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AÇÃO EXECUTIVA
USO INDEVIDO DO REQUERIMENTO DE INJUNÇÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário
(elaborado pela Relatora, nos termos do artigo 663, n.º 7, do Código de Processo Civil, doravante apenas CPC) I – Nos termos do art.º 7º do DL n.º 269/98, de 1 de setembro, salvo no caso de estarmos perante uma transação comercial abrangida pelo DL n.º 32/2003, de 17/02, o recurso ao procedimento de injunção apenas é admitido quando está em causa o cumprimento de uma obrigação pecuniária emergente de contrato de valor não superior a 15.000,00 €; II - Não é possível fracionar a dívida emergente de um contrato em valores que não ultrapassem o referido limite de 15.000,00 € para intentar vários procedimentos de injunção, pois tal traduz um uso indevido do procedimento de injunção;
Texto Integral
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa os Juízes Desembargadores abaixo identificados:
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I. Relatório:
Em 21.12.2021 AA instaurou a presente ação executiva contra BB, apresentando como título executivo um requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória pelo Secretário de Justiça do Balcão Nacional de Injunções em 26.11.2021.
Nesse requerimento de injunção consta:
- No espaço destinado à indicação do “Capital”, o valor de “€ 7.500,00”;
- No espaço destinado à identificação do “Contrato”, que se trata de “Mútuo”;
- No espaço destinado à “Exposição dos factos que fundamentam a pretensão”, que “No ano de 2014, o Requerido propôs ao Requerente celebrar com este um contrato que consistia numa parceria para compra e posterior revenda de veículos automóveis, ao que este último acedeu. Foi acordado entre ambos que o Requerente entregava ao Requerido € 50.000,00 (…) para aquisição de três viaturas automóveis e posterior revenda a interessados belgas, que o Requerido conhecia. Como contrapartida do investimento feito pelo Requerente, o Requerido entregar-lhe-ia, decorridas que fossem duas semanas, o montante de € 92.000,00 (…). Com efeito, com vista à aquisição das viaturas e na expetativa do retorno prometido, o Requerente, na execução do contrato entre ambos, entregou ao Requerido, através de transferência bancária, a quantia de €7.500,00 (…), no dia 05.09.2014. Acontece que (…) até ao presente momento nenhum negócio foi celebrado, nem a quantia mutuada restituída, ainda que o Requerido haja sido interpelado para o efeito (…).”
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Por despacho de 13.07.2022, proferido na sequência de requerimento do Executado nesse sentido, foi determinada a apensação, à presente execução, das execuções 51(…), 52(…) e 529(…) que corriam termos no mesmo Juízo de Execução de Sintra, nos lugares dos Juízes 1, 3 e 4.
Nessas execuções figuram igualmente como Exequente AA e como Executado BB, e em todas elas foi apresentado como título executivo requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória pelo Secretário de Justiça do Balcão Nacional de Injunções em 26.11.2021.
Nesses requerimentos de injunção os “factos que fundamentam a pretensão” do Requerente são os mesmos que acima se assinalaram, apenas divergindo o respetivo capital:
- No requerimento de injunção dado à execução no processo n.º 51(…), estava em causa o valor de 15.000,00 € que o Requerente referia ter entregue ao Requerido mediante transferência bancária efetuada no dia 31.08.2014;
- No requerimento de injunção dado à execução no processo n.º 52(…), estava em causa o valor de 12.500,00 € que o Requerente referia ter entregue ao Requerido mediante transferência bancária efetuada no dia 02.09.2014; e,
- No requerimento de injunção dado à execução no processo n.º 529(…), estava em causa o valor de 15.000,00 € que o Requerente referia ter entregue ao Requerido mediante transferência bancária efetuada no dia 31.08.2014.
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Depois de apensadas as referidas execuções foi realizada tentativa de conciliação.
