ACIDENTE DE VIAÇÃO
INCAPACIDADE PARA EXERCÍCIO DE ACTIVIDADE PROFISSIONAL
MEIOS DE PROVA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário

(art.º 663 n.º 7 do CPC)
1. As lesões no corpo e na saúde resultantes de acidente de viação, bem como a incapacidade absoluta que alegadamente determinaram para o lesado para o exercício de atividade profissional, impõem a sua prova através de elementos médicos que necessariamente têm de existir, designadamente com a junção de documentos médicos ou com a realização de uma perícia médica.
2. Trata-se de matéria que tem de estar alicerçada em elementos de prova mais especializados e idóneos, capazes de convencer o tribunal daquela realidade, não sendo bastante para o efeito as declarações das partes e o depoimento das testemunhas suas filhas, com escassa relevância probatória neste âmbito.
3. Compete aos AA., de acordo com o art.º 342.º n.º 1 do C.Civil, fazer prova dos factos constitutivos do seu direito, no caso da verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar previstos no art.º 483.º do C.Civil, no que se integra a existência do nexo de causalidade entre as lesões que sofreram na sequência do acidente e o dano correspondente à alegada incapacidade absoluta e permanente para o exercício das atividades profissionais.
4. Não se afigura excessivo atribuir uma indemnização de € 5.000,00 a cada um dos AA. a título de danos não patrimoniais, quando o acidente ocorreu por culpa exclusiva da condutora do veículo seguro que atropelou os AA., à data com 68 e 64 anos, tendo o A. sido projetado a vários metros e batido com a cabeça onde sofreu escoriações, bem como trauma no dorso lombar, e a A. arremessada para cima do veículo e partido o para brisas com a cabeça e também sofrido traumatismo no hemicorpo esquerdo, tendo sido tratados no Hospital Santa Maria com realização de Rx, medicação para as dores e colocação de um penso na cabeça do A., passando a ter medo de andar na rua, perdendo a sua força vital.

Texto Integral

Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
AA e BB, vêm intentar ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra a Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação da R. no pagamento da quantia de €33.702,01 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, decorrentes de acidente de viação causado por veículo segurado na R., acrescida dos respetivos juros de mora até integral e efetivo pagamento.
Alegam, em síntese, para fundamentar o seu pedido, que em 5 de outubro de 2018 foram atropelados em cima do passeio por um veículo segurado pela ré. Do acidente danos para si que não foram reparados: a A. deixou de auferir rendimentos no valor de €14.774,01; o A. deixou de auferir rendimentos no valor de €8.928,00; ambos os AA. sofrem desde a data do acidente de dores corporais, medo de andar na rua e perda da sua força vital, pelo que entendem dever ser ressarcidos no montante de €5.000,00 cada um.
Regularmente citada, a R. contestou concluindo pela improcedência da ação. Invoca a exceção da prescrição e aceitando a responsabilidade do condutor do veículo seguro, impugna os danos alegados.
Os AA. responderam à exceção.
Foi realizada audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador que afirmou a regularidade da lide e julgou improcedente a exceção da prescrição. Foi identificado o objeto do litígio e selecionados os temas da prova.
Realizou-se a audiência de julgamento com observância do legal formalismo.
Foi proferida sentença que julgando a ação parcialmente procedente, decidiu condenar a R. a pagar uma indemnização aos AA. nos seguintes termos:
“a) ao autor AA de indemnização no valor global de €13.788,50 (treze mil, setecentos e oitenta e oito euros e cinquenta cêntimos), acrescida dos juros de mora contabilizados, à taxa legal em vigor, sobre €8.788,50 desde a data da citação (25.11.2022) e sobre €5.000,00 desde a data da prolação da presente sentença, até integral e efetivo pagamento; e
b) à autora BB de indemnização no valor global de €17.901,92 (dezassete mil, novecentos e um euros e noventa e dois cêntimos), acrescida dos juros de mora contabilizados, à taxa legal em vigor, sobre €12.901,92 desde a data da citação (25.11.2022) e sobre €5.000,00 desde a data da prolação da presente sentença, até integral e efetivo pagamento; e
Absolvo a ré do demais peticionado.”
É com esta decisão que a R. Seguradora não se conforma e dela vem interpor recurso pedindo a sua revogação e substituição por outra que altere o montante indemnizatório fixado, apresentando para o efeito as seguintes conclusões que se reproduzem:
A. Vem o presente recurso interposto da decisão que julgou a acção parcialmente procedente, e, em consequência, condenou a ora Apelante FIDELIDADE no pagamento: a) ao autor AA de indemnização no valor global de €13.788,50, englobando lucros cessantes e danos não patrimoniais e b) à autora BB uma indemnização no valor global de €17.901,92 igualmente a título de lucros cessantes e danos não patrimoniais, resultantes de acidente de viação ocorrido em 05.10.2018.
B. Por considerar uma decisão materialmente injusta e com manifesta falta de sustentação em meios de prova, a FIDELIDADE vem da mesma recorrer.
C. Os AA foram vítimas de um atropelamento por parte de veículo automóvel cuja responsabilidade civil automóvel havia sido transferida para a FIDELIDADE, tendo a mesma ab initio, assumido - sem qualquer reserva - a responsabilidade pelo supra aludido atropelamento.
D. Como supra se referiu, finda a fase de produção de prova, o tribunal a quo julgou o pedido parcialmente procedente, e dos € 33.702,01 peticionados pelos AA., o tribunal condenou a FIDELIDADE no pagamento de € 31.690,42.
E. Não obstante, considera a Apelante ter ocorrido um manifesto e grosseiro erro de julgamento na apreciação e valoração da matéria de facto, desde logo por resultar de uma análise conjugada dos meios de prova produzidos, uma extensiva e evidente ausência de prova pelos AA dos factos essenciais.
F. A omissão de produção de prova pelos AA resultou numa evidente inobservância do ónus da prova, sendo que no caso concreto dos autos a prova passaria exclusivamente pela realização de perícia médico-legal, com avaliação do dano corporal em direito civil, a qual, todavia, não existiu.
G. Jamais poderia o Tribunal a quo ter considerado provados um conjunto de factos que deu como provados, dado não ter sido realizada prova pericial.
