não provados para efeitos de fundamentação da sua decisão.
40. O Tribunal aquo remete a fundamentação da sua decisão para conceitos vagos como o “superior interesse da criança” e “factualidade indiciária carreada para os autos”.
41. Do Despacho proferido pelo Tribunal aquo apenas se retira como meio probatório utilizado as declarações do menor em sede de audição técnica, o que se caracteriza, conforme observado, como uma utilização ilícita das declarações do menor.
42. Ora, conforme resulta da jurisprudência analisada em sede das Alegações de Apelação expostas, o Tribunal aquo não poderia remeter a fundamentação da sua decisão para conceitos vagos como o “superior interesse da criança” e “factualidade indiciária”, sem consignar, em específico, o recurso a critérios objectivos e funcionais e os factos tidos como provados e não provados, fundamentadores da sua decisão.
43. Limitando-se a remeter a fundamentação da sua decisão para conceitos vagos e sem consignar os factos tidos como provados e não provados, observou-se, assim, a uma tramitação arbitrária por parte do Tribunal a quo, em inobservância dos pressupostos ínsitos ao processo equitativo, como sejam o da fundamentação da decisão.
44. Pelo exposto, por a decisão proferida pelo Tribunal aquo padecer de absoluta fundamentação, deve ser considerada nula, à luz do artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil.
45. E, por outro lado, é totalmente omissão quanto à apreciação desses factos, provas e questões suscitadas pela Recorrente no requerimento junto aos autos, em resposta à promoção do Ministério Público.
46. A Decisão recorrida sofre de omissão de pronúncia devida, o que impõe determinar a sua nulidade, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do C.P.C.
47. Por último, padece a decisão do Tribunal aquo de erro de julgamento, por resultar de uma distorção da realidade fáctica, fundamentada nas declarações do menor, utlizadas, ilicitamente, como meio de prova, em violação do contraditório da Recorrente, o que resultou na aplicação desviante do conceito jurídico do “superior interesse da criança”, de forma a fundamentar a retirada do menor da guarda da Recorrente.
48. A Recorrente nunca maltratou o menor, que física, quer psicologicamente.
49. O processo de imposição de regras a um menor, especialmente um adolescente, nem sempre é pacífico, causando, por vezes, conflitos entre os filhos e progenitores.
50. Não obstante, tais conflitos não fazem da Recorrente uma má mãe ou figura prejudicial para o normal desenvolvimento do menor.
51. Aliás, a Recorrente abandonou a casa de morada de família com o menor, de forma a proteger este dos comportamentos agressivos do próprio pai, ora Requerido.
52. Um adolescente de 15 anos não é uma criança indefesa, tendo já consciência e capacidade de manipular os pares.
53. Mais se acrescenta que, sendo as declarações do menor, inevitavelmente, objecto de valoração por parte do Tribunal, tal como todos os juízos de valor, estes podem padecer de erro.
54. Não pode o Tribunal fundamentar uma decisão de fixação de guarda única de um menor com base em declarações do mesmo, perante as quais nem sequer assegurou o respectivo acesso e contraditório por parte dos progenitores.
55. O Tribunal aquo procedeu a uma aplicação desviante do conceito jurídico de “superior interesse da criança”, com base numa distorção da realidade e sem que tenha sido feito qualquer prova e sem ter sido concedido o direito ao contraditório.
56. Existindo, assim, um erro de julgamento que afecta o fundo da decisão, devendo a decisão proferida pelo Tribunal aquo ser revogada.
57. Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deve oDespachorecorrido,quefixouprovisoriamenteoregimederegulaçãodoexercíciodasresponsabilidadesparentaisdomenor(…),serrevogado.
O requerido não apresentou alegação de resposta.
O Ministério Público apresentou alegação de resposta, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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Nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, o objecto do recurso é balizado pelas conclusões do apelante, as quais hão-de corresponder à indicação, de forma sintética, dos fundamentos pelos quais vem pedida a alteração ou anulação da decisão.
Os 57 pontos da alegação da requerente acima reproduzidos não correspondem, de todo, à referida indicação sintética.