Da respetiva ata consta:
“(…) Iniciada a presente diligência pelas 15:05 horas, pelo Mm. Juiz foi tentada a conciliação das partes, o que não se mostrou possível. *** Seguidamente, foram prestados os seguintes esclarecimentos: Pelo Sr. Agente de Execução foi corroborada a informação constante do “resumo das diligências” junto aos autos em 13.01.2023, mais esclarecendo que se encontra penhorada a pensão do executado e rendas dos imóveis do executado, embora não haja, ainda, quanto a estas, valores depositados no processo. Pelo Exequente foi esclarecido, em complemento do que já resulta alegado nos requerimentos de injunção dados às várias execuções entretanto apensadas, que o negócio celebrado entre as partes foi proposto pelo executado ao exequente no dia 31.08.2014 e que consistia em o exequente disponibilizar ao executado a quantia de €50.000,00 – que este precisava para perfazer o valor necessário para compra de três veículos (“carros de corrida”) e posterior revenda a uns belgas, com a promessa de reembolso dos €50.000,00 acrescidos de €42.000,00, no prazo de 12 dias. Mais referiu que aceitou o negócio porque confiou no executado, já que tinham uma relação próxima. Ambos fizeram corridas juntos, sendo piloto e co-piloto navegador. Pelo executado foi dito que o negócio não correu como esperado, por dificuldades verificadas junto do Banco quando os compradores dos veículos fizeram o pagamento dos mesmos por via de uma sociedade offshore, sendo que, após esta situação, deu dois imóveis de garantia no âmbito de um empréstimo contraído pelo exequente junto de uma entidade bancária, o que, enquanto não for resolvido, impede a resolução da situação deste processo. * Seguidamente, o Mm. Juiz proferiu o seguinte: DESPACHO Oportunamente abra conclusão. Notifique. (…)”.
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As partes foram notificadas para em 10 dias se pronunciarem, querendo, sobre a conduta processual do Exequente no âmbito do instituto da litigância de má-fé, bem como sobre a exceção dilatória inominada do uso indevido da injunção, com a consequente falta de título executivo por vício na respetiva formação.
Ambas as partes o fizeram.
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Em 17.09.2024 o Tribunal a quo proferiu decisão, cujo dispositivo se reproduz:
“Decisão: Em face de todo o exposto, por verificação da exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso, decido rejeitar a presente execução bem como as execuções que a esta se encontram apensadas – cf. artigos 734.º n.º 1 e 726.º n.º 2 al. a) do CPC. Mais decido condenar o exequente, a título de litigância de má fé, na multa que se fixa em 20UC. Custas pelo exequente. Registe e notifique”.
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Não se conformando com o teor dessa decisão, o Exequente dela veio recorrer, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“I. O Recorrente instaurou em 21 de dezembro de 2021 os presentes autos de execução; II. Por douto despacho de 13 de julho de 2022 foi admitida a apensação, à presente execução, das execuções 51(…), 52(…) e 529(…) que corriam termos no mesmo Juízo de Execução, nos lugares dos Juízes 1, 3 e 4. III. Decorrido quase um ano desde a apensação dos processos, decidiu o Tribunal a quo rejeitar a presente execução bem como as execuções que a esta se encontram apensadas. IV. Entende o Tribunal a quo estarmos diante de uma situação de erro na forma do processo que origina uma exceção dilatória inominada, traduzida no uso indevido do processo de injunção. V. Motivo pelo o Tribunal a quo decidiu, ainda, condenar o Recorrente como litigante de má-fé, no pagamento de uma multa que fixou em 20UC. VI. Ora, com o devido respeito, que é muito, não podia o Tribunal a quo ter decidiu como decidiu. VII. Porquanto, nunca teve o Recorrente intenção de "defraudar a lei", ou não ter mencionado a existência de um contrato de parceria nos requerimentos de injunção, o qual deu origem a vários mútuos. VIII. Existe de facto mais de um mútuo decorrente de um contrato de parceria. IX. Na verdade, foram celebrados quatro contratos de mútuo em diferentes datas e valores, todos inferiores a € 15.000, respeitando assim o Decreto-Lei 269/98. X. Além disso, pretensão do Recorrente não é infundada, nem tão pouco foi posta em causa pelo Recorrido, o qual nunca contestou a existência das dívidas, confirmando-as até. XI. Ademais, decidindo pela condenação do Recorrente como litigante de má fé, fez o Mmo Juiz a quo errada interpretação e aplicação da norma constante do artigo 542º do CPC, XII. Diga-se desde já que o Recorrente não praticou qualquer conduta merecedora de censura