I. A atual al. b) do n.º 2 do art. 132.º do CP, que se inseriu na linha dos trabalhos que conduziram à adoção da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (Convenção de Istambul), resulta da alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, que, entre as novas circunstâncias, incluiu a relação conjugal ou análoga, sem modificação de alcance ou de sentido da justificação da construção do tipo qualificado de homicídio.
II. A especial censurabilidade ou perversidade resulta, nestes casos, da particular energia criminosa revelada na violação de especiais deveres de cooperação, solidariedade e respeito mútuos inerentes a tais tipos de relacionamento, à «comunhão de vida», que pressupõe uma «união pessoal», que caracteriza a relação conjugal, fazendo emergir uma nova realidade em que se exige aos cônjuges uma especial e recíproca proteção.
III. Não releva saber se o ato foi mais pensado ou calculado ou resultante de impulso súbito, pois que, de um modo ou de outro, sempre se pode concluir que o agente venceu as contra motivações associadas ao laço conjugal, que, no contexto de vida apresentado na matéria de facto provada, mantinha força plena (os cônjuges não estavam separados, nem se provou que a relação entre eles se houvesse tornado particularmente conflituosa em resultado do quadro depressivo do recorrente, nem outra circunstância que pudesse levar a pôr em causa a força dos deveres conjugais).
IV. A atribuição de um efeito mitigador da responsabilidade criminal ao ciúme ou à desconfiança do agente sobre a fidelidade do cônjuge é absolutamente de rejeitar no ordenamento jurídico de um Estado de direito democrático; o direcionamento, com base neles, de ações violentas contra outrem, que o agente tem o dever de controlar, expressa um sentimento de posse ou uma incapacidade que não podem merecer valoração positiva.
V. Embora a emoção tenha surgido pela perceção de infidelidade que revela o ciúme e desencadeia o impulso de reação violenta, o agente continua a ser censurado por não ter controlado esse impulso, de uma forma minimamente ponderada, em respeito por valores jurídico-penalmente protegidos (a vida humana, no caso de homicídio) que se lhe impõem no sentido de não realizar ou evitar a prática do facto.
VI. Não havendo relevante motivo que possa explicar a reação violenta, não pode o facto criminoso, gerado pela emoção, beneficiar da compreensibilidade que justifica a atenuação da culpa sobre a qual se constrói o tipo de crime de homicídio privilegiado da previsão do art. 133.º do CP.
VII. As circunstâncias apontadas, dando apoio à caraterização do arrependimento como genuíno, não são bastantes, no conjunto das restantes, para diminuir a ilicitude, a culpa ou a necessidade da pena ao ponto de se impor a modificação da moldura penal nos termos dos arts. 72.º e 73.º do CP.
VIII. O «arrependimento» apenas se pode equacionar no âmbito de aplicação dos critérios de determinação da pena, como circunstância atenuante geral, nomeadamente face ao disposto no art. 71.º, n.º 2, als. d), e) e f), do CP (condições pessoais, conduta posterior ao facto, especialmente quando destinada a reparar as consequências do crime, e preparação para manter uma conduta lícita).
IX. Os aspetos subjetivos da sensibilidade à pena, que se inscrevem nas «condições pessoais» do agente [al. d)] e em que se incluem sentimentos de «arrependimento e vergonha», deverão ser considerados favoravelmente, quer por via da culpa, quer por via da prevenção especial.
X. No conjunto das circunstâncias identificadas impressiona particularmente a energia e o nível de violência da agressão, no quadro patológico descrito nos factos provados, de ansiedade, depressão e ciúme em que o facto ocorreu.
XI. Na determinação da medida da pena não podem ser considerados a «natureza do bem jurídico tutelado (a vida humana)», nem o «contexto de conjugalidade», por isso implicar violação da proibição de dupla valoração.
XII. Centrando a apreciação nas circunstâncias tidas em conta pelo tribunal da Relação e ponderando tais circunstâncias a favor e contra o arguido por via da culpa e da prevenção, não se identifica fundamento que permita formular um juízo negativo quanto ao respeito pelos critérios de adequação e proporcionalidade na determinação da medida da pena, que a 1.ª instância fixou em 17 (dezassete) anos e 6 (seis) meses de prisão, e que, em consequência, possa justificar uma intervenção corretiva na medida desta.
I. Relatório
1. Por acórdão de 9 de fevereiro de 2024, o tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de ... - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, condenou o arguido AA, com a identificação dos autos, «pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal, na pessoa de BB, na pena de 17 (dezassete) anos e 6 (seis) meses de prisão.»
Condenou também o arguido:
a) A pagar a CC, as seguintes quantias:
«1. A título de danos não patrimoniais: € 80.000,00 (oitenta mil euros) por dano morte, € 20.000,00 (vinte mil euros), por danos próprios da vítima (dano intercalar); e € 50.000,00 (cinquenta mil euros), por danos sofridos pelo próprio em consequência da morte da mãe, todas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, contados desde a presente data até integral pagamento, sendo absolvido no demais.
2. A título de danos patrimoniais, a quantia de € 360,00 (trezentos e sessenta euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação para contestar o pedido, até efectivo e integral pagamento, sendo absolvido no demais.»
b) A pagar a DD «a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a presente data até integral pagamento».
2. Discordando, recorreram o arguido e Ministério Público para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual o qual, por acórdão de 19.06.2024:
a) Julgou procedente o recurso do Ministério Publico e, em consequência, alterou a decisão recorrida «condenando o arguido na pena de 20 (vinte) anos de prisão», mantendo, no mais, o decidido.
b) Julgou improcedente o recurso do arguido.
3. Não se conformando com o decidido no acórdão da Relação de Lisboa, vem o arguido AA dele interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando motivação de que extrai as seguintes conclusões (transcrição):
«1. O acórdão recorrido é nulo, por omissão de pronúncia, conforme previsto no artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.
2. Com efeito, não só não estava vedado ao Tribunal a quo pronunciar-se sobre a matéria do pagamento das indemnizações aos ofendidos como era seu dever pronunciar-se sobre essa mesma matéria.
3. Pois que os art.ºs 71.º n.º 2 al. e) e 72.º n.º 2 al. c), ambos do Cód. Penal, atribuem relevância a essa circunstância e não prevêem qualquer limite temporal quanto ao momento da sua verificação.
4. Deve, pois, entender-se que até ao momento da fixação definitiva da pena a aplicar, os tribunais podem e devem ponderar a reparação do mal causado empreendida pelo agente do crime.