H. Eram três os temas da prova (cfr. despacho saneador proferido em 03.07.2024):
«1. Idade dos AA. aquando do acidente de viação;
2. Lesões, dores e incapacidades sofridas pelos AA. em consequência do embate, período em que decorreram e efeitos na atualidade;
3. Perdas remuneratórias sofridas pelos AA. por causa do embate».
I. Quanto ao 1.º tema da prova - Idade dos AA. aquando do acidente de viação – consideramos importante notar que nada foi alegado na petição inicial (fosse a sua idade à data do sinistro ou mesmo à data da entrada da acção, nenhuma referência existiu no articulado), assim como também não foi junta certidão dos respectivos assentos de nascimento ou meros cartões de cidadão, tendo estes sido juntos aos autos em sede de audiência de discussão e julgamento e por determinação oficiosa da Mma. Juiz.
J. Quanto ao 2.º tema da prova - Lesões, dores e incapacidades sofridas pelos AA. em consequência do embate, período em que decorreram e efeitos na atualidade – nada foi, verdadeiramente, provado no âmbito deste tema, e por uma razão muito simples: não foi realizada prova pericial na vertente de perícia médico-legal, único meio de prova que permitiria aos AA. fazer prova sobre as matérias indicadas: desde logo as concretas lesões resultantes para os AA. do atropelamento, os períodos de incapacidade delas resultantes e ainda os putativos efeitos na atualidade para cada um dos sinistrados.
K. Veja-se que logo na PI, os AA. omitiram a alegação dos factos que consubstanciam a causa de pedir: não só quanto à dinâmica do sinistro, mas principalmente quanto às consequências que dele resultaram para os Apelados.
L. No artigo 4.º da petição inicial, os Apelados alegaram muito sinteticamente: «Ambos os AA sofreram politraumatismos e foram tratados no Hospital Santa Maria».
M. A alegação de terem sofrido politraumatismos constitui uma afirmação que encerra em si mesmo, natureza conclusiva pois que estavam os AA obrigados a indicar concretamente quais os politraumatismos que haviam sido diagnosticados, qual a sua localização, extensão, nível de gravidade, entre outros.
N. Nada foi concretizado e muito menos provado, já que, como vimos, tão pouco foi realizada perícia médico-legal aos AA, mas, não obstante – e pasme-se – a douta sentença fez incluir aquela afirmação de natureza puramente conclusiva como facto provado n.º 5, o que a Apelante não poderá aceitar!!
O. No artigo 7.º da PI, os Apelados dedicaram-se a alegar o dano, e fizeram-no desta forma: «passaram a sofrer dores de forma permanente e incapacitantes o que os impediu de continuar a trabalhar» - ou seja, também aqui, voltaram a omitir a alegação de qualquer facto tendente à concretização imposta pelo CPC, designadamente quais as zonas do corpo afectadas com as ditas dores, a frequência com que assolariam os Apelados, a sua duração, grau de intensidade, etc), suportando tal “alegação” em “atestados médicos” que nenhuma capacidade probatória revestem, e cujo teor ficou impugnado na íntegra, mas que, ainda assim, o tribunal acolheu.
P. Com efeito, a A. BB juntou um “Relatório Médico”, cujo teor jamais se poderia considerar verdadeiramente um relatório, constituindo, quando muito, uma mera declaração médica, mas que tão pouco se encontra assinado ou datado, pelo que jamais poderia ter sido considerado como meio de prova (cfr. requerimento com a referência 35767673).
Q. Ao passo que o A. AA no mesmo requerimento juntou um “Relatório Médico”, que igualmente, quando muito, constitui uma mera declaração médica, e onde se alude à expressão de natureza conclusiva – o “politraumatismo”.
R. Em todo o caso, ambas as declarações vieram desacompanhadas de qualquer outro documento hospitalar ou médico, designadamente exames complementares de diagnóstico, registos de consultas médicas, notas de alta ou ainda guias de tratamento, de onde resultassem os tais traumatismos, os quais nunca afinal foram determinados.
S. Em ordem a observar o seu ónus da prova, e no que que ao 2.º tema da prova diz respeito, aquele atinente às Lesões, dores e incapacidades sofridas pelos AA. em consequência do embate, período em que decorreram e efeitos na atualidade, tinham os Apelados à sua disposição a realização de uma perícia médico-legal, a qual teria permitido apurar, em concreto, as lesões que resultaram para os AA por força do sinistro, bem como as eventuais sequelas decorrentes do mesmo, as eventuais incapacidades, o respectivo grau, sem esquecer os períodos de incapacidade temporária e/ou permanente.
T. Não tendo a mesma sido realizadas, temos que quanto ao tema da prova em análise, nada pode ser considerado provado, residindo logo aí o erro de julgamento em que incorreu o tribunal a quo.
U. Quanto ao 3.º tema da prova, atinente às perdas remuneratórias sofridas pelos AA. por causa do embate, temos que o tribunal a quo a) acolheu e tomou como verdadeiros documentos que os Apelados juntaram aos autos, mas cujo teor ficou impugnado pela aqui Apelante (cfr. requerimento junto aos autos em 03.05.2023), e que não poderiam ter merecido acolhimento e ainda b) tomou ainda como boas as declarações prestadas pelos AA em sede de declarações de parte, as quais, como se verá, foram pautadas por várias imprecisões.
V. De acordo com o preceituado no artigo 342.º do Código Civil, era sobre os Apelados que impendia o ónus da prova dos factos constitutivos do direito de que se arrogam titulares, sendo que, todavia, a insuficiência de produção de meios de prova notória, facto que o tribunal a quo não poderia jamais ter ignorado.
W. O erro de julgamento em que o tribunal a quo incorreu prende-se então com a incorrecta apreciação e valoração da matéria de facto, dado que não foi produzida prova suficiente para dar como provados os factos 5, 8, 9, 10, 11 e 12, razão pela qual estes mesmos factos deverão passar a considerar-se não provados.
X. Desde logo, não foi realizada perícia médico legal, e, concretamente, uma avaliação do dano corporal em direito civil, único meio de prova capaz de fazer prova das lesões, períodos de incapacidade, consequências na actualidade, etc.e dos factos 5, 8, 10 e 12.
Y. Por outro lado, a prova documental junta aos autos, a que se fez alusão supra é manifestamente insuficiente e não idónea a provar a matéria constante do segundo tema de prova, pelo que, dando por reproduzida a argumentação supra expendendida, temos que o facto 5 nunca deveria ter sido dado como provado.
