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MÚTUO BANCÁRIO
PRESTAÇÕES
PRESCRIÇÃO
EMBARGOS DE EXECUTADO
Sumário
(elaborado nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, CPC): I – Tendo ficado estipulado pelos outorgantes de mútuos bancários, que os empréstimos seriam pagos “em prestações mensais e sucessivas de capital e juros”, conclui-se que os mutuários assumiram prestações periódicas, sendo aplicável, relativamente a cada uma das prestações em dívida, o prazo de prescrição de cinco anos previsto na alínea e) do artigo 310º, CC, dado que ali ficaram acordadas “quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”. II – Idêntico entendimento é aplicável às prestações de mútuo antecipadamente vencidas, ao abrigo do disposto no artigo 781º, CC, dado que, mesmo nessa hipótese, continuam a abranger as quotas de amortização do capital com os juros. III – Tal interpretação, além de se mostrar consentânea com o critério interpretativo da “letra da lei”, é a que melhor se adequa ao propósito legal subjacente à previsão do prazo de prescrição quinquenal de proteção do devedor perante a obrigação de pagamento de montante excessivamente oneroso, evitando que “(…) pela acumulação de prestações periódicas, se produza a ruína do devedor ( …)” – Vaz Serra, “Estudos” – Trabalhos Preparatórios do Código Civil, BMJ 106º-119. IV – Trata-se, aliás, de interpretação judicialmente consolidada no AUJ nº 6/2022 (Diário da República Série I, de 2022-09-22), que mantém pertinência e atualidade, e que tem vindo a ser aplicada de forma uniforme.
Texto Integral
Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa que compõem este coletivo:
I – RELATÓRIO
Da execução:
A exequente “Scalabis, STC SA”, instaurou, em 23-05-2024, no Juízo de Execução de Loures, execução para pagamento de quantia certa, sob a forma ordinária, contra o executado A, alegando, no essencial:
- Por contrato de cessão de créditos, celebrado em 27 de janeiro de 2021, o Banco BPI, S.A. cedeu à Sociedade “Lx Investment Partners, S.A.R.L”, uma carteira de créditos, bem como todas as garantias a eles inerentes, entre os quais os que detinha sobre o executado;
- Em 19 de abril de 2021, a “Lx Investment Partners, S.A.R.L.”, cedeu à ora Exequente “Scalabis-STC, S.A.”, os créditos que detinha sobre o ora executado, bem como de todas as garantias a eles associadas;
- O cedente Banco BPI S.A., no exercício da sua atividade bancária, havia celebrado, no dia 20-09-2007, com A e B (entretanto já exonerada por meio de processo de insolvência), na qualidade de mutuários, dois contratos de mútuo com hipoteca e fiança pelos valores de € 150.000,00 e de € 65.000,00;
- As obrigações emergentes de tal contrato ficaram garantidas por hipotecas sobre o prédio urbano, composto de moradia unifamiliar de cave para garagem, rés-do-chão e primeiro andar para habitação e logradouro, sito na Terra de Barroca, Casal da Barroca ou Barroquinha, Quinta da Cevadeira, Lote 15, freguesia de Castanheira do Ribatejo, concelho de Vila Franca de Xira, inscrito na matriz sob o artigo provisório …, descrito na 1ª Conservatório da Registo Predial de Vila Franca de Xira, sob o n.º …;
- Os mutuários utilizaram integralmente as quantias mutuadas, mas incumpriram os contratos de mútuo, o que deu origem à instauração pelo Banco BPI S.A. da ação executiva que correu termos sob o n.º 6548/12.7TBVFX, reclamando um total de € 217.131,56;
- O imóvel hipotecado veio a ser vendido na execução, tendo o Banco BPI recebido o valor de € 150.000,00, ficando, ainda, em dívida o valor de € 127.080,79 à data da referida liquidação (18-07-2018);
- O referido processo executivo terminou por deserção da instância;
- Na data da instauração da execução, encontrava-se em dívida a quantia global de € 156.619,24, contabilizando-se o capital em € 127.080,79 e os juros, à taxa legal de 4%, em € 29.538,45, sendo devidos juros vincendos à referida taxa;
- No âmbito do processo de insolvência da mutuária B, que correu termos sob o n.º 3631/18.9T8VFX, não houve recuperação de quaisquer quantias.
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Com o requerimento executivo, a exequente juntou cópia dos contratos de cessão de créditos ali referidos, bem como do requerimento da execução anteriormente instaurada (nº 6548/12.7TBVFX), e da sua extinção por deserção (cfr. artigo 281º, nº 5, CPC).
* Dos embargos de executado
Citado o executado 04-06-2024, deduziu embargos de executado, em 24-06-2024, alegando, no essencial:
- A execução deve ser suspensa, ao abrigo do disposto no artigo 733º, nº 1, alínea c), CPC, por a obrigação exequenda ser inexigível, encontrando-se prescrita desde 15-12-2017;
- O crédito exequendo está prescrito, por aplicação do prazo de prescrição previsto na alínea c) do artigo 310º, CC dado reportar-se a mútuo bancário que foi objeto de ação executiva (processo nº 6548/12.7TBVFX), instaurada pelo credor primitivo em 10-12-2012, devendo considerar-se que a prescrição se interrompeu cinco dias volvidos desde essa data (cfr. artigo 323º, nº 2, CC). Como se verificou a deserção daquela instância executiva (declarada em 03-05-2021), o decurso de novo prazo prescricional reiniciou-se logo após o ato interruptivo (citação), nos termos do disposto no artigo 327º, nº 2, CC, ocorrendo o seu termo em 15-12-2017;
- O título executivo indicado reporta-se a escritura pública com hipoteca. Porém, dado que o imóvel que constitui tal garantia foi vendido em 2018, não existe a constituição ou reconhecimento da obrigação e, consequentemente, não existe título executivo;
- Acresce que a própria prescrição do crédito exequendo gera a inexistência/inexequibilidade do título executivo.
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Foram liminarmente admitidos os embargos, por despacho de 08-04-2024, que a embargada contestou, alegando, com relevo para a presente decisão, não ter ocorrido a prescrição da dívida exequenda, tendo por base os seguintes fundamentos:
- A dívida decorre de mútuo bancário, no âmbito do qual foi transferida, de uma só vez, para a esfera do mutuário a quantia mutuada, tendo sido convencionada a sua restituição parcelada;
- Porém, não tendo o executado cumprido a obrigação de restituição, foi resolvido o contrato e instaurada ação executiva em 2012, impondo-se a consideração do prazo geral de prescrição de 20 anos previsto no artigo 309º, CC;
Concluiu a exequente/embargada que a obrigação não está prescrita, deduzindo ainda oposição expressa à suspensão da execução.