Todavia, e sem necessidade de lançar mão do disposto no nº 3 do art.º 639º do Código de Processo Civil (desde logo porque se antevê a incapacidade de síntese que se pretende), é possível identificar como questões a conhecer as que a seguir se enunciam:
. A preterição do contraditório relativamente às declarações prestadas pelo menor;
. A nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia;
. A desconsideração do superior interesse do menor, no que respeita à determinação do regime provisório de residência exclusiva junto do pai.
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A factualidade com relevo para o conhecimento do objecto do presente recurso é a que decorre das ocorrências e dinâmica processual expostas no relatório que antecede.
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Da preterição do contraditório
Não sofre qualquer controvérsia que um dos princípios orientadores da intervenção em matéria tutelar cível é o da audição e participação do menor, decorrendo da al. c) do art.º 4º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível que “a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito”.
Como explica Paulo Guerra (Regime Geral do Processual Tutelar Cível anotado, 2021, pág. 77), a “audição da criança “não será nunca uma mera formalidade, nem corresponderá ao mero cumprimento de algum tipo de rito judiciário”, sendo um acto verdadeiramente substancial”.
Nessa medida, explica ainda (pág. 84) que a “audição da criança num processo que lhe diz respeito não pode ser encarada apenas como um meio de prova, com o qual se pretende fazer prova de um facto relevante no processo”, mas deve ser entendida como “um direito da criança a que o seu ponto de vista seja considerado no processo de formação da decisão que a afecta”.
Não obstante, e perante o disposto no art.º 5º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível o mesmo autor identifica (pág. 85) “duas modalidades de encontro com a criança, conforme a finalidade a que se destinam: - uma para a deixar exprimir a sua opinião (diligência que não carece de ser gravada, podendo-o ser para uso exclusivo do juiz) – art.º 5º/1 a 5 – (chamemo-la) audição da criança; - outra para a tomada das suas declarações como meio de prova – normalmente esta diligência é gravada – art.º 5º/6 e 7) (não é o meio adequado para que a criança possa livremente exprimir a sua opinião) – (chamemo-la) tomada de declarações à criança”.
E, nessa medida, o mesmo autor sustenta que “caso se queira ouvir uma criança e tomar o seu depoimento para efeitos probatórios”, poderão ser feitas duas diligências seguidas, uma em que há lugar à “audição da criança para ser ouvida com vista a emitir a sua opinião”, e outra em que há lugar à “audição para tomada de declarações para efeitos probatórios”.
Todavia, adverte desde logo que o direito do menor à confidencialidade (a que respeita o art.º 58º, nº 1, al. g), da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), e aplicável igualmente aos casos de intervenção judicial no âmbito do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, por força do nº 1 do seu art.º 4º) significa que esse direito “não se coaduna (…) com as regras do art.º 5º/6 e 7, pensadas para a obtenção de um depoimento probatório”.
Com efeito, tal direito à confidencialidade, entendido como o direito do menor de ser ouvido pelo juiz sem a presença dos restantes intervenientes processuais (e respectivos advogados), ou mesmo o direito do menor a que a sua audição não seja dada a conhecer a outrem, para além do juiz, entra em confronto com o princípio do contraditório, tal como o mesmo resulta do art.º 25º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (e que mais não representa que a concretização, no que aos processos tutelares cíveis respeita, do princípio geral previsto no art.º 3º, nº 3 do Código de Processo Civil e, no que respeita à actividade instrutória, do princípio da audiência contraditória prevista no art.º 415º do Código de Processo Civil). E, por isso, é que devem ser observadas formas distintas de audição do menor, caso se vise o exercício do seu direito a expressar a sua opinião, ou caso se esteja perante recolha de prova prestada oralmente.