processual. XIII. Como se disse, se fosse intenção do Recorrente “defraudar a lei” não teria feito constar nos requerimentos de injunção a existência do contrato de parceria. XIV. Tal como também não obstou à existência de um processo justo e leal, tanto assim é que não se opôs à apensação das execuções em causa. XV. Note-se que não se tratou nos presentes autos da dedução de uma pretensão infundada, sustentada em factos não verdadeiros e/ou a omissão de factos relevantes. As dívidas existem e isso é facto está assente nos autos! XVI. O Recorrente limitou-se a defender a sua perspetiva convicta da interpretação dos factos, não tendo agido com dolo. XVII. Para além disso, a lei não especifica nem restringe a sua aplicação a um específico tipo de contratos, nem faz quaisquer exigências quanto à forma de fixação, por acordo ou unilateralmente, das obrigações pecuniárias! XVIII. No entanto, mesmo que a posição do Recorrente não tivesse o convencimento do Tribunal a quo, tal não pode justificar uma condenação em litigância de má-fé. XIX. Aliás, a jurisprudência não tem sancionado o uso (indevido) do procedimento de injunção, num caso em que não se mostrem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização – neste sentido vide o Ac. RL., de 05.02.2019, relatado por José Capacete, proc. 70173/17.5YIPRT.L1-7 – decisão mencionada na própria decisão recorrida! XX. De facto, não deve confundir-se litigância de má-fé com a discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos! XXI. E, portanto, não se podem ter por preenchidas as als. c) e d) do nº 2, do art.º 542º, do CPC. XXII. Quem litigou de má-fé porque foi quem alterou a verdade dos factos foi o Executado que alegou nos autos não ter tido conhecimento das injunções contra si propostas, para com isso argumentar dificuldades na apresentação da sua defesa! XXIII. Assim, pelo exposto, conclui-se que a sentença recorrida violou o disposto no artigo 542º do Código de Processo Civil. XXIV. Devendo por isso a decisão quanto á condenação como litigante de má-fé ser revogada por manifesta falta dos requisitos legais para se encontrar preenchida tal figura jurídica. SEM PRESCINDIR, XXV. Mesmo a considerar-se ter o ora Recorrente litigado de má fé – o que não se concede –, por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que os quantitativos fixados para multa são manifestamente excessivos. XXVI. A sentença recorrida, para além de não fundamentar o quantum da multa, não ponderou a situação económica débil do Recorrente. E é débil porque por força das quantias mutuadas ao Executado, aquele deixou de conseguir fazer face às suas despesas – facto este que em momento algum foi desmentido pelo Executado!! XXVII. Sendo certo até que o Executado nem sequer tentou discutir nos autos, como deveria, se a dívida estava ou não paga e em que medida, porque estava ciente da razão do Recorrente e que a pretensão deste não é, nem nunca foi infundada. XXVIII. Note-se que desde então o Recorrente já esteve várias vezes em risco de perder a habitação e o seu nome já constou na lista de devedores, do Banco de Portugal. XXIX. O Recorrente, por força das quantias entregues ao Executado, ficou sem poupanças, limitando-se, agora, a viver mês após mês, com o pouco que lhe resta após cumprimento das suas obrigações! XXX. Sendo certo ainda que o Recorrente teve que enfrentar uma decisão judicial que obstou à cobrança de uma dívida, reconhecida pelo Executado! XXXI. E assim sendo considerado que na presente situação está em causa uma pessoa a quem são conhecidas dificuldades financeiras, a multa de 20 UC com que a sentença sancionou a conduta do Recorrente é desajustada, por excessiva. XXXII. Caso se decida pela manutenção da condenação em litigância de má-fé, impõe-se então a sua redução, devendo o valor da multa ser fixado pelo mínimo legal previsto no nº 1 do artigo 27º do Regulamento das Custas Processuais. Nestes termos, E nos melhores de Direito e sempre com o Mui Douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser a decisão recorrida revogada e substituída por outra que declare legítima a utilização do procedimento de injunção e absolva o Recorrente da condenação como litigante de má fé que nunca teve e/ou usou nos presentes autos, Ou, quando assim não se entenda e sem prescindir, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que altere, em conformidade, o montante em que o Recorrente foi condenado, devendo o valor da multa ser fixado pelo mínimo legal previsto no nº 1 do artigo 27º do Regulamento das Custas Processuais (…)”.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi corretamente admitido, com o efeito e modo de subida adequados.
