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DEPOIMENTO DE PARTE
INÚTIL
PROVA POR DOCUMENTO
FACTOS IRRELEVANTES
Sumário
(da exclusiva responsabilidade da Relatora – art.º 663.º, n.º 7, do CPC) Do regime do depoimento de parte (cf. artigos 452.º a 465.º do CPC e 352.º a 361.º do CC), conjugado com os princípios que emergem dos artigos 130.º, 410.º e 411.º do CPC, resulta que o Tribunal não pode admitir um depoimento de parte que, como sucede no caso em apreço, não sirva um propósito confessório e se mostre, à partida, uma diligência probatória inútil, por incidir sobre matéria de facto que apenas se prova por documento ou que já está plenamente provada ou sobre alegações de “factos” substantivamente irrelevantes ou meras conclusões que envolvam juízos de valor para cuja formulação é necessário fazer apelo a regras jurídicas.
Texto Integral
Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados
I - RELATÓRIO
AA e BB, Réus-reconvintes na ação declarativa que, sob a forma de processo comum, foi intentada por CC e DD, interpuseram o presente recurso de apelação do despacho proferido em 14-02-2025 que, no que ora importa, indeferiu parcialmente o depoimento de parte requerido por aqueles (em 13-01-2025).
Os autos tiveram início em 13-12-2022, com a apresentação de Petição Inicial em que os Autores peticionaram que seja:
I – a) Declarada a licitude da resolução operada pelos Autores quanto ao contrato-promessa outorgado com os Réus, condenando estes a pagar-lhes o dobro do sinal, no valor global de 200.000,00 €, acrescido de juros, à taxa legal, desde a citação até efetivo pagamento;
E bem assim,
b) A devolverem o valor de 5.830,00 € que os Autores despenderam pela promessa de compra dos bens móveis da moradia (objeto do contrato promessa);
Ou, a título subsidiário,
c) Declarada a anulação do contrato promessa, à luz do disposto no art.º 252.º, n.º 1, do CC, por vício da vontade dos Autores, erro sobre o objeto do negócio e, por isso, serem os Réus obrigados a devolver aos Autores o sinal em singelo, acrescido de juros, à taxa legal, desde a citação até efetivo pagamento.
E bem assim,
d) A devolverem o valor de 5.830,00 € que os Autores despenderam pela promessa de compra dos bens móveis da moradia.
Alegaram, para tanto e em síntese, que:
- No dia 16-11-2021, foi celebrado entre os Autores, como promitentes compradores, e os Réus, como promitentes vendedores, um contrato promessa de compra e venda do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra e do lote urbano destinado a construção, descritos na referida Conservatória (cujos n.ºs da descrição predial indicam);
- Os Autores pagaram um sinal de 100.000 €;
- Foi depois acordado verbalmente que os Autores comprariam os bens móveis que estavam embutidos nas paredes da moradia, bem como outros bens, tudo no valor de 5.830 €, quantia que os Autores pagaram na íntegra, em 17-02-2022;
- Após terem rececionado a documentação relativa à moradia, os Autores verificaram que da descrição predial e matricial e da licença de utilização não constavam a piscina e anexos, nem os poços de extração de água para rega, e que a passagem para acederem à moradia atravessa outro prédio urbano contíguo, não se tratando, como tinham assumido, de um único complexo habitacional, sendo que a regularização destes aspetos implicaria custos acrescidos;
- Os Autores, considerando que não existiam condições para realizar a escritura nos termos prometidos, interpelaram os Réus para estes procederem à unificação/anexação dos prédios, bem como à comunicação às finanças e ao registo predial das alterações, para que pudesse ser vendido um prédio único;
- O prazo concedido para o efeito pelos Autores terminou no dia 30-06-2022, pelo que os Autores, por carta datada de 4 de julho de 2022, recebida pelos Réus a 6 de julho, procederam à resolução do contrato promessa.