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Indeferida a suspensão da execução por não ter sido prestada caução, e dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador em 15-01-2025, que julgou procedente a exceção de prescrição, transcrevendo-se o seu conteúdo, na parte relevante para a apreciação da presente apelação:
“Consigna-se que se procedeu à consulta do processo 6548/12.7TBVFX, no J1 do Juízo de Execução de Loures. Deverá ser junto a estes autos cópia do comprovativo de citação do aqui embargante efetuada no mencionado processo 6548/12.7TBVFX, no J1 do Juízo de Execução de Loures. Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 732º n.º 2 do Código de Processo Civil, os presentes autos seguem os termos do processo comum declarativo. Despacho proferido nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 597º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 732º n.º 2 do mesmo Código Da audiência prévia Após análise dos articulados, por não se entender necessária no caso em apreço, e com a anuência das partes previamente recolhida, dispenso a realização da audiência prévia – artigos 597º alínea b) e 593º do Código de Processo Civil. (…) Contém os autos, sem necessidade de produção de outra prova, elementos para se conhecer do mérito, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 595º do Código de Processo Civil. As partes foram previamente ouvidas, não tendo deduzido oposição. SENTENÇA I. Relatório (…) Questão a decidir: I. Prescrição do crédito II. Fundamentação de facto e de direito Factos provados: A. A execução de que os presentes autos constituem apenso foi instaurada em 08/05/2024, para pagamento da quantia de € 156.619,24, sendo € 127.080,79 referentes a capital e € 29.538,45 referentes a juros de 18/07/2018 até 08/05/2024 à taxa legal de 4%. B. Por contrato de cessão de créditos, em 27/01/2021 o “Banco BPI, S.A.” cedeu à “LX Investment Partners III, S.A.R.L.”, uma carteira de créditos, bem como todas as garantias a eles inerentes. C. Por contrato de cessão de créditos celebrado a 19/04/2021, “LX Investment Partners III, S.A.R.L.” cedeu à exequente “Scalabis – STC, S.A.”, os créditos que detinha sobre o ora executado, cessão da qual resultou a transmissão de créditos para a mesma, bem como de todas as garantias a eles associadas. D. O Banco Cedente (Banco BPI S.A.), no exercício da sua atividade bancária celebrou no dia 20/09/2007 com A e B (entretanto já exonerada por meio de processo de insolvência), na qualidade de mutuários, dois contratos de mútuo com hipoteca pelo valor contratualizado de € 150.000,00 e € 65.000,00. E. As obrigações emergentes do contrato acima encontravam-se garantidas por hipotecas sobre o seguinte imóvel: prédio urbano, composto de moradia unifamiliar de cave para garagem, rés-do-chão e primeiro andar para habitação e logradouro, sito na ..., ..., Quinta da Cevadeira, Lote 15, freguesia de Castanheira do Ribatejo, concelho de Vila Franca de Xira, inscrito na matriz sob o artigo provisório …, descrito na 1ª Conservatório da Registo Predial de Vila Franca de Xira, sob o n.º …. F. Os referidos contratos de empréstimo foram integralmente utilizados. G. O Banco Cedente, Banco BPI S.A., intentou, em 10/12/2012, ação executiva que correu termos sob o n.º 6548/12.7TBVFX, no J1 do Juízo de Execução de Loures, para pagamento da quantia de € 217.131,56. H. No requerimento executivo da ação referida em G é alegado que: “Os executados deixaram de cumprir as obrigações pecuniárias decorrentes da escritura pública de permuta, mútuo com hipoteca (…) desde 03/02/2012, e da escritura pública de abertura de crédito com hipoteca desde 03/02/2012”. I. O embargante foi citado para a execução referida em G em 18/01/2013. J. O imóvel hipotecado em garantia foi vendido na execução tendo o Banco BPI recebido o valor de € 150.000,00, ficando, ainda, em dívida o valor de € 127.080,79 à data da referida liquidação datada de 18/07/2018. K. No âmbito do processo de execução referido em G nada mais foi recuperado, tendo o mesmo sido extinto por deserção em 03/05/2021. L. No âmbito do processo de insolvência da CA..., que correu termos sob o n.º 3631/18.9T8VFX, não houve recuperação de quaisquer quantias. M. Nos termos da cláusula 2ª do Documento Complementar anexo à escritura pública de permuta, mútuo com hipoteca, “o empréstimo será pago em (444) prestações mensais e sucessivas de capital e juros”. N. Nos termos da cláusula 3ª do Documento Complementar anexo à escritura pública de abertura de crédito com hipoteca, “o empréstimo será pago em prestações mensais e sucessivas de capital e juros”. Factos não provados: Não existem. Fundamentação de facto Os factos provados estão documentados, não tendo sido impugnados – vide documentos juntos com requerimento executivo. O facto dado como provado na alínea I decorre da consulta ao processo 6548/12.7TBVFX, deste Juízo de Execução de Loures (…) Do Direito Prescrição Argui o embargante a exceção de prescrição do crédito exequendo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 310º alínea e) do Código Civil, única questão suscitada. A prescrição é uma exceção perentória que, enquanto facto modificativo do efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, importa a absolvição total ou parcial do pedido – artigo 576º nº 3 do Código de Processo Civil. Nos termos do disposto no artigo 310º do Código Civil, prescrevem no prazo de cinco anos: a) As anuidades de rendas perpétuas ou vitalícias; b) As rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez; c) Os foros; d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades; e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros; f) As pensões alimentícias vencidas; g) Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis. No artigo 310º acautelam-se direitos que têm por objeto prestações periódicas, sendo o prazo de prescrição de cinco anos para cada uma das prestações que se vai vencendo, e não para a obrigação no seu todo. Como se explica no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10/10/2019 [processo 124549/17.0YIPRT.E1, in www.dgsi.pt] «(…) a razão essencial das prescrições de curto prazo sem natureza presuntiva, como é o caso das prestações periódicas renováveis (art.º 310º do Cód. Civil), prende-se com a proteção do devedor contra a acumulação da sua dívida que, de dívida de anuidades, pagas com os seus rendimentos, se transformaria em dívida de capital suscetível de o arruinar, se o pagamento pudesse ser-lhe exigido de um golpe ao cabo de um número demasiado de anos; a lei funda-se no intuito de evitar que o credor deixe acumular os seus créditos (retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis) a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar. Ora, foi com este intuito em mente que o legislador incluiu no prazo quinquenal de prescrição, não só os juros destas prestações, mas igualmente as quotas de amortização do capital pagáveis com estes juros, visando evitar precisamente que, por via da inércia do credor, o devedor visse agravada a sua posição». É irrelevante que o não pagamento de uma prestação vencida acarrete o vencimento das prestações posteriores (vincendas), não lhe sendo aplicável o prazo ordinário de prescrição (artigo 309º do Código Civil). Decorre dos títulos executivos, a obrigação de reembolso das quantias mutuadas em prestações mensais e sucessivas, de capital e juros ((alíneas L e M dos factos provados). Entendemos, tal como o embargante, ser de enquadrar a situação dos autos na situação prevista na alínea e) do artigo 310º do Código Civil (Neste sentido, ver, por exemplo, Acórdão do STJ de 03/27/2014 [processo 189/12.6TBHRT-A.L1, in www.dgsi.pt], Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 03/08/2018 [processo 1168/16.0T8GMR-A.G1, in www.dgsi.pt], Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10/10/2019 [processo 124549/17.0YIPRT.E1, in www.dgsi.pt]). O Supremo Tribunal de Justiça fixou, sobre a temática em análise, a seguinte Uniformização de Jurisprudência (Acórdão 6/2022, de 22 de setembro): "I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação." "II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas." Os contratos datam de 2007, com reembolso acordado em 444 prestações (37 anos). Não alegou a exequente a data de vencimento dos contratos. Sabe-se, porém, que a primeira execução foi instaurada em 10/12/2012 e que nessa execução era peticionada a totalidade das prestações (Alínea G dos factos provados). Ficciona-se, assim, a data de instauração da execução como data de vencimento das prestações. O artigo 323º do Código Civil preceitua, sobre a interrupção da prescrição: 1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente. 2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias. 3. A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores. 4. É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do ato àquele contra quem o direito pode ser exercido. Sobre a duração da interrupção, diz o artigo 327º do Código Civil que: • Se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo. • Quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o ato interruptivo. • Se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses Decorridos 5 dias sobre a data de instauração da primeira execução (10/12/2012) operou a interrupção do prazo de prescrição. Uma vez que a primeira execução foi extinta com fundamento na deserção, o novo prazo prescricional começou a correr logo após o ato interruptivo, ou seja, a partir da data da citação na primeira execução (18/01/2013). Tendo o prazo de prescrição reiniciado a contagem em 18/01/2013, e sendo de 5 anos o prazo a considerar para a totalidade das prestações, a prescrição ocorreu em 13/01/2018. Conclui-se, por isso, pela procedência dos embargos, declarando-se a dívida prescrita. III. Dispositivo Pelo exposto, atentas as disposições legais citadas e as considerações expendidas, julgo procedentes os presentes embargos e, consequentemente: A. Determino a extinção da execução. Custas pela embargada (…)”
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Não se conformando com tal despacho, a exequente/embargada do mesmo interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“A. O presente recurso de apelação tem por objeto a sentença proferida pelo Juízo de Execução de Loures - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte (doravante Tribunal a quo), que julgou procedentes os embargos, reconhecendo a prescrição do crédito exequendo e, em consequência, julgou extinta a execução. B. O douto Tribunal a quo considerou ser de enquadrar a situação dos autos na situação prevista na alínea e) do artigo 310º do Código Civil. E, uma vez que a primeira execução foi extinta com fundamento na deserção, o novo prazo prescricional começou a correr logo após o ato interruptivo, ou seja, a partir da data da citação na primeira execução. C. Salvo o devido respeito, que é muito, por opinião contrária, a decisão judicial recorrida merece total reparo na medida em que, a mesma, não foi proferida conforme aos ditames da lei e do direito, pois entende a Recorrente que não terá sido apreciada nos termos que eram exigidos no que tange à aplicação do direito. D. O Banco Cedente (Banco BPI S.A.), no exercício da sua atividade bancária celebrou no dia 20.09.2007 com A, ora Recorrido, e B (entretanto já exonerada por meio de processo de insolvência pelo que não foi executada), na qualidade de mutuários dois contratos de mútuo com hipoteca e fiança pelo valor contratualizado de 150.000,00 euros e 65.000,00 euros. E. As obrigações emergentes do contrato acima encontravam-se garantidas por hipotecas sobre o prédio urbano, composto de moradia unifamiliar de cave para garagem, na freguesia de Castanheira do Ribatejo, concelho de Vila Franca de Xira. F. Os contratos de mútuo não foram cumpridos, pelo que, o Banco BPI S.A., intentou em 10/12/2012, a ação executiva que correu termos sob o n.º 6548/12.7TBVFX, no âmbito do qual foi peticionada quantia total de 217.131,56 euros. G. O imóvel hipotecado em garantia veio a ser vendido na execução tendo o Banco BPI recebido o valor de € 150.000,00, ficando, ainda, em dívida o valor de € 127.080,79 à data da referida liquidação datada de 18-07-2018. H. No âmbito do processo nº 6548/12.7TBVFX nada mais foi recuperado, tendo o mesmo sido extinto por deserção em 03/05/2021. I. A ação executiva referente aos autos principais foi instaurada a 22/05/2024. J. Com o vencimento da totalidade das prestações, após a resolução do contrato, o plano de amortização contratualmente convencionado foi dado sem efeito, deixando, em consequência, de ser exigíveis as quotas de amortização de capital e juros. K. Pelo que, entende a Recorrente que não serão exigíveis as diversas prestações periódicas acordadas para a liquidação do financiamento, mas sim a totalidade do montante ainda em dívida. L. Neste seguimento, estamos perante uma obrigação única, que resulta da celebração do contrato de crédito, passível de ser fracionada no tempo, mas não poderá ser equiparada a uma prestação periódica e renovável dependente do decurso do tempo. M. Dada a natureza do contrato de crédito celebrado, como uma obrigação pecuniária única cujo pagamento é diferido no tempo, não deve, nem poderá ser equiparado a um plano de amortização de capitais e juros – prestações duradouras. N. Atendendo à necessária distinção entre obrigações únicas com pagamentos fracionados e prestações periódicas, é certo que a obrigação em apreço se situa nas primeiras: obrigação única com pagamentos fracionados, razão pela qual não poderá ser aplicável o prazo de prescrição de 5 anos, previsto no artigo 310.º, alínea e) do Código Civil. O. Salvo o devido respeito, que é muito, estamos perante uma situação que exige a aplicação prazo de prescrição de 20 anos, aplicável nos termos do disposto no artigo 309.º do Código Civil. P. Assim mesmo determina a Doutrina (vide “Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, volume III, página 47, 1.º, 2.º e 3.º parágrafos do ponto IV”): “Na verdade, na situação prevista no artigo 310.º, alínea e) não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição de vinte anos.” Q. Pelo que não é, nem pode ser subsumível a presente situação à previsão contida na alínea e) do artigo 310º do Código Civil, uma vez que estamos na presença de uma única obrigação (um contrato de empréstimo) que, embora passível de ser fracionada e diferida no tempo, jamais pode ser equiparada a uma prestação periódica, renovável e cuja constituição depende do decurso do tempo, sendo que, os mútuos bancários, independentemente das várias formas que possam assumir, nunca prescrevem antes de decorridos, pelo menos, 20 anos. R. Os contratos foram celebrados em 2007, com reembolso acordado em 444 prestações (37 anos). S. De acordo com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça por força do acórdão n.º 6/2022, de 22 de setembro: «I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo a quo na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.» T. Resolvido o contrato extrajudicialmente, como o foi, com base no incumprimento definitivo de um contrato de empréstimo em que as partes haviam acordado num plano de pagamento em prestações mensais e sucessivas, que englobava o pagamento de parte do capital e dos juros, e reclamando a Recorrente o montante total da dívida, não tem aplicação o disposto no artigo 310.º, alínea e) do Código Civil. U. Nada resulta do disposto no artigo 310.