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RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INCUMPRIMENTO
ALIMENTOS
JUÍZO CONCLUSIVO
ÓNUS DE PROVA
ABUSO DE DIREITO
ALTERAÇÃO
INFORMAL
TÁCITA
Sumário
(da exclusiva responsabilidade da Relatora – art.º 663.º, n.º 7, do CPC) I – No presente recurso da sentença que julgou improcedente o incidente de incumprimento do regime sobre o exercício das responsabilidades parentais (quanto à obrigação alimentar), não pode ser dado como provado que o Requerido deve à Requerente a importância (reclamada) de 6.742,24 €, pois uma tal alegação consubstancia um juízo conclusivo que apenas se poderá extrair, em sede de fundamentação de direito, do conjunto dos factos provados, contanto estejam provadas alegações de facto nesse sentido. II – Ao analisar a impugnação da decisão da matéria de facto (que veio a ser parcialmente atendida), importa não perder de vista a relevância jurídica dos factos impugnados em face dos termos do acordo de RRP homologado e da posição assumida pela Requerente, não apenas no Requerimento inicial, mas também nos demais Requerimentos em que clarificou a sua posição e reduziu o pedido apenas quanto às prestações relativas aos anos de 2012 a 2020, devendo ser aditados os factos (comprovados documentalmente e por acordo das partes nos articulados) atinentes às despesas escolares da filha suportadas pela Requerente no período em referência, bem como às concretas transferências efetuadas pelo Requerido para a conta bancária da Requerente. III – Fundando-se o incidente de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais na omissão de pagamento dos alimentos (nos termos acordados ou decididos), compete ao requerente/credor alegar e provar os factos constitutivos do direito que se arroga, ou seja, os factos dos quais resulta que o progenitor/requerido está obrigado a pagar a(s) concreta(s) quantia(s) alegadamente em dívida; por sua vez, a este último (demandado) incumbe alegar e provar o respetivo pagamento ou outros factos que consubstanciem matéria de exceção. IV – No caso dos autos, tendo sido estipulado no acordo de RRP que o progenitor (ora Requerido e Apelado) ficava obrigado a pagar metade das despesas de saúde na parte não comparticipada pelo Subsistema da ADM (Assistência na Doença aos Militares), mas não cuidando a Requerente de alegar que os valores (anuais) reclamados a título de despesas de saúde correspondam ao valor remanescente não comparticipado (por esse subsistema de saúde) e cujo pagamento, nessa conformidade, solicitou ao Requerido, procedimento que, tudo indica, aquela deixou de adotar por comodidade ou por não pretender aguardar por eventual reembolso do ADM ou para não ter de comunicar com o Requerido, o qual, a dada altura, se recusou a pagar despesas de saúde sem comparticipação, é de concluir que não assiste à Requerente o direito a tais quantias. V – Numa outra perspetiva, a sua pretensão não poderia ser atendida, por configurar abuso do direito, no contexto fáctico apurado, já que a Requerente contribuiu para o (hipotético) incumprimento por parte do Requerido, uma vez que, a partir de 2012, não mais diligenciou pela comparticipação do subsistema ADM nas despesas de saúde da filha, descurando obter um benefício económico que ambas as partes tinham acordado; e, apesar disso, o Requerido efetuou ao longo dos anos, em alguns meses, pagamentos de valor superior ao da pensão mensal e, mais tarde, passou a pagar um acréscimo mensal de 30 € na pensão para eventuais despesas de saúde, em moldes que sugerem ter a Requerente, pelo menos de forma tácita, concordado com a prática adotada, sendo inaceitável, à luz de critérios de justiça e oportunidade, que venha reclamar despesas num incidente iniciado em janeiro de 2021, já depois de a filha ter atingido a maioridade e ido viver com o pai. VI – Resultando do conjunto dos factos provados que a Requerente concordou/reconheceu que a pensão de alimentos no valor de 200 € correspondia, ainda em janeiro de 2020, a um valor atualizado, não se justificando a atualização monetária, à qual renunciou, seguramente por se lhe afigurar que bastavam as atualizações que o Requerido fez, as quais se mostram acordadas, de forma tácita, pelas partes, tendo a virtualidade de abrangerem ou dispensarem a atualização monetária, é de considerar verificada a previsão do art.º 2008.º, n.º 1, 2.ª parte, do CC, ou, pelo menos, convocar a figura do abuso do direito, improcedendo igualmente, neste particular, a pretensão da Requerente. VII – Provando-se que a Requerente, porque queria manter a filha no colégio privado e sabia que o Requerido preferia o ensino público, optou por assumir o pagamento das despesas do colégio (incluindo alimentação e transporte) com a comparticipação do Requerido no valor de 100 € mensais (a acrescer ao da pensão mensal de 200 €), o qual sempre foi pago pelo Requerido ao longo dos anos, nunca tendo o valor das transferências anuais sido inferior a 3.600 € (300 € x 12 meses), é de considerar que as partes acordaram (pelo menos de forma tácita) numa alteração informal do regime quanto a alimentos: como contrapartida do acréscimo de 100 € na pensão mensal, a Requerente aceitou deixar de pedir a metade das despesas de educação (verbas variáveis), renunciando às mesmas, à medida que se foram vencendo, numa situação que se reconduz à previsão do art.º 2008.º, n.º 1, 2.ª parte, do CC. VIII – Assim, a Requerente não podia exigir do Requerido o pagamento de metade das efetivas despesas escolares; mesmo que pudesse, face aos valores que foram sendo pagos pelo Requerido ao longo dos anos, são de considerar pagas tais contribuições; aliás, nem sequer foi essa a pretensão deduzida, arrogando-se a Requerente o direito a despesas ditas de “Educação plafonada” cujos montantes não têm o indispensável suporte fáctico, sendo que o ónus da prova a esse respeito era da Requerente. IX – Ademais, também a este propósito, se impõe considerar que a sua pretensão - ao intentar o presente processo vários anos após a filha ter deixado de frequentar o referido colégio, exigindo o pagamento pelo Requerido de verbas nos termos em que o fez, que até excedem a metade das despesas escolares apuradas das quais antes “abriu mão” nos termos suprarreferidos e que levaram o Requerido a confiar que a Requerente mais não lhe iria exigir (pelo que nunca se mostrou necessário discutir a questão em Tribunal) - configura um inadmissível abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium ou suppressio (cf. art.º 334.º do CC), como também foi perspetivado pelo Tribunal a quo, lembrando que se está perante um processo de jurisdição voluntária, orientado por juízos de oportunidade ou conveniência sobre os interesses em causa, concluindo que não seria “justo” condenar neste momento o Requerido ao pagamento de qualquer valor.
Texto Integral
Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados
I - RELATÓRIO
AA interpôs o presente recurso de apelação da sentença que julgou improcedente o incidente de incumprimento do regime sobre o exercício das responsabilidades parentais que deduziu contra BB, relativo à filha de ambos, CC.
Os autos tiveram início em 13-01-2021, com a apresentação de Requerimento inicial - que a Requerente substituiu em 02-02-2021, juntando “Petição Inicial corrigida de harmonia com os cálculos efetuados nos mapas que junta com a mesma” -, em que a Requerente pediu que fossem tomadas as providências necessárias para ser assegurado o pagamento da quantia em dívida, no valor total de 12.596,69 €, e ainda que fosse ordenado o cumprimento do disposto no art.º 41.º, n.º 3, do RGPTC ou acionado o mecanismo previsto no art.º 48.º do RGPTC.
Alegou, em síntese, que, a partir de 2011 e até 2020, o Requerido não pagou na totalidade a pensão de alimentos e a comparticipação das despesas suportadas em exclusivo pela Requerente - no que concerne à filha comum, nascida a ...2002 -, no valor global de 10.129 €, a que acrescem os respetivos juros, então calculados no valor de 2.467,69 €.
O Requerido foi notificado para se pronunciar quanto ao alegado incumprimento, o que fez, conforme Requerimento de 03-02-2022, em que se defendeu excecionando a ilegitimidade da Requerente, atenta a maioridade da filha CC, bem como a prescrição parcial das quantias reclamadas e relativas ao período entre 2010 e 2017; alegou ainda, em síntese, que: nada é devido da sua parte, designadamente a título de comparticipação para as despesas relacionadas com a frequência de escola privada, porquanto informou a Requerente de que não tinha possibilidade económica de continuar a pagar essa despesa após o 5.º ano de escolaridade; quanto às despesas médicas, a Requerente fazia as contas sem considerar o desconto do ADM, contrariando o acordo de RRP, pelo que a informou de que não pagaria serviços de saúde que não passassem pelo ADM, conforme constava do acordo; a partir de julho 2011, ele passou a pagar, por sua iniciativa, 300 € mensais de pensão de alimentos para a filha e, a partir de fevereiro de 2018, passou a pagar 330 €; além disso, em alguns meses, pagou quantias superiores, “reforços”, sendo o valor total de transferências efetuadas pelo Requerido para a Requerente ao longo dos anos de, pelo menos, 41.319,71€, conforme tabela/resumo que juntou. Deduziu ainda pedido reconvencional, alegando que a Requerente recebeu indevidamente 11.124,46 €, quantia que deve restituir-lhe.
A Requerente exerceu o contraditório, mediante Requerimento apresentado a 18-07-2022, em que pugnou pela improcedência das exceções de ilegitimidade e prescrição, e reduziu o pedido para o montante de 6.742,24 €, acrescido de juros vencidos desde 31-12-2012 (calculados, a 13-01-2021, no montante de 1.374,01 €) e vincendos, alegando nesse sentido o seguinte (acrescentámos, para melhor compreensão, o que consta entre parenteses retos):
- A Requerente constatou que efetivamente existiu lapso nas suas contas quanto aos valores transferidos pelo Requerido e requer, assim, a redução do seu pedido para 8.116,25 €, com os seguintes fundamentos:
- O Requerido não contribuiu com o acordado a partir de 2012, não procedeu, como lhe competia, ao integral pagamento das prestações alimentícias devidas à filha e da metade acordada nas despesas, encontrando-se, assim, por pagar:
● 203,66 € no ano 2012, pois o Requerido transferiu 3.984,99 € + 176,32 € (ainda excesso de transferência de 2010), quando deveria ter pago 4.364,96 € para fazer face às seguintes rubricas: metade das despesas de educação – 1.724,96 €, metade das despesas de saúde – 120,00 € e pensão de alimentos – 2 520,00€ - Cf. Doc. 6 junto com a PI;
● 738,46 € no ano 2013, pois o Requerido transferiu 3.600,00 €, quando deveria ter pago 4.338,46 € para fazer face às seguintes rubricas: metade das despesas de educação – 1.596,46 €, metade das despesas de saúde – 150,00 € e pensão de alimentos – 2 592,00 € - Cf. Doc. 7 junto com a PI;
● 1.572,63 € no ano 2014, pois o Requerido transferiu 4.719,06 €, quando deveria ter pago 6.291,69 € para fazer face às seguintes rubricas: metade das despesas de educação – 1.761,04 €, metade das despesas de saúde – 1.926,65 € e pensão de alimentos – 2.604,00 € - Cf. Doc. 8 junto com a PI;
● 1.288,38 € no ano 2015, pois o Requerido transferiu 3.600,00 €, quando deveria ter pago 4.888,38 € para fazer face às seguintes rubricas: metade das despesas de educação – 1.830,18 €, metade das despesas de saúde – 466,20 € e pensão de alimentos – 2.592,00 € - Cf. Doc. 9 junto com a PI;
● 1.922,10 € no ano 2016, pois o Requerido transferiu 3.600,00 €, quando deveria ter pago 5.522,10 € para fazer face às seguintes rubricas: metade das despesas de educação – 2.289,44 €, metade das despesas de saúde – 623,66 € e pensão de alimentos – 2.609,00 € - Cf. Doc. 10 junto com a PI;
● 1.163,75 € no ano 2017, pois o Requerido transferiu 3.900,00 €, quando deveria ter pago 5.063,75 € para fazer face às seguintes rubricas: metade das despesas de educação – 1.839,79 €, metade das despesas de saúde – 595,96 € e pensão de alimentos – 2.628,00 € - Cf. Doc. 11 junto com a PI;
● 100,27 € no ano 2018, pois o Requerido transferiu 4.620,00 €, quando deveria ter pago 4.720,27 € para fazer face às seguintes rubricas: metade das despesas de educação – 1.764,54 €, metade das despesas de saúde – 291,74 € e pensão de alimentos – 2.664,00 € Cf. Doc. 12 junto com a PI;
O que perfaz o valor em dívida de 6.989,23 € no final do ano de 2018.
- Durante o ano 2019, o Requerido transferiu 4.290,00 €, tendo a pensão de alimentos e metade das despesas totalizado 4.090,67 €, sendo: metade das despesas de alimentação escolar – 484 €, metade das despesas de educação – 863,28 €, metade das despesas de saúde – 55,40 € e pensão de alimentos – 2.688 € - cf. Doc. 13 junto com a PI. O remanescente do valor de 199,33 € abateu ao supra indicado valor em dívida.
- No ano 2020, o Requerido transferiu 330,00 €, tendo a pensão de alimentos e metade das despesas totalizado 282,33 € sendo: metade das despesas de alimentação escolar – 44 €, metade das despesas de educação – 13,33 € e pensão de alimentos – 225,00 € - cf. Doc. 14 junto com a PI. O remanescente do valor de 47,67 € abateu ao valor em dívida.
- Encontrando-se em dívida, até hoje, a importância global de 6.742,24 € (6.989,23 € - 199,33 €-47,67 €) de harmonia com tabela ilustrativa infra e resumo dos pagamentos juntos como Doc. 2 [Obs.: na verdade, o que a Requerente fez foi incluir no art.º 50.º do seu Requerimento uma tabela a que se referiu como Doc. 2, da qual constam várias colunas, uma com os anos de 2010 a 2020, outra intitulada “Educação plafonada”, outra “p. alimentos”, outra “saúde”, outra “Total”, outra “transferências” (em que o total indicado é de 43.523,27 €), outra “Em falta” e outra “saldo”, figurando nestas duas últimas o referido valor negativo de 6.742,24];
- Ao capital em dívida, acrescem os juros de mora vencidos, contados a partir de 31-12-2012, computando-se a 13-01-2021 em 1.374,01€ e vincendos, contados à taxa legal de 4%, até integral pagamento.
Nesse requerimento, a Requerente alegou designadamente que: “atenta aos fundamentos do Requerido, a partir de setembro de 2011 pediu ao Progenitor uma comparticipação em valor muito inferior à devida mensalidade do Colégio... Colégio..., em valor proporcional ao que pagariam num ATL (dos mais económicos) que a filha teria de frequentar caso transitasse para uma escola publica, dado que o pai estava fora do país, a Requerente sempre trabalhou e não poderia ir busca-la à escola nos furos letivos – vide rubricas de despesas de educação do Doc. 15 junto com a PI.”
Em 03-10-2022, foi proferido despacho que julgou improcedentes as exceções de ilegitimidade e prescrição, e indeferiu o pedido reconvencional (desse despacho veio a ser interposto recurso pelo Requerido, que foi julgado improcedente).
Em 18-01-2024, realizou-se conferência de pais, na qual não foi alcançado o acordo das partes.
Em 09-04-2024 e 14-04-2024 (embora no histórico do Citius figurem como apresentados a 15-04-2024), o Requerido apresentou requerimentos de junção documental.