Z. Acresce que o tribunal acolheu como boas, sem reservas, as declarações de parte dos Apelados – necessariamente interessados no desfecho da lide – as quais não foram, em todo o caso, suficientes para prova dos factos acima indicados, mas das quais resultou que afinal o sinistro dos autos não assumiu uma gravidade intensa e, como tal, não poderia também ter sido considerados provados, com base nelas, os factos 5, 8, 10 ou 12.
AA. Senão vejamos: os Apelados referiram que após terem sido assistidos em contexto hospitalar, receberam alta no próprio dia do acidente, sendo que nenhum deles teve de ser sujeito a qualquer intervenção e/ou procedimento cirúrgico, o que nos impõe concluirmos que o sinistro não assumiu a gravidade suficiente para dele terem alguma vez resultado as consequências permanentes e duradouras que aqueles vieram alegar:
a) Vejam-se as declarações da A. BB - Diligencia_27937-22.3T8LSB_2024-10-14_10-53-32 Declarações Parte A BB, tempos 00:03:18 a 00:04:45.
Ainda quanto à A BB, a mesma referiu que foi mandada para casa apenas com indicação para medicação para a dor, não partiu nada e que, após o sinistro, apenas teve uma consulta no hospital da companhia, de onde resulta que não lhe foi prescrita qualquer medicação, não tratamentos ou sessões de fisioterapia. Pelo que a seguir ao dia do sinistro, há um absoluto vazio no que respeita a acompanhamento médico ou tratamentos - Diligencia_27937-22.3T8LSB_2024-10-14_10-53-32 Declarações Parte A BB, tempos 00:06:01
b) Vejam-se as declarações de parte do A. AA, que referiu ainda ter recusado fazer um exame à cabeça por ser teimoso, atestando que não tinha nada fracturado, e que não levou pontos na cabeça, onde apenas tinha algumas escoriações - Diligencia_27937-22.3T8LSB_2024-10-14_11-13-26, tempos 00:04:01 a 00:04:47
Ainda quanto ao A. AA, o mesmo afirmou ter recebido prescrição de medicamento para as dores (00:05:20) e ainda só ter sofrido escoriações na cabeça (00:05:30).
Das declarações do A. AA decorre que aquele não ficou impossibilitado de fazer os trabalhos que realizava aos fins-de-semana (distribuição de águas em eventos desportivos, indicação dos caminhos, etc), o que decorre das suas declarações é que se trata de ocupações que nem exigiam um particular esforço físico, mas que o A. deixou de realizar porque reúnem muita procura (Diligencia_27937-22.3T8LSB_2024-10-14_11-13-26 - 00:09:00 a 00:10:10
BB. Reconhece-se que o sinistro dos autos terá constituuído um grande susto para os AA, mas do qual não resultaram consequências e incapacidades que sustentem o pedido indemnizatório deduzido, pois que é manifesto que não há nexo de causalidade entre o sinistro dos autos e a alegada – mas não provada – incapacidade dos AA para continuarem a trabalhar.
CC. Por outro lado, não só as declarações de parte prestadas pelos AA não constituem meio idóneo para prova dos factos 5,8,9,10, 11 e 12, como ainda cumpre referir que para prova, designadamente, do facto 5 jamais poderia ter sido levada em consideração os depoimentos de CC, DD e EE, os quais, como refere a sentença, apenas «viram os autores ainda estendidos no chão após o atropelamento e a serem transportados pela ambulância», pois que as referidas testemunhas jamais poderiam depor sobre matérias como as lesões sofridas pelos AA, nem sobre as incapacidades delas resultantes, período em que decorreram e efeitos na atualidade.
DD. Uma palavra ainda para manifestar total incompreensão pela afirmação constante da sentença, segundo a qual «as lesões são consentâneas com o atropelamento assente nos autos», uma vez que jamais e em momento algum essas lesões foram concretizadas!
EE. Também não se pode aceitar que o Tribunal a quo tenha dado como provada a existência de dores incapacitantes que impediram os AA de continuar a trabalhar, pois que, à semelhança do facto n.º 5, tal matéria apenas poderia ter sido dada como provada se tivesse sido realizada prova pericial, a designada prova rainha.
FF. Estamos perante matéria do exclusivo domínio da prova pericial, não se podendo aceitar que se tomem unicamente depoimentos das filhas dos AA para considerar provado que os «pais nunca mais conseguiram trabalhar por causa das dores que sentem», afirmação essa que foi inclusivamente infirmada, como vimos, pelo A. AA.
GG.O facto provado n.º 10 também se encontra incorrectamente julgado, na medida em que, como vimos, o sinistro dos autos não teve nada que ver com o facto do AA ter deixado de trabalhar para a empresa XISTARCA, dado que ficou demonstrado pelas próprias declarações que tais funções não exigiam quaisquer esforços – falamos de distribuição de águas em eventos desportivos, indicação do caminho aos participantes ou fazer marcações -, sendo que não se estabeleceu o necessário nexo causal entre o sinistro e o facto de ter deixado de realizar semelhantes tarefas.
HH. O facto provado n.º 12 dependia igualmente de prova documental, não se bastando com prova testemunhal ou declarações de parte, pelo que se encontra incorrectamente julgado.
II. Em suma: depois do acidente, nenhum dos sinistrados teve de recorrer a quaisquer consultas, não teve de ser sujeito a tratamentos médico nem medicamentosos, pelo que face àquilo que relataram os Apelados e à absoluta ausência de qualquer prova em sentido contrário, a provir necessariamente de uma perícia, jamais poderia o tribunal a quo ter julgado provada a incapacidade dos Apelados para continuarem a trabalhar.
JJ. De onde resulta que foram incorrectamente dados como provados os factos 5,8,9,10, 11 e 12, os quais deverão, assim, transitar para a matéria de facto dada como não provada.
KK. No que respeita ao facto dado como provado n.º 15, não pode a Apelante deixar de referir que a decisão peca por excessiva por ter atribuído individualmente aos AA a quantia de € 5.000,00 a título dos danos não patrimoniais, referindo o facto provado 15 que «os autores passaram a ter medo de andar na rua e perderam a sua força vital», pois que não se demonstrou que os mesmos tivessem ficado com medo de andar na rua e que tal receio se devesse ao sinistro, como a quantia de € 5.000,00 se revela desajustada, pecando por manifestamente excessiva, devendo ser eliminada ou, no limite, reduzida para montante não superior a € 1.000,00.
Os AA. vêm responder ao recurso manifestando-se no sentido da sua improcedência e pugnando pela confirmação da sentença recorrida.
II. Questões a decidir
São as seguintes as questões a decidir, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- da indemnização por perdas salariais;
- do quantum indemnizatório dos danos não patrimoniais.
