PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
GARAGEM
FALTA DE OPOSIÇÃO
Sumário

I – Um requerimento de despejo relativamente a um imóvel que não é um domicílio (mas uma garagem), ao qual o arrendatário não deduz oposição, deve ser convertido pelo BAS em título para desocupação do imóvel, como aconteceu no caso, não tendo de ser enviado para decisão judicial do tribunal (artigos 15.º-E/1-a e 15.º-EA/1-a do NRAU).
II – Um procedimento especial de despejo fundamentado na falta de pagamento de rendas por mais de 3 meses, num contrato sem domicílio convencionado e num requerimento sem alegação da impossibilidade de localizar o arrendatário, tem de ter na sua base a alegação e comprovação, por escrito, da resolução, da comunicação da resolução e da recepção da comunicação (a/r ou original da comunicação assinado pelo arrendatário) – artigos 1083/3 e 1084/2 do CC, 9.º/7, 10.º/5, 15.º-EA/2 do NRAU, 568/d do CPC.
III – Se a um tal PED se juntar um pedido de pagamento de rendas, tem ainda de ser alegada a comunicação do montante em dívida, que tem de estar de acordo com o valor pedido no PED.
IV – Um pedido de pagamento de rendas que esteja em desconformidade com a comunicação do montante, inserido num PED sem alegação e prova por escrito da resolução, comunicação da resolução e recepção da comunicação, não pode ser julgado procedente por falta de factos que o fundamentem e a decisão da sua devolução ao BAS com base na falta daqueles requisitos deve ser confirmada por ser mais benéfica para a requerente/recorrente.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

Em 21/08/2024, P-Unipessoal, Lda., requereu no Balcão Nacional do Arrendamento, contra M, sem indicar a sua residência (que é, conforme resulta do contrato, na Rua F, em Lisboa), que fosse decretado, nos termos dos artigos 1038/a e 1083/3 do Código Civil, o despejo de uma fracção autónoma de que a requerente é proprietária na Rua D, Belas, com fundamento na falta de pagamento das rendas, e a condenação do requerido no pagamento de 5.297,21€ [não explica como é que chegou a tal valor, sendo que ele não é igual ao valor das 36 rendas ditas em dívida, a 120€ mensais, que é de 4320€ - TRL], relativamente às rendas de Julho de 2021 a Julho de 2024, bem como, deverá ser condenado no pagamento de juros de mora no valor de 576,69€, calculados à taxa de 4%, e ao pagamento dos juros vincendos, até efectivo e integral pagamento da dívida.
Alega, em síntese, na parte que importa, que, em 01/12/2020, celebrou com o requerido um contrato de arrendamento para fins não habitacionais (garagem), daquela fracção, pela renda mensal de 120€. Encontra-se em atraso o pagamento das rendas relativas a Julho de 2021 a Julho de 2024. Através de carta registada com aviso de recepção, enviada a 10/02/2022, interpelou o requerido, nos termos do disposto no artigo 805 do Código Civil, para proceder ao pagamento das rendas em atraso no montante total de 1.008€, valor relativamente ao qual o mesmo se confessou devedor, conforme resulta da declaração de confissão de dívida, datada de 08/02/2022. Acontece que, decorrido o prazo que lhe foi concedido para o efeito, o requerido não procedeu ao pagamento do valor de rendas em atraso de que foi interpelado, apesar de ter ficado constituído em mora, desde então. Até à presente data, o requerido continua a habitar [sic] no locado, embora persista em não proceder ao pagamento. Nos termos do artigo 1083/1 do CC, qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte. Sendo que, nos termos do artigo 1083/3 do CC, é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a três meses de pagamento da renda que corram por conta do arrendatário, o que já se verifica no caso.