Em 22-02-2023, os Réus apresentaram Contestação, em que se defenderam por exceção, impugnação e reconvenção, pedindo que sejam:
A. Julgadas procedentes, por provadas, as exceções deduzidas e improcedente, por não provada, a presente ação com a consequente absolvição dos Réus dos pedidos:
B. Admitida e julgada procedente por provada a Reconvenção devendo, em consequência:
B.1. Ser declarada ilícita a resolução do contrato promessa de compra e venda realizada pelos Reconvindos;
B.2. Ser declarado o incumprimento definitivo do contrato promessa dos autos pelos Reconvindos, com a sua consequente resolução e perda do sinal a favor dos Reconvintes;
Caso improceda o pedido reconvencional deduzido em B.2.:
Ser declarado encontrarem-se os Reconvindos em mora quanto ao cumprimento do contrato promessa dos autos, não lhes assistindo o direito de resolução que exerceram.
Em 29-03-2023, os Autores apresentaram a sua Réplica e juntaram documentos, designadamente certidão da escritura pública da venda da casa onde residiam aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda.
Os Réus vieram exercer o contraditório quanto à junção documental.
As partes, correspondendo ao convite do Tribunal, juntaram certidões de documentos juntos com os articulados.
Em 29-09-2023, os Autores apresentaram requerimento alegando que os Réus haviam vendido os dois imóveis que tinham prometido vender aos Autores.
Em 29-12-2023, com dispensa da audiência prévia, foi proferido despacho saneador e despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, mais tendo sido apreciados os requerimentos probatórios das partes, em que, além do mais, se admitiu o depoimento de parte dos Autores-reconvindos quanto a diversos factos alegados na Contestação, designadamente aos seguintes: (110) Por não existir qualquer resposta por parte da “Polo Med – Mediação Imobiliária, Lda.”, e os RR. terem necessidade de saber quando iria ocorrer a escritura, o R. marido tomou a iniciativa de contactar telefonicamente o A. marido, tendo também a R. mulher ligado para o A. marido, (111) Tendo tais telefonemas ocorrido em 03/03/2022 e 04/03/2022. (112) No decorrer desses telefonemas foi prestada a informação pelo A. marido ao R. marido, e também em telefonema com a R. mulher, de que os AA. não poderiam realizar a escritura na data convencionada no CPCV, por não terem dinheiro e que, antes de outorgarem a escritura de compra com os RR. teriam que vender a sua casa, (206) Após a carta de 27/05/2022 (DOC. 17 junto com a p.i) os AA (com exceção da comunicação resolutiva – Carta de 04/07/2022) nada mais disseram ou comunicaram aos RR.,
Foi designada data para realização da audiência de julgamento, posteriormente alterada, ficando a 1.ª sessão agendada para o dia 19-03-2025.
Em 21-11-2024, os Autores vieram apresentar Articulado superveniente, alegando, em síntese, que os Réus se colocaram, em 10 de maio de 2023, numa situação de impossibilidade definitiva de cumprirem a sua prometida obrigação, já que venderam a terceiro os prédios objeto do contrato promessa, requerendo, assim, que os Réus sejam condenados a reconhecerem terem tornado culposamente impossível a sua obrigação principal, de venderem os imóveis prometidos vender aos Autores (ao venderem tais bens imóveis a terceiros), e por consequência serem condenados a pagar aos Autores o dobro do sinal, no valor global de 200.000,00 €, acrescido de juros, à taxa legal, desde 10 de maio de 2023, bem como condenados à devolução do valor de 5.830,00 € que os Autores despenderam pela promessa de compra dos bens móveis da moradia.
Em 17-12-2024 foi proferido despacho (cuja notificação às partes foi elaborada em 18-12-2024) que admitiu liminarmente o articulado superveniente e determinou a notificação dos Réus para, responderem, querendo, em 10 dias, nos termos do art.º 588.º, n.º 4, do CPC.