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Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
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II. Questões a Decidir:
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.ºs 1 e 2 do CPC –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:
- Se se verifica ou não a exceção dilatória inominada do uso indevido da injunção;
- Se se verifica ou não litigância de má fé por parte do Exequente.
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III. Fundamentação de Facto:
Os factos a considerar são os que constam do antecedente relatório.
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IV. Mérito do Recurso:
- Se se verifica ou não a exceção dilatória inominada do uso indevido da injunção.
Defende o Exequente/Recorrente que não se verifica a identificada exceção inominada de uso indevido da injunção, porquanto o contrato de parceria deu origem a quatro contratos de mútuo celebrados em diferentes datas e com diferentes valores, todos inferiores a 15.000,00 €, respeitando assim o DL n.º 269/98 de 01.09.
Analisemos.
O DL n.º 269/98 de 01/09, de acordo com o seu art.º 1º, veio aprovar “o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15.000, publicado em anexo, que faz parte integrante do presente diploma”.
Por sua vez, nos termos do art.º 7º do referido anexo “Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro”.
Decorre deste último normativo que o procedimento de injunção é aplicável:
- A requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000,00 €;
- A obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo DL n.º 32/2003, de 17/02.
O citado DL n.º 32/2003, de 17/02, alargou a aplicação da providência de injunção aos pagamentos emergentes de transações comerciais, independentemente do valor da dívida, sendo que esse diploma foi parcialmente revogado pelo DL n.º 62/2013, de 10/05 (a revogação não abrangeu os artigos 6º e 8º).
De acordo com o art.º 10º, n.º 1, do DL n.º 62/2013, de 10/05, “O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida”.
Conforme decorre deste último normativo, ainda que o montante do crédito seja superior ao limite de 15.000,00 € estabelecido pelo art.º 7º do DL 269/98, de 01/09, pode o credor optar pela cobrança desse crédito através do procedimento de injunção, desde que tal crédito seja relativo a pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais, por estas se entendendo, de acordo com os art.ºs 2º, n.º 1 e 3º, b), do DL n.º 62/2013, de 10/05, “uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração”.
Por empresa, nos termos do art.º 3º, d), do mesmo diploma, entende-se “uma entidade que, não sendo uma entidade pública, desenvolva uma atividade económica ou profissional autónoma, incluindo pessoas singulares”.
Por seu lado, o art.º 2º, n.º 2 do mesmo diploma exclui do seu âmbito de aplicação:
“a) Os contratos celebrados com consumidores; b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efetuados para remunerar transações comerciais; c) Os pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efetuados por companhias de seguros”.
Resumindo, nos termos do DL n.º 62/2013, de 10/05, é conferido ao credor numa transacção comercial que não envolva consumidores a faculdade de recorrer ao procedimento de injunção independentemente do valor do crédito.
Feito este enquadramento, vejamos o que sucede no caso dos autos.