A 22-04-2024, a Requerente veio exercer o contraditório a esse respeito, tendo alegado no seu Requerimento, além do mais, que: “a partir de setembro de 2011 a Requerente pediu comparticipação ao Requerido em valor muito inferior à devida metade da mensalidade do Colégio... (cfr. Docs. 3 a 15 juntos com a PI), em valor proporcional ao que teriam que pagar num ATL caso a filha transitasse para a escola pública”. A Requerente, nos artigos 22.º e 23.º desse Requerimento, incluiu, de novo, a tabela a que antes, no requerimento de 18-07-2022, se tinha referido como doc. 2; mais alegou que da prova junta aos autos resulta que o Requerido só transferiu para a Requerente 43.523,27 €, quando deveria ter transferido 50.265,52 €, mantendo-se em dívida a quantia de 6.742,24 €. Juntou como doc. 1 um documento/tabela intitulado “Detalhe de Transferências recebidas”.
O Requerido apresentou Requerimento a 26-04-2024, referindo designadamente que com este último documento (doc. 1) fica melhor elucidada a dita tabela (a que a Requerente se referiu como doc. 2 do requerimento de 18-07-2022), acrescentando que, não obstante a Requerente dizer que impugna todos os documentos e tudo o que é alegado pelo Requerido, na verdade, confessou que lhe foi transferida pelo Requerido a quantia total de 43.523,27 €.
Em 07-11-2024, realizou-se audiência de julgamento, no decurso do qual as partes prestaram declarações, tendo sido ouvidas as testemunhas arroladas pela Requerente.
Em 26-12-2024 foi proferida a Sentença recorrida, tendo o respetivo segmento decisório o seguinte teor: “Perante tudo o que fica exposto, julgo improcedente a presente ação de incumprimento deduzida por AA contra BB e, em consequência, absolvo-o do pedido. Valor da ação: € 6.742 Custas pela Requerente.”
É com esta decisão que a Requerente não se conforma, tendo interposto o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: 1 - O Tribunal a quo fez incorreta apreciação da prova produzida e existe erro de julgamento. 2 - Impugna-se a decisão proferida sobre a matéria de facto tendo por base, designadamente, todas as declarações e depoimentos gravados na audiência de julgamento. 3 - A Mm.ª Juiz a quo desconsidera em absoluto a prova de que o Recorrido decidiu de forma ilegítima, unilateralmente, manter em dívida valores das pensões de alimentos e das despesas da filha enquanto menor. 4 – A filha usava aparelho e frequentava o Colégio... antes do divórcio, por isso, ficou estipulado, no acordo de exercício das responsabilidades parentais, o pagamento pelo Recorrido de metade das despesas escolares, alimentação escolar, transporte escolar, atividades extracurriculares, num montante máximo de 500,00€ por mês. 5 - O Recorrido não requereu a alteração da regulação das responsabilidades parentais, provou-se que também não perdeu capacidade económica a partir de fevereiro de 2011 e aumentou, consideravelmente, o seu rendimento mensal aquando em missões, para mais de 5.000€ líquidos com ajudas de custo e isentos de IRS. 6 – Provou-se que concordou que a filha permanecesse no Colégio, só não aceitou continuar a pagar as despesas escolares (cfr. declarações/ depoimento de ambas as partes e prova documental). 7 – Foi, assim, incorretamente julgado e impõe-se corrigir o ponto 7 dos factos provados para o seguinte: “Por mail dirigido à Requerente a 14 de fevereiro de 2011, o Requerido informou-a que, a partir do 5º ano de escolaridade deixaria de comparticipar tal despesa.” 8 – A Recorrente pediu ao Recorrido, antecipadamente para, a partir de setembro de 2011, contribuir com uma comparticipação muito inferior à devida metade da mensalidade do Colégio, em valor proporcional ao que teriam que pagar num ATL, que a filha teria de frequentar caso transitasse para a escola pública (cfr. provam declarações/ depoimentos de ambas as partes, correspondência eletrónica, mapas e despesas juntas com a PI). 9 – A Recorrente residia em Fernão Ferro, sempre trabalhou a tempo inteiro em Lisboa e o Recorrido estava, quase sempre, fora do pais em missões (cfr. declarações/ depoimento de parte da Recorrente e o depoimento da testemunha DD). 10 – A Recorrente sempre prestou informações ao Recorrido e interpelou-o para o cumprimento das prestações em falta (cfr. prova a troca de correspondência eletrónica entre os progenitores junta e declarações/ depoimentos de ambas as partes). 11 - Não resulta provada, nem garantida, a disponibilidade dos avós paternos para assegurarem todos os dias a ida e retorno da escola, almoços diários e o devido apoio ao estudo à filha, como o Recorrido tentou fazer crer nas suas declarações/ depoimento de parte. 12 - Não está provado que a Recorrente decidiu suportar sozinha as mensalidades, deve ser corrigido o ponto 8 dos factos provados para: “A Requerente decidiu manter a filha nessa escola até ao 8º ano de escolaridade e a partir de setembro de 2011 pediu ao Requerido uma comparticipação em valor inferior à devida metade da mensalidade do Colégio..., em valor proporcional ao que pagariam num ATL, que a filha teria de frequentar caso transitasse para uma escola pública.” 13 – Existe erro de julgamento também no ponto 9 dos factos provados, demonstra absoluta desconsideração pela prova produzida, pois ambas as partes confirmaram, nas suas declarações/ depoimento de parte, que os pagamentos eram por transferências bancárias. 14 – Os documentos bancários juntos pelo Recorrido comprovam que a partir de julho de 2011 o Recorrido manteve o pagamento de 200€ e não passou a pagar mensalmente, por sua iniciativa, € 300. 15 – A prova documental atesta que em 2011 a pensão de alimentos era 203€ e não € 200, em face da atualização anual. 16 – O Recorrido não pagou qualquer valor em agosto de 2011, por isso de setembro a dezembro de 2011 pagou os 300€/mês para amortizar os valores em dívida (cfr. documentos juntos e declarações/ depoimentos de ambas as partes). 17 - O Recorrido nunca considerou a atualização anual da pensão de alimentos, cfr. se afere das suas declarações/ depoimento de parte. 18 – Deve ser dado como não provado o constante no ponto 9 da fundamentação de facto, por não corresponder minimamente à prova. 19 – O ponto 13 foi, também, incorretamente julgado, o Recorrido não pagou 900€ em fevereiro de 2015, nem 690€ em janeiro de 2019, cfr. resulta da prova, estes pagamentos não existiram. 20 - Em fevereiro de 2015 o Requerido transferiu para a Requerente apenas 300€ (a 02.02.2015) e a transferência de 600€ de 20.02.2015 foi para o pai do Recorrido, cfr. prova documental e dito nas declarações/ depoimento do Requerido. 21 – Deve ser retirado este ponto 13 da matéria de facto e incluído novo ponto com todos os pagamentos do Recorridos compatibilizando a prova. 22 – Está mal decidido o ponto 14 da matéria de facto, a transferência para a conta bancária do pai do Recorrido de 600€ não foi em janeiro de 2015, mas a 20.02.2015, que corresponde à transferência incluída por erro (em duplicado) pela Mª Juiz a quo no ponto 13 como transferência/ pagamento à Recorrente, cfr. provam os documentos bancários juntos aos autos e declarações/ depoimentos de ambas as partes. 23 – Resultam, neste âmbito, incongruentes as declarações/ depoimentos do Recorrido e da filha, prestados na audiência de julgamento, os quais são meras conjeturas/ suposições contraditórias que não poderiam, por isso, ser valoradas pelo o Tribunal a quo. 24 – Pelo que, o ponto 14 da fundamentação de facto deverá ser corrigido para o seguinte: “A 20 de fevereiro de 2015, o Requerido transferiu para a conta bancária do seu pai € 600, que o mesmo deveria entregar em cheque à filha.” 25 – Donde, a Mm.ª Juiz a quo andou, igualmente, mal ao considerar como provado no ponto 15, que o aludido cheque de 600€ foi entregue à Recorrente e que esta não comprou o computador, pois da prova produzida resulta, sem margem para dúvidas, que não foi entregue qualquer valor ou cheque à Recorrente pelo pai do Recorrido, nem por este ou pela filha, mas a Recorrente cumpriu o combinado com o Recorrido e deu o computador dela à filha, cfr. e-mail de 15.02.2015 e depoimento da CC. 26 - Deve, assim, ser retirado o ponto 15 dos factos provados e considerado como não provado. 27 - É da mais elementar justiça retirar o ponto 21 dos factos provados, pois tratam-se de factos fora do âmbito dos presentes autos e conotam uma falsa imagem negativa da Recorrente, daí urge clarificar que após a maioridade da filha, a Requerente assumiu logo voluntariamente o pagamento à CC de 200€/ mês acrescido de metade do valor das despesas de educação e saúde. 28 - No aludido processo a filha pretendia que a mãe lhe passasse a pagar mais e o Tribunal acabou por formalizar os alimentos que a Recorrente já estava a pagar à filha. 29 – Existe, novamente, erro de julgamento em face da ausência de análise critica da prova no ponto 23 da matéria de facto, durante o período do 9º ao 12º ano, a filha não ia diretamente para casa dos avós paternos, ficava a maior parte das vezes em Almada durante a tarde, cfr. se retira, de parte, do depoimento da filha e comprovativos juntos com a PI. 30 – Conclui-se que do 9º ao 11º ano, para além das aulas letivas à tarde, a CC tinha atividades extracurriculares em Almada, é percetível que praticamente não dispunha de tempo livre para ir ou permanecer em casa dos avós paternos em Fernão Ferro. 31 - As escolas públicas que frequentou eram em Almada, perto dos avós maternos, não dos avós paternos que residem em Fernão Ferro. 32 - Só no 12º ano, com 17 anos, para além das eventuais aulas à tarde, a CC tinha o volley três vezes por semana e por vezes lanchava e aguardava as aulas de volley na sua casa ou em casa dos avós paternos. 33 - Deve o ponto 23 ser corrigido de harmonia com a prova, para o seguinte: “Nesse período, CC não frequentou ATL, quando não tinha aulas, frequentou o Cambridge, a Alliance Française, explicações de Geometria Descritiva e o volley.” 34 – Conforme confirmado, em parte, no depoimento da filha, no 9º ano precisou de aulas de francês na Alliance Française, pois no Colégio tinha tido alemão e precisava de ingressar no 3° nível de francês na escola pública, bem como, no 10º e 11º anos necessitou de explicações de Geometria Descritiva. 35 – Deve ser assim alterado este ponto 25 da matéria de facto para: “Em face das necessidades educativas da filha e da alteração de escolas, durante esse período, a CC frequentou também a Cambridge School, a Alliance Française e teve explicações privadas, tendo as respetivas despesas sido pagas pela mãe.” 36 – Em face da prova, devem ser ainda acrescentados e dados como provados os seguintes valores das pensões de alimentos e respetivas despesas, desde o divórcio, não foram impugnadas pelo Recorrido: “O total das pensões de alimentos com metade do valor das despesas da filha enquanto menor, cifra-se em 50.265,52€ respeitante aos seguintes valores: -Em 2010 - 4.195,66€ respeitante às seguintes rubricas: metade das despesas de educação – 2.790,99€, metade das despesas de saúde – 4,67€ e pensão de alimentos – 1.400€; -Em 2011 - 6.507,25€ respeitante às seguintes rubricas: metade das despesas de educação – 3.496,25€, metade das despesas de saúde – 575,00 € e pensão de alimentos – 2.436,00€; - Em 2012 - 4.364,96€ respeitante às seguintes rubricas: metade das despesas de educação – 1.724,96€, metade das despesas de saúde – 120,00 € e pensão de alimentos – 2.520,00€; - Em 2013 - 4.338,46€ respeitante às seguintes rubricas: metade das despesas de educação – 1.596,46€, metade das despesas de saúde – 150,00€ e pensão de alimentos – 2.592,00€; - Em 2014 - 6.291,69€ respeitante às seguintes rubricas: metade das despesas de educação – 1.761,04€, metade das despesas de saúde – 1.926,65€ e pensão de alimentos – 2.604,00€; - Em 2015 - 4.888,38€ respeitante às seguintes rubricas: metade das despesas de educação – 1.830,18€, metade das despesas de saúde – 466,20 € e pensão de alimentos – 2.592,00€; - Em 2016 - 5.522,10€ respeitante às seguintes rubricas: metade das despesas de educação – 2.289,44€, metade das despesas de saúde – 623,66€ e pensão de alimentos – 2.609,00€; - Em 2017 - 5.063,75€ respeitante às seguintes rubricas: metade das despesas de educação – 1.839,79€, metade das despesas de saúde – 595,96€ e pensão de alimentos – 2.628,00€; - Em 2018 - 4.720,27€ respeitante às seguintes rubricas: metade das despesas de educação – 1.764,54€, metade das despesas de saúde – 291,74 € e pensão de alimentos – 2.664,00€; - Em 2019 - 4.090,67€, sendo: metade das despesas de alimentação escolar – 484€, metade das despesas de educação – 863,28€, metade das despesas de saúde – 55,40€ e pensão de alimentos – 2.688€; - Em 2020 a pensão de alimentos e metade das despesas totalizaram 282,33€ sendo: metade das despesas de alimentação escolar – 44€, metade das despesas de educação – 13,33€ e pensão de alimentos – 225,00€.” 37 – Da compatibilização entre os documentos bancários juntos pelo Recorrido e os pagamentos reconhecidos pela Recorrente, deve ser acrescentado e dado como provado: “O total dos pagamentos realizados pelo Requerido cifra-se em 43.523,27€: - Em 2010, após o divórcio, 5.379,22€, correspondente a: 200€ a 31.05.2010 + 466,55€ a 24.06.2010 + 347,51€ a 24.06.2010 + 1.608€ a 25.06.2010 + 200€ a 29.06.2010 + 200€ a 20.07.2010 + 200€ a 14.08.2010 + 200€ a 29.09.2010 + 200€ a 29.10.2010 + 857,16€ a 10.11.2010 + 200€ a 30.11.2010 + 500€ a 14.12.2010 + 200€ a 29.12.2010; - Em 2011 – 5.500€, correspondente a: 600€ a 05.01.2011 + 200€ a 31.01.2011 + 500€ a 04.02.2011 + 200€ a 01.03.2011 + 300€ a 17.03.2011 + 200€ a 29.03.2011 + 300€ a 05.04.2011 + 200€ a 29.04.2011 + 200€ a 31.05.2011 + 1.200€ a 25.05.2011 + 200€ a 29.06.2011 + 200€ a 29.07.2011 + 300€ a 02.09.2011 + 300€ a 04.10.2011 + 300€ a 03.11.2011 + 300€ a 05.12.2011; - Em 2012 – 3.984,99€, correspondente a: 300€ a 03.01.2012 + 300€ a 02.02.2012 + 300€ a 02.03.2012 + 300€ a 03.04.2012 + 400€ a 28.05.2012 + 400€ a 03.07.2012 + 400€ a 24.07.2012 + 384,99€ a 24.07.2012 + 300€ a 28.08.2012 + 300€ a 03.10.2012 + 300€ a 05.11.2012 + 300€ a 04.12.2012; - Em 2013 – 3.600€ (300€x12), correspondente a: 300€ a 03.01.2013 + 300€ a 05.02.2013 + 300€ a 05.03.2013 + 300€ a 03.04.2013 + 300€ a 03.05.2013 + 300€ a 04.06.2013 + 300€ a 03.07.2013 + 300€ a 05.08.2013 + 300€ a 03.09.2013 + 300€ a 03.10.2013 + 300€ a 05.11.2013 + 300€ a 03.12.2013; - Em 2014 – 4.719,06€, correspondente a: 300€ a 03.01.2014 + 300€ a 04.02.2014 + 300€ a 04.03.2014 + 300€ a 03.04.2014 + 300€ a 05.05.2014 + 119,06€ a 06.05.2014 + 300€ a 03.06.2014 + 300€ a 03.07.2014 + 1.000€ a 14.07.2014 + 300€ a 05.08.2014 + 300€ a 03.09.2014 + 300€ a 03.10.2014 + 300€ a 04.11.2014 + 300€ a 03.12.2014; - Em 2015 – 3.600€ (300€x12), correspondente a: 300€ a 05.01.2015 + 300€ a 03.02.2015 + 300€ a 03.03.2015 + 300€ a 07.04.2015 + 300€ a 05.05.2015 + 300€ a 03.06.2015 + 300€ a 03.07.2015 + 300€ a 04.08.2015 + 300€ a 03.09.2015 + 300€ a 05.10.2015 + 300€ a 03.11.2015 + 300€ a 03.12.2015; - Em 2016 – 3.600€ (300€x12), correspondente a: 300€ a 05.01.2016 + 300€ a 03.02.2016 + 300€ a 03.03.2016 + 300€ a 05.04.2016 + 300€ a 03.05.2016 + 300€ a 03.06.2016 + 300€ a 05.07.2016 + 300€ a 03.08.2016 + 300€ a 05.09.2016 + 300€ a 04.10.2016 + 300€ a 03.11.2016 + 300€ a 05.12.2016; - Em 2017 – 3.900€ (300€x13), correspondente a: 300€ a 03.01.2017 + 300€ a 03.02.2017 + 300€ a 03.03.2017 + 300€ a 04.04.2017 + 300€ a 03.05.2017 + 300€ a 05.06.2017 + 300€ a 04.07.2017 + 300€ a 25.07.2017 + 300€ a 03.08.2017 + 300€ a 05.09.2017 + 300€ a 03.10.2017 + 300€ a 03.11.2017 + 300€ a 05.12.2017; - Em 2018 – 4.620€, correspondente a: 300€ a 03.01.2018 + 330€ a 26.01.2018 + 330€ 27.02.2018 + 330€ a 27.03.2018 + 330€ a 26.04.2018 + 330€ a 28.05.208 + 330€ a 26.06.2018 + 330€ a 26.07.2018 + 330€ a 28.08.2018 + 330€ a 26.09.2018 + 330€ a 26.10.2018 + 360€ a 23.11.2018 + 330€ a 27.11.2018 + 330€ a 28.12.2018; - Em 2019 – 4.290€, correspondente a: 330€ a 28.01.2019 + 330€ a 26.02.2019 + 330€ a 26.03.2019 + 330€ a 26.04.2019 + 330€ a 28.05.2019 + 330€ a 26.06.2019 + 330€ a 26.07.2019 + 330€ a 27.08.2019 + 330€ a 26.09.2019 + 330€ a 28.10.2019 + 330€ a 26.11.2019 + 330€ a 24.12.2019 + 330€ a 30.12.2019; - Em 2020 – 330€ a 28.01.2020.” 