Os Réus apresentaram a sua Resposta, a 13-01-2025, invocando a intempestividade do articulado superveniente, a inadmissibilidade da ampliação do pedido e da causa de pedir do mesmo constantes, bem como a improcedência da pretensão dos Autores, alegando designadamente que a resolução do contrato promessa que os Autores fizeram por carta de 04-07-2022 não tinha fundamento, pelo que o contrato promessa foi definitivamente incumprido sim, mas pelos Autores, os quais, em 05-01-2023, compraram um outro prédio urbano destinado a habitação própria e permanente, conforme documentos já juntos aos autos (com a Contestação e o requerimento de 15-06-2023); mais alegaram que: “65 Os AA./Reconvindos compraram este prédio, por não quererem comprar os prédios que prometeram comprar aos RR./Reconvintes, 66 Tendo, em 22.11.2022, procedido à venda da moradia onde residiam, sita na Rua... descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras, sob o nº ..., freguesia de paço de Arcos, conforme escritura junta com a réplica. 67 Os AA. desinteressaram-se, injustificadamente, da compra que haviam prometido realizar aos RR, 68 Tendo fixado a sua morada de família no prédio que compraram, 68 Nunca mais tendo tomado qualquer iniciativa para contactar os RR., 69 Nem alguma vez procederam, nem se dispuseram, à marcação da escritura, tal como se haviam obrigado com o contrato promessa dos autos.”
Os Réus terminaram, requerendo, no que ora importa, o depoimento de parte dos Autores-reconvindos à matéria alegada nos (citados) artigos 65.º a 69.º.
Os Autores vieram responder, mediante requerimento apresentado em 27-01-2025.
De seguida, em 14-02-2025, foi proferido o Despacho recorrido, cujo teor é designadamente o seguinte (sublinhado nosso): “Resposta dos Réus de 13-1-2025, após admissão liminar do articulado superveniente apresentado pelos Autores em 20-11-2024: Visto. Quanto à, aí referida, intempestividade do articulado superveniente; articulado superveniente, esse, que foi expressa e liminarmente admitido, conforme o art.º 588º, nº 4 pelo nosso despacho de 17-12-2024, nada mais a decidir. Quanto à questão da admissibilidade de alteração do pedido e da causa de pedir, veja-se que o pedido formulado pelos Autores no final do articulado superveniente se mantém (condenação dos Réus a pagarem aos Autores, a título de sinal em dobro, do valor de 200.000, 00 euros; acrescido da devolução de 5.830, 00 euros); e o que constitui nova factualidade integrante da causa de pedir, é a factualidade resultante da alegação feita no articulado superveniente. E a verdade é que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender e decidir que, através do articulado superveniente, pode ser invocada uma nova causa de pedir e, assim, a rejeição desse articulado só deve ter lugar se se verificar alguns dos pressupostos de indeferimento a que alude o nº 4 do art.º 588º, o que não foi o caso dos autos. Nestes termos, também, nada há a decidir especificamente quanto a alteração do pedido e da causa de pedir ao abrigo da previsão dos arts. 264º e 265º, ambos, do Código de Processo Civil. No que respeita ao requerido depoimento de parte dos Autores, apenas se admite quanto ao conteúdo do art.º 68º (1º) desse requerimento de 13-1-2025 (cuja alegação não coincide exatamente com o conteúdo do art.º 420º, da contestação, pois que aqui se remetia para o que consta em certo documento; enquanto naquele art.º 68º (o 1º)se alude a uma concreta situação de facto). E, assim, não se admite o requerido depoimento de parte dos Autores à matéria constante do art.º 66 desse mesmo requerimento, porque se trata de matéria que apenas se prova por documento; e, bem assim, quanto aos artigos 65º, 67º, 68º (o 2º) e 69° do aludido requerimento de 13-1-2025 porque apenas contêm considerações e conclusões.”