III. Fundamentos de Facto
São os seguintes os factos que resultaram provados com interesse para a decisão da causa, assinalando-se aqueles que resultaram alterados na sequência da parcial procedência da impugnação da decisão da matéria de facto:
1. No dia 5 de outubro de 2018, cerca das 13h15m, os autores foram atropelados em cima do passeio, na ..., em Lisboa, pelo veículo ligeiro de passageiros, de marca Fiat, modelo 312, com a matrícula ..-OT-.., conduzido por FF.
2. A condutora do veículo transferiu para a ré a responsabilidade pelos danos causados por acidentes de viação por contrato de seguro titulado pela apólice número ...500.
3. O acidente foi causado por culpa exclusiva da condutora que fez uma curva de forma imprudente e galgou o passeio indo atropelar os autores.
4. O autor AA foi projetado a vários metros e a autora BB arremessada para cima do veículo e partido o para brisas com a cabeça.
5. Ambos os autores sofreram politraumatismos, tendo o A. batido com a cabeça onde apresentava escoriações e trauma no dorso lombar, e a A. batido com a cabeça no vidro para brisas do veículo e também sofrido traumatismo no hemicorpo esquerdo e foram tratados no Hospital Santa Maria com realização de Rx, medicação para as dores e colocação de um penso na cabeça do A. (alterado)
6. O autor nasceu em 27.01.1950.
7. A autora nasceu em 27.01.1954.
8. Desde o acidente, os autores passaram a sofrer dores de forma permanente e incapacitantes o que os impediu de continuar a trabalhar. (não provado)
9. O autor AA apesar de reformado, para aumentar o seu rendimento, prestava serviços para a empresa “Xistarca”, ao fim de semana, onde auferia 50,00€/dia, acrescido do subsídio de refeições no valor médio de 12€, trabalhando 3 ou 4 fins de semana por mês durante 11 meses por ano, com exceção do período de recolher obrigatório em que não houve atividades desportivas.
10. Como consequência do acidente o autor AA deixou de colaborar com a “Xistarca”. (não provado)
11. A autora BB desempenhava as funções de trabalhadora de Limpeza para as empresas “Operandus – Limpeza Profissional, Lda, e “Saniambiente – Facility Services, Lda.”, onde auferia 348,04€ e 427,75€ acrescidos de 1,39€ de subsídio de refeição.
12. Desde o acidente, a autora ficou privada dos rendimentos do trabalho e do subsídio de doença até à data da sua reforma em 5 fevereiro de 2020. (não provado)
13. Após comunicação à Segurança Social da incapacidade temporária para o trabalho da autora BB decorrente do acidente/atropelamento, a mesma entidade comunicou que não era intenção daquele Centro Distrital atribuir à mesma, subsídio de doença no período referenciado, no pressuposto de que a autora seria indemnizada por perda de vencimento pela ré.
14. A autora BB não possui habilitações para outro trabalho que não exija esforço físico, como é o de empregada doméstica.
15. Os autores passaram a ter medo de andar na rua e perderam a sua força vital.
- da impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Vem a Recorrente impugnar a matéria de facto, insurgindo-se contra os factos dados como provados nos pontos 5, 8, 9, 10, 11 e 12 da decisão, que entende que devem ser considerados não provados.
Por terem sido cumpridos os requisitos previstos no art.º 640.º n.º 1 al. a), b) e c) e n.º 2 do CPC para a impugnação da decisão sobre a matéria de facto procede-se à sua apreciação.
Os factos impugnados têm a seguinte redação:
5. Ambos os autores sofreram politraumatismos e foram tratados no Hospital Santa Maria.
8. Desde o acidente, os autores passaram a sofrer dores de forma permanente e incapacitantes o que os impediu de continuar a trabalhar.
9. O autor AA apesar de reformado, para aumentar o seu rendimento, prestava serviços para a empresa “Xistarca”, ao fim de semana, onde auferia 50,00€/dia, acrescido do subsídio de refeições no valor médio de 12€, trabalhando 3 ou 4 fins de semana por mês durante 11 meses por ano, com exceção do período de recolher obrigatório em que não houve atividades desportivas.
10. Como consequência do acidente o autor AA deixou de colaborar com a “Xistarca”.
11. A autora BB desempenhava as funções de trabalhadora de Limpeza para as empresas “Operandus – Limpeza Profissional, Lda, e “Saniambiente – Facility Services, Lda.”, onde auferia 348,04€ e 427,75€ acrescidos de 1,39€ de subsídio de refeição.
12. Desde o acidente, a autora ficou privada dos rendimentos do trabalho e do subsídio de doença até à data da sua reforma em 5 fevereiro de 2020.
Alega a Recorrente que a prova produzida foi manifestamente insuficiente para que o tribunal pudesse ter dado estes factos como provados, salientando que não foi requerida uma perícia médico-legal, que seria o único meio suscetível de fazer prova das lesões sofridas pelos AA., período de incapacidade e consequências das lesões, que nem sequer foram concretamente invocadas. Mais refere que a exposição apresentada pelos AA. na p.i. foi conclusiva e não factual, nada aí se referindo quer quanto à dinâmica do sinistro, o que ficou ultrapassado por a R. reconhecer a responsabilidade pelo mesmo, quer quanto às concretas lesões e consequências que dele resultaram para os AA.
Para sustentar o erro da decisão sobre estes factos, invoca:
- as declarações de parte dos AA. nos excertos de gravação que indica e transcreve, que tem como reveladoras da pouca gravidade das consequências do sinistro;
- o depoimento das testemunhas CC, DD e EE, que viram os AA. no chão após o atropelamento e a serem levados para o hospital, referindo que o mesmo não é idóneo para esclarecer as concretas lesões sofridas pelos AA. ou incapacidade delas decorrente;
- o depoimento das filhas dos AA. que tem como insuficiente para que possa concluir-se que estes nunca mais puderam trabalhar por causa das dores;
- os relatórios médicos juntos pelos AA. a 21.04.2023, por si impugnados, que constituem uma mera declaração, não se encontrando o da A. assinado ou datado, estando desacompanhados de quaisquer exames, consultas ou guias de tratamento;
- os documentos juntos pelos AA. a 03.05.2023 que não são suscetíveis de provar as perdas remuneratórias alegadamente sofridas por causa do embate.