5. O acórdão sob censura é igualmente nulo, por excesso de pronúncia, nos termos do mesmo preceito legal.
6. Pois que, de forma explícita, veio alterar a qualificação do arrependimento do arguido, considerado provado pela 1.ª instância nos exactos moldes constantes dos pontos 37.º e 76.º da fundamentação do acórdão condenatório.
7. Afirmar, como se afirma no acórdão recorrido, que o arrependimento do recorrente é desmerecedor do advérbio “genuíno” é o mesmo que o considerar como falso ou não provado.
8. O Tribunal a quo estava impedido de a alterar ou requalificar tal matéria, uma vez que a mesma não foi objecto de impugnação por qualquer sujeito processual.
9. A fundamentação do acórdão condenatório padece ainda de contradição insanável, conforme previsto no art.º 410.º n.º 2 al. b) do CPP.
10. Com efeito, da matéria apurada, bem como das provas que a sustentam, resulta que o arguido agiu num momento de perturbação súbita, decorrente da doença e cansaço que o afectavam, bem como do sentimento de perda que percepcionou ao ler as mensagens no telemóvel da vítima.
11. A decisão criminosa foi irreflectida e violenta, visando pôr termo à vida de ambos e não apenas da vítima, decisão que o arguido executou de forma caótica e desorganizada, ao contrário do que está implícito na fundamentação da decisão recorrida.
12. Assim, considerar provado que o arguido agiu de forma lúcida, plenamente consciente do objecto que usava, das zonas do corpo que atingia e imbuído de sentimentos de ciúme, despeito e posse, com indiferença pela vida da vítima e sabendo que utilizava um objecto que impossibilitava a vítima de se defender, bem ciente do que estava a fazer, é em si mesmo insanavelmente contraditório.
13. Tanto mais quando é certo que nenhuma factualidade se demonstrou ou indiciou quanto à existência de quaisquer outros episódios prévios de violência doméstica entre arguido e a vítima.
14. A contradição insanável da fundamentação determina a nulidade do acórdão recorrido, nos termos do art.º 410.º n.º 2 al. b) do CPP.
15. O Tribunal recorrido também não procedeu a um correcto enquadramento jurídico da matéria de facto provada.
16. Pois que a conduta do arguido preenche o tipo legal do crime previsto no art.º 133.º do Código Penal.
17. O recorrente agiu num quadro de forte emoção e perturbação, para o qual não contribuiu e que atenua, substancialmente, a sua culpa.
18. Age com compreensível emoção violenta o homem médio, que habitualmente actua de forma normativa, mas que no contexto de doença psíquica de que padecia há vários meses, que o levou a pensar em suicidar-se várias vezes, a última delas apenas três dias antes dos factos, se somou o impacto de tomar conhecimento, imediatamente antes da execução do crime, de que a mulher, alegadamente, manteria um relacionamento extraconjugal, decidindo perante tal pôr termo à vida de ambos.
19. Ainda que assim se não entendesse, sempre a conduta do arguido, globalmente considerada, não seria enquadrável no juízo de especial censurabilidade previsto no n.º 2 al. b) do art.º 132.º do Código Penal.
20. Pois que a motivação do crime – i.e, a perturbação súbita, decorrente da doença e cansaço que o afectavam, bem como do sentimento de perda que percepcionou ao ler as mensagens no telemóvel da vítima - não merece especial censura.
21. A sua actuação foi totalmente descontrolada, impensada, não metódica, ao contrário do que as instâncias, infundadamente, vieram a considerar.
22. O caso dos autos trata-se, pois, de uma situação limite, em que para o agente do crime já nada faz sentido e a qual não pode ser explicada apenas por uma mera reacção de ciúme ou de vingança.
23. Daí que não se justifique a qualificação do crime, à semelhança do que sucedeu, por exemplo, no caso a que se refere o Ac. do STJ de 07-11-2019, Proc.: 139/18.6JAFUN.L1.S1, Relator Cons. Júlio Pereira, in www.dgsi.pt .
24. Acresce ainda que, no caso dos autos, se justifica a atenuação especial da pena, nos termos previstos no art.º 72.º n.º 1 do CP.
25. Pois que se demonstrou o arrependimento sincero do arguido, bem como o seu esforço por reparar o mal causado, até onde lhe era possível.
26. O que fez através do pedido de desculpas às vítimas que verbalizou em audiência de julgamento e mediante o pagamento das indemnizações arbitradas a favor dos ofendidos.
27. A isso acresce a sua culpa diminuta, reconhecida na fundamentação da decisão da 1.ª instância, na qual se consignou que o arguido se “encontrava fragilizado por um quadro psicopatológico caracterizado por humor deprimido, angústia, ansiedade generalizada com episódios de pânico, insónia e conteúdo do pensamento pessimista e negativista. É de admitir que a percepção de que poderia ser abandonado pela sua mulher e filho neste contexto possa ter interferido no seu processo de reflexão sobre o empreendimento da acção”.
28. Também as exigências de prevenção especial são in casu diminutas, atendendo à sua idade, à ausência de quaisquer antecedentes criminais, à sua integração social, familiar e laboral, ao bom comportamento prisional, à adesão aos tratamentos psiquiátricos a que foi sujeito, à capacidade autocrítica revelada e aos sentimentos de preocupação com a vida futura do filho.
29. O que tudo permite perceber, claramente, que o sucedido constituiu um episódio isolado da sua vida que, seguramente, não mais se irá repetir.
30. Acresce, finalmente, que o Tribunal a quo não sopesou devidamente todas as circunstâncias que a lei manda atender, na determinação da pena concreta a aplicar, nomeadamente as mencionadas no art.º 71.º do CP.
31. Não foram devidamente sopesadas, designadamente, as seguintes circunstâncias atenuativas: as diminutas exigências de prevenção especial, a preparação revelada para manter conduta lícita, a doença psíquica, o desgaste físico e psicológico, que afectaram e condicionaram a capacidade de reflexão do arguido, a ideação suicida persistente, o medo que sentia de que a mulher e o filho o abandonassem, os sentimentos de arrependimento e vergonha, manifestados após o crime, a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados.
32. O caso do recorrente impressiona não tanto pelo alarme social que a prática deste tipo de crime necessariamente provoca, mas fundamentalmente pela dimensão da tragédia pessoal e familiar que encerra e pelo rasto autodestrutivo que deixou.
33. Todas as referidas circunstâncias, se devidamente ponderadas, justificavam que a medida concreta da pena a aplicar se situasse no primeiro quarto da moldura penal abstractamente aplicável.
34. Ideia que é, aliás, confirmada ao compararmos a situação em apreço com casos similares, já julgados pela nossa mais Alta Instância, como aqueles que acima especificadamente se mencionaram.