38 - De harmonia com a prova produzida e conforme antecedentemente descriminado, deve ser, assim, dado como provado o seguinte: “O Requerido deve à Requerente a importância de 6.742,24€ (50.265,52 - 43.523,27€).” 39 – Em face do exposto e por não resultar da prova, devem ser dados como não provados, designadamente: a alegada incapacidade económica do Recorrido a partir de fevereiro de 2011; que a Recorrente decidiu suportar sozinha as mensalidades do Colégio a partir de setembro de 2011; que a partir de julho de 2011 o Requerido passou a pagar mensalmente, por sua iniciativa, € 300; que a pensão de alimentos a partir de julho de 2011 era € 200; que em fevereiro de 2015 o Requerido pagou € 900; que em janeiro de 2019 pagou € 690; que o cheque de 600€ (ou qualquer valor relacionado com este) foi entregue à Requerente e esta não comprou tal computador; que do 9º ao 12º a CC permanecia em casa dos avós paternos, quando não tinha aulas, na maioria dos dias. 40 - Estes factos foram assim, inexplicavelmente, mal julgados pelo Tribunal a quo, deverão ser corrigidos nos termos do n.º 1 do artigo 662º do CPC, por impugnados pela Recorrente nos termos do artigo 640º do mesmo código. 41 - Existe evidente erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto ora impugnados, nomeadamente, os depoimentos e declarações prestados em audiência de julgamento, conjugados com a restante prova produzida, impõem assim Decisão diferente. 42 - Da matéria de facto provada e não provada elencada nestas alegações, necessário se torna concluir que o progenitor incumpriu o pagamento da pensão de alimentos e comparticipação com as despesas da filha enquanto menor. 43 - Pelo que, o Tribunal a quo andou mal ao julgar “que o Requerido deixou de estar obrigado a suportar despesas com colégio privado da filha, a partir do 5º ano de escolaridade da mesma”. 44 - A Recorrente não pediu ao Recorrido comparticipação nas despesas com o Cambridge, Alliance Française, volley e outras. 45 - É ilegítima a recusa do Requerido em comparticipar nas despesas de educação e saúde da filha enquanto menor. 46 - As comparticipações/ reforços do Recorrido, reconhecidas pela Recorrente, foram para pagar os valores em dívida e não para o pagamento das despesas correntes. 47 – Não resulta qualquer dificuldade em contabilizar todos os montantes, os valores das pensão de alimentos e despesas constam discriminados nos autos, não foram impugnados. 48 – Basta subtrair ao total das pensões de alimentos e despesas as transferências efetivamente realizadas pelo Recorrido, resulta de forma fácil e rigorosa o valor não pago pelo Recorrido de 6.742,24€ (50.265,52 - 43.523,27€). 49 - Não se aceita a consideração da Mm.ª Juiz a quo “... parece-se que não é justo condenar neste momento o Requerido...”. 50 – A procedência da presente ação não põe em causa os interesses desta menor (agora maior) que foram inteiramente salvaguardados e não estão em causa nesta ação. 51 – Os presentes autos foram julgados tempestivos, pelo que, é injusto a Recorrente ter provido ao bem-estar e sustento da filha e não ver agora o seu direito reconhecido pelo Tribunal a quo, quando resulta que o pai tinha a capacidade económica para comparticipar. 52 – Está, assim, vastamente provado que o Recorrido pagou valor inferior ao devido, não pagou “em acréscimo”, muito menos, os € 5.110, os quais não se depreendem, nem resulta da soma dos valores do facto 13. 53 – Pelo que, deve a Douta Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue os presentes autos totalmente procedentes. 59 – A Douta Sentença recorrida violou, por má interpretação, designadamente, o disposto nos artigos 5º, n.º 2 e 607º, n.º 4, do CPC.
Terminou a Apelante requerendo que seja dado provimento ao presente recurso e a sentença recorrida revogada e substituída por outra que julgue os presentes autos procedentes, com todas as consequências daí advenientes e peticionadas pela Requerente.
Foi apresentada alegação de resposta, em que o Apelado defendeu que o recurso não merece provimento o recurso, devendo ser mantida na íntegra a Sentença, concluindo designadamente que: 1 – Não há erro de Julgamento se a conclusão e fundamentação que o Tribunal retira resulta da prova produzida conjugada com os documentos juntos aos autos. (…) 8 – Se o pai ao longo dos anos pagou mais do que o que estava obrigado, não incumpriu.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
Identificamos as seguintes questões a decidir:
1.ª) Se deve ser modificada a decisão da matéria de facto, alterando a redação dos pontos 7, 8, 14, 23 e 25, dando como não provado o vertido em 9, 13, 15 e 21 do elenco dos factos provados, e aditando novos pontos ao elenco dos factos provados;
2.ª) Se, nessa conformidade, é de considerar que o Requerido incumpriu o pagamento da pensão de alimentos e da comparticipação devida nas despesas da filha enquanto menor. Dos Factos
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos (assinalámos com asterisco os pontos impugnados):
1. Requerente e Requerido são os pais de CC, nascida a ...2002.
2. Por acordo homologado a 25 de maio de 2010 na Conservatória do Registo Civil de Lisboa foi regulado o exercício das responsabilidades parentais quanto à CC, que ficou a residir com a mãe, sendo as responsabilidades parentais exercidas por ambos os pais.
3. Nos termos do referido acordo, ficou o pai obrigado ao pagamento de uma pensão de alimentos no valor de 200 € mensais até ao dia 5 de cada mês, por transferência bancária, valor a atualizar anualmente segundo os índices de inflação.
4. Para além disso, o pai ficou obrigado a pagar metade das despesas escolares, de alimentação escolar, com transporte escolar e com atividades extracurriculares, num montante máximo de 500 € por mês, bem como metade das despesas de saúde na parte não comparticipada pela ADM.
5. Durante a menoridade, CC viveu sempre com a mãe.
6. CC frequentou o “Colégio...”, estabelecimento de ensino privado, a partir dos 5 anos de idade, com a concordância de ambos os pais.
*7. Por mail dirigido à Requerente a 14 de fevereiro de 2011, o Requerido informou-a que, a partir do 5.º ano de escolaridade deixaria de comparticipar tal despesa, devido à sua incapacidade económica para tal.
*8. Ainda assim, a Requerente decidiu manter a filha nessa escola até ao 8.º ano de escolaridade, suportando sozinha as respetivas mensalidades.
*9. A partir de julho de 2011, o Requerido passou a pagar mensalmente, por sua iniciativa, 300 €, considerando 200 € de pensão de alimentos e o restante como comparticipação para despesas de educação da filha.
10. A partir de 2012, o Requerido decidiu deixar de comparticipar as despesas de saúde da filha, pelo facto de a Requerente ter deixado de recorrer a serviços com comparticipação da ADM.
11. A partir de fevereiro de 2018, o Requerido passou a pagar, na mesma lógica, 330 € mensais.
12. Após deixar de comparticipar as despesas relacionadas com a frequência de escola privada da filha ou de saúde que não eram comparticipadas pela ADM, o Requerido, em alguns meses, efetuava pagamentos de valor superior ao que pagava para a pensão de alimentos.
*13. Assim:
- em julho de 2012, pagou 800 € (embora nada tenha pago em junho);
- em julho de 2014, pagou 1.000 €;
- em fevereiro de 2015, pagou 900 €;
- em julho de 2017, pagou 600 €;
- em janeiro de 2018, pagou 630 €;
- em novembro de 2018, o Requerido pagou 360 €;
- em dezembro de 2019, pagou 330 €;
- em janeiro de 2019, pagou 690 €.
*14. Em janeiro de 2015, o Requerido transferiu para a conta bancária do seu pai 600 €, que o mesmo deveria entregar em cheque à filha, como presente de Natal e aniversário, para que comprasse um computador novo.
*15. Esse cheque foi entregue à Requerente mas esta não comprou tal computador.
16. Durante a menoridade de CC, o Requerido cumpriu missões na Marinha de Guerra Portuguesa fora de Portugal continental, por longos períodos, nomeadamente, em Timor, Moçambique, Açores e Angola, passando habitualmente as férias em Portugal.
17. Enquanto o Requerido estava no estrangeiro, a Requerente pagava as despesas com a saúde da filha e enviava os comprovativos ao Requerido.
18. Quando tais despesas eram comparticipadas pela ADM, o Requerido enviava à Requerente metade do valor reembolsado.
19. A última prestação paga pelo Requerido à Requerente, relativa à filha, foi em janeiro de 2020, mês em que esta atingiu a maioridade.
20. Imediatamente após atingir a maioridade, CC passou a viver com o pai.
*21. Por sentença proferida a 29 de abril de 2021, a Requerente foi condenada a pagar à filha, enquanto frequentasse o ensino superior público, uma pensão de alimentos no valor de 200 € mensais, acrescida de metade das despesas de saúde na parte não comparticipada, bem como metade das despesas efetuadas com matrículas, propinas, livros e material escolar.
22. A partir do 9.º ano e até ao 12.º ano, CC frequentou a escola pública.
*23. Nesse período, CC não frequentou ATL, permanecendo em casa dos avós paternos quando não tinha aulas, na maioria dos dias.
24. CC deslocava-se para a escola em transportes públicos.
*25. Durante esse período e por iniciativa da Requerente, CC frequentou também a Cambridge School, a Alliance Française e teve explicações privadas, tendo as respetivas despesas sido pagas pela mãe.
26. Durante a menoridade, CC usou aparelho dentário, fazendo consultas regulares de controle, e usou óculos.
27. Quer o pai, quer a mãe adquiriam roupa e calçado para a filha.
28. O pai ofereceu ainda à filha presentes como computadores, telemóveis e uma playstation.
Da sentença não consta um elenco de factos não provados, referindo-se apenas não estarem provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
Mais consta a seguinte motivação da decisão da matéria de facto: «A convicção do tribunal quanto à matéria de facto considerada provada resulta da análise dos documentos constantes dos presentes autos, em particular, dos recibos relativos às despesas de educação e saúde efetuadas com a CC (incluindo as relacionadas com escolas privadas), extratos bancários e mails trocados entre a Requerente e o Requerido (incluindo aquele a que se reportam os factos 7. e 14.). Foram tidos em conta os depoimentos prestados em audiência de julgamento pela Requerente e pelo Requerido, que se têm por verdadeiros e que refletem a matéria dada como provada, designadamente, quanto ao facto de a Requerente “adiantar” grande parte das despesas efetuadas com a educação e saúde da filha comum (devido, em parte, à ausência daquele do país por longos períodos), de aquela tomar as decisões correspondentes, mesmo sabendo da opinião contrária do mesmo (por exemplo, no que diz respeito à frequência de escola privada) ou ao facto de o Requerido pagar o que entendia “justo”. Em audiência de julgamento foi também ouvida a testemunha DD, pai da Requerente, o qual, ainda que tenha apresentado um depoimento muito sincero, não se revelou relevante, já que, quanto ao objeto do processo (pagamento de pensões de alimentos e despesas da neta CC), disse não conhecer pormenores. Com relevância, foi ouvida a testemunha CC, filha da Requerente e do Requerido a quem se reportam os autos, que, de modo que se tem por credível e isento, disse que ambos os pais lhe compravam os bens de que necessitava ou que queria (estes, sobretudo, o pai), que frequentou o Colégio... até ao 8º ano e que, nessa altura, pediu para sair por saber que não havia condições económicas para o pagar e que, até ao 12º ano, frequentou a escola pública. Referiu também que frequentou a Cambridge School, a Alliance Française, explicações de geometria (desconhecendo como eram efetuados os pagamentos), que usou aparelho dentário e óculos e que nunca frequentou ATL, ficando na maior parte dos dias em casa dos avós paternos, nos períodos em que não tinha aulas. Finalmente, foi consultado o processo nº 2416/20.7T8SXL, no qual foi proferida a decisão mencionada em 21., a qual, porém, não apresenta relevância direta para o que importa decidir.» Da modificação da decisão da matéria de facto
Ponto 7
Lembramos ter sido dado como provado que: 7. Por mail dirigido à Requerente a 14 de fevereiro de 2011, o Requerido informou-a que, a partir do 5.º ano de escolaridade deixaria de comparticipar tal despesa, devido à sua incapacidade económica para tal.
A Apelante pretende que seja dada como não provada “a alegada incapacidade económica do Recorrido a partir de fevereiro de 2011, passando o ponto a ter o seguinte teor: “Por email dirigido à Requerente a 14 de fevereiro de 2011, o Requerido informou-a que, a partir do 5º ano de escolaridade deixaria de comparticipar tal despesa.”
Alegou, para tanto e em síntese, que o Requerido não juntou qualquer prova que ateste a alegada incapacidade económica; ao invés, juntou documentos bancários que comprovam exatamente o contrário (cf. Doc. 4 junto a 09-04-2024); o Requerido não queria a filha na escola privada, nem em ATL, para não pagar despesas escolares, mas nunca requereu a alteração da regulação das responsabilidades parentais, pelo que não podiam ser por este, de modo informal e unilateralmente, modificadas; isso resulta das declarações da Requerente, quando disse que a partir do 5.º ano passou a pagar sozinha a escola privada, porque o pai “não concordava que ela estivesse na escola privada, queria que ela estivesse na escola pública.”
Vejamos.
Contrariamente ao que a Apelante terá entendido, no ponto 7 não se deu como provada a incapacidade económica do Requerido, o que, a ser assim, seria uma afirmação conclusiva, sem cabimento no elenco dos factos provados, antes se deu como provado o teor do referido email, com uma redação abreviada.