Conforme se referiu no antecedente relatório, na origem da presente execução, a qual deu entrada em juízo no dia 21.12.2021, está um requerimento de injunção, ao qual foi aposta fórmula executória pelo Secretário de Justiça do Balcão Nacional de Injunções em 26.11.2021, do qual consta:
- No espaço destinado à indicação do “Capital”, o valor de “€ 7.500,00”;
- No espaço destinado à identificação do “Contrato”, que se trata de “Mútuo”;
- No espaço destinado à “Exposição dos factos que fundamentam a pretensão”, que “No ano de 2014, o Requerido propôs ao Requerente celebrar com este um contrato que consistia numa parceria para compra e posterior revenda de veículos automóveis, ao que este último acedeu. Foi acordado entre ambos que o Requerente entregava ao Requerido € 50.000,00 (…) para aquisição de três viaturas automóveis e posterior revenda a interessados belgas, que o Requerido conhecia. Como contrapartida do investimento feito pelo Requerente, o Requerido entregar-lhe-ia, decorridas que fossem duas semanas, o montante de € 92.000,00 (…). Com efeito, com vista à aquisição das viaturas e na expetativa do retorno prometido, o Requerente, na execução do contrato entre ambos, entregou ao Requerido, através de transferência bancária, a quantia de €7.500,00 (…), no dia 05.09.2014. Acontece que (…) até ao presente momento nenhum negócio foi celebrado, nem a quantia mutuada restituída, ainda que o Requerido haja sido interpelado para o efeito (…).”
Por despacho de 13.07.2022, proferido na sequência de requerimento do Executado nesse sentido, foi determinada a apensação, à presente execução, das execuções 51(…), 52(…) e 529(…) que corriam termos no mesmo Juízo de Execução de Sintra, nos lugares dos Juízes 1, 3 e 4.
Nessas execuções figuram igualmente como Exequente AA e como Executado BB, e em todas elas foi apresentado como título executivo requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória pelo Secretário de Justiça do Balcão Nacional de Injunções em 26.11.2021.
Nesses requerimentos de injunção os “factos que fundamentam a pretensão” do Requerente são os mesmos que acima se assinalaram, apenas divergindo o respetivo capital:
- No requerimento de injunção dado à execução no processo n.º 51(…), estava em causa o valor de 15.000,00 € que o Requerente referia ter entregue ao Requerido mediante transferência bancária efetuada no dia 31.08.2014;
- No requerimento de injunção dado à execução no processo n.º 52(…), estava em causa o valor de 12.500,00 € que o Requerente referia ter entregue ao Requerido mediante transferência bancária efetuada no dia 02.09.2014; e,
- No requerimento de injunção dado à execução no processo n.º 529(…), estava em causa o valor de 15.000,00 € que o Requerente referia ter entregue ao Requerido mediante transferência bancária efetuada no dia 31.08.2014.
Ora, conforme resulta do exposto, cada uma das quatro execuções tem na sua base um requerimento de injunção ao qual foi aposta força executiva por Secretário de Justiça na data de 26.11.2021.
E em todos esses quatro requerimentos de injunção a causa de pedir, identificada no espaço destinado à “Exposição dos factos que fundamentam a pretensão”, é a mesma. Concretizando, em todos está em causa um contrato celebrado no ano de 2014 “que consistia numa parceria para compra e posterior revenda de veículos automóveis”, no âmbito do qual “Foi acordado entre ambos que o Requerente entregava ao Requerido € 50.000,00 (…) para aquisição de três viaturas automóveis e posterior revenda a interessados belgas, que o Requerido conhecia”, sendo que “Como contrapartida do investimento feito pelo Requerente, o Requerido entregar-lhe-ia, decorridas que fossem duas semanas, o montante de € 92.000,00”.
Foi na execução desse contrato denominado de “parceria” que o Requerente entregou ao Requerido, através de quatro transferências bancárias, as quantias em causa em cada um dos requerimentos de injunção e que, somadas, perfazem o referido valor de 50.000,00 €: a quantia de 7.500,00 € no dia 05.09.2014; a quantia de 15.000,00 € no dia 31.08.2014; a quantia de 12.500,00 € no dia 02.09.2014; e a quantia de 15.000,00 € no dia 31.08.2014.