º do Código Civil que permita a interpretação que aquele prazo de prescrição tem aplicabilidade nos mútuos bancários à totalidade do capital em dívida à data do incumprimento. V. O vencimento imediato das prestações restantes significa, por si só, que o plano de pagamento faseado anteriormente acordado deixa de estar em vigor, ocorrendo uma perda do benefício do prazo de pagamento contido em cada uma das prestações, pelo que, fica sem efeito o plano de amortização da dívida inicialmente acordado e os valores em dívida voltam a assumir a sua natureza original de capital e de juros. W. Desfeita a união anteriormente contida em cada uma das prestações entre uma parcela de capital e outra a título de juros, nenhuma razão subsiste para sujeitar a dívida de capital e dívida de juros ao mesmo prazo prescricional. X. Aquando a instauração da ação executiva, a Recorrente peticionou pela condenação do Embargante no pagamento do capital acrescido de juros moratórios em face do seu vencimento exigiu a totalidade da dívida e não o pagamento de prestações avulsas, pois embora tenha existido um plano de pagamento este não influencia o conteúdo global e unitário desta obrigação. Y. A este propósito vejamos o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16/03/2017, Relator Jorge Teixeira, proferido no processo nº 589/15.0T8VNF-A.G1, que refere que: “I- No mútuo bancário, em que o reembolso da dívida foi objeto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que integram uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios, que se traduzem na existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos, cada uma destas prestações mensais encontrar-se-á sujeita ao prazo prescricional privativo de cinco anos, previsto na al. g), do artigo 310º, do CC. II- Mas se em caso de incumprimento, o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, os valores em divida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de “juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos.” Z. E o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/06/2018, Relator Jorge Arcanjo, proferido no processo nº 17012/17.8YIPRT.C1, que refere que: “Resolvido extrajudicialmente com base no incumprimento definitivo um contrato de mútuo em que as partes haviam acordado num plano de pagamento em prestações mensais e sucessivas, que englobava o pagamento de parte do capital e dos juros, e reclamando a credora o montante da dívida, não tem aplicação o disposto no art.º 310º, e) do Código Civil – prescrição de cinco anos – porque o crédito reclamado já não se configura como “quotas de amortização”, mas antes como dívida (global) proveniente da “relação de liquidação.” AA. É, pois, esta a interpretação que decorre do enunciado normativo, a qual não se pode, nem deve deslocar dos critérios de correspondência verbal impostos pelo artigo 9.º do Código Civil. BB. Semelhante entendimento é sufragado na doutrina ensinada pelo Dr. António Menezes Cordeiro que dita que “(…) a prescrição quinquenal apenas se irá aplicando escalonadamente, na medida do plano de pagamento inicial, pois é este o combinado e que as partes têm como referência; (…) podemos acrescentar que na eventualidade do vencimento antecipado, já não se trata de quotas de amortização. (…) “(Tratado de Direito Civil, V, págs. 175 e 176). CC. Não estando perante quotas de amortização e por uma pluralidade de prestações, mas antes sim na presença de obrigações unitárias que aquando do seu incumprimento recuperam a sua globalidade, a decisão a ser proferida por este colendo Tribunal e que melhor satisfará os ditames da justiça, apenas será a de revogar a decisão recorrida. DD. Considerando que ao caso em apreço se aplica o prazo prescricional de 20 anos e que, por conseguinte, à data da instauração da ação executiva ainda não havia decorrido o prazo de prescrição ordinário para o cumprimento da obrigação exequenda. EE. A interpretação do artigo 310.º, al. e) do Código Civil, de que se aplicará a regra prescricional excecional de cinco anos aos contratos de financiamento liquidáveis em prestações mensais e sucessivas, de capital e juros, quando o vencimento antecipado das obrigações ocorre por incumprimento contratual dos mutuários e que essa prescrição abrange a totalidade da dívida, viola os princípios constitucionais da segurança jurídica, proporcionalidade e, ainda o princípio da tutela jurisdicional efetiva. FF. Não se vislumbra qualquer alteração legislativa e/ou da realidade existente que permitisse ou permita à ora Recorrente entender que a sua possibilidade de recuperação de créditos seria mitigada por um prazo de cinco anos. GG. Neste seguimento, entende a Recorrente que está em causa a violação de expectativas legítimas criadas em função de uma alteração de entendimento doutrinal e jurisprudencial quanto à aplicação das normas referentes à prescrição das dívidas. HH. Criar um mecanismo de ilibar os devedores de honrar os seus compromissos é nada mais, nada menos, de que frustrar os princípios basilares que regem a celebração dos contratos: pacta sunt servanda. II. A Recorrente não pode conceber que sejam prioritários os interesses de incumprimento reiterado de créditos que, em última instância, podem colocar em causa o sistema financeiro, face a interesses de cumprimento rigoroso e coercivo das obrigações contratualmente assumidas. JJ. Acresce que a referida interpretação normativa tende a impedir o acesso aos Tribunais para cobrança de créditos, decorridos mais de cinco anos, desde que a dívida seja liquidável em prestações, aquando da sua constituição, violando, assim, o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. KK. Esta limitação da possibilidade de cobrança judicial dos créditos, imposta por tal interpretação normativa, fundamenta-se num manifesto erro interpretativo que tem por base uma proteção desnecessária e desmesurada dos Devedores, tendo em consideração os mecanismos existentes na nossa Ordem Jurídica para prevenir situações de insolvência. LL. No entendimento da Recorrente, o douto Tribunal a quo não pode distinguir onde a lei não distingue, sob pena de se limitar injustificadamente o acesso aos tribunais. MM. Nesta sequência, deverá ser considerada, concretamente, inconstitucional a interpretação segundo a qual aos contratos liquidáveis em prestações, de capital e juros, se aplica o prazo excecional de cinco anos. NN. Atendendo aos motivos supra explanados, é forçoso concluir pelo manifesto erro de apreciação do Direito na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo. Nestes termos e nos demais de direito, que vossas excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso ser recebido, admitido por provado e em consequência revogada a sentença que ora se recorre, determinando-se o prosseguimento da execução”. *
O embargado/exequente apresentou contra-alegações, cujas conclusões se transcrevem: “A) O recurso vem interposto pela Recorrente SCALABIS - STC, S.A, posto que não se conforma com a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo em 16 de Janeiro de 2025, que julgou os embargos de executado procedentes, declarando a alegada dívida do Recorrido prescrita e que, em consequência, determinou a extinção da execução quanto ao aqui Recorrido, A. B) Vem a Recorrente pugnar pela revogação da douta Sentença recorrida por entender que esta não foi apreciada nem proferida nos termos que eram exigidos, nomeadamente quanto à aplicação da lei e do direito e, em consequência, pela suasubstituição por Acórdão que julgue a improcedência dos Embargos em questão e determine o prosseguimento da execução relativamente ao Embargante, aqui Recorrido, alegando que “estamos perante a presença de uma única obrigação” , logo prazo de prescrição aplicável é de vinte anos. C) Contrariamente ao alegado pela Recorrente, a douta Sentença recorrida não carece de qualquer censura ou reparo, posto que faz a correta interpretação legislativa e aplicação do direito ao caso sub judice. D) Em função dos factos provados