Juntou um formulário do imposto do selo (contrato de arrendamento não habitacional); um alegado comprovativo da comunicação ao requerido do montante em dívida de renda, encargos e despesas, que é composto de uma fotografia a preto e branco do registo dos CTT com a data de 10/02/2022, onde está assinalado com um x o quadrado destinado ao serviço especial de aviso de recepção e de uma cópia de uma carta dirigida por uma advogada da requerente para a residência do requerido “a informá-lo de que se encontra em atraso o pagamento das rendas relativas aos meses de Julho de 2021 a Janeiro de 2022” e que “nos termos do disposto no artigo 805/1 do CC fica, desde já, de acordo com o preceituado nesta norma legal constituído na figura jurídica de mora, porquanto deverá proceder ao pagamento das rendas em atraso, no montante total de 840€, valor a que acrescerá a penalização estipulada nos termos do n° 4 da cláusula 4.ª do contrato, o que perfaz o total de 1.008€”; e de que caso “não proceda em conformidade com o supra solicitado, dentro de um prazo de 20 dias, será considerado devedor, nos termos do artigo 808/1 do CC, devendo, nessa conformidade, proceder à entrega imediata das chaves do locado, deixando-o livre de pessoas e bens, sob pena de, não o fazendo voluntariamente, intentarmos Procedimento Especial de Despejo, nos termos da Lei 31/2012.”; junta também o contrato de arrendamento [do qual não consta qualquer cláusula de convenção de domicílio]; e duas fotocópias da certidão predial da fracção (donde consta apenas a autorização do loteamento e a constituição de propriedade horizontal, relativa a uma garagem n.º 2 na subcave).
Em 26/08/2024, o Balcão Arrendatário e Senhorio notificou a requerente da recusa do requerimento porque não foi junto o a/r comprovativo da recepção do requerido nem procuração.
A 09/09/2024, a requerente junta procuração e a confissão da dívida que tinha referido, à mistura com os anteriores documentos (e com um documento que diz respeito a outro processo), mas não junta o a/r.
A 10/09/2024, o BAS envia uma carta para o requerido, dirigindo-a para a morada da fracção arrendada, que veio devolvida (por desconhecido). Nessa carta consta, entre o muito mais, “Mais fica notificado de que: • Se no prazo dos 15 dias nada fizer, será proferida decisão judicial para entrada imediata no domicílio, que permitirá ao senhorio proceder, imediatamente, à desocupação do local arrendado, recorrendo, se necessário, ao auxílio das autoridades policiais; • A decisão judicial para entrada imediata no domicílio permitirá, sendo caso disso, também ao senhorio iniciar um processo de execução em tribunal para cobrança das rendas, encargos e/ou outras despesas, da taxa do procedimento especial de despejo que o senhorio pagou e dos juros de mora que são devidos desde a data em que o requerimento de despejo foi apresentado no Balcão do Arrendatário e do Senhorio. Esse processo de execução pode ter como resultado a penhora dos seus rendimentos ou a venda dos seus bens; […].”
A 10/10/2024, o BAS envia nova carta registada com a/r (n.ºs 4 e 5 do art.º 229.º do CPC), para a mesma morada. Entre o mais, da notificação constava: Ainda fica notificado de que: “Em virtude de o expediente ter sido devolvido por não ter procedido ao levantamento da primeira carta de notificação no estabelecimento postal ou ter sido recusada a assinatura do aviso de recepção ou o recebimento de carta por pessoa diversa de V. Ex.ª, FICA ADVERTIDO que a notificação considera-se efectuada na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado o aviso, no 8.º dia posterior a essa data, presumindo-se que V. Ex.ª teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados.”
A 28/10/2024, a requerente dirige ao BNA o seguinte requerimento, “tendo em conta a frustração das anteriores notificações no âmbito dos autos à margem referenciados”, requer que o requerido seja notificado para a sua morada pessoal: Rua F, Lisboa.
A 08/11/2024, vem devolvida a carta de 10/10/2024, desta vez com a sinalização do quadrado com a indicação de “Endereço insuficiente”, e, a manuscrito, “tem várias moradas”.
A 19/11/2024, um Sr. funcionário do BAS solicita a intervenção no PED 1655/24.6YLPRT, no sentido de ser alterado o Estado de “2.ª Notificação” para “1.ª Notificação”, o que é deferido.
A 26/11/2024, o BAS envia nova carta para notificação do requerido na morada da sua residência, carta que vem devolvida a 22/01/2025 com a indicação de não reclamada.
A 22/01/2025, o BAS envia nova carta para notificação do requerido.
A 18/02/2025, é junta aos autos a prova do depósito de tal carta, com data de 17/01/2025: “Na impossibilidade entrega depositei no receptáculo postal domiciliado da morada indicada a citação a ela referente.”