Efetivamente, atentámos no teor do email datado de 14-02-2011 junto com o requerimento apresentado pela Requerente a 02-02-2021 (Ref.ª 28396181) (e também com o requerimento de 03-02-2022 apresentado pelo Requerido), enviado pelo Requerido à Requerente, com o seguinte teor: “Olá AA Obrigado pelo envio das despesas. Conforme acordado no acordo de divórcio, irás receber até ao final do 4º Ano a minha prestação mensal relativamente à frequência da CC no Colégio... Peter School. Porém, a partir dessa altura vou ter de alterar (…) a situação baseada nos seguintes motivos:
1. O meu ordenado levou um corte de 131€;
2. A minha prestação mensal ao banco é de 557€;
3. Estou casado e ela não trabalha;
4. A minha prestação mensal relativamente à CC anda entre os 600 e os 700€. Como conclusão, sobra-me aproximadamente 350€ mensais para poder viver. Até agora não tenho tido grandes problemas, pois estamos a viver em casa dos meus pais e eles têm suportado uma boa parte das despesas. Daqui a pouco tempo vou mudar lá para a casa e não vou conseguir sobreviver com esse dinheiro. Sendo assim, a partir do 4º Ano a minha contribuição para a mensalidade da escola da CC será de 0€. Por mim passa para a Escola Pública. Mantenho os 200€ mensais mais as despesas consideradas como muito necessárias. Espero que percebas, pois, a minha situação é bastante complicada e eu não posso ter luxos que não posso pagar, apesar de querer tudo do melhor para a nossa filha”.
Da análise desse documento resulta evidente que o Requerido, no aludido email, comunicou à Requerente que deixaria de comparticipar a prestação mensal do colégio privado que a filha frequentava e que o justificou nos termos acima citados, que, em síntese, se prendem com a sua incapacidade económica.
Portanto, improcedem as conclusões da alegação de recurso neste particular.
Ponto 8
Foi dado como provado que: 8. Ainda assim, a Requerente decidiu manter a filha nessa escola até ao 8.º ano de escolaridade, suportando sozinha as respetivas mensalidades.
Pretende a Apelante que sejam retiradas do ponto 8 dos factos provados as expressões “Ainda assim” e “suportando sozinha as respetivas mensalidades”, e que seja dado como provado que: “A Requerente decidiu manter a filha nessa escola até ao 8º ano de escolaridade e a partir de setembro de 2011 pediu ao Requerido uma comparticipação em valor inferior à devida metade da mensalidade do Colégio..., em valor proporcional ao que pagariam num ATL, que a filha teria de frequentar caso transitasse para uma escola pública.”
Alegou a Apelante, para tanto e em síntese, que: as aludidas expressões sugerem erroneamente que a Requerente quis manter a filha no Colégio e pagar sozinha as respetivas mensalidades, o que não corresponde ao sucedido; resulta das declarações prestadas por ambas as partes e dos documentos juntos aos autos (designadamente do Doc. 3 junto pela Requerente a 02-02-2021) que o Requerido não quis contribuir com qualquer valor para comparticipação da mensalidade do Colégio, tendo a Requerente, a partir de setembro de 2011, pedido que este passasse a pagar uma comparticipação (inferior à devida metade da mensalidade do Colégio...) em valor proporcional ao que ambos teriam que pagar num ATL, que a filha teria de frequentar caso transitasse para uma escola pública (cf. despesas de educação, não impugnadas pelo Requerido, dos Docs. 5 a 11 e 15 juntos pela Requerente a 02-02-2021).
Vejamos.
Quanto à expressão “Ainda assim”, trata-se de elemento de ligação com o ponto anterior, cuja eliminação não se justifica.
Foram analisados os documentos constantes dos autos, mormente os juntos com os requerimentos de 02-02-2021, em particular o doc. 4, do qual resulta que a CC ainda frequentou o 8.º ano de escolaridade no referido colégio (ano letivo de 2014/2015); foi ouvida na íntegra a gravação das declarações e depoimentos prestados na audiência de julgamento, tendo sido dito pela Requerente que o Requerido dizia que pagava o colégio até ao 4.º ano e que a partir daí deixaria de o fazer, o que este confirmou; segundo ele o acordo que tinham era para a filha frequentar o colégio apenas até ao fim do 4.º ano; acrescentou que a Requerente decidiu unilateralmente fazer a inscrição da filha no 5.º ano e, apesar de ele não concordar com isso, acabaram por acordar em que ele passaria a pagar a pensão com um valor acrescido por conta das despesas escolares que a filha teria mesmo não frequentando um colégio privado, o que fez; o valor que a Requerente começou por indicar nesse sentido estava acima daquilo que ele então podia pagar devido à sua situação financeira, face à redução do valor do ordenado que teve na altura, em virtude da crise que se viveu no nosso país em 2011.
De salientar que com o aludido requerimento de 02-02-2021 também foram juntos:
- um email datado de 3 de setembro de 2011, em que o Requerido refere que passou a transferir 300 €, dos quais 200 € se referem à pensão de alimentos e 100 € a outras despesas, incluindo educação;
- um email datado de 11 de dezembro de 2011, em que a Requerente diz ao Requerido, além do mais, “no que diz respeito à prestação da escola da CC estás a pagar €100, quando metade do valor de um ATL seriam €125. Com um pagamento aquém do acordado, a dívida tem tendência a aumentar cada vez mais”.
- um email datado de 23 de abril de 2012, em que o Requerido, pedindo-lhe desculpa, comunica à Requerente que se está a debater com problemas de saldo negativo no banco pelo que vai ter que adiar o pagamento dos 300 € do dia 2 de maio para quando receber o IRS no pior dos cenários, e que se no dia 2 de junho ainda não tiver recebido o IRS irá transferir 400 €, para recuperar o atraso.
Das declarações prestadas e do teor destas mensagens, bem como da circunstância de a Requerente se ter conformado durante anos com a situação (recorde-se que a presente ação apenas veio a ser intentada em 13-01-2021, já após a filha ser maior de idade e ter instaurado a ação referida em 21), resulta a nosso ver que as partes acordaram que a contribuição do Requerido para as despesas escolares, ao invés de um valor variável e que à data, em setembro de 2011, incluiria as propinas do colégio privado e outras despesas (cf. por exemplo o doc. 4 junto com o aludido requerimento de 02-02-2021), passaria a ter um valor fixo, que a Requerente considerava deveria ser de 125 € e que o Requerido entendeu deveria ser de 100 €, mas vindo a Requerente a conformar-se com esse valor, possivelmente por admitir que, na altura, se a questão viesse a ser discutida em Tribunal, o valor fixado poderia ser inferior, face à situação económica e familiar do Requerido.
Portanto, não nos parece que da prova produzida resulte que a Requerente decidiu suportar sozinha as mensalidades do colégio privado, sendo, em parte, mais próxima da realidade a versão alegada pela Requerente.
No entanto, não foi produzida prova convincente (não nos bastando o afirmado pela Requerente a esse respeito) sobre o valor de um ATL à data, nem sequer sobre se a menor teria efetivamente de frequentar um ATL caso transitasse para a escola pública. Com efeito, o Requerido declarou que a filha poderia ficar com os seus pais, por residirem perto (facto este que também resultou do depoimento da filha CC), sendo certo que, mesmo após ter passado a frequentar a escola pública, nunca a CC frequentou qualquer ATL.
Assim, decide-se alterar a redação do ponto 8, passando a ter o seguinte teor:
8. Ainda assim, a Requerente decidiu manter a filha nessa escola até ao 8.º ano de escolaridade, suportando as respetivas mensalidades, com a comparticipação do Requerido nas despesas escolares no valor mensal fixo de 100 €.
Ponto 9
Na sentença foi dado como provado que: 9. A partir de julho de 2011, o Requerido passou a pagar mensalmente, por sua iniciativa, 300 €, considerando 200 € de pensão de alimentos e o restante como comparticipação para despesas de educação da filha.
A Apelante defende que deve ser dado como não provado o constante no ponto 9, alegando, em síntese, que: das declarações de ambas as partes resulta que os pagamentos eram feitos por transferência bancária, mas, nalguns meses, o Requerido não transferia nada; os documentos com os movimentos da conta bancária do Requerido, juntos por este, comprovam que a partir de julho de 2011 manteve o pagamento de 200 € e não passou a pagar mensalmente, por sua iniciativa, 300 € - cf. pág. 9 do extrato como Doc. 4 a 09-04-2024; cf. movimentos a débito de 200 € a 28-06-2011 e a 28-07-2011 com a descrição “TRP TRANSF.00185041623BBBBGFX”, que coincidem com os pagamentos/datas indicados pela Requerente no Doc. 2 junto a 18-07-2022 (Ref.ª Citius 33164217); ademais, em 2011, a pensão de alimentos era 203 € e não 200 € - cf. Doc. 5 junto pela Requerente a 02-02-2021 (Ref.ª Citius 28396181); o Tribunal olvidou-se das subsequentes atualizações anuais da pensão de alimentos, que foi inicialmente estipulada em 200 €; o Requerido não pagou qualquer valor em agosto de 2011; de setembro a dezembro de 2011 pagou 300 €/mês para amortizar os valores que mantinha em dívida – cf. emails juntos como Doc. 3 a 02-02-2021 (Ref.ª Citius 28396181) e movimentos de pág. 10 do Doc. 4 junto pelo Requerido a 14-04-2024 (Ref.ª Citius 39078487).
Vejamos.
O ponto em questão não se refere ao valor da pensão de alimentos devida, nos termos do acordo homologado conforme resulta do ponto 3. O que está em causa é a forma como esse acordo foi sendo cumprido.
A própria Requerente reconhece no seu requerimento de redução do pedido que as transferências efetuadas pelo Requerido nos anos 2012 a 2019 nunca foram de valor anual inferior a 3600 € (o que significa que o Requerido sempre pagou em média, pelo menos, 300 € mensais).
Na esteira do referido no ponto 8, face aos emails aí referidos e às declarações das partes, tendo ainda em atenção, para melhor compreensão das transferências efetuadas o documento/tabela junto pela própria Requerente com o seu requerimento de 22-04-2024, ficou claro que a partir de setembro de 2011 (e não julho de 2011), o Requerido passou a pagar, pelo menos, o valor de 300 € mensais, considerando 200 € de pensão de alimentos e o restante como comparticipação para despesas de educação da filha, assim concretizando o acordo informal que, por sua iniciativa, fez com a Requerente.
O Requerido reconheceu que, analisando os seus dados, houve apenas três meses em que não pagou na data certa, mas acrescentou que assim que podia efetuava pagamentos com valores superiores (reforços) para regularizar quaisquer atrasos e contribuir para eventuais despesas da filha.
Verificamos, no que ora importa, face ao requerimento de redução do pedido (estando em causa apenas prestações relativas aos anos 2012 e seguintes), que esses atrasos pontuais ocorreram em maio de 2012 (com o pagamento a ser regularizado ainda no decurso desse mês e do mês de julho, com três pagamentos sucessivos de 400 € cada um) e em maio de 2014 (o que foi regularizado em julho de 2014, pagando 1.000 €).
Mostrando-se substantivamente irrelevante a circunstância de, nessas duas ocasiões, terem existido atrasos no pagamento, já que foram regularizados muito antes da propositura da presente ação, improcedem, neste particular, as conclusões da alegação de recurso.
Ponto 13
Na sentença foi dado como provado que:
13. Assim:
- em julho de 2012, pagou 800 € (embora nada tenha pago em junho);
- em julho de 2014, pagou 1.000 €;
- em fevereiro de 2015, pagou 900 €;
- em julho de 2017, pagou 600 €;
- em janeiro de 2018, pagou 630 €;
- em novembro de 2018, o Requerido pagou 360 €;
- em dezembro de 2019, pagou 330 €;
- em janeiro de 2019, pagou 690 €.
A Apelante pretende que seja retirado este ponto 13 da matéria de facto e incluído um ponto com a conciliação dos pagamentos dos documentos bancários juntos aos autos pelo Requerido a 14-04-204 e, como Doc. 4, a 09-04-2024 (Ref.ª Citius 39031210) com os reconhecidos pela Requerente no requerimento de 18-07-2022 (Ref.ª Citius 33164217), alegando, em síntese, que: resulta da prova documental que estas importâncias não foram pagas à Requerente, designadamente que o Requerido não pagou 900 € em fevereiro de 2015, nem 690 € em janeiro de 2019 – cf. págs. 14, 33 e 34 do Doc. 4 junto pelo Requerido a 09-04-2024 (Ref.ª Citius 39031210) e págs. 103, 257 a 261 dos extratos bancários juntos pelo Requerido a 14-04-2024 (Ref.ªs Citius 39078490 e 39078489) e Doc. 2 junto pela Requerente a 18-07-2022 (Ref.ª Citius 33164217); os movimentos da pág. 103 do supra indicado extrato bancário e da pág. 14 do referido Doc. 4 junto a 09-04-2024, comprovam que, em fevereiro de 2015, o Requerido transferiu para a Requerente apenas 300 € (a 02-02-2015), pois a transferência de 600 € (de 20-02-2015) foi para a conta do pai do Requerido, o que também resulta das declarações do Requerido; assim como não houve qualquer pagamento no valor global de 690 € à Requerente em janeiro de 2019, conforme resulta dos movimentos das págs. 257 a 261 dos extratos bancários juntos a 14-04-2024 (Ref.ª Citius 39078489) e págs. 33 e 34 dos aludidos movimentos bancários do Requerido juntos como Doc. 4 a 09-04-2024 (Ref.ª Citius 39031210).
Vejamos.
Analisados os referidos documentos e ponderadas as declarações de parte do Requerido, reconhecemos que assiste, em parte, razão à Apelante.
Com efeito, do extrato n.º 104 relativo a fevereiro de 2015 (junto pelo Requerido com o requerimento de 14-04-2024 Ref.ª Citius 3907849) apenas resulta a transferência de 300 €, não se podendo considerar, neste ponto, como pagamento adicional, a transferência de 600, realizada a 20-02, para conta de terceiro, apesar do descrito “TRF CC NATAL”, transferência essa que, conforme o Requerido explicou nas declarações que prestou, diz respeito à matéria de facto vertida nos pontos 14 e 15.
Por outro lado, do extrato n.º 117 relativo ao mês de janeiro de 2019 (junto pelo Requerente com o requerimento de 15-04-2024) apenas resulta o pagamento da quantia de 330 €, a título de alimentos, não se descortinando a que possa respeitar o débito direto Oney SA no valor de 400 €.
Quanto ao ponto a aditar, só mais adiante, na sua alegação de recurso, a Apelante veio indicar o concreto teor deste novo ponto, o que será apreciado na parte atinente ao aditamento de novos factos.
Assim, procedem parcialmente as conclusões da alegação de recurso, alterando-se a redação do ponto 13, que passa a ter o seguinte teor:
13. Assim:
- em julho de 2012, pagou 800 € (embora nada tenha pago em junho);
- em julho de 2014, pagou 1.000 €;
- em fevereiro de 2015, pagou 300 €;
- em julho de 2017, pagou 600 €;
- em janeiro de 2018, pagou 630 €;
- em novembro de 2018, o Requerido pagou 360 €;
- em dezembro de 2019, pagou 330 €; - em janeiro de 2019, pagou 330 €.
Pontos 14 e 15
Lembramos que na sentença foi dado como provado que:
14. Em janeiro de 2015, o Requerido transferiu para a conta bancária do seu pai 600 €, que o mesmo deveria entregar em cheque à filha, como presente de Natal e aniversário, para que comprasse um computador novo.
15. Esse cheque foi entregue à Requerente mas esta não comprou tal computador.
A Apelante pretende que seja eliminado o ponto 15 e dado como provado que: 14. “A 20 de fevereiro de 2015, o Requerido transferiu para a conta bancária do seu pai € 600, que o mesmo deveria entregar em cheque à filha.”