D) e E) constantes da douta sentença, foi convencionado pelas Partes que os empréstimos seriam pagos em prestações mensais e sucessivas de capital e juros, sendo que os mutuários deixaram de proceder ao pagamento das prestações a partir do 3 de fevereiro de 2012. E) Nos presentes autos não estamos perante um montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado em frações, mas sim perante créditos emergentes de contratos mútuos bancários em que é convencionada a amortização da dívida em prestações periódicas de capital com os respetivos juros. F) Não estamos perante uma única obrigação, pelo que o vencimento antecipado da totalidade das prestações não altera a natureza da dívida nem interfere com o referido prazo prescricional. G) Logo, a natureza da obrigação não se altera perante o vencimento imediato, com perda do beneficio do prazo, ou seja, o regime de prescrição estabelecido na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, mantendo a aplicação atenta da circunstância do direito de crédito se encontrar vencido - na totalidade - em consequência do incumprimento contratual. H) Em 10 de Dezembro de 2012, o Banco instaurou, contra o Executado, a execuçãoque correu termos com o processo n.º 6548/12.7TBVFX – que, em 03 de maio de 2021, foi extinto por deserção, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 281.º e alínea f) do n.º 1 do artigo 849.º, ambos do CPC I) Em 08 de Maio de 2024, a aqui Recorrente, Scalabis – Stc S.A., veio instaurar a presente ação executiva contra o aqui Recorrido, pelo valor de € 156.619,24 (cento e cinquenta e seis mil, seiscentos e dezanove euros e vinte e quatro cêntimos), com o mesmo título executivo que serviu de base ao processo n.º 6548/12.7TBVFX, para cobrança dessa mesma dívida. J) No entanto, este crédito encontra-se prescrito - desde o dia 13 de janeiro de 2018 - pelo que a obrigação exequenda é inexigível, conforme entende o douto Tribunal a quo – e bem – conforme proferido na sentença sub judice. K) Nos termos do disposto no artigo 310º do Código Civil, prescrevem no prazo de 5 (cinco) anos: (…) e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros; f) As pensões alimentícias vencidas; g) Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.»(destaque nosso). L) Os mutuários obrigaram-se a efetuar o pagamento do capital mutuado em prestações mensais e sucessivas, constantes de capital e juros - correspondendo a quotas de amortização de capital, pagáveis com juros. M) Esta circunstância leva a que, no caso dos autos, seja subsumível à previsão da alínea e) do artigo 310º do Código Civil, isto é, à prescrição de 5 (cinco) anos – pelo que, estando a obrigação exequenda prescrita, não existe título executivo. N) Neste sentido, o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2022, no âmbito do processo n.º 1736/19.8T8AGD-B. P1.S1, publicado em 22 de Setembro de 2022, em Diário da República n.º 184/2022, Série I de 2022-09-22, páginas 5-15, decidiu pela aplicação do prazo de prescrição de 5 (cinco) anos aos créditos emergentes dos Contratos Mútuos, pagos em prestações mensais e sucessivas para amortização de capital e juros, por forma a evitar a ruína dos devedores. O) Ora, no presente caso, o Banco BPI. S.A. instaurou a ação executiva contra os mutuários, em 10 de dezembro de 2012 – facto provado G). P) A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima - direta ou indiretamente - a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertença e ainda que o tribunal seja incompetente, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil. Q) Assim, o prazo de prescrição interrompeu-se com a citação do ora Executado, aqui Recorrido, em 15 de dezembro de 2012 - 5 (cinco) dias após a data da instauração do processo executivo [em 10 de dezembro de 2012]. R) Sendo que, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 327.º do Código Civil: 2. Quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o ato interruptivo. (destaque nosso). S) No caso dos autos em questão, a execução [processo n.º 6548/12.7TBVFX] foideclarada extinta, por deserta, em 03 de maio de 2021. Tal significa que o novo prazo prescricional começou a correr logo após o ato interruptivo, isto é, T) Tendo o novo prazo prescricional iniciado após o ato interruptivo [citação, em 15 de dezembro de 2012], tal significa que, a prescrição do crédito ora em crise ocorreu em 13 de janeiro de 2018 – facto provado em I) – conforme proferido no despacho sub judice: «Tendo o prazo de prescrição reiniciado a contagem em 18/01/2013, e sendo de 5 anos o prazo a considerar para a totalidade das prestações, a prescrição ocorreu em 13/01/2018.» (destaque nosso). U) Logo, em 08 de maio de 2024 – data da instauração da ação executiva – o crédito exequendo [capital e juros] peticionado pela Exequente, ora Embargada, aqui Recorrente, já se encontrava – e encontra-se – prescrito desde o dia 13 de Janeiro de 2018. V) Nestes termos, deverá o recurso interposto pela Recorrente improceder, e, emconsequência, ser a decisão recorrida confirmada nos exatos termos proferidos pelo Tribunal a quo, posto que não carece de qualquer censura ou reparo, por explícita e fundamentada.”
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Foi admitido o recurso, como apelação, com subida imediata nos próprios autos de embargos e efeito devolutivo.
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Remetidos os autos a este tribunal, inscrito o recurso em tabela, foram colhidos os vistos legais, cumprindo apreciar e decidir.
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II – QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso pelo tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, nos termos do disposto nos artigos 608º, nº 2, parte final, ex vi artigo 663º, nº 2, 635º, nº 4, 636º e 639º, nº 1, CPC.
A questão a decidir identifica-se com a prescrição do crédito invocado pela exequente/embargada.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
Na decisão do presente recurso, serão ponderados os factos assentes na decisão recorrida e os que se extraem da consulta da tramitação processual, que, com relevou para a apreciação da prescrição, se sintetizam nos seguintes termos:
- Entre o BPI SA (mutuante) e os mutuários A e B foram celebrados dois contratos de mútuo, em 20-09-2007, garantidos por hipoteca, pelos valores de € 150.000,00 e € 65.000,00, montantes que foram integralmente utilizados pelos mutuários;
- Em ambos os contratos ficou clausulado que os empréstimos seriam pagos “em prestações mensais e sucessivas de capital e juros”;
- Na sequência do incumprimento de tais contratos, o BPI S.A., intentou, em 10/12/2012, ação executiva que correu termos sob o n.º 6548/12.7TBVFX, no J1 do Juízo de Execução de Loures, para pagamento da quantia de € 217.131,56;
- Naquela execução o embargante foi citado em 18/01/2013;
- O imóvel hipotecado em garantia foi vendido na referida execução tendo o Banco BPI recebido o valor de € 150.000,00, ficando, ainda, em dívida o valor de € 127.080,79;
- No âmbito do referido processo de execução nada mais foi recuperado, tendo o mesmo sido extinto por deserção em 03/05/2021;
- No processo de insolvência de B, que correu termos sob o n.º 3631/18.9T8VFX, não houve recuperação de quaisquer quantias;
- Por contrato de cessão de créditos, em 27/01/2021 o “Banco BPI, S.A.” cedeu à “LX Investment Partners III, S.A.R.L.”, uma carteira de créditos, bem como todas as garantias a eles inerentes, designadamente os que detinha sobre o executado;
- Por contrato de cessão de créditos celebrado a 19/04/2021, “LX Investment Partners III, S.A.R.L.” cedeu à exequente “Scalabis – STC, S.A.”, os créditos que detinha sobre o ora executado;
- A execução de que os presentes autos constituem apenso foi instaurada em 08/05/2024, para pagamento da quantia de € 156.619,24.