O tribunal a quo fundamentou da seguinte forma a decisão sobre estes factos impugnados:
A. “A factualidade vertida no ponto 5 resulta dos relatórios médicos juntos pelos autores no seu requerimento de 21.04.2023, conjugados com as declarações de parte dos autores e os testemunhos de CC, DD e EE que viram os autores ainda estendidos no chão após o atropelamento e a serem transportados pela ambulância para o Hospital. A filha EE acompanhou a mãe no hospital. Os depoimentos assim prestados foram credíveis porque coerentes entre si e com as regras da experiência, tendo sido prestados por pessoas com conhecimento direto e pessoal dos factos, que estiveram presentes no dia do acidente. Acresce que as lesões são consentâneas com o atropelamento assente nos autos. (…)
O ponto 8 tem âncora, sobretudo, nas declarações de parte dos autores corroboradas pelos depoimentos das filhas. Estas relataram as queixas e dificuldades dos pais nos dias após o acidente e a sua evolução nos meses seguintes, referindo que ao princípio os autores não conseguiam fazer as tarefas do dia a dia como cozinhar as refeições, limpar a casa, ou mesmo a sua própria higiene, necessitando da ajuda das filhas que se revezavam no apoio aos pais. Mais referiram estas testemunhas que os pais nunca mais conseguiram trabalhar por causa das dores que sentem. A mãe ainda sente dores nas pernas, perdeu mobilidade e cansa-se muito a fazer algumas tarefas como aspirar ou ir às compras. Estas testemunhas, não obstante, serem filhas dos autores, mostraram-se absolutamente credíveis nos seus depoimentos porque acompanharam os autores na sua recuperação, revelando conhecimento muito direto dos factos. E apesar de evidentemente quererem apoiar os pais, mostraram-se sinceras porque por vezes responderam não conhecer determinado facto, como aconteceu quanto aos rendimentos ou ao trabalho específico que o pai desempenhava aos fins de semana. Assim, porque não foram produzidos meios de prova em contrário e porque é perfeitamente plausível que do atropelamento ocorrido tenham sobrevindo dores e incapacidades posteriores e que se tenham protelado bastante no tempo, desde logo atendendo a que os autores à data tinham já 68 e 64 anos, sendo lógico que quanto mais avançada for a idade do lesado, mais difícil e morosa é a sua recuperação, sempre se têm tais factos por plenamente demonstrados.
Os pontos 9 e 10 resultam da declaração da “Xistarca” junta ao requerimento de 21.04.2023 e das declarações do autor. Este referiu, a propósito, que já estava reformado, aquando do acidente, mas prestava serviços extra para aumentar o seu rendimento e porque lhe dava prazer continuar envolvido na área do desporto, onde sempre trabalhou. Mais referiu que as suas funções eram fisicamente exigentes como montar palcos, carregar águas, e que depois do acidente deixou de conseguir executar tais tarefas por causa das dores que sentia. Desde então o seu lugar foi ocupado e nunca mais conseguiu voltar a ter lugar nos eventos porque a procura é muito elevada. Confirmou ainda os rendimentos por si auferidos com esta atividade. As testemunhas GG e HH, filhas do autor, confirmaram que o pai, apesar de reformado, continuava a ir trabalhar aos fins de semana. Ora, da conjugação destes meios de prova que não foram contrariados por outros e que se mostraram coerentes entre si, não há dúvidas que o autor mantinha uma atividade profissional para além da reforma mas que perdeu a oportunidade de continuar a desenvolvê-la em consequência do acidente.
Os pontos 11 e 12 dimanam das declarações juntas ao requerimento de 21.04.2023 designado de réplica, das declarações da autora e do depoimento de DD que afirmou que antes do acidente via a autora apanhar o autocarro todos os dias para ir trabalhar e depois do acidente não mais a viu, afirmando perentoriamente que a autora nunca mais trabalhou. De igual modo, as filhas da autora referiram que a mãe sempre foi muito trabalhadora, trabalhava a noite inteira e tinha mais do que um trabalho, o que coincide com as duas declarações de duas entidades patronais distintas, e que desde o acidente não conseguiu mais trabalhar porque deixou de conseguir executar as tarefas de limpeza. Pois bem, tal consequência é consentânea com a circunstância da autora ter deixado de conseguir executar as tarefas domésticas na sua própria casa, pelo que, por maioria de razão, também deixou de as conseguir desempenhar a nível profissional como fazia antes.”
Procedeu-se à audição de toda a prova gravada e à avaliação dos documentos indicados pela Recorrente, não podendo deixar de constatar-se a debilidade da prova produzida, quanto às concretas lesões que para os AA. resultaram do acidente em questão, bem como das suas consequências, designadamente no que se refere a causarem incapacidade para o trabalho, atenta a quase total ausência de elementos médicos, que constituem a forma própria e especializada de avaliar esta matéria, constatando-se que tal debilidade se verifica não só ao nível da prova, desde logo ao nível da alegação dos factos essenciais à procedência do pedido.
Na verdade, considera-se que seria fácil para os AA. fazerem prova dos danos sofridos, nomeadamente através de uma perícia médica, ou até com a junção aos autos de documentos comprovativos da realização de exames médicos ou de consultas a que tiveram de recorrer, ou de relatórios médicos suscetíveis de esclarecer o tribunal não só sobre as lesões que para eles resultaram do acidente, mas sobretudo sobre o seu impacto na sua capacidade para trabalhar ou para realizarem outras tarefas ou atividades.
Quanto ao ponto 5 dos factos provados, o mesmo apresenta-se como muito pouco esclarecedor e conclusivo, ao referir que os AA. sofreram politraumatismos, não se olvidando que a falha se verifica logo ao nível da alegação factual, já que os AA. não identificaram em concreto as lesões que o acidente lhes causou, o que se apresenta como matéria relevante para a decisão da causa; os factos 8, 10 e 12 reportam-se às consequências das lesões sofridas, com alegada repercussão na capacidade dos AA. exercerem atividade profissional e fazerem a vida que vinham fazendo.
Para responder a esta matéria o tribunal a quo socorreu-se dos relatórios médicos juntos a 21.04.203, das declarações de parte prestadas pelos AA. e dos depoimentos das testemunhas CC, DD e das três filhas dos AA.
Começando por avaliar a prova testemunhal referida, constata-se que a mesma não se apresenta como minimamente suficiente para que o tribunal fique esclarecido sobre esta matéria.
