EMBARGOS DE EXECUTADO
SUSPENSÃO
EXECUÇÃO
CAUÇÃO
EXIGIBILIDADE
LIQUIDAÇÃO
Sumário

(art.º 663º, n.º 7, do CPC):
- A aplicação da norma constante do art.º 733º, n.º 1, al. c), do CPC, demanda que o embargante impugne a exigibilidade ou liquidação da obrigação exequenda alegando uma versão factual verosímil, conforme às regras da experiência e do comportamento humano, e que apresente, com a dedução de embargos, meios de prova com forte valor probatório, que se anteveja difícil de superar em sede de audiência de julgamento.

Texto Integral

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I.
AA intentou, contra BB, acção executiva hipotecária para pagamento da quantia de € 60.060,00, acrescidos de juros de mora, à taxa de 4%, desde 15-08-2022 até integral pagamento, sendo os vencidos no montante de € 651,660, e de € 51,00 a título de taxa de justiça paga.
Alegou, em síntese, que:
- celebrou contrato de mútuo com o executado, no montante de € 63.700,00, que lhe entregou;
- o executado, em cumprimento do aludido contrato, pagou-lhe as primeiras catorze prestações convencionadas para amortização do mútuo, no valor total de € 3.640,00, tendo deixado de o fazer em 15-08-2022;
- à data do incumprimento, ainda estavam em dívida, a título de capital, a quantia de € 60.060,00;
- para garantia do pagamento do valor acordado e demais encargos e despesas referidas no mencionado contrato de mútuo, o executado deu de hipoteca, a seu favor, devidamente
Registada, o seu prédio urbano destinado a construção denominado «Parcela A», sito na ..., Freguesia de …, Concelho de Angra do Heroísmo, inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ... daquela freguesia e descrito na Conservatória do Registo Predial de Angra do Heroísmo sob a ficha nº....
O exequente ofereceu, como título executivo, documento escrito autenticado, assinado a rogo do exequente e pelo executado, com reconhecimento de solicitador, datado de 26-01-2021, no qual consta que o primeiro concede ao segundo, a título de mútuo, o montante de € 63.700,00, sem vencimento de juros, que o segundo recebeu e do qual se confessa devedor, a restituir no prazo de 245 meses, em prestações mensais e sucessivas no valor de € 260,00, com início no mês de Junho de 2021, a vencer até ao décimo quinto dia do mês a que respeitarem, com início no mês de Junho de 2021, que deverão ser depositadas na conta bancária aí identificada.
Consta do mesmo documento que o não pagamento de qualquer uma das prestações supra referidas importará o vencimento imediato da dívida, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor.
No aludido documento consta, ainda, que, para garantia do bom e integral reembolso do crédito e das despesas aí referidas, com o montante máximo de € 65.700,00, o embargante constitui hipoteca sobre o prédio urbano denominado “Parcela A”, sito na ..., Freguesia de …, Concelho de Angra do Heroísmo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Angra do Heroísmo sob o n.º … da Freguesia de ….
O direito de hipoteca referido mostra-se registado na aludida Conservatória mediante a apresentação 2091 de 29-01-2021, como se afere do documento registal junto com o requerimento executivo.
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O executado foi citado a 09-03-2023 – cf. expediente junto a 16-03-2023 no processo executivo.
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Por despachos proferidos a 12-04-2023, 15-05-2023 e 13-06-2023, a instância executiva foi suspensa na sequência de requerimentos apresentados em conjunto pelas partes.
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Por apenso à acção executiva referida, a 05-09-2023, BB deduziu oposição, por embargos de executado, onde, além de pugnar pela extinção de tal execução, requereu a sua suspensão com fundamento no art.º 733º, n.º 1, al. c), do CPC.
Alegou, em síntese, além do mais que não releva para a presente decisão, que:
- celebrou o contrato de mútuo invocado no requerimento executivo;
- acordou verbalmente com o embargado que o pagamento das prestações constituídas por tal contrato ficaria suspenso entre Agosto de 2022 e Fevereiro de 2023, sendo o mesmo retomado a partir de Março de 2023;
- à data do requerimento executivo, não tendo decorrido o prazo certo estabelecido mediante aditamento verbal ao contrato de mútuo com hipoteca, a obrigação não se encontrava vencida e, consequentemente, era a mesma inexigível, pelo que não se encontravam reunidos os requisitos para a realização coactiva da prestação;
- atenta a impugnação da exigibilidade da obrigação exequenda, requer a suspensão da instância executiva sem prestação de caução.