A 14/03/2025, o BAS, i\ nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3, do art.º 15.º-EA, da Lei n.º 6/2006, de 27/02, remete para tribunal o procedimento especial de despejo; ii\ constitui título para desocupação do locado; e iii\ notificou a requerente de que” Uma vez que no requerimento de despejo formulou pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas, o processo será enviado para o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Unidade Central de Sintra para os efeitos previstos no artigo 15.º-EA, nºs 3 e 4 da Lei 6/2006, de 27/02 (apreciação judicial do pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas).
A 28/03/2025, o tribunal proferiu a seguinte decisão judicial
[A requerente] intentou o presente procedimento especial de despejo contra [o requerido] invocando a falta de pagamento de rendas pelo requerido e requerendo que se decrete o despejo, condenando-se o requerido no pagamento das rendas em dívida.
Na sequência da notificação do requerido e constatada a não dedução de oposição, foi emitido o título de desocupação do imóvel arrendado.
O processo foi distribuído a este Tribunal os termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 15.º-EA da Lei 6/2006, de 27/02.
Estabelece o art.º 15/1 do NRAU que o PED é um meio processual que se destina a efectivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes.
Assim, o recurso ao PED depende de o contrato de arrendamento já se encontrar validamente cessado.
Quando a cessação ocorra por resolução, o PED só poderá ter por base o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no artigo 1084/2 do CC - art.º 15.º/2e do NRAU.
Sem os referidos documentos a acção não poderá prosseguir devendo o requerimento ser recusado pelo BAS – art.º 15.º-C/1b do NRAU.
No caso dos autos, compulsado o requerimento de despejo e respectivos anexos constatamos o seguinte:
- na alegação dos fundamentos em momento nenhum se alega sequer que foi comunicada a resolução do contrato (invocando-se apenas o incumprimento definitivo que não se confunde com resolução);
- a comunicação enviada ao requerido em momento nenhum declara a resolução do contrato, podendo aí apenas ler-se que a requerente considera o contrato definitivamente resolvido [transcreve a comunicação, que está sintetizada acima no § do relatório deste acórdão onde ela é referida e que se inicia por ‘juntou’; note-se que a expressão empregue no despacho não consta da comunicação - TRL].
- a requerente não junta o aviso de recepção assinado pelo requerido comprovando que recebeu a comunicação que considera o contrato definitivamente incumprido.
Ora, não há resolução do contrato sem comunicação expressa dessa intenção de resolução. Sendo certo que a mesma tem de chegar ao conhecimento da contraparte para produzir efeitos, na medida em que se trata de declaração receptícia – art.º 224 do CC.
[…]
Ora, no caso dos autos, não só a requerente não demonstra que comunicou a resolução, como não demonstra que a comunicação tenha chegado à esfera do requerido, pelo que é incompreensível que o BAS tenha permitido que os autos chegassem a este ponto, nomeadamente com a emissão de título para desocupação do locado.
Tudo visto e ponderado, considera-se que não estão reunidos os pressupostos de procedibilidade da acção, a saber, a junção dos documentos a que se refere o art.º 15.º/2 do NRAU, pelo que não poderá o Tribunal proferir a decisão a que se refere o art.º 15.º-EA, determinando-se a devolução dos autos ao BAS.
[…]
De acordo com os fundamentos supra referidos e de harmonia com o disposto nos preceitos legais citados, não se profere a decisão a que se refere o art.º 15.º-EA do NRAU, determinando-se a remessa dos autos ao BAS por não estarem verificados os pressupostos de procedibilidade da acção (a saber, demonstração da resolução e comunicação da mesma – art.º 15.º/2 do NRAU).
A requerente recorre contra esta decisão, para que seja revogada e substituída por outra que autorize a entrada no domicílio, alegando, em síntese feita por este TRL, que:
i\ o despacho recorrido é nulo, por excesso de pronúncia, por ter decidido questão que só podia ser deduzida pelo arrendatário e que este não deduziu;
ii\ depois de o BAS ter recebido o PED o juiz já não o podia deixar de receber;
iii\ o título executivo não é constituído pelos documentos previstos no artigo 15.º/2 do NRAU que servem apenas de base à propositura desse procedimento, mas sim pelo título passado pelo BNA.