A testemunha CC, vizinhos dos AA. diz apenas que chegou ao local após o acidente e que estes estavam deitados no chão inconscientes e acha que ficaram incapacitados para trabalhar, mas não tem essas conversas com eles, nada esclarecendo quanto a concretas lesões sofridas ou suas consequências.
A testemunha DD, também vizinho dos AA. chegou ao local do acidente onde os AA. estavam deitados no chão, prestes a ir para o hospital, vendo o A. consciente, com um colar no pescoço, mais referindo que este já não trabalhava antes do acidente, estava reformado e ia ao café e que a A. terá deixado de trabalhar, porque já não a via a apanhar o autocarro de manhã para ir para o trabalho.
As restantes três testemunhas ouvidas são as três filhas dos AA., não podendo deixar de constatar-se que apresentam um depoimento parcial e muito comprometido com a versão que os AA. apresentam nos autos, procurando evidenciar a gravidade das consequências que o acidente teve para os pais, em termos que nem sempre encontram correspondência nas lesões que se apura que eles sofreram com o acidente. A este respeito a testemunha EE fala em dores de cabeça da mãe e que o joelho não ficou bem, referindo que se queixa da perna e tem pouca mobilidade e que o pai também já não tem a mobilidade que tinha; a testemunha GG diz que os pais não conseguiam fazer nada depois do acidente e que a mãe precisava de ajuda para sair da banheira e limpar a casa e que depois do acidente ficaram mais inativos; a testemunha HH evidencia que a mãe tinha dificuldade em estender a roupa e fazer comida, queixava-se do joelho e tinha menos energia e que o pai retomou mais facilmente a sua vida. Todas elas dizem que a mãe teve de deixar de trabalhar e que não voltou a trabalhar até à reforma e que o pai teve de deixar de trabalhar no serviço que fazia ao fim de semana.
No que se refere às lesões físicas causadas pelo acidente e quanto a elementos médicos, temos apenas relativamente ao A. um documento denominado relatório médico datado de 07.01.2019 junto ao processo a 21.04.2023, onde consta que o mesmo sofreu um acidente em 10/2018 com politraumatismo, com registo de trauma no dorso lombar, realização de RX da coluna, tórax e grelha costal e avaliação por ortopedia, indicando que clinica e radiologicamente não tem evidência de lesões, mais ali constando que desde o acidente refere manter uma dor na região dorsal/infraescapular direita, desencadeada por alguns movimentos.
Nas suas declarações o A. esclarece que caiu, bateu com a cabeça e desmaiou, tendo depois acordado quando lhe puserem um colar no pescoço e o transportaram para o hospital onde fez um Rx à coluna e não tinha nada fraturado e na cabeça foram só escoriações, puderam-lhe um penso e não levou pontos, saiu do hospital com medicação para as dores, tinha dores nas costas e no ombro. O A. diz também que já antes sofria da coluna e tinha sido operado e que “de vez em quando tem umas “dorzinhas”. Refere ainda que já estava reformada, mas que fazia uns serviços ao fim de semana, no âmbito da organização de eventos de que gostava muito e ganhava um dinheiro extra – €200/€300 por mês, € 50,00 por cada evento mais € 12,00 para o almoço - que teve de deixar porque tinha de carregar coisas e também eram trabalhos com muita procura pelos jovens.
No que se refere às lesões sofridas pela A. foi junto aos autos um documento em 21.04.2023, denominado relatório médico que não se encontra datado nem assinado. Aí consta que a mesma sofreu traumatismo do hemicorpo esquerdo por acidente de viação, foi observada no hospital onde apresentava EO sem alterações, Rx sem evidência de fraturas, nem luxações agudas, tendo tido alta com indicação de repouso e analgesia e que a A. menciona manter quadro doloroso na zona do traumatismo, nomeadamente parede torácica e abdominal e anca à esquerda, que motivaram a emissão de certificado de incapacidade para o trabalho e a realização de exames.
Ouvida em declarações de parte a A. diz que já chegou consciente ao hospital, não tendo ficado internada, estava lesionada na cabeça e com dores também nas costelas, que ainda persistem; fez Rx e não tinha costelas partidas; deram-lhe uma injeção para as dores e prescreveram-lhe medicação para as dores. Refere que trabalhava nas limpezas e depois do acidente não conseguia trabalhar e meteu baixa, que não lhe foi remunerada pela Segurança social e estava muito debilitada e tinha dificuldade em fazer os trabalhos em casa. Ficou sem trabalhar mais ou menos 16 meses até se reformar.
Da conjugação destes elementos probatórios e na ausência de elementos médicos esclarecedores, não consegue compatibilizar-se as poucas concretas lesões que se apurou que os AA. sofreram em resultado do acidente, aparentemente sem uma grande gravidade, ao terem determinando apenas a prescrição de analgésicos, com as consequências que os AA. alegam que as mesmas tiveram, nomeadamente quanto a determinarem incapacidade total e permanente para o trabalho, ainda para mais considerando a idade dos AA., e doenças prévias, salientando-se que o A. já havia sido operado às costas.
Na verdade, só foi junto aos autos um relatório médico relativo a cada um, que evidencia a pouca gravidade das lesões sofridas, compatível com o facto dos AA. terem sido assistidos no hospital na sequência do acidente, de onde tiveram alta no mesmo dia apenas com medicação para as dores. Os documentos juntos aos autos pelos AA. com a p.i. que correspondem à declaração manuscrita e assinada do acidente que apresentaram na PSP, mostra que o fizeram logo no dia seguinte ao acidente.
A incapacidade para o trabalho e a baixa médica invocada pelos AA. para ser justificada têm de ter origem numa prescrição médica que a ateste, e até parece que existiu pelo menos uma incapacidade temporária para o trabalho por parte da A., estranhando-se por isso que nada tenha sido junto aos autos de forma a esclarecer este aspeto, o que se afigura que seria fácil e se apresentava como essencial. Não temos qualquer elemento médico que nos permita dizer com um mínimo de segurança que o facto da A. não ter voltado a trabalhar até à reforma se deveu ás lesões incapacitantes decorrentes do acidente, não havendo nenhuma declaração médica ou documento de junta médica que ateste a sua incapacidade temporária ou definitiva para o trabalho, nem tão pouco por parte do A.
As declarações de parte dos AA. e os depoimentos das suas filhas sobre esta matéria, todos comprometidos com o desfecho da ação e os interesses dos AA., não se apresentam como suscetíveis de esclarecer esta questão e convencer o tribunal de que as lesões que sofreram com o acidente determinaram a sua incapacidade absoluta e definitiva para o trabalho, não constituindo sequer um meio idóneo para o efeito.