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Por despacho proferido a 12-09-2023, os embargos foram liminarmente admitidos.
Na mesma decisão, remeteu-se a apreciação do pedido de suspensão da execução para momento posterior à audição do embargado.
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A 08-10-2023, o embargado apresentou contestação onde, além do mais, concluiu pela improcedência do pedido de suspensão da execução sem prestação de caução, tendo impugnado o alegado no requerimento inicial quanto à celebração de acordo verbal no sentido da suspensão do pagamento de prestações de amortização do mútuo entre Agosto de 2022 e Fevereiro de 2023 (cf. art.º 43º do articulado em referência).
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A 08-07-2024, foi proferido despacho onde, além do mais:
- se fixou o valor da causa em € 60.762,60;
- se saneou tabelarmente o processo;
- se enunciaram os temas da prova;
- se decidiu suspender a instância executiva sem prestação de caução, com fundamento no art.º 733º, n.º 1, al. c), do CPC.
Neste último segmento, refere-se o seguinte:
Uma vez que foi alegado pelo opoente um incumprimento de um aditamento /alteração ao contrato aqui dado à execução, o que implicaria uma não inexigibilidade da acção executiva na data em que foi instaurada, então nos termos do artigo 733º/1-c) do CPC e não obstante a posição contra do exequente, que nem explica como e em quê o exequente ficaria prejudicado, considero que face ao acima exposto, de suspender a instância executiva sem prestação de caução.
Notifique.
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Por requerimento junto aos autos a 09-09-2024, o embargado, AA, interpôs recurso da decisão referida no segmento que suspendeu a instância executiva, além do mais.
A final, o embargado conclui pela revogação da decisão impugnada e sua substituição por decisão que negue a suspensão da instância executiva.
Apresenta as seguintes conclusões, no que respeita ao recurso do segmento decisório referido, que se transcrevem:
(…)
e. o executado alegou a inexigibilidade do crédito, mas fê-lo de forma vaga, inverosímel e sem qualquer indicação de prova ou circunstâncias merecedoras de qualquer credibilidade;
f. ora não basta a impugnação da existência, validade, vencimento, liquidez ou exigibilidade da prestação exequenda para obter a suspensão sem caução;
g. exigindo-se, para ser decretada a suspensão da execução sem prestação de caução, que dos termos da impugnação, confrontados com os elementos de apreciação, maxime o título executivo, nesse momento liminar do recebimento dos embargos, se revele algo de importante e manifesto que dispense o imperativo de colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da acção executiva».
h. a Mmª Juíza a quo decretou a suspensão da execução sem prestação de caução sem se verificarem minimamente os requisitos exigidos para tanto e enunciados na conclusão anterior;
i. Ao decidir como decidiu a Mmª Juíza a quo violou os artigos 733º, nº 1, alínea c) e artigo 154, nº1 ambos do CPC.
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A 01-10-2024, foi proferido despacho pela primeira instância que não admitiu, além do mais, o recurso interposto pelo embargado referente ao segmento decisório acima identificado.
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Foi deduzida reclamação, nos termos do art.º 643º do CPC, que, por decisão deste Relação de 08-04-2025, foi julgada procedente na parte referente ao recurso atinente ao segmento da decisão impugnada em que se suspendeu a instância executiva, e se determinou a subida desse recurso de apelação, caso no Tribunal Recorrido nenhum outro obstáculo exista à sua admissão e remessa, para o efeito se requisitando o respectivo processo (art.º 643º, n.º6, do CPC).
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Por despacho proferido a 14-05-2025, determinou-se a remessa do recurso a esta Relação.
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II.
1.
As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo da ampliação deste a requerimento do recorrido (arts. 635º, n.º 4, 636º e 639º, n.ºs 1 e 2 do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (art.º 608º, n.º 2, parte final, ex vi do art.º 663º, n.º 2, parte final, ambos do CPC).
Também não é possível conhecer de questões novas – isto é, de questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida –, uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
Tendo isto presente, no caso, atendendo às conclusões transcritas, a intervenção deste Tribunal de recurso é circunscrita à seguinte questão:
- Saber se, por via da admissão da oposição por embargos de executado, ocorre fundamento para a suspensão da instância executiva sem que o executado preste caução.
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2.
A factualidade a ponderar na presente decisão é a que resulta da marcha do processo, acima descrita, que aqui se dá por reproduzida.
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3.