Tal como se refere na sentença recorrida, “o negócio alegado é só um. A única coisa que distingue as injunções é o valor de cada uma delas, pelo simples facto de os referidos €50.000,00 não terem, aparentemente, sido entregues de uma só vez, mas, antes, fracionadamente, ou seja, através de 4 transferências bancárias que, no total, perfaziam os ditos €50.000,00”.
Na verdade, contrariamente ao que defende o Exequente/Apelante, não estamos perante a celebração de quatro contratos de mútuo. Estamos sim perante um único contrato denominado de “parceria”, no âmbito do qual Requerente e Requerido acordaram que o primeiro entregaria ao segundo a quantia de 50.000,00 € para aquisição de três viaturas automóveis e posterior revenda, mediante a contrapartida de lhe serem devolvidos pelo Requerido os 50.000,00 € acrescidos de 42.000,00 €. Simplesmente, a entrega pelo Requerente ao Requerido da quantia de 50.000,00 € foi fracionada em quatro transferências bancárias.
A obrigação pecuniária cujo cumprimento se pretende obter emerge assim de um único contrato e ascende ao montante de 50.000,00 €.
Tal como o Tribunal a quo, entendemos que o contrato em causa não configura uma transação comercial, tal como definida no art.º 3º, b), do DL 62/2013, de 10/05, pois não estamos perante “uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração”. Desde logo, estamos perante pessoas singulares, nada sendo alegado no sentido de as mesmas desenvolveram uma atividade económica ou profissional autónoma, a que acresce o facto de não estarmos perante qualquer fornecimento de bens ou prestação de serviços.
Assim, nos termos do art.º 7º do anexo ao DL n.º 269/98 de 01/09, o Requerente apenas poderia utilizar o procedimento de injunção caso a obrigação pecuniária emergente do contrato em causa não ultrapassasse o limite de 15.000,00 €.
Como vimos, a obrigação em causa ascende ao valor de 50.000,00 €, excedendo o referido limite, pelo que o Requerente não podia fazer uso do procedimento de injunção.
E a lei não permite ao Requerente o fracionamento da dívida em parcelas que não ultrapassem o referido limite legal de 15.000,00 €, contornando-o, para dessa forma viabilizar o uso de um meio processual que de outra forma lhe estaria vedado, pois tal constitui, a nosso ver, e tal como se considerou na sentença recorrida, um manifesto caso de fraude à lei, a determinar a ilicitude do recurso a esse meio processual. Nesse sentido, veja-se o Acórdão da RL de 05.02.2019, processo n.º 70173/17.5YIPRT.L1-7, disponível em www.dgsi.pt.
Em face de todo o exposto, conclui-se, como na sentença recorrida, que se verifica a exceção dilatória inominada de uso indevido do procedimento de injunção.
Nessa medida, quanto à questão em análise, improcede o recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida.
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- Da litigância de má fé por parte do Exequente.
Defende o Exequente/Apelante que não praticou qualquer conduta merecedora de censura processual.
Vejamos.
De acordo com o disposto no art.º 542, n.º 2, do CPC, “Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.