Além do mais, a prova da veracidade destes factos seria fácil de fazer, com a junção de documentos médicos que a ser assim teriam necessariamente de existir, ou com uma perícia médica, sendo matéria que tem de estar alicerçada em tais elementos de prova mais especializados e idóneos, capazes de convencer o tribunal da realidade destes factos, não existindo no caso prova documental bastante ou pericial, que corrobore as declarações das partes e o depoimento das suas filhas, com escassa relevância probatória neste âmbito.
Não pode por isso ter-se como provada a existência de lesões que não aquelas que resultam dos dois escassos relatórios médicos apresentados, nem tão pouco o facto daquelas terem determinado uma incapacidade absoluta permanente, como alegado, para os AA. exercerem a atividade profissional que vinham exercendo.
Os factos provados 9 e 11 que a Recorrente também impugna, referem-se respetivamente, a serviços que o A. reformado prestava ao fim de semana e ao trabalho desenvolvido pela A. e remuneração respetiva, não se reportando a qualquer incapacidade dos AA.
Não obstante a prova produzida nos autos não permita concluir que foi em resultado das lesões sofridas no acidente, que os AA. deixaram de exercer tais atividades pela incapacidade daquelas decorrente, já se afigura que a mesma é bastante para convencer o tribunal que os AA. exerciam efetivamente as atividades e auferiam as remunerações aí referidas, sendo apenas essa a matéria que consta destes factos impugnados.
As declarações de parte dos AA. e os depoimentos das suas filhas, nesta parte, mereceram a credibilidade do tribunal, quando conjugados com os três documentos juntos pelos AA. a 21.04.2023, que constituem declarações de duas empresas a atestar que a A. é sua funcionária/colaboradora como trabalhadora de limpeza, indicando o vencimento por ela auferido, bem como de uma empresa com a menção de que o A. colabora aos fins de semana na organização de eventos, auferindo € 50,00 por cada dia de trabalho acrescido do subsídio de refeição, elementos que pela probabilidade e verosimilhança da sua ocorrência, permitem dizer que os AA. exerciam efetivamente essas atividades e auferiam por elas aqueles rendimentos.
A respeito da impugnação apresentada pela R. ao ponto 5 dos factos provados, salienta-se que embora o alegado pelos AA. no art.º 4.º da p.i., que corresponde à matéria que veio a ser vertido no ponto 5 dos factos provados, seja muito vago e pouco esclarecedor quanto às lesões sofridas, tal não impede que o tribunal possa considerar provados factos complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa, desde que sobre eles as partes tenham tido possibilidade de se pronunciar, como prevê o art.º 5.º n.º 2 al. b), do CPC.
Assim, o ponto 5 dos factos provados não deve ser tido como não provado, como defende a Recorrente, mas deve ser alterado o seu teor, de modo a concretizar os traumatismos sofridos pelos AA., com recurso aos relatórios médicos constantes dos autos, a que se aludiu. Não se verifica uma total ausência de meios probatórios, que determina que esta matéria seja tida como não provado, mas a mesma deve ser complementada para melhor esclarecimento dos factos, alterando-se em consequência o ponto 5 dos factos provados que passa a ter a seguinte redação:
5. Ambos os autores sofreram politraumatismos, tendo o A. batido com a cabeça onde apresentava escoriações e trauma no dorso lombar, e a A. batido com a cabeça no vidro para brisas do veículo e também sofrido traumatismo no hemicorpo esquerdo e foram tratados no Hospital Santa Maria com realização de Rx, medicação para as dores e colocação de um penso na cabeça do A.
Quanto ao mais e atento o que se expôs, procede a impugnação dos factos provados 8, 10 e 12 que se têm como não provados e improcede a impugnação dos factos provados 9 e 11, que se mantêm.
IV. Razões de Direito
- da indemnização por perdas salariais
A Recorrente requer a revogação da decisão proferida nesta parte, referindo que o tribunal não podia ter dado como provada a incapacidade para os AA. continuarem a trabalhar em resultado das lesões do acidente, não havendo fundamento para a condenação da R. a indemnizá-los a título de lucros cessantes.
A sentença recorrida, com base nos factos provados, concluiu que os AA. em consequência do acidente tiveram de deixar de trabalhar, perdendo os rendimentos da atividade profissional que desenvolviam, que contabiliza para o A. até à data da p.i. em 24.11.2022 em € 8.788,50 e para a A. até à data da sua reforma em 05.02.2022 no valor de € 12.901,92.
A revogação da decisão nesta parte estava dependente da procedência da impugnação da matéria de facto que a Recorrente apresentou e que veio a verificar-se, não tendo resultado provado que as lesões que os AA. sofreram na sequência do acidente vieram a determinar a sua incapacidade absoluta para exercer a atividade profissional que vinham desenvolvendo, o A. desde o acidente até à data da entrada da presente ação em juízo e a A. até à data da sua reforma.
O regime da responsabilidade civil por factos ilícitos a que os AA. direcionam o seu pedido indemnizatório vem previsto no art.º 483.º do C.Civil que estipula: “Aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes dessa violação.
Torna-se necessária a verificação cumulativa de cinco requisitos, para que haja responsabilidade civil: o facto; a ilicitude; um vínculo de imputação do facto ao lesante; o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, vd. neste sentido, Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, pág. 355 ss.
De forma impressiva, diz-nos Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, Vol. I, pág. 285, a respeito do art.º 483.º do C.Civil, que nele se estabelece: “uma cláusula de responsabilidade civil subjectiva, fazendo depender a constituição da obrigação de indemnização da existência de uma conduta do agente (facto voluntário), a qual representa a violação de um dever imposto pela ordem jurídica (ilicitude), sendo o agente censurável (culpa), a qual tenha provocado danos (dano), que sejam consequência dessa conduta (nexo de causalidade entre o facto e o dano).”
No caso em presença não é controvertido que houve a prática de um facto ilícito pela condutora do veículo seguro na R. e que a mesma agiu com culpa, mas para haver obrigação de indemnizar é condição essencial que o facto ilícito culposo tenha causado prejuízo a alguém, podendo os danos ser de natureza patrimonial ou não patrimonial.
O dano patrimonial é aquele que se repercute no património do lesado, seja a título de danos emergentes, seja de lucros cessantes. O dano não patrimonial reporta-se à ofensa de bens que não se integram no património da vítima, como é o caso da vida, saúde, liberdade ou honra, com uma impossibilidade de reposição do lesado na situação anterior, sendo por isso apenas suscetível de uma compensação.