Isso mesmo resulta do acórdão de 24/10/2024 deste Tribunal da Relação de Lisboa (relatado por Adeodato Brotas, disponível em www.dgsi.pt e igualmente referido na decisão recorrida), quando aí se conclui que:
“1- O art.º 5º do RGPTC, com epígrafe “Audição da criança” reporta-se a duas realidades distintas: - (i) - Ao direito subjectivo de a criança ser ouvida, para expressar a sua opinião sobre questões que lhe dizem directamente respeito, a fim de ser tida em consideração pelo juiz (art.º 5º nºs 1 a 5); - (ii) – Às declarações da criança como meio probatório, procedimentalmente reguladas nos nºs 6 e 7 do mesmo art.º 5 do RGPTC. 2- O direito da criança a ser ouvida para expressar a sua opinião, sobre as questões que lhe dizem respeito, tem de ser exercido de modo livre e esclarecido, liberto de quaisquer circunstancialismos físicos, ambientais e psicológicos condicionadores que a possam inibir ou restringir de expressar a sua genuína opinião. 3- Daí a preocupação do legislador em prever a possibilidade de a diligência de audição poder ser agendada especialmente para o efeito (nº 2); garantir a existência de condições adequadas para a audição (nº 4); bem como com a não sujeição da criança a qualquer pressão ou ambiente intimidatório, hostil (nº 4 b)). 4- E esse exercício do direito da criança a ser ouvida pode implicar que as declarações sejam prestadas sem a presença dos progenitores, dos seus mandatários, designadamente em situações de grande litigiosidade entre os progenitores e, inclusivamente, com carácter de confidencialidade, se essa confidencialidade contribuir para a espontaneidade, tranquilidade e segurança psicológica da criança e se foi ela própria quem o solicitou ao juiz. 5- A este exercício do direito da criança a expressar a sua opinião não são aplicadas as regras procedimentais estabelecidas nos nºs 6 e 7 do art.º 5º do RGPTC, pelo que não constitui qualquer nulidade, processual ou da sentença, a não disponibilização aos Mandatários dos progenitores da gravação das declarações da criança prestadas nos termos do art.º 5º nºs 1 a 5 do RGPTC. 6- O juiz, em tais circunstâncias, está sujeito ao dever de confidencialidade e, por isso, impedido de quebrar a confiança nele depositada e o sigilo que lhe foi pedido”.
Do mesmo modo, conclui-se no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 10/11/2020 (relatado por Diogo Ravara, disponível em www.dgsi.pt e igualmente referido na decisão recorrida) que:
“I- A audição da criança, prevista nos arts. 4º, nº 1, al. c) e 5º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível[1] pode servir duas finalidades distintas, com regimes diversos: para que a criança exponha os seus pontos de vista relativamente ao conflito familiar e às medidas a adoptar para o dirimir (nºs 1 e 2); e como meio de prova (nºs 6 e 7). II- A audição da criança, na modalidade a que se reportam os nºs e 1 e 2 do art.º 5º do RGPTC é em regra obrigatória, ao passo que a modalidade referida nos nºs 6 e 7 do mesmo preceito é meramente facultativa. III- A criança tem as faculdades de requerer que a sua audição não seja presenciada pelos seus pais e respectivos mandatários, e de optar pela confidencialidade das declarações que prestar no exercício daquele direito. IV- Quando a criança exerça ambas as faculdades previstas em III-, não podem as suas declarações servir como meio de prova”.
Mostrando-se assim justificado porque é que o direito de audição do menor se densifica através das duas formas distintas que estão previstas no art.º 5º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, do mesmo modo se alcança que, quando através da audição se visa a aquisição de prova, importa que seja dada a conhecer aos restantes intervenientes processuais, já que só assim é garantido o contraditório, nos termos do referido art.º 25º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
Isso mesmo foi já afirmado por este Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão de 14/9/2023 (relatado pelo ora segundo adjunto, disponível em www.dgsi.pt e igualmente referido na alegação de recurso da requerente), quando aí se conclui que:
“I – A audição dos menores para exprimir a sua opinião sobre as questões que lhes dizem respeito (art.º 4/1-c e 5/1 do RGPTC) é, em princípio, contraditória (com a presença dos advogados dos interessados), embora a presença dos advogados possa ser afastada se tal for justificado nos termos do art.º 5/4-a do RGPTC. II – A audição dos menores tem de ficar registada em acta (art.º 155/7 do CPC) e, quando não tiver sido contraditória, deve ser dado conhecimento da mesma aos progenitores, sob pena de invalidade da decisão subsequente, e isso mesmo que os menores digam que não querem que esse conteúdo seja dado a conhecer aos progenitores (…)”.
Por outro lado, e como igualmente explica Paulo Guerra (Regime Geral do Processual Tutelar Cível anotado, 2021, pág. 227), o referido contraditório “– não só quanto aos meios de prova previstos no nº 1, como quanto às provas, de acordo com o nº 3 – deve também ser cumprido, de forma escrupulosa, quando a decisão judiciária tem natureza cautelar ou provisória, estatuindo a lei os casos em que tal contraditório, excepcionalmente, não deve ser levado a cabo (vejam-se as normas do art.º 28º/4, 5 e 6 do RGPTC)”.