Desta decisão vieram os Réus-reconvindos interpor o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: I. Em 13.12.2022 foi proposta a ação de condenação em processo pelos Recorridos contra os ora Recorrentes tendo como causa de pedir o contrato promessa de compra e venda celebrado entre as partes, tendo como objeto dois prédios da propriedade dos ora Recorrentes, tendo os Recorrentes apresentado contestação e deduzido reconvenção em 22.02.2023 e em 29.03.2023 foi apresentada Réplica pelos Recorridos em resposta a reconvenção deduzida pelos Recorrentes. II. Por requerimento de 29.09.2023 os Recorridos vieram informar os autos que os Recorrentes haviam procedido à venda dos prédios objeto do contrato promessa de compra e venda celebrado entre as partes. III. Em 29.12.2023 foi prolatado despacho saneador no qual se dispensou a realização de audiência prévia, e se fixaram as datas para a realização da audiência de julgamento (os dias 4 de junho 2024, 5 de junho 2024), tendo os Recorridos sido notificados de tais datas através da sua Ilustre mandatária em 29.12.2024, nos termos do artigo 151º do CPC, sendo que, em 15.01.2024 a Ilustre mandatária dos Recorridos foi notificada de que se encontravam designadas as referidas datas. IV. Em 04.06.2024 foi dado sem efeito o agendamento das sessões agendadas e designadas novas datas:13-11-2024, 14-11-2024 e 15-11-2024, sendo tais datas sido alteradas por despacho de 05.06.2024 para 13-11-2024, 15-11-2024 e 20-11-2024, tudo notificado aos Recorridos, através da sua mandatária (notificação de 05.06.2024, nos termos do artigo 151º CPC, e posterior notificação de 25.06.2024. V. Em 13.11.2024, adiaram-se as sessões de audiência e julgamento agendadas e em sua substituição designam-se, as seguintes datas: 19-03-2025, 20-03-2025 e 08-04-2025. VI. Em 20.11.2024, os AA apresentaram articulado superveniente, seguido de articulado superveniente “retificado” (23.11.2024) assentando a sua alegação na tomada de conhecimento em 29.09.2023 da venda pelos Recorrentes dos prédios objeto do contrato promessa de compra e venda dos autos e em 17.12.2024 foi preferido pela Meritíssima Juiz a quo o despacho de admissão liminar do articulado superveniente. VII. Na resposta de 13.01.2025, os Recorrentes suscitaram e pugnaram pela intempestividade do articulado superveniente, sendo que, relativamente a esta questão, no despacho de 14.02.2025, consignou-se que o articulado superveniente apresentado pelos AA, foi expressa e liminarmente admitido, conforme o artigo 588º, nº4 pelo despacho de 17.12.2024, “nada mais a decidir”, pelo que, os Recorrentes, por não se conformarem com o mesmo, recorrem do mesmo. VIII. O despacho de 17.12.2024 proferido pela Meritíssima Juiz “a quo”, nos termos do artigo 588º CPC limitou-se a admitir liminarmente o articulado superveniente proferido sem a audiência da parte contrária (ora Recorrentes), sendo, por isso, meramente tabelar, consubstanciando uma decisão genérica, sumária (artigos 620º e 3º do CPC), não formando caso julgado formal, não decidindo definitivamente quer a questão da tempestividade ou intempestividade do articulado, quer se os factos invocados pelos Recorridos interessam, ou não, à boa decisão da causa [nesse sentido, Ac. RL Proc. 997/19.7T8OER-B.L1-7, de 18.01.2022, Relator José Capacete) IX. No despacho de 14.02.2025, a Meritíssima Juiz ao limitar-se a dizer que o articulado superveniente foi liminarmente admitido, conforme o art.º 588º, nº 4 pelo despacho de 17.12.2024, nada mais havendo a decidir, negou-se a decidir a questão que os Recorrentes invocaram e submeteram à apreciação do tribunal (intempestividade da apresentação do articulado superveniente), cabendo-lhe apreciar especificadamente tal questão e decidi-la, o que não fez. X. Não tendo a Meritíssima Juiz “a quo” decidido a questão que os Recorrentes invocaram e submeteram à apreciação do tribunal, tal constitui uma omissão de pronúncia, por ausência de fundamentação de facto e de direito, impossibilitando descortinar os concretos fundamentos que suportam o despacho recorrido, não bastando a referência ao despacho liminar, violando o dever de fundamentação estabelecido no artigo 154º CPC, preceito este que é a densificação do artigo 205º, nº 1 CRP (princípio do Estado de Direito de controle da decisão de molde a impedir qualquer livre-arbítrio do julgador) e acarretando, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. b), aplicável por força do artigo 613, nº 3, ambos do CPC, a nulidade do despacho, o que se invoca. XI. Por outro lado, o despacho recorrido desconsidera e ignora o contraditório exercido pelos Recorrentes, sendo que o princípio do contraditório emana de um outro princípio que se traduz na exigência constitucional do direito de ação ou direito de agir em juízo através de um processo equitativo (artigo 20.