Invocou, para tanto e em síntese, que: da análise das págs. 99 a 103 dos extratos bancários juntos pelo Requerido a 14-04-2024 (Ref.ª Citius 39078490) e da pág. 34 do Doc. 4 junto pelo Requerido a 09-04-2024 (Ref.ª Citius 39031210) resulta que a transferência de 600 € para o pai do Requerido só foi efetuada a 20-02-2014 (com o descritivo “TRF CC NATAL”); nas suas declarações de parte, o Requerido entrou em várias contradições e acabou por reconhecer não saber concretamente o que aconteceu; das declarações de parte da CC resulta que o pai deu um cheque ao avô paterno; tratou-se de um mal-entendido entre a filha, o Requerido e o avô paterno, alheio à Requerente, que nada recebeu.
Vejamos.
Já acima nos referimos ao extrato da conta bancária do Requerido de fevereiro de 2015 e à circunstância de aí constar uma transferência, realizada a 20-02, no valor de 600 €, realizada para conta de terceiro, que o Requerido disse ser o seu pai.
Nas suas declarações, o Requerido explicou o sucedido de forma cabal, confirmou que a transferência não foi feita para a conta da Requerente, mas para a conta do pai dele e, confrontado com o email datado de 15-02-2015 (pág. 6 do Doc. 3 junto a 02-02-2021 – Ref.ª Citius 28396181), disse que o seu pai passou um cheque de 600 €, que foi entregue à Requerente, o que a CC poderá confirmar; que o dinheiro era para comprar um computador à filha, mas isso acabou por não suceder, tendo-lhe sido dito pela CC que a mãe, em vez de lhe comprar o computador, agarrou no computador velho que lá tinha e, dizendo que servia perfeitamente, deu-lho. Também a filha CC, ouvida como testemunha, pese embora não estivesse tão segura dos factos, como é normal, até pela idade que tinha à data e face ao lapso de tempo decorrido, referiu que “o meu pai tinha combinado comigo que me ia dar um computador novo, entretanto deu o cheque acho que ao meu avô e o meu avô acabou por dar à minha mãe, mas esse cheque era para me comprar um computador, para o meu avô ir comigo à Worten, à Fnac ou o que fosse e que me comprasse o computador”; mais adiante, no seu depoimento, deu a entender que o cheque teria afinal sido passado pelo avô; confirmou que a mãe não lhe chegou a comprar o computador.
Atentámos também no teor do email datado de 20-01-2015, enviado pela Requerente ao Requerido (doc. 3 junto por aquela no seu requerimento de 02-02-2021, com a Ref.ª 28396181), em que refere, no que ora importa, o seguinte: “Entretanto, comprei um portátil em 2ª mão do meu trabalho, pelo que ficou disponível o meu portátil mais antigo – mas bastante bom e com ecrã de 17”, óptimo para ver filmes e fazer trabalhos gráficos. Não seria mais oportuno usar o dinheiro que disponibilizaste para o portátil, para pagar, por exemplo, uma pequena parte do aparelho dos dentes (cerca de 3.000 €) e a CC continuar a usar o meu portátil …?”
No aludido email datado de 15-02-2015 que o Requerido enviou à Requente (junto pela própria no seu requerimento de 02-02-2021), aquele referiu, no que ora importa, o seguinte: “O cheque de 600€ que o meu pai deu à CC de prenda de Natal/ Aniversário (vindo de mim) vai ser usado para comprar um disco rígido externo no valor de 100€ de acordo com a escolha da CC e o remanescente vai então para abater na despesa dos dentes entrando na Pensão de Alimentos de 2015”.
Ademais, nas suas declarações, o Requerido esclareceu, em termos que nos mereceram credibilidade, que costuma dar dinheiro à filha em janeiro, altura do aniversário da filha; como não estava em Portugal na altura (mas em Moçambique), pediu ao pai dele que fosse com a filha CC à Worten comprar-lhe um computador (do que disse, retirámos que seria uma prenda de Natal e aniversário); o seu pai, todavia, optou por dar à mãe da CC um cheque de 600 €, que foi depositado na conta da Requerente, não tendo esta comprado o computador.
Assim, tudo ponderado, procedem parcialmente as conclusões da alegação de recurso, passando o ponto 14 a ter o seguinte teor:
14. Em 20 de fevereiro de 2015, o Requerido transferiu para a conta bancária do seu pai 600 €, quantia que o mesmo entregara em cheque à Requerente para que esta comprasse à filha um computador novo, como presente de Natal e aniversário (do Requerido para a filha).
Ponto 21
Na sentença foi dado como provado que: 21. Por sentença proferida a 29 de abril de 2021, a Requerente foi condenada a pagar à filha, enquanto frequentasse o ensino superior público, uma pensão de alimentos no valor de 200 € mensais, acrescida de metade das despesas de saúde na parte não comparticipada, bem como metade das despesas efetuadas com matrículas, propinas, livros e material escolar.
A Apelante pretende que este ponto seja eliminado, alegando, em síntese, que: trata-se de matéria de facto fora do âmbito dos autos e que passa uma falsa imagem negativa da sua pessoa; resulta da certidão da Sentença junta pelo Requerido como Doc. 1 a 03-02-2022 (Ref.ª Citius 31568912) que, após a maioridade da filha, a partir de fevereiro de 2020, a Requerente assumiu voluntariamente e de imediato o pagamento à filha de 200 €/mês, acrescido de metade do valor das despesas de educação e saúde; no aludido processo (n.º 2416/20.7T8SXL, que correu termos no Juiz 2 do Juízo de Família e Menores do Seixal), a CC pretendia que a mãe lhe passasse a pagar 350 €, 13 vezes por ano, bem como metade das despesas com segurança, instrução, formação e saúde; assim, a decisão do Tribunal apenas formalizou os alimentos que a Apelante já pagava à filha desde que atingiu a maioridade e permanece a cumprir pontualmente.
Vejamos.
Contrariamente ao que a Apelante defende, o facto em questão acaba por ter algum interesse para a decisão da causa, muito embora deva ser complementado, para melhor esclarecimento, como, aliás, a própria Apelante procurou fazer.
Assim, e por estar plenamente provado pelo teor da referida certidão, determina-se que o ponto 21 passa a ter o seguinte teor:
21. Por sentença proferida a 29 de abril de 2021, no proc. n.º 2416/20.7T8SXL do Juízo de Família e Menores do Seixal, a Requerente foi condenada a pagar à filha, enquanto frequentasse o ensino superior público, uma pensão de alimentos no valor de 200 € mensais, acrescida de metade das despesas de saúde na parte não comparticipada, bem como metade das despesas efetuadas com matrículas, propinas, livros e material escolar, conforme certidão, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, junta com o requerimento de 03-02-2022.
Ponto 23
Na sentença foi dado como provado que: 23. Nesse período [ou seja, a partir do 9.º ano e até ao 12.º ano, em que a CC frequentou a escola pública], CC não frequentou ATL, permanecendo em casa dos avós paternos quando não tinha aulas, na maioria dos dias.
A Apelante pretende que seja alterada a redação deste ponto, passando a ter o seguinte teor: “Nesse período, CC não frequentou ATL, quando não tinha aulas, frequentou o Cambridge, a Alliance Française, explicações de Geometria Descritiva e o volley.”
Argumentou, em síntese, que: durante esse período, a CC não ia diretamente para casa dos avós paternos (que residem em Fernão Ferro), mas ficava a maior parte das vezes em Almada durante a tarde, pois, além das eventuais aulas, a CC, no 9.º ano, tinha Cambridge três vezes por semana e aulas de Alliance Française, tudo em Almada; depois apanhava os transportes públicos para Pinhal de Frades, onde tinha volley três vezes por semana e, por vezes, almoçava ou aguardava as aulas, na casa dos avós maternos, conforme resulta dos Docs. 9 e 10 juntos pela Requerente a 02-02-2021 (Ref.ª Citius 28396185); no 10.º ano, além das eventuais aulas à tarde, a CC tinha aulas de Cambridge três vezes por semana e explicações de Geometria Descritiva, tudo em Almada; depois apanhava os transportes públicos para Pinhal de Frades, onde tinha volley três vezes por semana e, por vezes, almoçava ou aguardava as aulas na casa dos avós maternos, conforme resulta dos Docs. 10 a 13 juntos a 02-02-2021; o mesmo sucedendo no 11.º ano, conforme resulta dos Docs. 10 a 13 juntos a 02-02-2021 (Ref.ªs Citius 28396185); no 12.º ano, para além das eventuais aulas à tarde, a CC tinha o volley três vezes por semana e por vezes lanchava e aguardava as aulas de volley na sua casa ou em casa dos avós paternos, conforme resulta dos Docs. 13 e 14 juntos pela Requerente a 02-02-2021 (Ref.ª Citius 28396304); o que também resulta do depoimento da filha.
Vejamos.
Os documentos referidos não têm a virtualidade de demonstrar as deslocações regulares da CC em transportes públicos, mormente para casa dos avós, nem as refeições que fazia. Os documentos atestam, é certo, a frequência pela CC das aludidas atividades extracurriculares, matéria de facto em parte já vertida no ponto 25.
O Requerido disse que a partir do momento em que a filha passou a frequentar a Escola pública (9.º ano), nunca frequentou ATL, nem usou transporte escolar; teve explicações e frequentou o Cambridge no 9.º e 10.º ano e também a Alliance Française.
A CC, além de dar conta do volley, referiu ter frequentado a Escola pública em Almada no 9.º ano e depois, no 10.º, 11.º e 12.º, em Cacilhas”; disse que frequentou o Cambridge (no 9.º ano e no 10.º ano) e a Alliance Française (mas apenas no verão antes do 9.º ano); que teve explicações de geometria durante cerca de 2 anos; e que se deslocava sempre em transportes públicos; que ia para casa dos avós (paternos) no 12.º ano principalmente; no 11.º quando tinha tardes livres, saía de casa ia para casa (que ficava perto) dos avós (paternos) lanchar e depois ia para o volley que era ao lado.
Na sentença referida no ponto 21 consta que a CC é atleta federada de voleibal, treinando no Belenenses; ora, a proximidade do local onde decorriam as aulas de volley, única atividade extracurricular que surge como uma constante, relativamente à casa onde vivia e dos avós paternos, só sugere uma maior ligação à casa destes avós.
Quanto à frequência das outras atividades extracurriculares e explicações é matéria de facto vertida no ponto 25, percebendo-se bem que a permanência em casa dos avós paternos acontecia quando a CC não estava a realizar outras atividades extracurriculares.
De qualquer modo, a própria Apelante reconhece que não pediu ao Requerido comparticipação nas despesas com o Cambridge, Alliance Française, volley e outras (cf., por exemplo, conclusão 44 e doc. 15 junto com o requerimento de 02-02-2021). Não se alcança, pois, qual a relevância do aditamento fáctico pretendido, mormente que a CC frequentava aulas de volley.
Assim, por ser irrelevante e redundante a requerida alteração, improcedem as conclusões da alegação de recurso neste particular, mantendo-se inalterado o ponto 23.
Ponto 25
Finalmente, no ponto 25 foi dado como provado que: 25. Durante esse período e por iniciativa da Requerente, CC frequentou também a Cambridge School, a Alliance Française e teve explicações privadas, tendo as respetivas despesas sido pagas pela mãe.
A Apelante pretende que seja alterada a redação do ponto 25, passando a ter o seguinte teor: “Em face das necessidades educativas da filha e da alteração de escolas, durante esse período, a CC frequentou também a Cambridge School, a Alliance Française e teve explicações privadas, tendo as respetivas despesas sido pagas pela mãe.”
Nesse sentido, invocou, em síntese, o que resulta dos Docs. 9 a 13 juntos a 02-02-2021 (Ref.ªs Citius 28396185/ 6 e 28396304) e do depoimento da CC.
Apreciando.
Conforme acima referimos (ao apreciar o ponto 23), não se discute que a CC frequentou também a Cambridge School, a Alliance Française e teve explicações privadas, tendo as respetivas despesas sido pagas pela mãe. No entanto, não resultou do depoimento da CC, nem dos documentos indicados pela Apelante que isso tenha sido motivado pela alteração de escolas ou sequer por necessidades educativas da filha. O que nos pareceu foi que a Requerente tomou a iniciativa quanto à frequência pela filha de tais atividades extracurriculares, apenas se podendo considerar, com apelo a presunções judiciais, que o fez porque entendia que isso seria benéfico para a sua filha, em face das suas necessidades educativas e da alteração das escolas.
No entanto, não se vê qual a relevância substantiva da alteração pretendida, pelo que se mantem inalterada a redação do ponto em apreço.
Do aditamento de factos
Pretende a Apelante que - em face dos Docs. 4 a 15, juntos a 02-02-2021 pela Requerente (Ref.ªs 28396181/3/5/6 e 28396304) - seja ainda dada como provada a enumeração das pensões de alimentos e despesas realizadas com a filha nos seguintes termos:
“O total das pensões de alimentos com metade do valor das despesas da filha enquanto menor, cifra-se em 50.265,52€ respeitante aos seguintes valores:
-Em 2010 - 4.195,66€ respeitante às seguintes rubricas: metade das despesas de educação – 2.790,99€, metade das despesas de saúde – 4,67€ e pensão de alimentos – 1.400€;
-Em 2011 - 6.507,25€ respeitante às seguintes rubricas: metade das despesas de educação – 3.496,25€, metade das despesas de saúde – 575,00€ e pensão de alimentos – 2.436,00€;
- Em 2012 - 4.364,96€ respeitante às seguintes rubricas: metade das despesas de educação – 1.724,96€, metade das despesas de saúde – 120,00€ e pensão de alimentos – 2.520,00€;
- Em 2013 - 4.338,46€ respeitante às seguintes rubricas: metade das despesas de educação – 1.596,46€, metade das despesas de saúde – 150,00€ e pensão de alimentos – 2.592,00€;
- Em 2014 - 6.291,69€ respeitante às seguintes rubricas: metade das despesas de educação – 1.761,04€, metade das despesas de saúde – 1.926,65€ e pensão de alimentos – 2.604,00€;
- Em 2015 - 4.888,38€ respeitante às seguintes rubricas: metade das despesas de educação – 1.830,18€, metade das despesas de saúde – 466,20€ e pensão de alimentos – 2.592,00€;
- Em 2016 - 5.522,10€ respeitante às seguintes rubricas: metade das despesas de educação – 2.289,44€, metade das despesas de saúde – 623,66€ e pensão de alimentos – 2.609,00€;
- Em 2017 - 5.063,75€ respeitante às seguintes rubricas: metade das despesas de educação – 1.839,79€, metade das despesas de saúde – 595,96€ e pensão de alimentos – 2.628,00€;
- Em 2018 - 4.720,27€ respeitante às seguintes rubricas: metade das despesas de educação – 1.764,54€, metade das despesas de saúde – 291,74 € e pensão de alimentos – 2.664,00€;
- Em 2019 - 4.090,67€, sendo: metade das despesas de alimentação escolar – 484€, metade das despesas de educação – 863,28€, metade das despesas de saúde – 55,40€ e pensão de alimentos – 2.688€;
- Em 2020 a pensão de alimentos e metade das despesas totalizaram 282,33€ sendo: metade das despesas de alimentação escolar – 44€, metade das despesas de educação – 13,33€ e pensão de alimentos – 225,00€.”