O Tribunal a quo decidiu condenar o Exequente como litigante de má fé com base na seguinte fundamentação:
“No caso dos autos, como atrás se deixou dito, AA intentou contra BB as seguintes execuções: (…) As referidas execuções foram intentadas com base em quatro requerimentos de injunção aos quais foi aposta força executiva por secretário de justiça em 26.11.2021. Ou seja, aquando da instauração das quatro execuções, o exequente já se mostrava munido dos quatro requerimentos injuntivos que foram dados, cada um deles, a cada uma das execuções supra identificadas, sendo certo que não estava impedido de cumular as execuções nos termos do disposto no artigo 709.º, nº1, do CPC, na medida em que não se verificavam quaisquer dos obstáculos previstos no nº 2. Optou, porém, de forma consciente – note-se que 3 das execuções deram entrada em juízo no mesmo dia (21.12.2021) e uma quarta 9 dias depois (a 30.12.2021) –, por intentar 4 execuções distintas. Não obstante estarmos perante uma situação de opção e não de obrigação, no caso em apreço a questão reveste-se de particular importância, pelas razões que infra se explicitarão. É que em todas as injunções – em cuja exposição de facto radica a causa de pedir de cada uma das execuções, já que o exequente se limitou, no requerimento executivo, a remeter integralmente para “os factos constantes do título executivo” – a causa de pedir é exatamente a mesma, a saber: No ano de 2014, o Requerido propôs ao Requerente celebrar com este um contrato que consistia numa parceria para compra e posterior revenda de veículos automóveis, ao que este último acedeu. Foi acordado entre ambos que o Requerente entregava ao Requerido € 50.000,00 (…) para aquisição de três viaturas automóveis e posterior revenda a interessados belgas, que o Requerido conhecia. Como contrapartida do investimento feito pelo Requerente, o Requerido entregar-lhe-ia, decorridas que fossem duas semanas, o montante de € 92.000,00 (…). Ou seja, o exequente configurou a causa de pedir de todas as injunções como um contrato de parceria nos termos do qual o exequente entregou ao executado €50.000,00 para aquisição de três viaturas automóveis e posterior revenda, mediante a contrapartida de lhe serem devolvidos os €50.000,00 acrescidos de €42.000,00 (constituiriam, estes últimos, a margem de lucro do negócio). Portanto, o negócio alegado é só um. A única coisa que distingue as injunções é o valor de cada uma delas, pelo simples facto de os referidos €50.000,00 não terem, aparentemente, sido entregues de uma só vez, mas, antes, fracionadamente, ou seja, através de 4 transferências bancárias que, no total, perfaziam os ditos €50.000,00, sendo certo que duas das transferências até tiveram lugar no mesmo dia, mais concretamente em 31.08.2014 (cf. injunções constantes dos atuais apensos B e F). Ou seja, independentemente da forma como os €50.000,00 foram entregues (no caso, mediante 4 transferências bancárias; até podiam ser mais), o certo é que o negócio é sempre o mesmo: o dito contrato de parceria. Por outras palavras, a causa de pedir é exatamente a mesma em todas as execuções, contrariamente ao que veio, agora, dizer o exequente, fazendo alusão à “celebração de 4 contratos de mútuo”, sob a alegação de que “estamos perante uma multiplicidade de contratos de mútuo, celebrados sucessivamente ao longo do tempo, o que legitima o recurso ao procedimento de injunção.” Aliás, foi exatamente esta coincidência de partes e de causa de pedir que determinou a apensação de todas as execuções à execução mais antiga (a presente), bem como das oposições que, às mesmas, já haviam sido deduzidas pelo executado. O exequente sabe bem que assim é, sendo completamente destituída de sentido e/ou fundamento de facto e de direito, a conclusão de que estamos perante a celebração de 4 contratos de mútuo ou uma multiplicidade de contratos de mútuo, celebrados sucessivamente ao longo do tempo. O que é certo é que o exequente optou por instaurar 4 execuções com base em 4 títulos executivos baseados exatamente nos mesmos factos, para o que procedeu ao pagamento de 4 taxas de justiça, no montante, cada, de €25,50, num total de €102,00. O executado, por sua vez, para se poder opor às referidas execuções terá, em tese, que suportar 4 taxas de justiça, no montante, cada, de €306,00, no total de €1.224,00. Este facto, atendendo a que o exequente se encontra representado por advogado, não pode deixar de ser do seu conhecimento. Isto para dizer que o exequente, com esta