º da CRP), violando o despacho em crise o disposto no artigo 3º nº 3 do CPC, acarretando a sua nulidade, o que se invoca. Acresce que, XII. A admissão liminar do articulado superveniente operada pelo despacho de 17.12.2024, de modo algum inibia o tribunal a quo de, terminado o contraditório exercido pelos ora Recorrentes, rejeitar tal articulado, por ser intempestivo. XIII. Não se tendo realizado a audiência prévia, o prazo ou momento de apresentação do articulado superveniente é nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final (al. b) do artigo nº 3 do artigo 588º do CPC). XIV. Os prazos e momentos fixados para o oferecimento do articulado superveniente fixados no nº 3 do artigo 588º CPC, são peremptórios, constituem termos ou prazos finais e, por isso, preclusivos, encontrando-se a invocação ou alegação de tais factos dependente do momento em que os mesmos ocorreram ou em que os Recorridos tiveram conhecimento. XV. Os Recorridos, pelo menos a partir de 29.09.2023 (data em que informaram os autos de que em 10.05.2023 os Recorrentes tinham vendido os dois imóveis que os Recorridos lhes prometeram comprar), poderiam ter deduzido o articulado superveniente, tendo optado por não o fazer, nem nesse momento, nem nos 10 dias posteriores à notificação da primeira data designada para a realização da audiência final (notificação de 15.01.2024), sendo que, era a contar dessa notificação (e não outra) que o articulado superveniente teria de ser oferecido (al. b) do artigo nº 3 do artigo 588º do CPC). XVI. O artigo 588º, nº 3, al. b) do CPC [que corresponde ao anterior artigo 506º, nº 3, al. b) na redação introduzida pelo Decreto-Lei 329-A/95], não contempla expressamente a possibilidade de se aplicar em caso de adiamento da audiência de julgamento [neste sentido, Ac. TRL de 22.05.2014, Proc. 3009/11.5TBCSC-A.L1-2, Relatora Magda Geraldes; Ac. TRP de 09.09.2010, Proc. nº 1574/05.5TBVFR.P1, Relatora Deolinda Varão, todos in www.dgsi.pt ], ficando, assim, inviabilizada a possibilidade de se produzir aquele articulado nos 10 dias posteriores a cada adiamento, sob pena de se poder deduzir aquele articulado, por cada período de 10 dias posterior ao adiamento subsequente a cada adiamento [nesse sentido Ac. da TRP de 30.10.03, CJ-03-IV-193], dando inclusivamente às partes a possibilidade de poderem lançar mão de expedientes que permitissem o adiamento da audiência, beneficiando, deste modo, do prazo de 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final. XVII. Analisando o que se dispunha, relativamente ao artigo 506º do CPC, no Projeto de Revisão do Código de Processo Civil de 1995, e na solução adotada (que deu origem à redação do artigo 506º, na versão de 1995), atendendo ao disposto no artigo 9º, nº 1 CC, pode-se perceber – tal como se faz na jurisprudência e Acórdãos já citados - que o elemento histórico permite interpretar a atual al. b) do nº 3 do artigo 588º do CPC, no sentido de que o prazo de 10 dias que aí se estabelece se conta a partir da primeira data designada para a audiência final e não de qualquer outra data designada decorrente de adiamento dessa audiência final. XVIII. Assim, o articulado superveniente é manifestamente intempestivo, porque oferecido em 23.12.2024, no prazo de 10 dias contados da notificação do segundo adiamento da data designada para a realização da audiência final, pelo que deveria ter sido rejeitado, tendo o Tribunal recorrido violado o disposto no artigo 588º, nº 3, al. b) do CPC, carecendo o mesmo de ser revogado e substituído por outro, ou proferido Acórdão, que considerando o articulado superveniente apresentado fora de tempo, e, por isso, intempestivo, venha a rejeitá-lo. XIX. Quanto ao requerido depoimento de parte dos Recorridos à matéria dos artigos 65, 67, 68 (o 2º) e 69 da Resposta de 13.01.2025, a Meritíssima Juiz “a