35. Dessa análise comparativa resulta que a pena de 20 anos de prisão aplicada ao recorrente afigura-se manifestamente excessiva e desproporcionada, apenas encontrando equiparação num caso como o do Processo n.º 2540/22.1JAPRT.P1.S1, em que o arguido foi condenado, em cúmulo efectivo, por 2 crimes de homicídio qualificado agravado, um deles na forma tentada, 1 crime de roubo agravado, também na forma tentada e um crime de detenção de arma proibida, e em que acabou sancionado com uma pena similar à do recorrente, apesar da gravidade contrastante das condutas praticadas em cada um dos casos.
36. No caso que mais se assemelha com o sub judice – Proc. 139/18.6JAFUN.L1.S1 –verifica-se que a pena aplicada ao agente do crime se quedou pela pena de 10 anos de prisão, ou seja, metade daquela que foi aplicada ao recorrente.
37. Ao decidir como decidiu, violou o Tribunal a quo o disposto nos art.os 71.º, 72.º n.os 1 e 2, 131.º, 132.º n.º 2 e 133.º, todos do Código Penal.»
3. O Ministério Público, pelo Senhor Procurador da República no tribunal recorrido, pugnando pela manutenção do decidido, apresentou resposta em que conclui:
«(…)
2. O recorrente, nesta sede, limita-se a repristinar grande parte dos argumentos que já esgrimiu junto do TRL, quanto ao acórdão de 1ª instância, os quais não mereceram provimento.
3. Os vícios de omissão de pronúncia sobre matéria do pagamento das indemnizações aos ofendidos, de contradição insanável da fundamentação e ainda de excesso de pronúncia, por pretensa alteração da qualificação do arrependimento do arguido – Pontos 37º e 76º dos factos provados – e a violação de lei que imputa ao acórdão recorrido, salvo o devido respeito, são manifestamente infundados.
4. Com a invocação dos vícios aludidos em 3., o que pretende, por via do recurso, é a realização de um novo julgamento que a lei não comtempla e ainda debater factualidade que não foi apreciada pela 1ª instância e que está vedada ao tribunal de recurso conhecer.
5. E o certo é que, concatenando todos os elementos de prova, outra não podia ser decisão judicial a proferir.
6. Com efeito, da fundamentação de facto do acórdão assente em abundante prova documental, testemunhal, pericial e declarações do arguido e demandante produzida em julgamento, apreciada em conjunto e de acordo com as regras da experiência comum, analisando o processo decisório, é inegável que o mesmo, de forma escrupulosa, cumpriu a lei e se mostra fundamentado, nos termos preceituados nos Arts. 97º n.ºs 4 e 5 e 374º n.º 2 do C. P. Penal para os atos decisórios.
7. Numa leitura atenta observa-se que o acórdão recorrido pronunciou-se exaustiva e fundamentadamente sobre todas as questões relevantes, apreciando criteriosamente toda a matéria em que o tribunal da 1ª instância se fundou, e ainda, escalpelizou todas as questões suscitadas pelo recorrente.
8. Considerar que a decisão judicial objeto de recurso padece de vícios, está ferida de violação de lei e que deve ser condenado pela prática pela prática de um crime homicídio privilegiado – Art. 133º do C. Penal – quanto muito crime de homicídio simples – Art. 131º do C. Penal – e não pela prática de um crime de homicídio qualificado – Arts. 131º e 132º n.º 2, alínea b) do C. Penal – afigura-se-nos, salvo o devido respeito, manifestamente, despropositado/inaceitável, face à prova produzida em audiência de julgamento, inexistindo qualquer dúvida da prática do crime de homicídio na forma qualificada.
9. Só assim, se percebe que, sem sucesso, procure esboçar argumentação de pretensa omissão de pronúncia sobre matéria do pagamento das indemnizações aos ofendidos e ainda de excesso de pronúncia por alteração da qualificação do arrependimento do arguido – Pontos 37º e 76º dos factos provados – que repita-se não ocorreu, invocando que agiu num quadro de forte emoção e perturbação.
10. Como bem deixou exarado o acórdão recorrido, a propósito da invocada omissão de pronúncia “A pretensão do arguido de que seja dado como provado que “procedeu ao pagamento aos demandantes cíveis das indemnizações que lhes foram reconhecidas”, está fora do objecto do recurso.
É que, como o próprio recorrente reconhece o pagamento de tais indemnizações – no facto que pretende aditar ao provado - ocorreram após a leitura do acórdão, ou seja, não foi suscitada no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar.
Ora, os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu.
Sendo os recursos meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais e não meio de obter decisões novas, não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido, conforme jurisprudência sedimentada.” (sic)
11. As considerações feitas na decisão recorrida, nos seus pontos “3.2. Apreciando.” a “3.5.”, em nada alteraram os pontos 37º e 76º dos factos provados – referentes ao arrependimento do arguido – sendo que, como parte integrante da fundamentação do acórdão, devem ser entendidas como explicitadoras/concretizadoras das razões, do julgador, pela opção da moldura penal agravada do crime de homicídio e ainda no afastamento de qualquer circunstância especial de atenuação da pena.
12. Aliás, tais considerações impunham-se sob pena de na sua ausência, aí sim, o acórdão recorrido padecer de omissão de pronúncia.
13. Não enferma, pois, o acórdão recorrido de qualquer dos vícios do Art. 410º n.º 2, mormente, da alínea b) do C. P. Penal, nem de outros ou ainda de violação de lei, sendo correta a subsunção jurídica dos factos e justa e adequadas à prossecução dos fins punitivos a pena de prisão efetiva imposta, face à culpa do arguido/recorrente e à gravidade do crime cometido.
14. Quem praticou crime com a gravidade do cometido pelo arguido – 1 crime de homicídio qualificado – merece censura severa, já que razões de prevenção geral e especial o exigem tendo em conta a necessidade de proteção do bem jurídico tutelado, bem como a natureza e as circunstâncias em que o arguido praticou o mesmo.
15. A pena de 20 anos de prisão fixada mostra-se adequada e proporcional, em obediência aos critérios estabelecidos nos Arts. 40º, 71º e 72º do C. Penal.
16. Inexiste qualquer fundamento para a sua redução.
17. O TRL fez correta interpretação e aplicação do direito, mormente, dos Arts. 97º n.ºs 4 e 5, 374º n.º 2, 379º n.º 1 al. c), 410º n.º 2 al. b) e 425º n.º 3 do C. P. Penal, 71º, 72º n.ºs. 1 e 2, 131º, 132º n.º 2 al. b) e 133º, todos do C. Penal.