Mais pretende que - da comparação entre os documentos juntos pelo Requerido, o Doc. 4 junto a 09-04-2024 (Ref.ª Citius 390312109) e os extratos bancários juntos a 14-04-2024 (Ref.ªs Citius 39078491/0/2/87), com o Doc. 2 junto pela Requerente a 18-07-2022 (Ref.ª Citius 33164217) - sejam considerados como provados os seguintes pagamentos efetuados pelo Requerido à Requerente após o divórcio:
“O total dos pagamentos realizados pelo Requerido cifra-se em 43.523,27€:
- Em 2010, após o divórcio, 5.379,22, correspondente a: 200€ a 31.05.2010 + 466,55€ a 24.06.2010 + 347,51€ a 24.06.2010 + 1.608€ a 25.06.2010 + 200€ a 29.06.2010 + 200€ a 20.07.2010 + 200€ a 14.08.2010 + 200€ a 29.09.2010 + 200€ a 29.10.2010 + 857,16€ a 10.11.2010 + 200€ a 30.11.2010 + 500€ a 14.12.2010 + 200€ a 29.12.2010;
- Em 2011 – 5.500€, correspondente a: 600€ a 05.01.2011 + 200€ a 31.01.2011 + 500€ a 04.02.2011 + 200€ a 01.03.2011 + 300€ a 17.03.2011 + 200€ a 29.03.2011 + 300€ a 05.04.2011 + 200€ a 29.04.2011 + 200€ a 31.05.2011 + 1.200€ a 25.05.2011 + 200€ a 29.06.2011 + 200€ a 29.07.2011 + 300€ a 02.09.2011 + 300€ a 04.10.2011 + 300€ a 03.11.2011 + 300€ a 05.12.2011;
- Em 2012 – 3.984,99, correspondente a: 300€ a 03.01.2012 + 300€ a 02.02.2012 + 300€ a 02.03.2012 + 300€ a 03.04.2012 + 400€ a 28.05.2012 + 400€ a 03.07.2012 + 400€ a 24.07.2012 + 384,99€ a 24.07.2012 + 300€ a 28.08.2012 + 300€ a 03.10.2012 + 300€ a 05.11.2012 + 300€ a 04.12.2012;
- Em 2013 – 3.600€ (300€x12), correspondente a: 300€ a 03.01.2013 + 300€ a 05.02.201 + 300€ a 05.03.2013 + 300€ a 03.04.2013 + 300€ a 03.05.2013 + 300€ a 04.06.2013 + 300€ a 03.07.2013 + 300€ a 05.08.2013 + 300€ a 03.09.2013 + 300€ a 03.10.2013 + 300€ a 05.11.2013 + 300€ a 03.12.2013;
- Em 2014 – 4.719,06€, correspondente a: 300€ a 03.01.2014 + 300€ a 04.02.2014 + 300€ a 04.03.2014 + 300€ a 03.04.2014 + 300€ a 05.05.2014 + 119,06€ a 06.05.2014 + 300€ a 03.06.2014 + 300€ a 03.07.2014 + 1.000€ a 14.07.2014 + 300€ a 05.08.2014 + 300€ a 03.09.2014 + 300€ a 03.10.2014 + 300€ a 04.11.2014 + 300€ a 03.12.2014;
- Em 2015 – 3.600€ (300€x12), correspondente a: 300€ a 05.01.2015 + 300€ a 03.02.2015 + 300€ a 03.03.2015 + 300€ a 07.04.2015 + 300€ a 05.05.2015 + 300€ a 03.06.2015 + 300€ a 03.07.2015 + 300€ a 04.08.2015 + 300€ a 03.09.2015 + 300€ a 05.10.2015 + 300€ a 03.11.2015 + 300€ a 03.12.2015;
- Em 2016 – 3.600€ (300€x12), correspondente a: 300€ a 05.01.2016 + 300€ a 03.02.2016 + 300€ a 03.03.2016 + 300€ a 05.04.2016 + 300€ a 03.05.2016 + 300€ a 03.06.2016 + 300€ a 05.07.2016 + 300€ a 03.08.2016 + 300€ a 05.09.2016 + 300€ a 04.10.2016 + 300€ a 03.11.2016 + 300€ a 05.12.2016;
- Em 2017 – 3.900€ (300€x13), correspondente a: 300€ a 03.01.2017 + 300€ a 03.02.2017 + 300€ a 03.03.2017 + 300€ a 04.04.2017 + 300€ a 03.05.2017 + 300€ a 05.06.2017 + 300€ a 04.07.2017 + 300€ a 25.07.2017 + 300€ a 03.08.2017 + 300€ a 05.09.2017 + 300€ a 03.10.2017 + 300€ a 03.11.2017 + 300€ a 05.12.2017;
- Em 2018 – 4.620€, correspondente a: 300€ a 03.01.2018 + 330€ a 26.01.2018 + 330€ 27.02.2018 + 330€ a 27.03.2018 + 330€ a 26.04.2018 + 330€ a 28.05.208 + 330€ a 26.06.2018 + 330€ a 26.07.2018 + 330€ a 28.08.2018 + 330€ a 26.09.2018 + 330€ a 26.10.2018 + 360€ a 23.11.2018 + 330€ a 27.11.2018 + 330€ a 28.12.2018;
- Em 2019 – 4.290€, correspondente a: 330€ a 28.01.2019 + 330€ a 26.02.2019 + 330€ a 26.03.2019 + 330€ a 26.04.2019 + 330€ a 28.05.2019 + 330€ a 26.06.2019 + 330€ a 26.07.2019 + 330€ a 27.08.2019 + 330€ a 26.09.2019 + 330€ a 28.10.2019 + 330€ a 26.11.2019 + 330€ a 24.12.2019 + 330€ a 30.12.2019;
- Em 2020 – 330€ a 28.01.2020.”
Acrescentando ainda que, de harmonia com a prova produzida nestes autos e conforme relacionado nos artigos precedentes, deve ser dado como provado que: “O Requerido deve à Requerente a importância de 6.742,24 € (50.265,52 €- 43.523,27 €)”
Apreciando.
Em primeiro lugar, é óbvio que não tem cabimento aditar ao elenco dos factos que o Requerido deve à Requerente a importância de 6.742,24 € (50.265,52 € - 43.523,27 €), pois uma tal alegação consubstancia um juízo conclusivo que apenas se poderá extrair, em sede de fundamentação de direito, do conjunto dos factos provados, contanto estejam provadas alegações de facto nesse sentido.
No tocante aos valores devidos pelo Requerido, a Apelante parece olvidar o seu requerimento de redução do pedido, do qual resulta que apenas reclama nos presentes autos prestações relativas aos anos de 2012 a 2020.
Além disso, a matéria de facto atinente ao montante da pensão de alimentos devida resulta já do elenco dos factos provados, mormente do ponto 3.
Quanto ao mais, ou seja, às despesas de saúde e de educação reclamadas, deveria a Requerente ter discriminado as verbas concretas que despendeu, nem que fosse por remissão para tabelas incluídas nos articulados, com referência aos respetivos documentos de suporte, em termos que pudessem ser apreendidos pelo Requerido e pelo Tribunal. Manifestamente não o fez. As suas alegações, incluindo as que ora pretende ver plasmadas no elenco dos factos, mesmo considerando as tabelas que juntou (mormente as constantes dos requerimentos de 18-07-2022 e 22-04-2024, que não constituem um verdadeiro documento, mas alegações de facto sistematizadas ou organizadas em formato de tabela), são genéricas e, em parte, incompreensíveis (por exemplo, a coluna “Educação plafonada” na tabela incluída no requerimento de 18-07-2022, que, segundo o Requerido, importaria que a Requerente explicasse em que consistia – cf. art.º 15.º do Requerimento de 26-04-2024). De modo algum se poderá considerar que o Requerido, ante a posição que assumiu nos autos, confessou (ou admitiu por acordo) as alegações cujo aditamento a Apelante pretende.
Ademais, quanto às despesas de saúde, o valor global alegado pela Requerente, no seu requerimento de redução do pedido, em que indicou valores anuais, ascende a 4.242.94 €. Porém, como melhor se verá adiante, importaria sim considerar os montantes não comparticipados pela ADM, os quais não foram devidamente alegados pela Requerente e não resultam, pelo menos de forma cabal, dos documentos que juntou, pelo que, nesta parte, não será determinado qualquer aditamento ao elenco dos factos provados, já que se nos afigura que o mesmo seria irrelevante para a boa decisão da causa.
Num esforço interpretativo das alegações da Requerente e de análise dos documentos juntos com os seus Requerimentos de 02-02-2021 (docs. 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 13), cingindo-nos agora, pois é isso que importa, às despesas escolares de 2012 a 2020 pagas pela Requerente, consideramos comprovadamente verificadas as seguintes:
- em 2012, à sociedade dona do colégio Colégio..., 7.359,82 €, sendo 5.791,99 € de propinas, 428,43 € de material e livros escolares, 27 € de seguro escolar, 393,10 € de alimentação e 719,30 € de transportes;
- em 2013, à referida sociedade, 8.479,14 €, sendo 6.271,01 € de propinas, 256,65 € de material e livros escolares, 27 € de seguro escolar, 466,48 € de alimentação e 1.458 € de transportes;
- em 2014, à referida sociedade, 7.022,35 €, sendo 5.118,84 € de propinas, 366,62 € de material e livros escolares, 27 € de seguro escolar, 338,59 € de alimentação e 1.171,30 € de transportes;
- em 2015, à referida sociedade, 3.853,84 €, sendo 3.360 € de propinas, 373,34 € de “Ensino”, 35 € de manuais escolares, 13,50 € de material escolar e 72 € de material didático;
- em 2016, o total de 580,39 €, com livros escolares e outras despesas escolares (para o que considerámos os seguintes valores: 28,66 € + 113,30 € + 74.09 € + 227,66 € + 36,68 € + 95 € + 5 €);
- em 2018, o montante de 249,31 € com livros escolares;
- em 2019, o montante de 1 € à Escola Secundária...
Quanto às concretas transferências efetuadas pelo Requerido, trata-se de matéria de facto relativamente à qual as partes acabaram por manifestar consenso, não sendo a prova documental, apesar de abundante, inteiramente esclarecedora. Parece-nos, face ao que resulta dos pontos 9, 11, 12, 13, 14 e 15 do elenco dos factos provados, bem como ao acordo das partes nos articulados (considerando, em particular, a concordância expressa pelo Requerido no seu Requerimento de 26-04-2024 relativamente ao doc. 1 junto pela Requerente no seu requerimento de 22-04-2024), que o aditamento se justifica em parte, por estar plenamente provado, que o valor total das transferências efetuadas pelo Requerido para a Requerente foi de, pelo menos, 43.523,27 €, considerando que os valores anuais não foram inferiores a 5.379,22 € em 2010, 5.500 € em 2011, 3.984,99 € em 2012, 3.600 € em 2013, 4.719,06 € em 2014, 3.600 € em 2015, 3.600 € em 2016, 3.900 € em 2017, 4.620 € em 2018, 4.290 € em 2019, e 330 € em 2020.
Assim, determina-se:
- o aditamento do ponto 8-a), com o seguinte teor:
A Requerente pagou, pelo menos, as seguintes despesas escolares da filha:
- em 2012, à sociedade dona do colégio Colégio..., 7.359,82 €, sendo 5.791,99 € de propinas, 428,43 € de material e livros escolares, 27 € de seguro escolar, 393,10 € de alimentação e 719,30 € de transportes;
- em 2013, à referida sociedade, 8.479,14 €, sendo 6.271,01 € de propinas, 256,65 € de material e livros escolares, 27 € de seguro escolar, 466,48 € de alimentação e 1.458 € de transportes;
- em 2014, à referida sociedade, 7.022,35 €, sendo 5.118,84 € de propinas, 366,62 € de material e livros escolares, 27 € de seguro escolar, 338,59 € de alimentação e 1.171,30 € de transportes;
- em 2015, à referida sociedade, 3.853,84 €, sendo 3.360 € de propinas, 373,34 € de “Ensino”, 35 € de manuais escolares, 13,50 € de material escolar e 72 € de material didático;
- em 2016, o total de 580,39 €, com livros escolares e outras despesas escolares;
- em 2018, o montante de 249,31 €, com livros escolares;
- em 2019, o montante de 1 € à Escola Secundária...