quo” não o admitiu “(...) porque apenas contêm considerações e conclusões”, sendo tal entendimento lacónico, sucinto, inexistindo qualquer fundamentação ou justificação que permita alcançar a sua razão de ser. XX. Quanto a esses artigos 65, 67, 68 (o 2º) e 69 da Resposta nos mesmos foram alegados factos objetivos, concretos, não consubstanciando um qualquer juízo de valor ou consideração, designadamente de ordem jurídica, mas reproduzindo uma realidade, sendo, ainda, factos pessoais de que os Recorridos deverão ter conhecimento. XXI. A alegação dos Recorrentes não é conclusiva nem se trata de uma qualquer consideração pelos mesmos feita. XXII. O tribunal “a quo” fez uma errada e desajustada interpretação do alegado pelos Recorrentes, violando o disposto no artigo 454º, nº 1 CPC, sendo que, perfilhando-se o entendimento do Tribunal” a quo” correr-se-á o risco de qualquer alegação seja entendida, tão simplesmente, como consideração ou conclusão. XXIII. Caso não venha a ser rejeitado o articulado superveniente, deve nessa parte, o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro, proferindo-se Acórdão, que admita o requerido depoimento de parte quanto à matéria dos artigos 65, 67 68(2º) e 69 da resposta dos Recorrentes ao articulado superveniente.
Terminaram os Apelantes requerendo que seja concedido provimento ao presente recurso, devendo em consequência:
A. Ser revogado o despacho recorrido, na parte em que considerou “nada mais a decidir” quanto à suscitada intempestividade do articulado superveniente, devendo ser proferido acórdão que declare a nulidade do despacho recorrido, e que declare a intempestividade do articulado superveniente apresentado pelos Recorridos, substituindo-se o despacho recorrido por outro que conheça da intempestividade do articulado superveniente e o rejeite;
B. Em caso de não rejeição do articulado superveniente, deverá ser revogado o despacho recorrido na parte em que indeferiu o depoimento de parte, proferindo-se Acórdão a admitir o depoimento de parte dos AA., ora Recorridos, quanto aos factos referentes aos artigos 65, 67, 68(2º) e 69 da Resposta dos RR e Reconvintes, ora Recorrentes, ao articulado superveniente, substituindo-se o despacho recorrido por outro despacho que admita o depoimento de parte quanto à identificada matéria.
Foi apresentada alegação de resposta, em que os Apelados defenderam que não deve ser dado provimento ao recurso, concluindo nos seguintes termos: 1. O despacho recorrido não pode ser objeto de recurso autónomo com base nas alíneas d) e h) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC, pois existiu decisão anterior que admitiu o articulado superveniente dos Autores e que não foi objeto de recurso atempado pelos RR, formando caso julgado formal. 2. De qualquer modo, mesmo que assim não se entenda não versando o despacho recorrido de rejeição ou de admissão da peça processual ou de rejeição de meio de prova, nunca os RR poderiam interpor recurso com base na alínea d) e h) do n.º 2 do art.º 644 do CPC já que a decisão em causa não é suscetível de impugnação autónoma por não ter cabimento em qualquer das alíneas do n.º 2 do art.º 644 do CPC. 3. Caso assim não se entenda, (…) 17. Assim deverá ser mantido o despacho recorrido improcedendo o recurso. 18. Por último, a decisão de indeferir parcialmente o alargamento do objeto do depoimento de parte também se justifica e deve manter. 19. O despacho em causa indeferiu a ampliação do objeto do depoimento de parte por entender que os artigos em causa continham factos conclusivos ou exigiriam prova documental, não se tratando de factos concretos passíveis de confissão. 20. Em conformidade com a lei processual civil, o depoimento de parte deve incidir em factos materiais e positivos, não podendo versar sobre juízos de valor, interpretações ou conclusões jurídicas. 21. Exemplificativamente, no artigo 65.º invocava-se que os Autores compraram o novo imóvel por já não pretenderem adquirir o prédio aos Réus, o que configura um salto lógico (uma conclusão não ancorada em factos concretos e objetivos). 22. O mesmo ocorria nos artigos 67.º, 68.º e 69.º, que contêm afirmações conclusivas ou valorativas, logo não admissíveis como matéria de depoimento de parte. 23. Por tudo o exposto se deverá manter o despacho recorrido, indeferindo-se totalmente o recurso.