iv\ Mas mesmo que se admitisse que o tribunal podia conhecer oficiosamente de tal questão, nem por isso a decisão recorrida deixa de dever ser revogada porque os vícios, a se confirmarem, estão ope legis sanados, porque “Na falta de oposição ou sendo esta intempestiva, o BNA converte o requerimento de despejo em título para desocupação do locado, mediante aposição de fórmula de título para desocupação do locado, com autenticação mediante assinatura electrónica (cf. art.º 15.°-E do NRAU). E, por força do art.º 15.º-J/5 do NRAU, este título para desocupação do locado constitui, também, título executivo para pagamento de quantia certa.” - ac. da RL de 19.11.2019
v\ Ao contrário do que decidiu o tribunal, a interpelação enviada pela requerente ao requerido é suficiente para desencadear os efeitos da resolução do contrato: Qualquer pessoa que perceba o que lê (o mínimo exigido a um destinatário normal), compreende que se o senhorio lhe envia uma comunicação interpelando para o pagamento das rendas vencidas e não pagas e lhe concede um prazo para regularização findo o qual e se não regularizar o respectivo pagamento deve desocupar o local, que aquele lhe está a comunicar a resolução do contrato.
vi\ Quanto à questão da falta de comprovação do envio da carta registada com aviso de recepção, do impresso de registo dos CTT decorre com meridiana clareza que a mesma foi enviada por essa forma constando que o mesmo tem a referência RH 4052 1938 5PT, foi expedida no dia 10.02.2022 às 18:46 e tem a menção de Serviços especiais: Aviso de recepção. É o quanto baste para se ter por cumprida tal formalidade, sendo certo que o requerido não só recebeu a dita notificação como, notificado pelo BNA, não se opôs.
Vi\ O BNA fez bem ao emitir o título para desocupação, quedando autorizar a entrada no domicílio que, aliás, é o único acto permitido ao tribunal nesta fase em face da situação processual que lhe foi presente.
*
Questão que importa decidir: se o tribunal devia ter proferida decisão judicial no sentido pretendido pela requerente.
*
Apreciação:
É evidente que a requerente não tem razão e esclarecedor disso é o facto de só uma vez nas suas extensas alegações (34 artigos) se ter referido à norma legal que está em causa: o art.º 15.º-EA do NRAU, em vigor desde 24/02/2024, isto é, há mais de um ano, e apenas para dizer que o tribunal recusou o despacho previsto nessa norma.
O art.º 15.º-E do NRAU diz, sob a epígrafe ‘Constituição de título para desocupação do locado’:
1\ O BAS converte o requerimento de despejo em título para desocupação do locado se:
a\ Depois de notificado, o requerido não deduzir oposição no respectivo prazo;
[…]
3\ Constituído o título de desocupação do locado, o BAS disponibiliza o requerimento de despejo no qual tenha sido colocada a fórmula de título para desocupação do locado ao requerente e ao agente de execução […]
Por sua vez, o artigo 15.º-EA dispõe, sob a epígrafe ‘Não oposição ao procedimento’:
1\ O processo é imediatamente concluso ao juiz para proferir decisão judicial para entrada imediata no domicílio nos casos em que:
a) Depois de notificado, o requerido não deduzir oposição no respectivo prazo;
[…]
Portanto, em geral, na falta de oposição o requerimento de despejo é convertido pelo BAS em título para desocupação do imóvel arrendado. Nos casos em que o imóvel arrendado é um domicílio, a falta de oposição dá origem à remessa do processo para o tribunal para ser proferida decisão judicial (sentença). O que aliás está de acordo com a regra de que só para a entrega da posse efectiva de um domicílio é que necessário um prévio despacho judicial para solicitar o auxílio das autoridades policiais nos casos previstos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 757 (art.º 757/4 do CPC).
No caso, o imóvel arrendado não é um domicílio, mas uma garagem, pelo que o BAS converteu o requerimento em título para desocupação e não remeteu o processo para o tribunal para o efeito de ser proferida decisão judicial, mas sim para os efeitos do art.º 15.º-EA, n.ºs 3 e 4 do NRAU.
Sendo assim, verifica-se um erro do Tribunal, inócuo como se verá, pois que considerou que o processo lhe tinha sido remetido para os efeitos do art.º 15.º-EA/1 do NRAU.
E verifica-se um erro da requerente que tira ao recurso todo o sentido: por um lado, quer que seja proferida decisão que autorize a entrada no domicílio, apesar de não haver domicílio; e, por outro lado, quer aquilo que já tem, ou seja, o BAS já converteu o requerimento em título para desocupação do locado.