Apreciando a questão suscitada, interessa ter presente que a prescrição, consubstanciando uma exceção perentória inominada, desencadeadora da absolvição do réu do pedido (cfr. artigo 576º, nºs 1 e 3, CPC), constitui uma particular forma de extinção dos direitos, mediante o simples decurso de um lapso temporal. Assim, “se o titular de um direito o não exercer durante certo tempo fixado na lei, extingue-se esse direito. Diz-se, nestes casos, que o direito prescreveu (ou caducou)” - Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, pág. 373). A prescrição inscreve-se, assim, na problemática da repercussão do tempo nas relações jurídicas, devendo ser invocada por aquele a quem aproveita – cfr. artigos 296º e ss e 303º, Código Civil – iniciando o seu curso “quando o direito puder ser exercido; se, porém o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição” – cfr. artigo 306º, nº 1, Código Civil.
Decorre do artigo 304º, nº1, do CC, que uma vez completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.
Nos presentes autos a controvérsia radica no prazo de prescrição a ponderar defendendo o embargante a aplicabilidade do prazo de cinco anos consagrado no artigo 310º, CC, alínea e), por estarem em causa “(…) quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”. Já a embargada defende a aplicação do prazo ordinário de prescrição de 20 anos (artigo 309º, CC).
Tal divergência radica no próprio enquadramento jurídico dos contratos de mútuo celebrados em 20-09-2007 que, na perspetiva da embargada, geraram obrigações únicas, passíveis de ser fracionadas no tempo mas que não se equiparam a obrigações periódicas. Já a embargante defende que nos mútuos em causa foi convencionada a amortização das correspetivas dívidas em prestações periódicas de capital, integrando os respetivos juros.
Certo é que os contratos que deram origem à dívida exequenda, sendo de mútuo, concretizaram-se no empréstimo das apuradas quantias em dinheiro, obrigando os mutuários à restituição “do mesmo género e qualidade” – cfr. artigo 1142º, CC. Devem ser caraterizados como mútuos onerosos, dada a apurada convenção de pagamento de juros – cfr. 1145º, CC. Por assumirem uma natureza real quod constitutionem, tais mútuos completaram-se no momento da entrega da “coisa mutuada”, ou seja, do capital.
Por outro lado, atenta a qualidade de instituição de crédito do mutuante, os mútuos em questão devem ser caraterizados como “bancários”. Ora, o mútuo bancário pode apresentar diversas modalidades, designadamente no que se reporta à entrega e ao pagamento do capital (por uma só vez ou em prestações) ou ao modo de pagamento dos juros (desconto no capital, prestações periódicas ou a final) – neste sentido, Fernando Baptista de Oliveira, Contratos Privados, Vol. III, 2014. Pág. 111.
As prestações duradouras, prolongando-se no tempo, podem ser periódicas ou fracionadas – cfr. Rui de Alarcão, Direito das Obrigações, Coimbra 1983, texto elaborado com base nas suas lições pelos Srs. Drs. J. Sousa Ribeiro, J. Sinde Monteiro, Almeno de Sá e J. C. Proença, páginas 47 a 51.
As primeiras formam-se com certa periodicidade, renovando-se, constituindo um bom exemplo as obrigações do locatário. Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-02-2009 (proferido no processo nº 08A3952, disponível em www.dgsi.pt), citando abundante doutrina: “A prestação de obrigação periódica, quer na formação, quer na determinação do respetivo objeto, anda ligada ao fator tempo, de que depende. (cfr., sobre o ponto, VAZ SERRA, BMJ-74º-39; A. VARELA, “Das Obrigações em Geral”, I, 9ª ed., 94 e ss.; MENEZES CORDEIRO, “Direito das Obrigações”, I, 357; GALVÃO TELLES, “Direito das Obrigações”, 4.ª ed., 31”.
As prestações fracionadas caraterizam-se por a sua liquidação ocorrer de forma repartida ao longo do tempo
No caso em análise, interessa ter presente que em ambos os contratos de mútuo, ficou acordado que os empréstimos seriam pagos “em prestações mensais e sucessivas de capital e juros”. Julgamos que tal facto, evidenciando a fixação, a cargo dos mutuários, de prestações periódicas, inscreve o litígio, relativamente a cada uma das prestações em dívida, no prazo de prescrição de cinco anos previsto na alínea e) do artigo 310º, CC, dado que ali ficaram acordadas “quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”.
Tem vindo a salientar-se que o prazo de prescrição de cinco anos consagrado naquela norma, sendo curto, visa evitar que “o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor” – Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, 4ª edição, Vol. I; Manuel de Andrade, Teoria Geral II, 1955, pág. 452.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-03-2024 (proferido no processo nº 189/12.6TBHRT-A.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt):
“se é certo que a disciplina legal estatuída na alínea e) do art.º 310º do C.Civil se não estenderá aos casos em que se verifica “uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo”, o certo é que a realidade circunstancial que envolve o relacionamento contratual estabelecido entre o exequente e os executados se não propaga nesta realidade jurídico-substancial. Convenhamos que das considerações, difundidas por Ana Filipa Morais Antunes, insertas nos “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia; volume III; página 47” se retira lição diferente daquela que o recorrente pretende divulgar. Como nelas se contêm “…na situação prevista no artigo 310º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respetiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fracionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objeto a totalidade do montante em dívida (sublinhado nosso). Prosseguindo nesta análise, completa este estudo que constituirão, assim, indícios reveladores da existência de quotas de amortização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas frações: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra”.
Conclui-se, pois, de harmonia com o entendimento jurisprudencial supra exposto – e consolidado - que relativamente a cada uma das prestações em dívida é de aplicar o prazo de prescrição de cinco anos previsto na alínea e) do artigo 310º, CC – cfr. a título meramente exemplificativo, Acórdão da Relação de Lisboa de 15-12-2020 (proferido no processo nº 142434/17.7YIPRT.L1-7, disponível em www.dgsi.pt); Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-07-2021 (proferido no processo nº 6261/19.4T8ALM-A.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt);), referindo-se no seu sumário: “I.— Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fraciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fraciona é uma quota de amortização. II. — Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do art.º 310.º, alínea e), do Código Civil”.
Mostra-se, pois, incontroverso o enquadramento no prazo de prescrição de cinco anos relativamente a cada uma das prestações do mútuo oneroso, que compreendem capital e juros, cujo plano de amortização visou, manifestamente, agilizar o reembolso do capital mutuado.