Com efeito, e como resulta do art.º 38º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, quando não é obtido acordo na conferência (a que respeita o art.º 35º), impõe-se ao tribunal decidir provisoriamente sobre o pedido de regulação do exercício das responsabilidades parentais, em função dos elementos já obtidos.
E se é certo que, o carácter embrionário da conferência, no âmbito da tramitação do processo especial tendente à regulação do exercício das responsabilidades parentais, determina que a decisão provisória há-de assentar mais em elementos indiciários resultantes da primeira intervenção processual das partes (incluindo a sua intervenção pessoal nessa conferência e as declarações aí prestadas) que naqueles que pudessem resultar da realização de uma actividade instrutória completa, tal não dispensa o tribunal de, relativamente a todas as declarações prestadas oralmente e susceptíveis de fundamentar a referida decisão provisória, cumprir o contraditório respectivo relativamente a todas as partes.
Recuperando o acima exposto para o caso concreto dos autos, aquilo que resulta da actuação do tribunal recorrido é que aí se entendeu ouvir o menor, não para que o mesmo desse a sua opinião relativamente à forma de ultrapassar o diferendo instalado quanto ao exercício das responsabilidades parentais pelos seus progenitores, mas enquanto meio de prova da decisão provisória que teria obrigatoriamente de proferir, nos termos do art.º 38º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
Com efeito, do teor do despacho liminar não resulta qualquer dúvida que o menor foi convocado para ser ouvido na conferência, tendo em vista a obtenção, através das suas declarações, de elementos factuais destinados à fixação do regime provisório (e daí a referência ao art.º 5º, nº 7, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível nesse despacho).
Do mesmo modo, a decisão provisória proferida nos termos e para os efeitos do art.º 38º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível refere expressamente que é em face da “audição da criança” que não se fixa provisoriamente o regime de residência alternada, nos termos das posições concordantes dos progenitores, mas o regime de residência do menor com o requerido, porque é este regime, e não aquele, que “salvaguarda o superior interesse da criança”.
Ou seja, é manifesto que as declarações prestadas pelo menor na conferência de 13/2/2025 tiveram em vista a obtenção dos elementos factuais (ainda que indiciários) aptos à fixação de regime provisório, nos termos do art.º 38º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
E, nessa medida, havia que dar conhecimento aos progenitores do teor dessas declarações do menor, permitindo-lhes que se pronunciassem sobre as mesmas, em momento prévio à prolação da referida decisão provisória, e sob pena de tornar inválida tal decisão provisória.
Com efeito, a referida omissão de conhecimento aos progenitores do teor dessas declarações, porque representa a violação do princípio do contraditório decorrente do nº 3 do art.º 3º do Código de Processo Civil, influi na decisão provisória subsequente, já que esta não podia ser proferida (nos termos em que o foi) sem que aos progenitores tivesse sido dada a oportunidade de se pronunciarem sobre tais declarações.
Ora, tal como resulta do art.º 195º, nº 1, do Código de Processo Civil, a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreve produz nulidade quando a irregularidade possa influir no exame ou decisão da causa, o que é o caso concreto da decisão provisória em apreço, como já se deixou evidenciado. E, nessa medida, tal nulidade processual desencadeia a anulação dos actos subsequentemente praticados e que dependiam do acto omitido, desde logo a decisão recorrida.
Em suma, na procedência das conclusões do recurso da requerente, relativamente à questão da preterição do contraditório, importa anular a decisão recorrida e determinar o exercício do contraditório indevidamente preterido, tendo em vista a prolação de decisão provisória, nos termos e para os efeitos do art.º 38º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
Por outro lado, e face à anulação da decisão recorrida com o fundamento acima exposto, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo recurso.
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DECISÃO
Em face do exposto julga-se procedente o recurso, anulando-se a decisão recorrida e determinando-se o exercício do contraditório indevidamente preterido.
Custas do recurso pelo requerido.
5 de Junho de 2025
António Moreira
Arlindo Crua
Pedro Martins