18. O acórdão recorrido deve ser mantido nos seus precisos termos, improcedendo o recurso.»
4. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, para os efeitos do disposto no artigo 416.º do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitido parecer no sentido da rejeição parcial do recurso quanto à «reapreciação da matéria de facto» «no âmbito dos vícios do artigo 410.º do CPP (erro-vício)» e da improcedência do recurso, quanto às demais questões, nos seguintes termos (transcrição):
«(…) IV. Questão prévia
Como vem sendo jurisprudência constante deste Supremo Tribunal, a reapreciação da matéria de facto, seja em termos amplos (erro-julgamento) seja no âmbito dos vícios do artigo 410.º do CPP (erro-vício), não pode servir de fundamento ao recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça (...)”1
No mesmo sentido se pronunciou o acórdão do STJ de 01.03.2023 (…)”2
No caso aqui em apreço, analisado o texto da decisão recorrida, dele não resulta qualquer vício, nomeadamente, a contradição insanável da fundamentação, o que torna o recurso inadmissível nesta parte por força do disposto nos art.ºs 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, al. b) do CPP, devendo ser, por isso e nesta parte, rejeitado.
V. A resposta do Ministério Público junto do Tribunal a quo identifica detalhadamente todas as questões a dirimir, equacionando-as devidamente, e rebate de forma fundamentada e sólida os argumentos do recorrente, demonstrando a sua evidente falta de razão.
Com efeito, o acórdão recorrido não merece as críticas que este lhe tece já que, não só não se verificam as apontadas nulidades, como a subsunção jurídica dos factos ao direito e a pena fixada pelo Tribunal a quo – 20 anos de prisão – estão isentas de qualquer erro que as inquine.
Não pretendendo ser redundantes e aderindo inteiramente aos argumentos expendidos pelo Senhor Procurador Geral Adjunto na sua resposta ao recurso, acrescentaremos apenas o seguinte:
Da argumentação expendida pelo recorrente resulta evidente que as nulidades (por omissão de pronúncia e por excesso de pronúncia) bem como o vício de contradição insanável da fundamentação mais não são do que um olhar sobre os factos lançado a partir de um lugar distinto daquele em que se encontra o Tribunal e a afirmação de uma verdade diferente, discordante daquela que ficou fixada no acórdão da primeira instância e que é, por isso, aqui irrelevante.
Como bem saberá o recorrente, os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito (art. 428.º, do C.P.P.), sendo, porém, que o reexame da matéria de facto pela segunda instância não corresponde a um novo julgamento, mas antes à verificação da eventual necessidade de correção de erros de julgamento que possam ter sido cometidos pela primeira instância.
Daqui resulta que a reapreciação da matéria do recurso pelas Relações implica, “(…) tão só uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão proferida pelo tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o recorrente considere incorretamente julgados.”3
Por isso, como também tem sido jurisprudência constante dos nossos Tribunais Superiores, e ao contrário do que parece ser o entendimento do recorrente, o Tribunal da Relação de Lisboa podia, sem com isso cometer qualquer erro, alterar factualidade fixada na primeira instância, eliminando, aditando ou alterando os pontos da matéria de facto provada e não provada que merecessem ser reapreciados.
Não foi isso, porém, que aconteceu no caso em apreço. Senão vejamos:
O que o recorrente considera ser uma omissão de pronúncia corresponde, na verdade, a uma tomada de posição expressa pelo Tribunal a quo sobre uma questão levantada pelo recorrente no recurso que interpôs do acórdão da primeira instância.
Como o próprio recorrente escreve (citamos) “sobre tal matéria veio a instância recorrida declarar que:
“A pretensão do arguido de que seja dado como provado que “procedeu ao pagamento aos demandantes cíveis das indemnizações que lhes foram reconhecidas”, está fora do objecto do recurso. … não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido, conforme jurisprudência sedimentada.”
Ou seja, o tribunal a quo pronunciou-se. Só não se pronunciou no sentido que o recorrente queria, mas isso não constitui, seguramente, a nulidade que se lhe aponta.
Ao pretender que um facto por ele praticado em momento posterior à condenação em primeira instância seja levado em conta em sede de atenuação especial da pena, o recorrente derruba décadas de doutrina e de jurisprudência sobre as regras da vinculação temática e os poderes de cognição do tribunal – isto para dizer o mínimo.
A atenuação especial opera em sede de fixação da medida da pena, sendo que só é permitida quando da matéria de facto provada resulte uma diminuição acentuada da ilicitude dos factos ou da culpa do agente e/ou também uma diminuição das exigências da prevenção que permitem erodir a necessidade da pena4.
Estas operações de fixação da matéria de facto e de ponderação da possibilidade de atenuar especialmente a pena do agente competem – estaremos todos de acordo – em primeira linha ao tribunal de julgamento.
Assim sendo, e porque os recursos se dirigem à impugnação das decisões recorridas, só podem ter por fundamento questões que estas pudessem ou devessem ter conhecido.
Como muito bem se afirma no acórdão recorrido “Sendo os recursos meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais e não meio de obter decisões novas, não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido, conforme jurisprudência sedimentada.”
Daqui decorre, necessariamente, que apenas factos ocorridos antes da decisão final em primeira instância podem validamente ser levados em conta pelo tribunal (seja ele de instância for) na determinação do quantum da pena.
Mesmo quando a lei admite o comportamento posterior ao facto como juridicamente relevante, desde logo para efeitos de ponderação de uma atenuação especial, este tem como “momento último de relevância” o fim do julgamento em primeira instância.
A tudo isto acresce que “I - A atenuação especial da pena está reservada para os «casos extraordinários ou excecionais». (…) II - A substituição da moldura penal do tipo de ilícito cometido pelo agente por uma moldura especialmente atenuada, só pode dar-se quando no caso concreto existam circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores que ainda não tenham operado e “que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena” – art. 72.º, n.º 1, do CP. III - Critério decisivo é que as circunstâncias concorrentes, pela sua especial intensidade, configurem um caso de gravidade, tão acentuadamente diminuída, seja ao nível da ilicitude ou da culpa, seja ao nível da necessidade da pena, que escapa à previsão do que o legislador definiu e que, por isso, seria injusto punir dentro da respetiva moldura penal, já prevenidamente muito ampla.”5
Ora, como muito bem decidiram as duas instâncias, no caso dos autos era de excluir liminarmente a possibilidade de atenuação especial da pena, atento o elevadíssimo grau de ilicitude dos factos, o modo de cometimento, a culpa e a intensidade do dolo direto, bem como as elevadas necessidades de prevenção geral e especial.