É certo que pode-se conceber que a requerente o que queria realmente era que fosse dado seguimento ao processo nos termos em que o BAS o remeteu para o tribunal: para que fosse proferida decisão judicial sobre o pedido de rendas.
Mas aqui tem razão, no essencial, o que diz o despacho recorrido, ou seja, que o PED está dependente da alegação e prova da comunicação de uma resolução do contrato de arrendamento e da alegação e prova da recepção de dessa comunicação e que nada disto é alegado.
O art.º 15.º-EA do NRAU continua assim:
Artigo 15.º-EA
Não oposição ao procedimento
[…]
2\ Nas situações da alínea (a) do número anterior, aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 566 a 568 do CPC.
3\ Quando tenha sido efectuado o pedido de pagamento das rendas, encargos ou despesas em atraso, a decisão referida no n.º 1 pronuncia-se igualmente sobre aquele pedido.
4\ À decisão judicial que condene o requerido nos termos do número anterior é aplicável o regime previsto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 15.º-J.
5\ A sentença é notificada às partes […]
Por força deste artigo são aplicáveis à situação desde logo os artigos 566 a 568 do CPC que têm o seguinte teor:
Artigo 566.º
Revelia absoluta do réu
Se o réu, além de não deduzir qualquer oposição, não constituir mandatário nem intervier de qualquer forma no processo, o tribunal verifica se a citação foi feita com as formalidades legais e ordena a sua repetição quando encontre irregularidades.
Artigo 567.º
Efeitos da revelia
1 - Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.
2 - É concedido o prazo de 10 dias, primeiro ao mandatário do autor e depois ao mandatário do réu, para alegarem por escrito, com exame do suporte físico do processo, se necessário, e em seguida é proferida sentença, julgando-se a causa conforme for de direito.
3 - Se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado.
Artigo 568.º
Excepções
Não se aplica o disposto no artigo anterior:
[…]
d) Quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito.
*
Assim, para já, de todas as normas que antecedem decorre claramente para o caso dos autos que, no caso em que o requerido não deduz oposição a um PED que também contenha um pedido de pagamento de rendas, o BAS, depois de converter o requerimento em título para a desocupação de um imóvel que não seja o domicílio, deve enviar imediatamente o processo para o tribunal para que o juiz profira uma sentença sobre esse pedido de pagamento de rendas.
A primeira coisa que o juiz tem então de fazer é conferir se o requerido, além de não deduzir qualquer oposição, não constituiu mandatário nem interveio de qualquer forma no processo, e, nesse caso, tem de verificar se a notificação foi feita com as formalidades legais; caso verifique que assim não aconteceu, ordena a sua repetição quando encontre irregularidades.
Caso não haja aqueles problemas com a notificação, o juiz deve, de seguida, ponderar se os factos articulados pelo requerente se devem considerar confessados, o que quer dizer, entre o mais, que a sentença que vier a ser proferida tem por base factos que têm de ser alegados e de ser considerados provados.
E o juiz não vai poder considerar provados os factos quando, entre outras hipóteses, se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito.
Pelo que, a seguir, o juiz terá de considerar quais os factos que são necessários à procedência do pedido e se eles estão provados, sendo que não poderá considerar provados os factos para cuja prova se exija documento escrito e muito menos os factos que não tenham sido alegados.
Pelo que não há qualquer nulidade do despacho em que o juiz se pronuncia sobre a falta de alegação e prova destes factos.
Posto isto,
O artigo 1083.º trata do fundamento da resolução nos contratos de arrendamento de prédios urbanos, sendo aplicável aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, como é o caso do dos autos.
O artigo tem o seguinte conteúdo:
1\ Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.
2\ É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente, quanto à resolução pelo senhorio: […]
3\ É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário ou de oposição por este à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo seguinte.
[…]
O artigo 1084.º trata do modo de operar da resolução:
[…]
2\ A resolução pelo senhorio quando fundada em causa prevista nos n.ºs 3 e 4 do artigo anterior […] opera por comunicação à contraparte onde fundamentadamente se invoque a obrigação incumprida.
3\ A resolução pelo senhorio, quando opere por comunicação à contraparte e se funde na falta de pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário, nos termos do n.º 3 do artigo anterior, fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de um mês.