Porém, interessa ainda determinar se o mesmo raciocínio é aplicável ao vencimento antecipado do crédito.
Se bem se atentar aos factos apurados, verifica-se que logo na ação executiva instaurada em 10-12-2012 (n.º 6548/12.7TBVFX) foi alegado que os executados haviam deixado de cumprir, em 03-02-2012, as obrigações pecuniárias decorrentes dos mútuos, ali tendo sido liquidado o capital integral em dívida, juros e imposto de selo. Desses factos deve extrair-se que, por aplicação da norma consagrada no artigo 781º CC, a falta de realização de uma das prestações de ambos os mútuos, importou o vencimento das demais. Julgamos, pois, ser de reiterar o raciocínio do tribunal recorrido no sentido de que, pelo menos na data da instauração da execução n.º 6548/12.7TBVFX, ocorreu o incumprimento de ambos os mútuos em causa nos autos.
Questiona-se, pois, se este vencimento das prestações gera uma obrigação única, à qual se aplique o prazo ordinário de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309º, CC, ou se tal exigibilidade imediata não altera o escalonamento inicial relativo à devolução do capital e juros em quotas, impondo-se o prazo prescricional de 5 anos previsto no artigo 310º, alínea e), CC para as quotas de amortização.
Sobre esta questão pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça mediante acórdão que deu origem ao AUJ nº 6/2022, de 22, de setembro (Publicado do Diário da República Série I, de 2022-09-22) fixando a seguinte jurisprudência:
“I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação." "II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas."
Neste acórdão foi ponderada situação similar à que está em debate nos presentes autos, com o incumprimento, por parte dos executados (mutuários), de prestações emergentes de contrato de mútuo, com o vencimento antecipado da totalidade da dívida.
A propósito da norma que prevê o vencimento de todas as prestações em caso de incumprimento de uma delas (artigo 781º, CC), refere-se no referido acórdão, citando abundante doutrina:
“(…) este preceito legal não prevê um vencimento imediato, apelidado por alguns "em sentido forte", das prestações previstas para liquidação da obrigação, designadamente da obrigação de restituição inerente a um contrato de mútuo com hipoteca, acrescido de um outro contrato de mútuo, como no caso dos autos - constitui antes um benefício que a lei concede ao credor, que não prescinde da interpelação, na pessoa do devedor, para que cumpra de imediato toda a obrigação, em consequência manifestando o credor a vontade de aproveitar o benefício que a lei lhe atribui - assim Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 7.ª ed., 1997, pg.54, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª ed., 2009, pgs. 1017 a 1019, Pessoa Jorge, Lições de Direito das Obrigações, I (75/76), pg. 317, e Menezes Cordeiro, Tratado, Direito das Obrigações, IV (2010), pg. 39. A obrigação fica assim apenas exigível, ou, como alguns entendem, exigível "em sentido fraco". Note-se que a norma do artigo 781.º do Código Civil não se constitui como norma imperativa, mas existindo, como existe, nos contratos de mútuo dos autos uma cláusula no sentido de que à credora fica reconhecido o direito de "considerar o empréstimo vencido se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes deste contrato", concedia-se à mutuante a possibilidade de atuar o vencimento do direito à totalidade das prestações convencionadas pelo simples facto de intentar ação executiva contra os mutuários, como intentou. Não existe, desta forma, nos contratos dos autos, qualquer cláusula de vencimento automático, apenas a reprodução do esquema de vencimento das prestações que a doutrina associa ao disposto no artigo 781.º do Código Civil”.
Ali se decidiu que o vencimento imediato das prestações não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas “(…), isto é, se altera o momento da exigibilidade das quotas, não altera o acordo inicial, o escalonamento inicial, relativo à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros”. E ainda: “A considerar-se, como em diversas decisões das Relações (…), que o vencimento imediato das prestações convencionadas origina a sujeição do devedor a uma obrigação única, exigível no prazo de prescrição ordinário de 20 anos (artigo 309.º do Código Civil), não se atende ao escopo legal de evitar a insolvência do devedor pela exigência da dívida, transformada toda ela agora em dívida de capital, de um só golpe, ao cabo de um número demasiado de anos (por todos, e de novo, cf. Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, Bol. 107/285, citando Planiol, Ripert e Radouant).”
Tal entendimento, que já era maioritário, tem vindo a ser seguido sem divergências, designadamente nos acórdãos que se passam a citar, todos consultados em www.dgsi.pt: Acórdãos da Relação de Lisboa de 21-01-2025 (proferido no processo n º 788/24.3T8ALM-A.L1-7); 05-12-2024 (proferido no processo 4929/22.7T8LSB.L1-2); de 19-11-2024 (proferido no processo nº 1921/21.3T8PTM.L1-7); Acórdãos da Relação de Coimbra de 12-11-2024 (proferido no processo 2068/22.0T8ANS-A.C1); de 12-04-2023 (proferido no processo nº 2065/21.2 T8SRE-A.C1); de 28-02-2023 (proferido no processo nº 812/16.3 T8PBL-B.C1); Acórdãos da Relação do Porto de 08-05-2025 (proferido no processo nº 827/24.8T8LOU-A.P1); de 10-04-2025 (proferido no processo nº 2676/23.1T8LOU-A.P1); de 08-04-2025 (proferido no processo nº 2638/23.9T8LOU-A.P1), referindo-se no seu sumário: “A jurisprudência consolidada tem preconizado que o vencimento antecipado da totalidade da dívida emergente de um contrato de mútuo não impede a aplicação do prazo prescricional de cinco anos, aludido art.º 310.º, alínea e), do CC, no que concerne às quotas de amortização do capital e aos juros remuneratórios”.