O recurso não tem assim, nesta parte, qualquer fundamento.
A par da omissão de pronúncia, veio o recorrente arguir a nulidade resultante de um excesso de pronúncia (artigo 379º, nº 1, al. c) do CPP), por entender que ao considerar que “O arrependimento é pois insuficiente desmerecedor do advérbio «genuíno»” o Tribunal a quo se pronunciou sobre matéria que “(…) como resulta, quer do acórdão recorrido, quer dos recursos interpostos, não foi objecto de impugnação por parte de qualquer dos sujeitos processuais” pelo que, tal afirmação “(…) mais não constitui, na prática, do que uma alteração explícita (ou, pelo menos, implícita) da matéria de facto provada e não impugnada.”
A questão da relevância do arrependimento, ao contrário do que alega o recorrente, foi levantada pelo Senhor Procurador da República no recurso que interpôs do acórdão da ...ª Vara Criminal de Lisboa. (…)
Sendo o objeto do recurso fixado pelas conclusões, o Tribunal a quo não podia ter deixado de pronunciar-se sobre esta matéria.
Também aqui, o recurso não tem qualquer fundamento.
Quanto ao invocado erro na aplicação do direito aos factos provados, resulta este de, no entender do recorrente, “(…) a matéria de facto provada permit[ir] concluir que agiu num quadro de forte perturbação, atenuativa da sua culpa.”
Para além disso, afirma que “no entender do recorrente, (…) o mesmo agiu num quadro de forte emoção e perturbação, para o qual não contribuiu e que atenua significativamente a sua culpa.”
No entanto, e como se diz no acórdão recorrido, “Não havendo fundamento para alterar a decisão de facto e sendo sobretudo a alteração dessa decisão o pressuposto de que parte o recorrente para construir a sua tese de ter actuado em circunstâncias “desculpantes” – «o recorrente agiu num quadro de forte emoção e perturbação, para o qual não contribuiu e que atenua, substancialmente a sua culpa» - cai por terra a pretensão do recorrente de integrar a sua conduta na figura do crime de homicídio privilegiado. – cf. clª 11 a 13.”
O art. 133.º do Código Penal estabelece um tipo de crime privilegiado relativamente ao crime base de homicídio do art. 131º do mesmo diploma.
Como elemento caracterizador do tipo privilegiado surge a existência de um estado de perturbação psicológica resultante de determinadas circunstâncias (elementos privilegiadores) que tornam menos exigível o comportamento do agente.
Como ensina Figueiredo Dias, “O art. 133° consagra hipóteses de homicídio privilegiado em função, em último termo, de uma cláusula de exigibilidade diminuída legalmente concretizada. A emoção violenta compreensível, a compaixão, o desespero ou um motivo de relevante valor social ou moral privilegiam o homicídio (…).”6
Ou seja, são elementos privilegiadores do homicídio a compreensível emoção violenta, a compaixão, o desespero, ou o motivo de relevante valor social ou moral.
O recorrente alega ter agido no “quadro de forte emoção e perturbação” que atenua a sua culpa. O conceito de forte emoção e perturbação não vem densificado nem na motivação nem nas conclusões formuladas, o que seria necessário, uma vez que estamos perante uma cláusula de exigibilidade diminuída legalmente concretizada.
A leitura do recurso permite, no entanto, perceber que o recorrente pretende reconduzir o seu estado de forte emoção e perturbação ao conceito de compreensível emoção violenta.
Não tem, porém, razão.
“A compreensível emoção violenta é um estado de afecto provocado por uma situação pela qual o agente não é responsável. Ela é, de certo modo, a resposta a uma provocação e, nessa medida, ela pode diminuir de forma sensível a culpa do agente. Mas terá de ser compreensível, exigência adicional de pendor objectivo não extensível aos outros elementos privilegiadores.”7
Ou seja, este requisito de “compreensibilidade” constitui uma exigência adicional da emoção violenta, face à “exigibilidade diminuída” a que acima nos referimos e que se reporta a todos os “elementos privilegiadores” estabelecidos no tipo legal aqui em apreço.
“O preceito do art. 133.º do CP coloca à cláusula da emoção violenta maiores exigências do que em relação às restantes cláusulas, sofrendo uma dupla exigência que se configura como um duplo controlo: tem de ser compreensível (sendo que nem a compaixão, nem o desespero estão sujeito à cláusula da compreensibilidade), e tem de diminuir sensivelmente a culpa do agente; um duplo controlo a avaliar e ponderar nos limites de determinação da culpa.”8
Ora, nada na matéria de facto provada suscita em nós compreensão, no sentido que lhe tem sido atribuído pela jurisprudência portuguesa9, de uma adequada relação de proporcionalidade entre o facto “exterior” que a desencadeia e o facto “interior” ao agente que ocorre em resposta ou em virtude do primeiro.
Muito pelo contrário, a forma de realização dos factos que integram o crime de homicídio cometido pelo recorrente provocam, naquela que se designa por “pessoa normalmente fiel ao direito", um profundo sentimento de repúdio pelo elevadíssimo grau de culpa revelado na especial perversidade e censurabilidade da ação.
Assim, em linha com o que muito bem notou o Tribunal recorrido, não fazendo parte do elenco dos factos provados que o recorrente, ao levar a cabo o homicídio dos autos, tenha agido dominado por uma compreensível emoção violenta, perturbado por um estado de afeto emocional que tenha diminuído sensivelmente a sua culpa, não pode a sua conduta ser subsumida, como pretende, ao tipo privilegiado de homicídio, previsto no art. 133.º do Código Penal.
Do mesmo modo, não sobrevive à leitura da matéria de facto a pretensão de que “o homicídio por si praticado não deveria, em caso algum, ser qualificado, designadamente, por via da aplicação da circunstância agravativa prevista na al. b) do art.º 132.º n.º 2 do CP.”
Diz o recorrente que “a aplicação da referida circunstância agravativa parte do pressuposto errado de que a motivação do crime radicou, fundamentalmente, no ciúme.
E parte, igualmente, do pressuposto de que a atitude do recorrente foi pensada, metódica, preparada e executada por alguém no pleno uso das suas faculdades psíquicas e mentais, o que verdadeiramente não sucedeu.”
Mais uma vez diremos que, uma coisa é a convicção do recorrente e a sua interessada e subjetiva versão dos factos, outra completamente diferente é a verdade processual fixada definitivamente nos autos pelas instâncias. Basta atentar nos factos provados números 5º a 18º.