conduta processual, além de ter provocado uma atividade jurisdicional manifestamente desnecessária – vejam-se as vicissitudes dos vários processos que culminaram com a decisão de apensação das 4 execuções e respetivas oposições – contribuiu direta e necessariamente para a diminuição e/ou dificuldades do exercício do direito de defesa do executado, na medida em que o exequente, independentemente dos valores que entendeu estar disposto a pagar para litigar desta forma (note-se que, independentemente de estar munido de 4 injunções, nada obstaria a que o exequente, querendo, tivesse instaurado uma única execução, o que, manifesta e dolosamente, não fez), sempre obrigaria o executado, para se defender, a pagar o total de €1.224,00. A conduta do exequente viola os princípios da celeridade e economia processual e, mais grave, o dever de boa fé processual e o princípio da cooperação, já que a mesma (conduta) não concorre, manifestamente, para obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio (cf. artigo 7.º, nº 1, do CPC). Pelo contrário, só complicou e contribuiu para o atraso do processo, o qual é mais penalizador para o executado, na medida em que, seguindo as execuções a forma sumária de processo, os atos da penhora antecedem o ato de citação. Note-se, a esse propósito, que, só nesta execução, tiveram lugar 3 atos de penhora: - Pensão auferida junto da entidade Centro Nacional de Pensões (cf. auto de 22.06.2022); também penhorado na execução que constitui o apenso B; - Prédio URBANO, com o valor patrimonial tributário de €61.650,88 (cf. auto de 04.03.2022); também penhorado nas execuções que constituem os apensos B e F; - Reembolso do IRS (cf. auto de 15.08.2022). Na execução que constitui o apenso B foi, ainda, penhorado imóvel com o valor patrimonial de € 126.816,41 (cf. auto de 03.03.2022); também penhorado na execução que constitui o apenso D. Neste contexto, para além da necessidade de defesa mediante a dedução de 4 oposições à execução, a propositura de quatro execuções para o mesmo fim, assentes na mesma causa de pedir, é, ainda, suscetível de provocar uma multiplicidade de incidentes, como, por exemplo, oposições à penhora, reclamações de créditos, etc., com todos os custos inerentes, entre os quais os honorários do Sr. agente de execução. Em face do que se deixa exposto, dispondo o artigo 542.º, nº 2, do CPC que atua como litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver praticado omissão grave do dever de cooperação e bem assim tiver feito do processo um uso manifestamente reprovável com o fim de impedir a descoberta da verdade e entorpecer a ação da justiça – como entende, o Tribunal, ser o caso –, não pode, este (Tribunal), deixar de sancionar a conduta do exequente”.
Concordamos integralmente com essa fundamentação (importando referir que procedemos à análise dos processos apensos à presente execução, confirmando-se que foram realizadas as penhoras referenciadas na decisão recorrida), o que nos leva a concluir que a conduta do Exequente/Apelante, no mínimo, gravemente negligente, é subsumível ao disposto no art.º 542º, n.º 2, c) e d), do CPC.
Nesse sentido, confirma-se a decisão do Tribunal a quo de condenar o Exequente/Apelante como litigante de má fé, no pagamento de uma multa.
O Tribunal a quo fixou o valor dessa multa em 20 UC.
Resta-nos então apurar se esse valor, conforme defende o Exequente/Apelante, é excessivo.
De acordo com o artigo 27.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais, “Nos casos de condenação por litigância de má fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC”.
O valor de 20 UC é assim inferior a 25% do valor máximo previsto no citado normativo.
Ora, perante a censurabilidade da conduta do Exequente/Apelante, que situamos num grau médio, entendemos que o referido valor não se mostra desadequado.
Na presente situação, fixar o valor da multa no mínimo legal, conforme pretende o Exequente/Apelante, equivaleria a retirar-lhe o seu valor sancionatório.
Atento o exposto, decide-se pela manutenção do valor da multa fixado pelo Tribunal a quo.
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V. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o coletivo desta 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa abaixo identificados em julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Registe.
Notifique.
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Lisboa, 05/06/2025
Susana Mesquita Gonçalves
João Paulo Raposo
Paulo Fernandes da Silva