Foi proferido despacho de admissão do recurso, apenas quanto à decisão que indeferiu parcialmente indeferido o requerido depoimento de parte dos Autores, tendo sido proferido despacho de não admissão do recurso quanto ao mais, o que se justificou, nos seguintes termos: «Recorrem, os Réus, do despacho de 14/02/2025 na parte em que aí se decidiu que, relativamente à intempestividade do articulado superveniente suscitada pelos Réus, nada mais havia a decidir; e, bem assim, na parte em que foi parcialmente indeferido o requerido depoimento de parte dos Autores. Decidindo. Como se sabe, à face do Código de Processo Civil vigente, nem todas as decisões são alvo de recurso de apelação autónomo. No caso dos autos, os Réus fundam este seu recurso nas als. d) e h) do nº 2, do art.º 644º, do Código de Processo Civil. Porém, relativamente ao recurso incidente sobre a decisão em que se decidiu que, relativamente à intempestividade do articulado superveniente suscitada pelos Réus, nada mais havia a decidir, não se vê que se mostre preenchida a previsão de alguma das duas alíneas. Manifestamente, este despacho de que ora se recorre não se trata de despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova; sendo certo que o articulado superveniente em apreço já havia sido expressamente admitido pelo despacho de 17-12-2024, que não foi objeto de recurso. Por outro lado, também, se constata que relativamente a este recurso incidente sobre a decisão em que se decidiu que, relativamente à intempestividade do articulado superveniente suscitada pelos Réus, nada mais havia a decidir, não nos encontramos perante decisão cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil. Sabe-se que, para efeitos da al. h) do n.º 2 do art.º 644º do CPC, “decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil” são exclusivamente aquelas cujos efeitos jurídicos se produzem de modo irreversível na esfera jurídica da parte interessada, traduzindo-se a posterior revogação dessa decisão numa, por vezes, chamada “vitória de pirro”. De modo que se vem entendendo que as decisões “cuja impugnação com o recurso da decisão final é absolutamente inútil”, de acordo com o disposto na al. h) do nº 2 do art.º 644º do Código de Processo Civil, são apenas aquelas cuja retenção poderia ter um efeito material irreversível sobre o conteúdo do decidido, e não as que acarretem a mera inutilização de atos processuais. Consequentemente, salvo o devido respeito por melhor entendimento, entendemos que o recurso desta decisão deverá ser apresentado em conformidade com o prevenido pelo nº 3 deste mesmo art.º 644º, ou seja, no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no seu n.º 1. Nestes termos, ao abrigo do disposto pelo art.º 641º, nº 2, al. a), do citado Código de Processo Civil, decide-se indeferir o recurso da decisão na parte em que aí se decidiu que, relativamente à intempestividade do articulado superveniente suscitada pelos Réus, nada mais havia a decidir.»
Do despacho de não admissão do recurso não houve reclamação.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
A única questão a decidir é a de saber se deve ser admitido o depoimento de parte quanto a toda a matéria indicada.
Os factos com relevância para o conhecimento do objeto do recurso são os que resultam do relatório supra.
Começamos por lembrar, que, conforme expressamente previsto no art.º 410.º do CPC, a instrução tem por objeto os temas da prova enunciados (entenda-se a matéria dos temas da prova) ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova. O art.º 411.º do CPC consagra o princípio do inquisitório, estabelecendo que “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.”
O regime do depoimento de parte consta dos artigos 452.º a 465.º do CPC e dos artigos 352.º a 361.º do CC, dos quais resulta, no que ora importa, que o depoimento de parte serve para provocar a confissão, a qual consiste no reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária. De referir que, nos termos do art.º 454.º, n.º 1, do CPC, o depoimento de parte só pode ter por objeto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento. Ademais, conforme resulta do art.º 364.º do CC, quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular (a menos que resulte claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração), não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior.