Como muito bem salienta o Senhor Procurador da República na motivação do seu recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, “Resulta salvo melhor opinião dos diversos circunstancialismos evidenciados nos autos e melhor explanados supra (quer o dossier clínico contendo dedos ensanguentados, quer o fechar a porta a chave, quer a versão apresentada pelo arguido, quer o manifestamente inverificado lapso de memória) que o arguido i) antes, durante e depois dos factos, sempre teve perfeita consciência do que fazia; ii) logo após os factos, começou por fechar a porta de forma a ganhar tempo que lhe permitisse reflectir sobre o que fazer de seguida; iii) uma das ideias que o arguido teve foi a de ir vasculhar os seus elementos clínicos, tendo acabado por decidir tentar justificar a prática do crime com um lapso total de memória, de forma a escapar às consequências criminais, circunstancialismo que, s.m.o., impressiona qualquer pessoa, pela brutal frieza de ânimo.”
Diz-se no acórdão recorrido, citando o acórdão do STJ de 29.05.2013, que «(…) Ao direito penal interessam as emoções na medida em que se traduzam em atos externos. Daí que não seja ao direito penal que cabe censurar as emoções (e sentimentos) vividos, antes seja tarefa sua censurar a falta do controlo possível dessas emoções, quando desembocam no ato ilícito. E é pressuposto da culpa a existência de tal controlo, ainda que indireto e parcial, por parte do agente que não tenha sido declarado inimputável.”
E, de seguida, prossegue:
“O arguido «não só não controlou os seus impulsos, agindo toldado pelo ciúme, como o número de golpes infligidos no corpo da vitima, a circunstância de alguns deles terem sido na face da vítima, bem denota a energia criminosa empregue pelo arguido e a intensidade do seu despeito» donde se conclui, sem sombra de qualquer dúvida, que a emoção podendo caracterizar-se como violenta não pode ser considerada «“compreensível” ou fundamento de diminuição sensível da culpa» como bem sustenta o MP na resposta.”
Com esta conduta só poderia o recorrente ser, como foi, condenado como autor material do crime de homicídio qualificado p. e p. pelo artºs 131º e 132º, nº 2, al. b) do Código Penal.
Por fim, no que toca à escolha da medida da pena, a evidente falta de razão do recorrente relativamente à subsunção jurídica dos factos, com o pretendido enquadramento da sua conduta na figura do homicídio privilegiado, p. e p. pelo artº 133º do Código Penal ou, no mínimo, o afastamento da circunstância qualificativa descrita na alínea b) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal, e a correspondente desqualificação do homicídio, compromete definitivamente toda a sua argumentação.
A pena única aplicada pelo Tribunal a quo reflete adequadamente as exigências de prevenção geral, que são aqui muito elevadas, considerando tratar-se de crime em que está em causa uma tragicamente frequente violência de género dentro da família e cuja natureza, frequência e potencial lesivo reclamam rigor punitivo para desincentivar o seu cometimento.
Reflete, também com rigor, o grau de ilicitude dos factos e o violento desvio aos valores impostos pela ordem jurídica que os mesmos implicaram, bem como a intensidade do dolo, que é muito elevada, uma vez que o arguido atuou com intenção direta de levar a cabo os atos pelos quais veio aqui a ser condenado.
Como refere Figueiredo Dias (Direito Penal Português, Editorial Notícias, pp. 231, § 310), “Tudo o que o aplicador tem de perguntar-se é qual o mínimo de pena capaz de, perante as circunstâncias concretas do caso relevantes, se mostrar ainda comunitariamente suportável à luz da necessidade de tutela dos bens jurídicos e da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada”.
É exatamente esta ponderação, esta procura de equilíbrio, que está patente na decisão recorrida, pelo que não merece a mesma qualquer censura.
A pena única aplicada pelo Tribunal a quo ao recorrente – 20 anos de prisão – é a mais adequada, justa e proporcional, pelo que é de confirmar.
VI. Examinados os fundamentos do recurso, sufragamos integralmente a argumentação do Senhor Procurador Geral Adjunto, que aqui damos por reproduzida e, por todo o exposto, somos de parecer que o recurso deve ser rejeitado na parte em que se reporta a vicio do artigo 410º do CPP e julgado, no demais improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.»
5. Notificado para responder, nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido nada disse.
6. Colhidos os vistos e não tendo sido requerida audiência, o recurso foi apresentado à conferência para decisão – artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP.
Apreciando e decidindo.
II. Fundamentação
Factos provados
7. Mostra-se estabelecida a seguinte matéria de facto, confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação (transcrição):
«Da acusação)
1º BB e AA casaram-se a 17-11-2000 (1.º da acusação).
2º Da relação nasceu, a ...-...-1999, o filho CC (2.º da acusação).
3º O agregado familiar residia na Avenida ... (3.º da acusação).
4º O arguido encontrava-se, desde 28-11-2022, de baixa médica por apresentar um quadro psicopatológico de depressão e ansiedade generalizada (artigo 4.º da acusação).
5º No dia 26 de Dezembro de 2022, cerca das 08h15m, no interior da casa onde residiam, o arguido, enquanto BB estava a tomar banho, acedeu ao telemóvel da mesma, sem o seu consentimento e consultou o seu histórico de mensagens da aplicação WhatsApp, onde observou uma troca de mensagens entre a mulher e outro homem, criando a convicção de que aqueles tinham uma relação amorosa (5.º da acusação).
6º Nessa sequência, confrontou o filho, que se encontrava em casa, sobre se conhecia a identidade daquele com quem BB trocara mensagens de teor amoroso, tendo obtido daquele resposta negativa (6.º da acusação).
7º O arguido, receando que a mulher e filho o pudessem abandonar, dirigiu-se então ao R/C da habitação, entrou na sala e retirou de dentro de um móvel um punhal que ali se encontrava (7.º da acusação).
8º De seguida, entrou na casa de banho do piso térreo do imóvel, onde BB tomava banho, com o punhal em riste (8.º da acusação).
9º Aí dirigiu-se ao poliban onde BB se encontrava, colocando-se do lado direito do chuveiro e fazendo uso do punhal, desferiu vários golpes no corpo daquela entre eles, pelo menos, dois do lado direito e três do lado esquerdo da face, todos com extensão à cavidade oral, e três na região cervical, tendo aquela caído (9.º e 14.º da acusação).