Procedeu-se à consulta dos acórdãos invocados pela recorrente em www.dgsi.pt, constatando-se que se reportam a período anterior ao do referido AUJ, constituindo exemplos da divergência até aí existente, nesta matéria, não tanto ao nível do Supremo Tribunal de Justiça, mas dos Tribunais da Relação. Efetivamente, em tais acórdãos (Relação de Guimarães de 16-03-2017, proferido no processo nº 589/15.0T8VNF-A.G1; Relação de Coimbra de 12-06-2018, proferido no processo nº 17012/17.8YIPRT.C1, Relação de Lisboa de 19-01-2021- proferido no processo nº 8636/16.1T8LRS-A.L1) considerou-se que o crédito globalmente vencido já não poderia ser configurado como “quotas de amortização”, impondo-se a consideração do prazo de prescrição de 20 anos, consagrado no artigo 309º, CC. Porém, trata-se de entendimento jurisprudencial que nunca foi consensual e que se mostra ultrapassado, como se extrai do seguinte segmento do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que deu origem ao AUJ 13/2024, de 15 de outubro (Diário da República nº 200/2024, Série I de 2024-10-15):
“De tal sorte que a jurisprudência deste Supremo vem aplicando, sem divergências, o curto prazo de prescrição do art.º 310.º/e) do C. Civil às prestações de reembolso de contratos de mútuo, prestações essas em que os juros estão integrados; aplicação essa extensiva ao caso das prestações serem declaradas antecipadamente vencidas, nos termos do art.º 781.º do C. Civil (aqui, após alguma divergência, foi uniformizado tal entendimento pelo AUJ 6/2022, proferido no processo n.º 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1, publicado no DR 1.ª série de 22.09.2022) e ao caso do crédito resultar da resolução do contrato de mútuo (cf. Ac. STJ de 23.01.2020, proferido no processo n.º 4518.17.8T8LOU-A.P1.S1; Ac STJ de 11/03/2020, proferido no processo 8563/15.0T8STB-A.E1.S1; e Ac. STJ 07/06/2021, proferido no processo 6261/19.4T8ALM-A.L1.S1”
Afigura-se que tal entendimento se mostra consentâneo com a “letra da lei” porquanto as prestações do mútuo, ainda que antecipadamente vencidas, abrangem todas as quotas de amortização do capital com os juros. Acresce que tal interpretação é a que melhor se adequa ao propósito assumido pelo legislador com a previsão do prazo de prescrição quinquenal de proteção do devedor perante a obrigação de pagamento de montante excessivamente oneroso, evitando que “(…) pela acumulação de prestações periódicas, se produza a ruína do devedor (…)” – Vaz Serra, “Estudos” – Trabalhos Preparatórios do Código Civil, BMJ 106º-119.
Embora não obrigatório, qualquer acórdão de uniformização de jurisprudência visa evitar que decisões judiciais que envolvam a mesma lei e a análise da mesma questão de direito obtenham resposta judicial diversa, contribuindo para os valores da certeza do direito e da igualdade, assumindo caráter orientador e persuasivo.
No caso, concluindo-se que o entendimento fixado pelo AUJ nº 6/2022 mantém pertinência e atualidade, impõe-se a aplicação do prazo de prescrição de cinco anos, consagrado no artigo 309º, alínea e) do Código Civil.
Confirmando-se a ponderação do prazo prescricional eleito na decisão recorrida, prossegue-se na análise do regime da prescrição por forma a aferir se a mesma se verificou.
Dispõe o nº 1 do artigo 323º, CC que: “1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”. Já do nº 2 daquela mesma norma resulta que: “2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.”
Como resulta desta norma, o efeito interruptivo da prescrição emergente da citação pode decorrer da data em que a mesma foi efetivamente realizada (nº 1), ou da data “ficcionada” de cinco dias após “ter sido requerida” (nº 2).
Pretendendo a exequente beneficiar do regime designado como citação “ficta”, por forma a lograr operar a interrupção da prescrição nos cinco dias subsequentes à instauração da execução, forçoso é que se verifiquem os três requisitos previstos no nº 2 do artigo 323º, CC, ou seja:
- Que o prazo prescricional, no momento da instauração da ação, ainda esteja a decorrer, e tal “curso” se mantenha nos cinco dias subsequentes;
- Que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias;
- Que o retardamento da citação não seja imputável ao requerente.
Porém, desconhecendo-se as vicissitudes da execução n.º 6548/12.7TBVFX e a causa para o retardamento da citação e a sua imputabilidade ou não ao exequente, centremo-nos na citação do executado ali efetivamente realizada em 18-01-2013.
Por outro lado, deverá ainda ponderar-se que aquela execução terminou por deserção. Consequentemente, o novo prazo prescricional começou a correr “logo após o ato interruptivo”, nos termos expressamente previstos no artigo 327º, nº 2, CC.
Consequentemente, volvidos 5 anos sobre a data da citação do executado na referida execução nº 6548/12.7TBVFX, ou seja, em 18-01-2018 (e não 13-01-2018 como certamente por lapso se refere na decisão recorrida), extinguiu-se, por prescrição, o crédito exequendo.
Por fim, constata-se que recorrente considera inconstitucional a interpretação das normas supra referidas, que culminam com a ponderação do prazo de prescrição de 5 anos, por violação dos princípios constitucionais de segurança jurídica, proporcionalidade e tutela jurisdicional efetiva. Ora, não vemos como tais princípios possam ser afetados pela consagração de entendimento com suporte nos elementos interpretativos da lei, designadamente o literal e o teleológico. Efetivamente, há vários anos que se encontrava em debate a questão do prazo de prescrição a aplicar em casos similares, tendo vindo a ser fixado entendimento que já se apresentava como francamente maioritário, pelo menos ao nível do Supremo Tribunal de Justiça, e que mantém pertinência e atualidade. Consequentemente, não poderia a recorrente, de forma razoável e fundada, ter formado expetativa diversa quanto à solução jurídica do litígio.
Além disso, a ora exequente adquiriu o crédito antes da deserção da instância da ação executiva, e não a impediu, tendo demorado três anos para instaurar nova execução. Também estava ciente que adquiriu um crédito que estava em incumprimento há vários anos, sendo, portanto, de difícil cobrança. Assim, a tutela jurisdicional efetiva dos direitos da exequente não esteve em causa, estando sempre franqueado o recurso à cobrança coerciva do crédito (que estava em curso, repete-se, no momento da aquisição do crédito pela exequente, e cuja instância veio a ser julgada deserta por inércia da demandante).
No momento em que a exequente adquiriu o crédito, a interpretação normativa que ora se adota já há muito que vinha ter acolhimento doutrinal e jurisprudencial, de forma alargada, pelo que deveria certamente ter sido por si considerada, não se violando qualquer expetativa legítima. E nem se percebe como pode a exequente afirmar que se criou um “mecanismo de ilibar os devedores de honrar os seus compromissos”, expressão desadequada e sem sentido nestes autos, em que se aprecia o direito aplicável ao caso concreto, de forma imparcial. A determinação do prazo de prescrição aplicável, definido há muito pelo legislador, de forma alguma pode ser apelidado de mecanismo dessa natureza.
Por outro lado, a interpretação que se adota, largamente maioritária na jurisprudência dos Tribunais Superiores, opera uma adequada e equilibrada ponderação de interesses, não colocando em causa o sistema financeiro, nem protegendo de forma “desnecessária e desmesurada” os devedores.
Não poderá, pois, deixar de ser confirmada a decisão da primeira instância, apenas com a ressalva de que ali se incorreu em lapso manifesto (sem impacto na decisão) no segmento que refere que a prescrição ocorreu em 13-01-2018, dado que ocorreu em 18-01-2018.
A exequente/recorrida suportará as custas do recurso, por lhes ter dado causa – cfr. artigo 527º, nº 1, CPC.
*
IV– DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 2ª secção cível em julgar improcedente o recurso interposto pela exequente/embargada, confirmando a decisão recorrida que determinou a extinção da execução por procedência da exceção de prescrição deduzida pelo executado em embargos.
Custas do recurso pela recorrente – cfr. artigos 527º e 529º, CPC.
D.N.
Lisboa, 5 de junho de 2025
Rute Sobral
João Paulo Vasconcelos Raposo
Arlindo Crua