[…]
Portanto, a resolução por falta do pagamento de rendas em caso de mora igual ou superior a 3 meses opera por comunicação à contraparte.
Quanto à forma que deve assumir a comunicação, dispõe o art.º 9 do NRAU:
Artigo 9.º
Forma da comunicação
[…]
7\ A comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, é efectuada mediante:
a\ Notificação avulsa;
b\ Contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução, comprovadamente mandatado para o efeito, sendo feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original;
c\ Escrito assinado e remetido pelo senhorio nos termos do n.º 1, nos contratos celebrados por escrito em que tenha sido convencionado o domicílio, caso em que é inoponível ao senhorio qualquer alteração do local, salvo se este tiver autorizado a modificação.
No caso, não houve convenção de domicílio, pelo que a comunicação da resolução tinha de ser feita por notificação avulsa ou contacto pessoal.
Artigo 10.º
Vicissitudes
[…]
5\ Nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 7 do artigo anterior, se:
a\ O destinatário da comunicação recusar a assinatura do original ou a recepção do duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, o advogado, solicitador ou agente de execução lavra nota do incidente e a comunicação considera-se efectuada no próprio dia face à certificação da ocorrência;
b\ Não for possível localizar o destinatário da comunicação, o senhorio remete carta registada com aviso de recepção para o local arrendado, decorridos 30 a 60 dias sobre a data em que o destinatário não foi localizado, e considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.
Portanto, a comunicação da resolução, no caso dos autos, teria de ter sido feita por notificação judicial avulsa ou contacto pessoal, devendo o notificando assinar o original (parte final do art.º 9/7b do NRAU e parte final do art.º 256/2 do CPC), ou teria de haver um escrito equivalente (art.º 10/5a do NRAU), ou, depois de se constatar o desconhecimento do paradeiro do arrendatário, teria de ser enviada carta registada com a/r nos termos do art.º 10/5b do NRAU, tendo de haver alegação e prova disto tudo (desconhecimento do paradeiro e envio de carta registada com a/r).
*
O art.º 15 do NRAU dispõe:
Procedimento especial de despejo
1 - O procedimento especial de despejo é um meio processual que se destina a efectivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes.
2 - Apenas podem servir de base ao procedimento especial de despejo, independentemente do fim a que se destina o arrendamento:
[…]
e) Em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil […].
[…]
4 - Nas situações previstas no n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil é ainda admissível o recurso ao procedimento especial de despejo quando se tenha frustrado a comunicação ao arrendatário.
5 - O procedimento especial de despejo previsto na presente subsecção apenas pode ser utilizado relativamente a contratos de arrendamento cujo imposto do selo tenha sido liquidado ou cujas rendas tenham sido declaradas para efeitos de IRS ou IRC.
6 - Quando haja lugar a procedimento especial de despejo, o pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário pode ser deduzido cumulativamente com o pedido de despejo no âmbito do referido procedimento desde que tenha sido comunicado ao arrendatário o montante em dívida, salvo se previamente tiver sido intentada acção executiva para os efeitos previstos no artigo anterior.
[…]
As rendas que se forem vencendo na pendência do procedimento especial de despejo devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais.
O artigo 15.º-B acrescenta:
Apresentação, forma e conteúdo do requerimento de despejo
1 - O requerimento de despejo é apresentado em modelo próprio no BAS.
2 - No requerimento deve o requerente:
a) Identificar as partes, indicando, consoante os casos, os seus nomes ou denominações, domicílios ou sedes e os respetivos números de identificação civil, fiscal ou de pessoa coletiva;
[…]
d) Indicar o lugar onde deve ser feita a notificação, o qual, na falta de domicílio convencionado por escrito, deve ser o local arrendado;
e) Indicar o fundamento do despejo e juntar os documentos previstos no n.º 2 do artigo 15.º;
f) Indicar o valor da renda;
g) Formular o pedido e, no caso de pedido para pagamento de rendas, encargos ou despesas, discriminar o valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas;
h) Juntar comprovativo do pagamento do imposto do selo ou comprovativo da liquidação do IRS ou do IRC relativo aos últimos quatro anos e do qual constem as rendas relativas ao locado, salvo se o contrato for mais recente;
[…]
5 - Sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 15.º, durante o procedimento especial de despejo não é permitida a alteração dos elementos constantes do requerimento, designadamente do pedido formulado.