Sendo assim, e tendo ainda em atenção o princípio da limitação dos atos consagrado no art.º 130.º do CPC, é claro que o Tribunal não pode admitir o depoimento de parte que não sirva o seu aludido propósito confessório, sendo uma diligência probatória inútil, como sucederá se incidir sobre matéria de facto que apenas se prova por documento ou que já está plenamente provada ou sobre alegações de “factos” substantivamente irrelevantes ou meras conclusões que envolvam juízos de valor para cuja formulação é necessário fazer apelo a regras jurídicas; tais alegações ou conclusões não se confundem com os factos propriamente ditos ou “juízos (puros) de facto” (isto é, ocorrências concretas da vida real, incluindo as realidades puramente psicológicas) ou mesmo com “juízos de valor acerca dos factos” baseados unicamente em critérios próprios do homem comum (nas palavras impressivas do sumário do acórdão do STJ de 01-07-1999, no proc. n.º 99B582, disponível em www.dgsi.pt).
Ora, nos casos dos autos, o facto vertido no art.º 66.º em apreço, atinente à venda pelos Autores da moradia onde residiam, é matéria de facto que apenas se prova por documento, conforme referiu o Tribunal a quo; aliás, encontra-se plenamente provada, pois as partes reconhecem que os Autores residiam, aquando da celebração do contrato promessa, no prédio cuja morada é aí indicada, e foi junta aos autos (por requerimento de 22-06-2023) certidão da escritura pública de venda do respetivo prédio outorgada no dia 22-11-2022 (cf. digitalização inserida no processo eletrónico a 15-09-2023). Portanto, é óbvio que o depoimento de parte não se justifica.
Quanto ao facto de os Autores-reconvindos terem (depois) comprado outro prédio (cf. art.º 65.º, 1.ª parte), é matéria de facto que também apenas se prova por documento, que os Réus-reconvintes até já juntaram aos autos, com a Contestação e o requerimento de 15-06-2023 (cf. certidão de escritura pública outorgada a 05-01-2023).
Se fizeram essa compra para fixarem, no prédio objeto da mesma, a sua morada de família (cf. art.º 68.º, o 1.º) é matéria relativamente à qual foi admitido o depoimento de parte. Se o fizeram por não quererem comprar os prédios objeto do contrato promessa em apreço (cf. art.º 65.º, 2.ª parte), já se trata de um juízo de valor conclusivo formulado pelos Réus ou, a ser encarado como um facto, matéria substantivamente irrelevante, tendo em conta o objeto do litígio, sendo ao Tribunal que, a final, caberá decidir se os Autores, com a sua concreta atuação (e não intenção), mormente quando comunicaram aos Réus a resolução do contrato promessa, incumpriram (ou não) definitivamente o contrato promessa. Logo, também não é admissível o depoimento de parte a este respeito.
Tal como é puramente conclusiva, retirando-se do conjunto dos factos alegados pelos Réus, a alegação de que os Autores se desinteressaram injustificadamente da compra que haviam prometido realizar aos Réus (cf. art.º 67.º), pelo que, em relação à mesma, o depoimento de parte não tem cabimento.
Quanto ao facto de os Autores nunca mais terem tomado qualquer iniciativa para contactar os Réus, nem alguma vez terem procedido ou se terem disposto, à marcação da escritura, conforme se haviam obrigado com o contrato promessa dos autos (cf. artigos 68.º, o 2.º, e 69.º), trata-se de matéria, em parte conclusiva e irrelevante, mas também repetitiva face às alegações de facto, mais detalhadas, feitas na Contestação, tendo sido admitido o depoimento de parte a esse respeito, pelo que seria inútil determiná-lo novamente.
Assim, improcedem as conclusões da alegação de recurso, ao qual será negado provimento.
Vencidos os Réus-Apelantes, são os responsáveis pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
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III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida.
Mais se decide condenar os Réus-Apelantes no pagamento das custas do recurso.
D.N.
Lisboa, 05-06-2025
Laurinda Gemas
Pedro Martins
Susana Mesquita Gonçalves