- o aditamento do ponto 13-a), com o seguinte teor:
O valor total das transferências realizadas pelo Requerido para a Requerente foi, pelo menos, de 43.523,27 €, sendo os valores anuais não inferiores a 5.379,22 € em 2010, 5.500 € em 2011, 3.984,99 € em 2012, 3.600 € em 2013, 4.719,06 € em 2014, 3.600 € em 2015, 3.600 € em 2016, 3.900 € em 2017, 4.620 € em 2018, 4.290 € em 2019, e 330 € em 2020. Do incumprimento da obrigação de alimentos
Na fundamentação de direito da sentença recorrida, teceram-se as seguintes considerações (sublinhado nosso): «Preceitua o artigo 41º nº 1 do RGPTC que “(…)”. Face à matéria provada, há, pois, que decidir se o Requerido é ou não devedor das quantias ou de algumas das quantias reclamadas pela Requerente. Assim, verifica-se que o regime de exercício das responsabilidades parentais quanto à CC foi regulado por decisão de maio de 2010, fixando-se uma pensão de alimentos no valor de € 200 mensais, atualizável anualmente, a suportar pelo pai, devendo este, para além disso, comparticipar em metade as despesas de saúde na parte não comparticipada pela ADM, bem como de outras despesas específicas, entre as quais as de educação, até € 500 mensais. Nessa altura, a CC frequentava uma escola privada, com a concordância de ambos os pais, assim se compreendendo que fixassem aquele “teto” mensal para tais despesas. Porém, logo em fevereiro de 2011 o Requerido transmitiu à Requerente a sua indisponibilidade para, a partir do ano letivo seguinte, continuar a suportar a despesa com estabelecimento de ensino privado, alegando razões económicas e, unilateralmente, deixou de o fazer, passando a pagar mensalmente € 300 a partir de julho desse ano, considerando que € 200 correspondiam à pensão de alimentos e que os restantes se destinavam a compensar outras despesas. Do mesmo modo, a partir de 2013 deixou de comparticipar despesas de saúde que não fossem comparticipadas pela ADM, por não concordar que a Requerente recorresse a serviços de saúde sem acordo com este subsistema de saúde e, seguindo aquela linha de raciocínio, em 2018, passou a pagar € 330 mensais. Ora, na verdade, o Requerido tomou tais decisões unilateralmente, quando podia (e devia) ter instaurado ação para alterar o regime inicialmente fixado. E, quanto a este, não previa o mesmo, por exemplo, que a mãe ficava obrigada a recorrer a serviços de saúde que tivessem acordo com o ADM. Por outro lado, a Requerente decidiu, unilateralmente, por exemplo, manter a filha num estabelecimento de ensino privado, mesmo após o Requerido lhe ter comunicado que, por razões económicas, não aceitava continuar a comparticipar tal despesa após o 4º ano de escolaridade da filha. Assim e ainda que, no momento em que foi regulado o exercício das responsabilidades parentais, ambos os pais entendessem a mensalidade do colégio privado como uma “despesa escolar” (tanto assim era que fixaram em € 500 mensais o “teto” para a comparticipação das despesas escolares, com atividades extra-curriculares, alimentação e transporte escolar), é admissível que, no inicio de um novo ano escolar, os pais ou algum deles entenda, por qualquer razão, designadamente, económica, que não se justifica a permanência de um filho numa escola privada, compreendendo-se a decisão quanto a tal questão no exercício conjunto das responsabilidades parentais. Impunha-se, pois, que, a partir do momento em que o Requerido informou que, no novo ano letivo, não tinha condições económicas para continuar a suportar tal despesa, Requerente e Requerido tivessem procurado chegar a um consenso quanto a tal matéria e, não sendo tal possível, deveria a mesma ter sido suscitada perante o tribunal. Não o tendo feito e não aceitando o Requerido que a sua filha continuasse a frequentar o ensino privado, não teria que ficar obrigado a suportar as respetivas despesas, quando a criança tinha o ensino público disponível. Conclui-se, assim, que o Requerido deixou de estar obrigado a suportar despesas com o colégio privado da filha, a partir do 5º ano de escolaridade da mesma. E, do mesmo modo, não se tendo provado que a Requerente consultou previamente o Requerido quanto à frequência de escolas de línguas privadas ou “explicações” privadas, não lhe podem ser impostas as correspondentes despesas. Situação diversa é a que diz respeito a despesas de saúde que, como se viu, o Requerido se recusou a comparticipar pelo facto de a Requerente não ter recorrido a serviços com acordo com a ADM, quando a mesma não estava a tal obrigada e nada se provou quanto às razões pelas quais não o fez. Aliás, acredita-se que todas as decisões que a Requerente tomou, relativas à saúde (assim como à educação) da filha, tiveram em conta o bem estar desta, pelo que não parece legítimo que o Requerido tenha recusado comparticipá-las. Ainda assim, a verdade é que o Requerido não deixou de comparticipar essas e outras despesas, fazendo-o, porém, “quando entendia” e nos valores que o próprio definia. Com efeito, a partir de julho de 2011, o Requerido passou a pagar mensalmente € 300 para alimentos da filha (quando o valor da pensão de alimentos seria de € 202,80, atenta a atualização devida) e, em 2018, passou a pagar € 330 (quando o valor da pensão seria de € 222,30). Para além disso, em alguns meses pagava acréscimos à pensão de alimentos, conforme ficou provado em 13. dos factos provados, o que demonstra que, apesar de impor à Requerente as suas próprias condições, definindo o que era “justo” e o quanto era necessário para a satisfação das necessidades da filha, não deixou de se preocupar com as mesmas e de providenciar para que tivesse o que precisava – o que também resulta do tipo de presentes que lhe oferecia (roupa, calçado, computadores, telemóveis ...). Do exposto resulta, por outro lado, a dificuldade em contabilizar o que cada um dos pais pagou “a mais” ou “a menos” daquilo que era devido. Perante este quadro, há, pois, que decidir se o Requerido deve ser condenado a pagar neste momento à Requerente o valor que a mesma peticiona (€ 6.742, acrescidos de juros). Para tal decidir e considerando tudo o que ficou exposto, bem como o facto de a Requerente só após a maioridade da filha e de esta estar a viver com o pai ter instaurado a presente ação, quando os valores que reclama se reportam a 2011 (o que mal se compreende...), não se pode deixar de ter em conta, desde logo, que nos movemos no âmbito da jurisdição voluntária (cfr. artigo 12º do RGPTC), o que significa que, mais do que decidir segundo critérios estritamente jurídicos, o tribunal irá proferir um juízo de oportunidade ou conveniência sobre os interesses em causa. Como já escrevia a propósito desta questão Alberto dos Reis (in “Processos Especiais”, cit. in Regime Geral do processo Tutelar Cível Anotado e Comentado, de Tomé Ramião, Quid Juris, 1ª ed., p. 57) “Um julgamento pode inspirar-se em duas orientações ou em dois critérios diferentes: critério de legalidade, critério de equidade. No primeiro caso o juiz tem de aplicar aos factos da causa o direito constituído; tem de julgar segundo as normas jurídicas que se ajustem á espécie respectiva, ainda que, em sua consciência, entenda que a verdadeira justiça exigiria outra solução. No segundo caso o julgador não está vinculado à observância rigorosa do direito aplicável à espécie vertente; tem liberdade de se subtrair a esse enquadramento rígido e de proferir a decisão que lhe pareça mais equitativa.” A este propósito, na jurisprudência e apenas a título ilustrativo, escreveu-se no acórdão do TRL, de 18/10/2012 que “No domínio dos processos de jurisdição voluntária, o Juiz não está limitado por critérios formais que divirjam do escopo principal legislativo centrado na protecção dos interesses do menor, devendo, por isso, buscar a solução mais justa, a que considere mais conveniente e oportuna, em ordem a uma equitativa composição dos interesses em causa e que se mostre mais adequada ao caso concreto. Não estando o tribunal sujeito a critérios de legalidade estrita, não são aceitáveis interpretações de natureza puramente formal, à margem da realidade social e da actual vivência económico-financeira.” Ora, tendo este cenário como fundo para a decisão a proferir, parece-me que não é justo condenar neste momento o Requerido ao pagamento de qualquer valor. Com efeito, apesar de não ter sido rigorosamente observado o previsto quanto à partilha de despesas, não o foi igualmente quanto à partilha de decisões e aquele, a partir de julho de 2011, pagou sempre a pensão de alimentos em valor superior ao fixado, assim como entregou à Requerente somas consideráveis de dinheiro para a “compensar” pelas despesas que suportou com educação e saúde da filha, não sendo fácil apurar, com absoluto rigor, se o fez em valor superior ou inferior ao devido. Ainda assim, sabe-se que o Requerido pagou “em acréscimo”, pelo menos, € 5.110 (vd. facto 13), para além dos valores que, mensalmente e após julho de 2011, pagou “a mais” de pensão de alimentos. Assim sendo, entendo, pois, que nada mais tem a pagar.»
A Apelante pugna pela procedência total da sua pretensão, argumentando, em síntese, que: ante a matéria de facto provada, impõe-se concluir que o progenitor incumpriu o pagamento da pensão de alimentos e comparticipação com as despesas da filha enquanto menor, tendo o Tribunal a quo errado ao julgar “que o Requerido deixou de estar obrigado a suportar despesas com colégio privado da filha, a partir do 5º ano de escolaridade da mesma”, sendo ilegítima a recusa do Requerido em comparticipar nas despesas de educação e saúde da filha; os reforços feitos pelo Requerido serviram para pagar os valores em dívida e não “despesas correntes”; não resulta qualquer dificuldade em contabilizar todos os montantes, os valores da pensão de alimentos e despesas que constam discriminados nos autos, os quais não foram impugnados, bastando subtrair ao total das pensões de alimentos e despesas as transferências efetivamente realizadas pelo Requerido, resultando ser o valor não pago pelo Requerido de 6.742,24 € (50.265,52 € - 43.523,27 €); é injusto a Requerente ter provido ao bem-estar e sustento da filha e não ver agora o seu direito reconhecido, quando resulta que o pai tinha a capacidade económica para comparticipar.
O Apelado, por sua vez, defende que o incidente de incumprimento não tem razão de ser, argumentando, em síntese, que: se o pai não aceita a partir de certa altura pagar o ensino privado, e se a mãe pretende prosseguir com tal ensino deve custear o seu custo; as despesas devem ser acordadas ou autorizadas por ambos os progenitores; se o acordo das responsabilidades parentais obrigava as despesas a passar pelo ADM, mas a mãe não procede como tal, incumpre e não pode reclamar tais despesas; se o pai transferiu mais do que o que estava estipulado a título de alimentos, cumpriu o seu dever e não há incumprimento; se o pai além dos 200 euros x 12 a que estava obrigado de pensão, pagou 300 euros x 14 meses e 330 euros x 14 meses, pagou uma quantia razoável para fazer face às concretas necessidades com despesas da menor; se foi considerado para a mesma jovem na ação de alimentos de maior que uma pensão de 200 euros x 12 era mais do que suficiente para a sustentar, tal deve ser tido em conta, já que no passado e enquanto menor também tal sucederia; e que também lhe bastava se fosse para o ensino privado 700 euros por ano de despesas; se o pai ao longo dos anos pagou mais do que o que estava obrigado, não incumpriu.
Apreciando.
A Requerente demandou o Requerido instaurando o presente processo tutelar cível, ao abrigo do disposto no art.º 41.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08-09), cujo n.º 1, estabelece precisamente que: “Se, relativamente à situação da criança, um dos pais ou a terceira pessoa a quem aquela haja sido confiada não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respetivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos.”
Conforme resulta do disposto no art.º 12.º do RGPTC, os processos tutelares cíveis têm a natureza de processos de jurisdição voluntária; sendo assim, são também aplicáveis as regras dos artigos 986.º a 988.º do CPC e, por remissão do n.º 1 do art.º 986.º, as regras dos artigos 292.º a 295.º do CPC. Ademais, são aplicáveis subsidiariamente as regras do processo civil que não contrariem os fins da jurisdição de menores, nos termos previstos no art.º 33.º do RGPTC. De entre essas regras, avultam o princípio a observar em casos de dúvida consagrado no art.º 414.º do CPC, bem como as regras de direito probatório material consagradas nos artigos 342.º e ss. do CC.
Fundando-se o incidente de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais na omissão de pagamento dos alimentos nos termos acordados ou decididos, compete ao credor alegar e provar os factos constitutivos do direito que se arroga, ou seja, os factos dos quais resulta que o progenitor requerido está obrigado a pagar a(s) concreta(s) quantia(s) alegadamente em dívida; por sua vez, ao progenitor demandado incumbe alegar e provar o respetivo pagamento ou outros factos que consubstanciem matéria de exceção; neste sentido, a título exemplificativo, veja-se o acórdão da Relação de Lisboa de 11-12-2018, proferido no processo n.º 193/14.0T8LSB-C.L1, consultado em https://www.pgdlisboa.pt
Desde já adiantamos que, pese embora não acompanhando todas as considerações feitas pelo Tribunal a quo, designadamente na parte em que fundamentou a decisão na «dificuldade em contabilizar o que cada um dos pais pagou “a mais” ou “a menos” daquilo que era devido», não divergimos da solução dada ao caso, pelas razões que passamos a expor, começando por lembrar que, conforme estabelece o art.º 2005.º, n.º 1, do CC, os alimentos devem ser fixados em prestações pecuniárias mensais, salvo se houver acordo ou disposição legal em contrário, ou se ocorrerem motivos que justifiquem medidas de exceção.
Está a ser discutido o incumprimento do acordo homologado (a 25 de maio de 2010) pelo qual foi regulado o exercício das responsabilidades parentais quanto à então menor CC, acordo esse, nos termos do qual, o pai, ora Requerido, ficou obrigado ao pagamento de uma pensão de alimentos no valor de 200 € mensais até ao dia 5 de cada mês, por transferência bancária, valor a atualizar anualmente segundo os índices de inflação; para além disso, o pai ficou obrigado a pagar metade das despesas escolares, de alimentação escolar, com transporte escolar e com atividades extracurriculares, num montante máximo de 500 € por mês, bem como metade das despesas de saúde na parte não comparticipada pelo ADM. Portanto, ficou acordado que à pensão de alimentos (prestação de montante mensal fixo) acresciam outras quantias, atinentes às referidas despesas, algumas mais previsíveis e regulares, outras, como seguramente sucedia com as despesas de saúde, de natureza extraordinária.
Começando por estas últimas, salientamos que estão em causa as relativas aos anos de 2012 a 2020 e que, segundo a Requerente (tendo em conta os montantes que alegou no seu Requerimento de redução do pedido), ascenderiam ao valor total de 4.229,61 €.
O Tribunal a quo não considerou relevante, por si só, a circunstância de não terem ficado provados os montantes concretos das despesas de saúde suportados pela Requerente. Entendeu que, apesar de não parecer legítimo que o Requerido se tenha recusado a comparticipá-las, na verdade, não deixou de comparticipar essas e outras despesas, fazendo-o, porém, quando entendia e nos valores que o próprio definia, pelo que nada mais devia pagar.
Parece-nos importante precisar este aspeto da obrigação alimentar em causa, num esforço interpretativo da aludida cláusula do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, à luz das regras consagradas nos artigos 236.º e 238.º do CC, sublinhando que o estipulado quanto às despesas de saúde foi que seriam suportadas, em partes iguais, por ambos os progenitores, “na parte que não for comparticipada pelo Subsistema da ADM”.
De salientar que o ADM (Assistência na Doença aos Militares) é um subsistema de saúde cujo objetivo é garantir o acesso à prestação de cuidados de saúde, suplementando o SNS. Efetivamente, o Decreto-Lei n.º 167/2005, de 23 de setembro, veio unificar a assistência na doença aos militares das Forças Armadas (ADM), então efetuada por três subsistemas de saúde específicos de cada um dos ramos (Assistência na Doença aos Militares do Exército, Assistência na Doença aos Militares da Armada e Assistência na Doença aos Militares da Força Aérea), num único subsistema sujeito a um regime paralelo ao da ADSE (ambos são subsistemas de saúde da Administração Pública). No art.º 9.º desse diploma legal está previsto que, as prestações de cuidados de saúde abrangidas pelo mesmo são efetuadas pelas seguintes entidades: a) Estabelecimentos do Serviço de Saúde Militar; b) Estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde; c) Pessoas singulares ou coletivas com as quais tenham sido celebrados acordos, nos termos do artigo 11.º; d) Pessoas singulares ou coletivas da livre escolha dos beneficiários. No art.º 12.º desse Decreto-Lei, está previsto, designadamente, que (1) A comparticipação no pagamento das prestações efetuadas se efetiva mediante reembolso ao beneficiário ou, quando tal esteja estabelecido em acordo ou convenção, mediante pagamento direto à entidade prestadora; (2) Na situação referida na alínea c) do artigo 9.º, o montante a suportar pelo beneficiário é determinado, tendo em conta o tipo de ato médico praticado, por portaria conjunta dos Ministros da Defesa Nacional e das Finanças; (3) A comparticipação concedida aos beneficiários, no caso referido na alínea d) do artigo 9.º, é a que resultar da aplicação das regras definidas para o regime livre na ADSE; (4) A comparticipação concedida aos beneficiários na assistência medicamentosa e na aquisição de meios de correção e compensação é a que resultar da aplicação das regras e tabelas definidas para a comparticipação correspondente na ADSE; (5) Os beneficiários assumem os encargos relativos às taxas moderadoras, quando houver lugar a tal, e a diferença dos custos no caso de opção por internamento em quarto particular; (6) O pagamento da despesa, para além dos escalões de comparticipação estabelecidos, é da responsabilidade do beneficiário; (7) As regras referidas nos n.ºs 3 e 4 incluem as eventuais disposições sobre limites à quantidade e valor de atos médicos ou aquisição de medicamentos e meios de correção e compensação comparticipáveis.
Ora, sendo a CC beneficiária familiar do ADM, por virtude das funções desempenhadas pelo Progenitor, este obrigou-se a pagar metade do valor remanescente não comparticipado. Tal significa, é certo, que a Requerente poderia recorrer a estabelecimentos/serviços sem acordo com o ADM (ou seja, fora do regime convencionado), conforme se afirma na sentença. No entanto, já não nos parece que aquela pudesse exigir ao Requerido o pagamento de metade das despesas de saúde feitas fora desse regime sem cuidar da respetiva submissão à ADM para obter o reembolso por via do qual se efetiva a comparticipação pelo referido subsistema. Aliás, está provado que, quando as despesas médicas eram comparticipadas pela ADM, o Requerido enviava à Requerente metade do valor reembolsado. Não tinha, todavia, o Requerido que assumir, sem mais, o pagamento de metade das despesas de saúde da filha se não fosse acionada a comparticipação da ADM (portanto, deveria pagar a metade da parte não comparticipada ou a metade da totalidade da despesa em caso de indeferimento do pedido de comparticipação).
É nessa perspetiva que se enquadra, a nosso ver, a recusa do Requerido em continuar a pagar despesas de saúde, como, aliás, sempre defendeu. A Requerente não cuidou de alegar que os valores reclamados (a que se refere de forma genérica) correspondam ao valor remanescente não comparticipado e solicitado ao Requerido, procedimento que, tudo indica, aquela deixou de adotar por comodidade ou por não pretender aguardar por eventual reembolso do ADM ou para não ter de comunicar com o Requerido. Portanto, parece-nos estar justificada a posição do Requerido, não lhe sendo exigível o pagamento de quantias a título de despesas de saúde que não possam ser consideradas como correspondendo à “parte que não for comparticipada pelo Subsistema da ADM”. Logo, ao valor peticionado de 6.742,24 € há que descontar o valor atinente às reclamadas despesas de saúde, o que significa que o montante remanescente alegadamente em dívida não poderá ser superior a 2.512,63 €.