Os presentes autos respeitam a incidente de oposição à execução mediante embargos de executado, previsto nos arts. 728º e ss. do CPC.
Dispõe o art.º 733º, n.º 1 do CPC que o recebimento dos embargos só suspende o prosseguimento da execução se:
a) O embargante prestar caução;
b) Tratando-se de execução fundada em documento particular, o embargante tiver impugnado a genuinidade da respectiva assinatura, apresentando documento que constitua princípio de prova, e o juiz entender, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução;
c) Tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução;
d) A oposição tiver por fundamento qualquer das situações previstas na alínea e) do artigo 686º do CPC.
No caso dos autos, o embargante convocou a norma contida no art.º 733º, n.º 1, al. c), do CPC, para sustentar o pedido de suspensão da execução.
A decisão impugnada acolheu o requerido, com fundamento na aludida norma.
De acordo com o disposto no art.º 733º, n.º1, al. c), do CPC, o recebimento dos embargos de executado suspende o prosseguimento da execução se tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução.
Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (CPC Anotado, vol. II, 2ª edição, Almedina, 2024, p. 95-96), “na base desta previsão está a circunstância de, em condições normais, a execução se dever limitar à prática de atos tendentes à satisfação coerciva da pretensão exequenda, em conformidade com o plasmado no título executivo. Ora, havendo alguma divergência séria em torno da exigibilidade da obrigação ou do montante da quantia exequenda, o prosseguimento da execução, sem a certificação dessas condições de procedência, é suscetível de expor o executado a um risco significativo, justificando, em face das concretas circunstâncias, a suspensão da instância executiva”.
A aplicação da norma mencionada demanda que o embargante impugne a exigibilidade ou liquidação da obrigação exequenda alegando uma versão factual verosímil, conforme às regras da experiência e do comportamento humano, e que apresente, com a dedução de embargos, meios de prova com forte valor probatório, que se anteveja difícil de superar em sede de audiência de julgamento (cf., no mesmo sentido: obra citada, p. 95; acórdão do TRC de 13-11-2018, processo n.º 35664/15.1T8LSB-C.C1, acórdão do TRP de 02-07-2015, processo n.º 602/14, acórdão do TRG de 24-02-2022, processo n.º 5242/20.0T8VNF-C.G1, acórdão do TRL de 13-10-2022, processo n.º 28190/21.1T8LSB-J.L1-2, desta Secção, todos acessíveis em dgsi.pt).
Caso os requisitos referidos não se mostrem cumpridos, o embargante apenas poderá obter a suspensão da execução mediante prestação prévia de caução, ao abrigo do art.º 733º, n.º1, al. a), do CPC, sendo certo que, para a economia da presente decisão, não relevam as circunstâncias previstas nas alíneas b) e d) do mesmo artigo.
O executado / embargante invocou a inexigibilidade da obrigação exequenda alegando, como fundamento, ter celebrado um acordo verbal com o exequente no sentido de suspender o pagamento das prestações, acordadas no contrato de mútuo oferecido como título executivo, entre Agosto de 2022 e Fevereiro de 2023.
O executado / embargante não indicou qualquer meio de prova que aponte, com forte evidência, para a celebração do acordo que alega e que permita antever que seja dificilmente contrariado em sede de audiência de julgamento nem tal se invoca na decisão recorrida.
Por outro lado, do requerimento de embargos não se alcança qualquer elemento probatório, designadamente, documento, com tal aptidão.
A insuficiência referida importa, face ao disposto no art.º 733º, n.º 1, al. c), do CPC, e ao acima referido, a ausência de fundamento para que a execução possa ser suspensa sem prestação de caução.
Conclui-se, assim, pela resposta negativa à questão acima enunciada.
Em consequência, a decisão impugnada dever ser revogada e o pedido de suspensão da execução, sem prestação de caução, formulado no requerimento inicial de oposição à execução embargos de executado, deve ser indeferido.
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Conclui-se, assim, pela procedência do recurso.
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4.
Considerando a procedência da apelação, o recorrido e embargante deverá suportar as custas do recurso (art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
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III.
Em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o Colectivo desta 2ª Secção em julgar o recurso procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida e indeferem o pedido de suspensão da execução sem prestação de caução, formulado no requerimento inicial de oposição à execução mediante embargos de executado.
Custas do recurso pelo recorrido / embargante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Notifique.
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Lisboa, 05 de Junho de 2025.
Os Juízes Desembargadores,
Fernando Alberto Caetano Besteiro
Laurinda Gemas
Inês Moura