10º Com a actuação descrita, o arguido provocou em BB feridas incisivas dispersas na face, pescoço, terço superior da face anterior do tórax, membro superior direito e esquerdo (a nível dos membros particularmente a nível das mãos), feridas corto-perfurantes a nível da face (região bocal direita e região bocal esquerda que perfura a parótida e atinge o musculo esterno-cleido-mastoideu ipsilateral): ferida corto –perfurantes no pescoço (destacando-se as feridas com infiltração sanguínea que alcançam a cavidade pleural direita e a fossa supra-espinhosa ipsilateral, assim como uma sem aparente infiltração sanguínea que alcança a laringe e através da qual se exteriorizam o conteúdo gástrico); Equimoses na face e Equimoses nos membros superiores e no dorso (metade direita) (16.º e 17.º da acusação).
11º As lesões traumáticas faciais, cervico-torácicas e dos membros superiores que foram infligidas pelo arguido a BB originaram-lhe choque hipovolêmico o qual foi causa directa, adequada, necessária e exclusiva da sua morte, verificada no local às 09h.15m. (18.º da acusação).
12º CC veio ao exterior da casa pedir auxílio e, depois de voltar a entrar, em circunstâncias não apuradas, sofreu ferida incisa no 2º dedo da mão esquerda, tendo tais lesões lhe determinado, como consequência directa e necessária 10 dias de doença, com os mesmos dias de afectação da capacidade para o trabalho em geral e do trabalho profissional (12.º e 19.º da acusação).
13º O punhal referido possuía 16 cm. de lâmina e 10,5 cm. de cabo (20.º da acusação).
14º Ao agir da forma descrita, o arguido, plenamente conhecedor das características do objecto que usava, das zonas do corpo que atingia e do facto de tais zonas - pescoço e cabeça – alojarem órgãos vitais, quis tirar a vida à vítima, como logrou fazer (21.2 da acusação).
15º Fê-lo imbuído de sentimentos de ciúme, despeito e posse (22.2 da acusação).
16º E com indiferença pela vida da vítima e sabendo que utilizava um objecto que praticamente a impossibilitava de se defender, bem ciente do que estava a fazer (23.2 da acusação).
17º Quis desferir, como desferiu, os referidos golpes com o punhal e provocar, com isso, a morte da vítima (24.2 da acusação).
18º O arguido agiu de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida pela lei penal (27.2 da acusação).
(Da contestação)
19º A partir de Setembro de 2022, o arguido foi afectado por problemas de saúde, designadamente, ataques de pânico, faltas de ar e alterações cognitivas (3.2 e 4.2 da contestação).
20º Passou a andar ansioso, deprimido e teve, pelo menos, três ideias suicidas (5.2 da contestação).
21º Tais distúrbios prejudicaram o desempenho profissional do arguido e o ambiente familiar (6.2 da contestação).
22º Quando os referidos problemas de saúde começaram, o arguido procurou ajuda médica (8.2 da contestação).
23º Teve várias consultas no Centro de Saúde de ..., designadamente em 3, 13 e 28 de Outubro, 16 e 28 de Novembro, e em 13 de Dezembro (9.2 da contestação).
24º Em 6 de Outubro fez um electrocardiograma, a pedido da sua médica de família (10.2 da contestação).
25º Em 3 Novembro, foi observado pela médica psiquiátrica, Dr.ª EE, na Clínica ... (11.2 da contestação).
26º Apesar de tudo isso, tinha dificuldade em dormir/descansar e alterações cognitivas pelo que, em 28-11-2022, foi-lhe passada baixa médica, por 12 dias, algo que nunca havia sucedido ao longo da sua vida profissional (12.2 e 13.2 da contestação).
27º Em 5 de Dezembro, foi a uma consulta com outra médica psiquiátrica, Dr.ª FF, a qual emitiu relatório médico do qual consta que: “O doente apresenta um quadro clínico psicopatológico caracterizado por humor deprimido, angústia, ansiedade generalizada com episódios de pânico, insónia e conteúdo do pensamento pessimista e negativista. Esteve medicado pelo seu médico assistente com escitalopram 10 mg, alprazolam 0,5 e triticum 150 mg, sem efeito terapêutico. No exame do estado mental efetuado evidencia ansiedade, discurso de conteúdo pessimista e negativismo. Neste contexto efetua hoje revisão terapêutica, iniciando paroxetina 20 mg, alprazolam 1 mg e pregablina 25 mg – 1 ao deitar Pelo exposto e sendo que aguarda efeito terapêutico, o doente não apresenta condições de saúde mental que lhe permitam exercer a sua atividade profissional por 30 dias” (14.º, 15.2 e 16.2 da contestação).
28º Em 10-12-2022, a baixa por doença foi prorrogada por mais 30 dias (10.2 da contestação).
29º Contudo, apesar dos tratamentos, o arguido continuou deprimido (18.2 da contestação).
30º No dia 23 de Dezembro, voltou a ter mais um ataque de pânico, acompanhado por uma forte dor no peito e dificuldade em respirar (19.2 da contestação).
31º Na altura, a vítima e o filho do arguido tiveram de chamar o INEM, que o conduziu à urgência do Hospital 1 onde foi assistido (20.2 e 21.2 da contestação).
32º Nos dias seguintes, incluindo o dia de Natal, o arguido continuou a não conseguir dormir, nem descansar (22.2 da contestação).
33º Pensava que iria perder o emprego e que a mulher e o filho iriam passar por grandes dificuldades financeiras (23.º da contestação)
34º E receava também padecer de uma doença grave como as que vitimaram os seus pais (24.º da contestação).
35º O arguido é funcionário da A..., S.A., desde 1990, onde desempenhava um cargo de chefia (28. da contestação).
36º É considerado pelos seus colegas e superiores hierárquicos um trabalhador dedicado e competente, que muita falta tem feito desde que deixou de poder prestar serviço (29.2 da contestação).
37º O arguido lamenta os factos cometidos (26. da contestação).
(Do pedido de indemnização cível deduzido por DD)
38º O arguido causou nos pais da vítima, BB, nomeadamente no demandante, um estado de profunda tristeza, por, aos oitenta e dois anos, ter de enterrar a sua filha (23.2 do pedido de indemnização cível).
39º O demandante sente-se injustiçado, destroçado, angustiado por ter perdido a sua filha, agravando-se o seu estado psicológico o modo como os factos ocorreram (24.2 do pedido de indemnização cível).
40º Em consequência da conduta do arguido, o demandante sentiu profunda tristeza, apático, não tendo qualquer sentido a vida para este (29.2 do pedido de indemnização cível).
41º O arguido fez este vivenciar a pior dor que existe no mundo, e pela qual nenhum pai e mãe deveriam passar que é a morte de um filho, no caso em concreto ainda mais agravado pela forma como foi (30.2 do pedido de indemnização cível).