[…]
Assim sendo, tendo a requerente utilizado um PED para efectivar a cessação do contrato de arrendamento, com base na resolução do contrato por falta de pagamento de rendas, e, no âmbito do PED, formulado ainda um pedido de pagamento de rendas, ela tinha que:
a\ ter comprovado, naturalmente por escrito, a existência de uma comunicação da resolução e a existência de uma assinatura do arrendatário num a/r ou no original da notificação, ou ter alegado o desconhecimento do paradeiro dele e o posterior envio de uma carta registada com a/r.
b\ ter alegado a existência de uma comunicação com o montante das rendas em dívida.
Quanto a (a), a requerente nem sequer alegou, como diz a decisão judicial recorrida, a resolução do contrato, nem a comunicação dela e, portanto, não alegou nem podia provar a existência de qualquer comprovativo escrito da recepção de tal comunicação; a comunicação que fez respeita à falta de pagamento de rendas, sem nunca utilizar, sequer, as palavras resolução ou resolvido. E, aliás, invocando a requerente rendas vencidas até Julho de 2024, não tem qualquer sentido falar de uma resolução do contrato ocorrida em Fev2022 (depois da resolução não se vencem rendas…). Quanto à fotografia do registo com o serviço de a/r, não supre a falta da assinatura do arrendatário no a/r, mesmo que a carta fosse para a comunicação da resolução e não para a comunicação do montante em mora em Fev2022.
Quanto a (b), a requerente alegou a comunicação do montante em dívida, mas em desconformidade com aquilo que alegou no PED: basta ver que na comunicação do montante em dívida as que estão em causa vão até Fev. de 2022, e no PED são pedidas até Julho de 2024.
Tudo isto podia ter levado à decisão judicial da improcedência (por inconcludência) do pedido de pagamento de rendas, pois que os factos que estavam dependentes de documento escrito nem sequer tinham sido alegados (resolução do contrato, comunicação da resolução, recepção da comunicação) ou estavam alegados em desconformidade com o documento escrito (montante em dívida). Não podendo o tribunal dar esses factos por provados, não teria fundamentos de facto para a condenação.
E não estando na lógica do PED, com todas as desconformidades apontadas, que a requerente tivesse comunicado a resolução do contrato e obtido o documento comprovativo da recepção de tal comunicação pelo arrendatário, nem feito nova comunicação do novo montante em divida, o tribunal não podia mandar aperfeiçoar o PED para que a requerente inventasse tais factos.
A decisão judicial recorrida foi por outro caminho – mais favorável à requerente – de lembrar que a junção daqueles documentos, para a resolução, era condição da admissibilidade do procedimento, que devia ter levado à recusa do recebimento do PED pelo BAS.
Aliás, foi isto mesmo que inicialmente aconteceu: pois que o BAS recusou o PED por falta do comprovativo da recepção do requerido. Recusa ultrapassada, sem razão, quando a requerente juntou uma série de documentos e o BAS, sem reparar que o a/r cuja falta tinha motivado a recusa não tinha sido junto, resolveu dar seguimento ao PED.
Ora, a improcedência do pedido é mais prejudicial à requerente/recorrente do que a devolução por PED por força da implícita excepção dilatória da falta da condição de admissibilidade do PED apontada, pelo que, só ela tendo recorrido, deve ser mantida sem alterações por este TRL.
Como decorre de tudo o que antecede, nada disto tem a ver com a existência de um título já emitido pelo BAS, do que resultaria que os vícios já estariam sanados, ao contrário do que diz a requerente, pois que o envio para o tribunal se destinou a obter uma decisão judicial para o pagamento das rendas, decisão que ainda não existe.
Quanto à afirmação de que o BAS fez bem em emitir o título para a desocupação: ela não pode ser aqui discutida, porque não há nenhuma decisão que se pronuncie sobre essa questão. Ou seja, não é esse o objecto do recurso. E, como já se demonstrou, o processo foi enviado para o tribunal para se proferir decisão judicial quanto ao pedido de rendas e não para autorizar a entrada no domicílio.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas do recurso, na vertente de custas de parte, pela requerente.

Lisboa, 05/06/2025
Pedro Martins
Arlindo Crua
Paulo Fernandes da Silva