Finalmente para existir obrigação de indemnizar tem de verificar-se um nexo causal entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, de modo a poder afirmar-se, à luz do direito, que o dano é resultante da violação.
Nos termos do art.º 483.º n.º 1 a obrigação de indemnizar reporta-se apenas aos danos que resultam do facto ilícito violador do direito, remetendo para os art.º 562.º ss. do C.Civil, que regem sobre a obrigação e indemnizar seja qual for a sua fonte.
Começa o art.º 562.º do C.Civil por estabelecer o princípio geral de que “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existira, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.” Acrescenta o art.º 563.º que: “A obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”.
Este art.º 563.º do C.Civil vem consagrar o princípio da causalidade adequada, ao estabelecer que a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. É assim necessário que o evento causador do dano, ação ou omissão do agente, tenha não só determinado a ocorrência do dano, mas também surja como causa provável ou adequada do mesmo.
Dizem-nos Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 400, em anotação a esta norma: “A fórmula usada no artigo 563.º deve, assim, interpretar-se no sentido de que não basta que o evento tenha produzido naturalística ou mecanicamente) certo efeito para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável , como quem diz adequada desse efeito. Cfr. M. Andrade, ob. cit. pág, 355 e ss.”
Avaliando os factos que resultaram provados, não há dúvida de que os AA. sofreram um dano na sua integridade física, ao terem sido atropelados por um veículo que lhes causou as lesões a que alude o ponto 5 dos factos provados. Contudo, pelas razões que já ficaram expostas no âmbito da apreciação da impugnação da matéria de facto, não resultou provado que tais lesões tivessem determinando a incapacidade absoluta e permanente para os AA. exercerem as atividades profissionais que vinham exercendo, conforme invocaram, nem tão pouco que pela sua natureza ou gravidade fossem aptas a causar tal incapacidade.
Nestes termos, não temos factos que permitam concluir pela existência de um nexo de causalidade entre a ocorrência do sinistro e as invocadas perdas de rendimentos cuja indemnização os AA. reclamam.
Competia aos AA., nos termos previstos no art.º 342.º n.º 1 do C.Civil, fazer prova dos factos constitutivos do seu direito, o que no caso não lograram fazer quanto à existência do nexo de causalidade entre as lesões que vieram a sofrer na sequência do acidente e a incapacidade absoluta e permanente para exercerem as atividades profissionais que vinham exercendo, pelo que nesta parte impõe-se a revogação da sentença proferida, e a consequente improcedência deste seu pedido.
- do quantum indemnizatório dos danos não patrimoniais
A Recorrente insurge-se contra o valor fixado pelo tribunal como compensação pelos danos não patrimoniais sofridos que considera excessivo, em face do ponto 15 dos factos provados que se refere ao receio com que os AA. ficaram de andar na rua, entendendo que não deve haver lugar a esta indemnização ou pelo menos não deve ser superior a € 1.000,00 para cada um.
A sentença recorrida fixou em € 5.000,00 para cada um dos AA. a compensação por danos não patrimoniais sofridos, referindo que inevitavelmente sofreram dores, passaram a ter receio de andar na rua e deixaram de praticar várias atividades do seu dia a dia.
Os AA. reclamam uma indemnização de € 5.000,00 para cada um a título de danos não patrimoniais, invocando as dores de que padeceram e padecem, na sequência das lesões sofridas, o receio de andar na rua e perda da sua força vital.
Relativamente aos danos não patrimoniais, os mesmos são indemnizáveis, de acordo com o art.º 496.º n.º 1 do C.Civil quando pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, sendo a indemnização é fixada com recurso a critérios de equidade, conforme dispõe o n.º 3 do mesmo artigo, e atendendo às circunstâncias referidas no art.º 494.º C.Civil, já que se trata mais de dar ao lesado uma compensação, pois a reparação da situação anterior não é, na prática, possível, na medida em que o dano não é suscetível de equivalente.
Por esta razão, a indemnização deve ser fixada equitativamente pelo tribunal- art.º 496.º n.º 3 C.Civil, tendo em conta o grau de culpa do responsável, a sua situação económica, bem como a do lesado, a gravidade dos danos e quaisquer outras circunstâncias que devam ser ponderadas- art.º 494.º C.Civil.
Com interesse para esta questão, relevam designadamente os factos provados nos pontos 3 a 7 e 15, que mostram que o acidente foi causado por culpa exclusiva da condutora do veículo que galgou o passeio indo atropelar os autores, tendo sido o A. projetado a vários metros e a A. arremessada para cima do veículo e partido o para brisas com a cabeça; ambos os AA. sofreram politraumatismos, tendo o A. batido com a cabeça onde apresentava escoriações e trauma no dorso lombar, e a A. batido com a cabeça no vidro para brisas do veículo e também sofrido traumatismo no hemicorpo esquerdo e foram tratados no Hospital Santa Maria com realização de Rx, medicação para as dores e colocação de um penso na cabeça do A.; à data do acidente o A. tinha 68 anos de idade e a A. 64 anos e passaram a ter medo de andar na rua, perdendo a sua força vital.
Estes factos são reveladores do sofrimento dos AA. na sequência das lesões causadas pelo acidente, que exigiram deslocação ao hospital e intervenção médica, com realização de exames e prescrição de medicação, situação para a qual os mesmos em nada contribuíram, já que não tiveram qualquer culpa na ocorrência do acidente, pelo que o valor de € 5.000,00 atribuído pela sentença recorrida a cada um a título de danos não patrimoniais pelas dores, angústias e padecimentos resultantes das lesões, não se afigura excessivo, atentos os critérios legais.
Em conclusão, altera-se a sentença proferida, mantendo a condenação da R. a pagar a quantia de € 5.000,00 a cada um dos AA., com juros de mora a partir da data da sentença e absolvendo a mesma da restante parte do pedido.
V. Decisão:
Em face do exposto, julga-se o presente recurso interposto pela R. parcialmente procedente, alterando-se a sentença recorrida, mantendo a condenação da R. a pagar a quantia de € 5.000,00 a cada um dos AA., com juros de mora a partir da data da sentença e absolvendo a mesma da restante parte do pedido.
Custas por ambas as partes na proporção do decaimento – art.º 527.º n.º 1 e 2 do CPC.
Notifique.
*
Lisboa, 5 de junho de 2025
Inês Moura
António Moreira
Higina Castelo