Mesmo admitindo, por hipótese, que o Requerido incumpriu a obrigação alimentar quanto às quantias peticionadas a título de despesas de saúde, entendemos que, face às circunstâncias de facto apuradas, não poderá o Requerido ser agora coagido a pagar tais importâncias, tal como entendeu o Tribunal recorrido, sublinhando que, por se tratar de um processo de jurisdição voluntária, mais do que decidir segundo critérios estritamente jurídicos, há que proferir um juízo de oportunidade ou conveniência sobre os interesses em causa, concluindo que não seria “justo” condenar neste momento o Requerido ao pagamento de qualquer valor, considerações que, embora sem que tenha sido feita expressa referência ao art.º 334.º do CC, também convocam a figura do abuso do direito (cf. art.º 334.º do CC).
Partilhamos desta visão das coisas, lembrando que, conforme expressamente previsto no art.º 334.º do CC, “(É) ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. Note-se que, para o reconhecimento deste excesso patente dos limites impostos pela boa fé, não é necessário que tenha havido a consciência de se excederem esses limites (conceção objetiva do abuso do direito), e que, ao determinar quais os limites impostos pela boa fé ou pelos bons costumes, o julgador deverá atender às conceções ético-jurídicas dominantes na coletividade, devendo para apurar do fim social ou económico do direito considerar os juízos de valor positivamente consagrados na lei (veja-se, neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, pág. 299). De referir ainda que as consequências do abuso do direito não podem deixar de ser ajustadas às especificidades de cada caso concreto, operando, com frequência, como exceção perentória. Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, págs. 299-300, “tem as consequências de todo o acto ilegítimo: pode dar lugar à obrigação de indemnizar, à nulidade, nos termos do artigo 294.º; à legitimidade de oposição; ao alongamento de um prazo de prescrição ou de caducidade.” Na mesma linha, sobre as consequências do abuso do direito, lembrando que o art.º 334.º fala em “ilegitimidade” quando se trata de ilicitude e que as consequências podem ser variadas, incluindo a supressão do direito como hipótese comum, designadamente na suppressio, ou a cessação do concreto exercício abusivo, mantendo-se, todavia, o direito, veja-se Menezes Cordeiro, in “Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas”, in ROA Ano 2005, disponível em https://portal.oa.pt/publicacoes/revista/ano-2005/ano-65-vol-ii-set-2005/artigos-doutrinais/antonio-menezes-cordeiro-do-abuso-do-direito-estado-das-questoes-e-perspectivas-star/
Sendo a jurisprudência, desde há largos anos, muito rica na identificação de situações em que se justifica lançar mão deste instituto, lembramos a síntese exemplar feita no acórdão do STJ de 21-09-1993, a partir dos ensinamentos de Manuel de Andrade, Almeida Costa, Pires de Lima e Antunes Varela: “a complexa figura do abuso do direito é uma cláusula geral, uma válvula de segurança, uma janela por onde podem circular lufadas de ar fresco, para obtemperar à injustiça gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalente na comunidade social (...) em que, por particularidades ou circunstâncias especiais do caso concreto, redundaria o exercício de um direito por lei conferido; existirá abuso do direito quando, admitido um certo direito como válido em tese geral, aparece, todavia, no caso concreto, exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito, dito de outro modo, o abuso do direito pressupõe a existência e a titularidade do poder formal que constitui a verdadeira substância do direito subjectivo mas este poder formal é exercido em aberta contradição, seja com o fim (económico e social) a que esse poder se encontra adstrito, seja com o condicionalismo ético-jurídico (boa fé e bons costumes) que, em cada época histórica envolve o seu reconhecimento” (in Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, Tomo III, pág. 21).
Reconhecemos que, em matéria de alimentos devidos a menores, pela sua própria natureza, intrinsecamente relacionada com a dignidade da vida humana dos filhos, radicando numa ideia de justiça social e de imprescindibilidade para o sustento dos menores, será muito residual o funcionamento do instituto do abuso do direito, sendo raros os casos em que possa operar (a este respeito, veja-se, por exemplo, o acórdão da Relação do Porto de 13-06-2019, no proc. n.º 1411/18.0T8GDM.P1, disponível em www.dgsi.pt).
No entanto, no caso em apreço, não podem valer este tipo de objeções. Com efeito, tudo indica que a Requerente, a partir de 2012, não mais providenciou pela comparticipação da ADM nas despesas de saúde da filha, descurando a possibilidade de obtenção de um benefício económico que ambas as partes tinham acordado seria acionado; apesar disso, o Requerido, em alguns meses, efetuou pagamentos de valor superior ao da pensão de alimentos (conforme resulta do ponto 13); ademais, a partir de fevereiro de 2018, o Requerido passou a pagar mais 30 €/mês, assumindo o pagamento de 330 € mensais, na lógica de assegurar eventuais despesas de saúde da filha; tudo isto se passou durante anos, em moldes que sugerem ter a Requerente, pelo menos de forma tácita, concordado com a prática adotada. Daí que a sua pretensão, no presente incidente de incumprimento - intentado em janeiro de 2021, cerca de um ano depois de a filha ter atingido a maioridade, ido viver para casa do pai e demandado a mãe por ela não aceitar pagar-lhe a pensão na quantia mensal de 330 € (que vinha sendo paga pelo pai) -, exigindo, além do mais, o pagamento do valor correspondente a metade das (alegadas) despesas de saúde que teve com a filha menor, com vários anos (“o que mal se compreende...”), não possa ser atendida, conforme entendeu o Tribunal recorrido, ponderando precisamente todas estas circunstâncias.
Quanto à atualização da pensão de alimentos (isto é, da prestação mensal de alimentos), é certo que deveria ter ocorrido nos termos previstos no acordo, conforme, aliás, mencionado na sentença recorrida. Porém, não podemos deixar de salientar que a atuação da própria Requerente inculca que considerou desnecessária essa atualização, tanto assim que, conforme expressamente referido na sentença proferida no proc. n.º 2416/20.7T8SXL, quando a filha saiu de casa e foi viver para casa do Requerido e pediu à mãe que lhe pagasse 330 € por mês, como o pai vinha fazendo, a Requerente apenas aceitou pagar-lhe 200 € por mês - valor que, aliás, veio a ser fixado pelo Tribunal -, bem como metade das despesas escolares até ao valor de 500 € por ano, e metade das despesas médicas na parte não comparticipada, sempre com prévio conhecimento e aprovadas pela Ré.
Ou seja, resulta do conjunto dos factos provados que a Requerente concordou/reconheceu que a pensão de alimentos no valor de 200 € correspondia, ainda em janeiro de 2020, a um valor atualizado, não se justificando a atualização monetária, à qual renunciou, seguramente por se lhe afigurar que bastavam as atualizações que o Requerido fez, as quais se mostram acordadas, de forma tácita, pelas partes, tendo a virtualidade de abrangerem ou dispensarem a atualização monetária, situação que, em nosso entender, se reconduz à previsão do art.º 2008.º, n.º 1, 2.ª parte, do CC, ou, pelo menos, convoca a figura do abuso do direito, como já referimos. Portanto, quanto à pensão (mensal) de alimentos, o montante global a considerar, de janeiro de 2012 a janeiro de 2020, ascende a 19.400 € (8 anos x 12 meses + 1 mês x 200 €), e não aos 21.122 € indicados pela Requerente, o que já reduz em mais 1.722 € o valor (supostamente) devido.
Quanto às despesas escolares em sentido amplo, incluindo alimentação e transporte escolar, bem como atividades extracurriculares, importa referir que estas últimas não estão em causa nos presentes autos, em particular despesas com escolas de línguas privadas. A própria Apelante reconhece que não pediu ao Requerido a comparticipação nas despesas com o Cambridge, a Alliance Française, o volley e outras (cf. conclusão 44). A Requerente não cuidou de provar o valor dessas despesas, nem o das explicações privadas que pagou, tão pouco que as tenha comunicado ao Requerido, pelo que não se pode considerar verificado o incumprimento a este propósito.
No tocante às demais despesas escolares (incluindo alimentação e transporte) comprovadamente verificadas nos anos de 2012 a 2020, mormente com o colégio privado, no total de 27.545,85 €, admitindo que o Requerido pudesse ser responsável por metade dessas importâncias, ou seja, 13.772,93 €, verificamos que o somatório dessa quantia com o das mensalidades devidas (19.400 €) perfaz 33.172,93 €.
Ora, o valor total das transferências destinadas ao pagamento dos alimentos no período de 2012 a janeiro de 2020 (incluindo o excesso de 176,32 € considerado pela própria Requerente no seu Requerimento de redução do pedido) com o valor do cheque de 600 € referido no ponto 15 (que se nos afigura deve ser considerado), perfaz 33.420,37 €, pelo que não podemos deixar de concluir que, no período em causa nos autos, foram pagas pelo Requerido as quantias atinentes à pensão de alimentos mensal e à sua (supostamente devida) comparticipação em metade das despesas escolares, mais não sendo devido.
De salientar, todavia, que a Requerente não veio exigir, nos presentes autos, o pagamento de metade das despesas escolares suportadas pela Requerente (circunstância em que o Tribunal a quo parece não ter atentado devidamente), mas antes, conforme resulta do Requerimento de redução do pedido e dos documentos juntos aos autos pela Requerente (mormente as denominadas “Notas de despesas” - docs. 4 a 14 juntos com a PI), de valores, em parte ficcionados (como se vê pela referência a um “Preçário ATL” que a CC nunca frequentou), os quais, nos anos 2012 a 2020, perfazem o montante global de 14.211,02 €, valor que, somado ao das pensões mensais de alimentos (19.400 €), ascende a 33.611,02 €, pelo que mesmo o valor (supostamente) em dívida seria de apenas 190,65 €. De qualquer forma, não estando suportada pelos factos provados, é claro que a pretensão da Requerente a este respeito deve improceder.
Ainda assim, para que dúvidas não restem quanto à improcedência do incidente de incumprimento, também neste particular, parece-nos importante tecer algumas considerações adicionais.
Desde logo, não podemos acompanhar a posição do Tribunal a quo ao afirmar que, não aceitando o Requerido que a sua filha continuasse a frequentar o ensino privado a partir do 5.º ano de escolaridade, deixou de estar obrigado a suportar as respetivas despesas, já que a criança tinha o ensino público disponível.
Discordamos. Na verdade, o Requerido, perante as invocadas dificuldades económicas, deveria ter instaurado processo tutelar cível de alteração do regime de regulação das responsabilidades parentais ou para resolução do diferendo quanto a questão de particular importância (da frequência pela filha de escola pública/privada), ao invés de se limitar a comunicar à Requerente que iria deixar de comparticipar determinadas despesas. Além disso, verificamos que uma parte significativa das despesas pagas pela Requerente dizem respeito a manuais escolares, alimentação e transporte, que, naquela altura e dada a idade da CC, existiriam mesmo que frequentasse a escola pública (por exemplo, apenas no ano letivo de 2016/2016 os manuais escolares passaram a ser gratuitos, inicialmente apenas para os alunos do 1.º ano do 1.º ciclo do ensino básico). Por isso, não se nos afigura correto afirmar que o Requerido deixou logo, naquela altura, de estar obrigado a suportar as despesas do colégio privado (cujo valor, aliás, nem constava do elenco dos factos provados).
A perspetiva deve ser outra, mais na linha do que acabou por ser considerado, a final, na sentença, face ao que resulta dos factos provados (pontos 4 a 9) e à própria posição assumida pela Requerente nos presentes autos (instaurados em janeiro de 2021), mormente no seu requerimento de 22-04-2024.
Com efeito, provou-se que a Requerente, pretendendo manter a filha no colégio privado e sabendo que o Requerido não concordava com isso (pois ele pretendia que a filha a partir do 5.º ano transitasse para uma escola pública), optou por assumir o pagamento das respetivas despesas (incluindo alimentação e transporte) com a comparticipação do Requerido em valor fixo (porventura próximo do que teriam que pagar num ATL caso a filha frequentasse uma escola pública, mas isso não se provou) que veio a ser fixado em 100 €; mais se provou que esse acréscimo (de 100 € mensais) sempre foi pago pelo Requerido ao longo dos anos, pois nunca o valor das transferências anuais foi inferior a 3.600 € (300 € x 12 meses).
Portanto, as partes, optando por não discutir judicialmente a questão, acordaram (a Requerente pelo menos de forma tácita) numa alteração informal do regime quanto a alimentos: como contrapartida do acréscimo de 100 € na pensão mensal, a Requerente aceitou deixar de pedir a metade das despesas de educação (verbas variáveis), renunciando às mesmas, à medida que se foram vencendo, numa situação que se reconduz à previsão do art.º 2008.º, n.º 1, 2.ª parte, do CC (a propósito deste preceito legal, analisando um caso em que se discutiu a aplicação do mesmo veja-se o acórdão da Relação de Guimarães de 06-03-2025, no proc. n.º 3533/16.3T8GMR-E.G1, disponível em www.dgsi.pt).
Assim, conforme se afirma na sentença recorrida, embora por fundamentação não inteiramente coincidente, concluímos que a Requerente não podia reclamar do Requerido metade das efetivas despesas escolares, sendo certo que, como já salientámos, nem sequer foi essa a pretensão que deduziu, antes se arrogando o direito a despesas ditas de “Educação plafonada” cujos montantes não têm o indispensável suporte fáctico, sendo que o ónus da prova a esse respeito era da Requerente.
Além do mais, mesmo admitindo, por hipótese, que à Requerente pudesse assistir o direito a uma parte das despesas que reclama, não podemos deixar de considerar, também a este propósito, que a sua pretensão - ao intentar o presente processo vários anos após a filha ter deixado de frequentar o referido colégio, exigindo o pagamento pelo Requerido de verbas nos termos em que o fez, que até excedem a metade das despesas escolares apuradas das quais antes “abriu mão” nos termos suprarreferidos e que levaram o Requerido a confiar que a Requerente mais não lhe iria exigir (pelo que nunca se mostrou necessário discutir a questão em Tribunal) - configura um inadmissível abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium ou suppressio (cf. art.º 334.º do CC), o que também nos parece ter sido perspetivado pelo Tribunal a quo, designadamente ao afirmar que, “tendo este cenário como fundo para a decisão a proferir”, não era “justo” condenar neste momento o Requerido ao pagamento de qualquer valor.
Efetivamente, a pretensão da Requerente não se mostra oportuna, nem conveniente face aos interesses em presença, os quais, à data da propositura da ação, já nada tinham a ver com o sustento da filha (que não residia - e não reside - com a Requerente, mas antes na casa do pai). É certo que a Requerente procurou ao longo dos anos em que a filha viveu consigo proporcionar-lhe os cuidados de que necessitava, designadamente com a saúde e a educação, mas contou sempre com a contribuição do pai, nos termos acima descritos; aliás, apesar das dificuldades económicas que invocou, o Requerido não se opôs judicialmente a que a filha frequentasse o colégio privado e, com as transferências que fez ao longo dos anos, contribuiu para o pagamento das respetivas despesas. O mais benéfico para as partes e a sua filha CC é o fim do conflito familiar, mostrando-se, no contexto fáctico acima descrito, contraproducente e injusto, face ao sentimento jurídico da comunidade social, bem percecionado pelo Tribunal a quo, responsabilizar o Requerido pelo pagamento à Requerente do valor residual (a ser considerado em dívida), muito inferior ao que foi peticionado.
Assim, improcedem as conclusões da alegação de recurso.
Vencida a Apelante, é responsável pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
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III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida.
Mais se decide condenar a Apelante no pagamento das custas do recurso.
D.N.
Lisboa, 05-06-2025
Laurinda Gemas
Pedro Martins
Fernando Caetano Besteiro