Do pedido de indemnização cível deduzido por CC:
42º A data dos factos, a vítima BB tinha 50 anos de idade, era saudável, activa e com estabilidade familiar, sendo o agregado familiar constituído pelo seu marido e filho (4.2 do pedido de indemnização cível).
43º Em consequência da actuação do arguido, BB sofreu, nos momentos antecedentes à sua morte, temor, horror, sofrimento e dor incalculáveis (14.2 do pedido de indemnização cível).
44º O falecimento de BB causou em CC muito sofrimento e angústia (18.2 do pedido de indemnização cível).
45º CC deparou-se com o cenário causado pelo demandado e presenciou alguns dos momentos antecedentes ao falecimento da vítima (19.2 do pedido de indemnização cível).
46º Circunstância que até aos dias de hoje não consegue esquecer e que lhe causa muito sofrimento e horror (20.2 do pedido de indemnização cível).
47º Para além da vítima ser a mãe do Demandante, este mantinha com aquela uma relação de grande proximidade (21.2 do pedido de indemnização cível).
48º Tinham, um com o outro, uma ligação emocional e afectiva muito forte (22.2 do pedido de indemnização cível).
49º Para além de viverem na mesma habitação (23.2 do pedido de indemnização cível).
50º Conviviam, praticamente, 24horas diárias, atendendo que o Demandante exercia a sua actividade profissional a partir de casa e a vítima era doméstica, trabalhando apenas umas horas fora e passava a maior parte do seu dia em casa (24.2 do pedido de indemnização cível).
51º Para além da relação familiar entre mãe e filho, foi estabelecida entre os dois, uma grande relação de proximidade, apoio e conexão (25.2 do pedido de indemnização cível).
52º O Demandante, desde o fatídico sucedido, convive, diariamente, com o sentimento de saudade, tristeza, angústia, dor e aperto (26.2 do pedido de indemnização cível).
53º O Demandante foi atingido e ferido no seu dedo indicador da mão esquerda nos termos dados por provados em 12.2 (32.2 do pedido de indemnização cível).
54º Em consequência, o Demandante necessitou de tratamento médico-hospitalar, tendo sido assistido no serviço de urgência do Hospital 1, no próprio dia do sucedido (33.2 do pedido de indemnização cível).
55º Demandante teve de ser suturado no dedo indicador esquerdo (34.2 do pedido de indemnização cível).
56º O Demandante, em consequência da mencionada ferida ficou com cicatriz com ligeiro afundamento na face externa da falange distal e média do segundo dedo da mão esquerda (38.º do pedido de indemnização cível).
57º O Demandante convive diariamente com todos os sentimentos de tristeza, dor, pânico e abatimento, face a todo o sucedido e a todos os danos que sofreu (40.º do pedido de indemnização cível).
58º Acresce, ainda, que todo o sucedido, para além de ter tido o conhecimento dos vizinhos e de quem por ali passava em redor da habitação, foi transmitido na comunicação social (41.º do pedido de indemnização cível).
59º Em consequência de todo o sucedido e das circunstâncias em que ocorreu, o Demandante precisou de acompanhamento psiquiátrico e psicológico, que mantém até aos dias de hoje (48.º do pedido de indemnização cível).
60º O Demandante foi assistido em 02-01-2023, em consulta de urgência (episódio de urgência n.º ......99), no Hospital 1 (49.º do pedido de indemnização cível),
61º E em 15-01-2023 (episódio de urgência n.º ......87), no mesmo Hospital (50.º do pedido de indemnização cível).
62º Consultas, estas, que totalizaram a quantia de € 36,00 (trinta e seis euros) (51.º do pedido de indemnização cível).
63º Para além disso, tem vindo a ser acompanhado em consulta de psicologia clínica, no S..., tendo, à presente data, suportado as despesas inerentes às consultas prestadas, conforme segue (52.º do pedido de indemnização cível):
(Das condições pessoais, socioeconómicas do arguido e antecedentes criminais)
64.º A dinâmica intrafamiliar é descrita pelo arguido como tendo sido sempre positiva e gratificante ao longo do tempo, não obstante uma maior proximidade relacional entre o filho e o cônjuge para o que terá contribuído ter de prestar os cuidados necessários ao pai, que padecia de um angioma no cérebro, cuidados que perduraram entre 2000 e 2017.
65.º O facto de o arguido ter tido conhecimento que o filho, tal como ele, padece de vitiligo contribuiu para a fragilidade emocional referida. O arguido obteve o diagnóstico em 1996, após o falecimento da mãe, tendo tido impacto emocional significativo e repercussões ao nível da sua auto-estima e auto-imagem, potenciando situações de humilhação por percepcionar reacções de repulsa nos outros quando olhavam para si.
66.º A situação económica do agregado familiar foi caracterizada como regular encontrando-se o sustento do mesmo a cargo exclusivamente do arguido, o que sempre se constituiu como um factor de grande preocupação para o arguido, revelando grande pressão no sentido de manter o emprego para continuar a garantir e a satisfazer as necessidades da família.
67.º O arguido tem como habilitações literárias o Bacharelato em Engenharia Mecânica.
68.º Exercia funções no sector da facturação, actividade sentida pelo próprio como gratificante e fonte de valorização pessoal.
69.º O arguido que mantinha um quotidiano centrado no convívio com a família mantendo contacto com um grupo restrito de amigos. É descrito por colegas como inteligente, bom colega e pragmático. No entanto, muito reservado no contacto e autocentrado, sendo muito ansioso e com tendência para antecipar sempre situações negativas. É descrito, também, como perfeccionista e irredutível quando convicto de que tem razão.
70.º O arguido apresenta uma narrativa centrada nas preocupações em relação à sua saúde e à possibilidade de ter uma doença grave, denotando, em termos de competências sociais e pessoais, mecanismos de racionalização associados a dificuldades de descentração e de auto-regulação emocional.
71.º O arguido encontra-se no Hospital 2, sem indicação de internamento. Na actualidade, mantém acompanhamento psiquiátrico regular e adere à terapêutica que tem prescrita sentindo-se estável do ponto de vista psíquico. Revela sentimentos de preocupação em relação ao desfecho do processo, mas sobretudo à ausência de contacto com o filho encontrando-se isolado do ponto de vista familiar e com dificuldades em perspectivar-se no futuro. Mantém contacto apenas com um amigo e ex-colega de trabalho, do qual recebe visitas, demonstrando-se solidário com a situação do arguido e disponível para o apoiar ao longo da reclusão.
72.º Em termos institucionais, revela um comportamento adaptado às normas e encontra-se integrado em actividade laboral regular desempenhando funções desde Abril de 2023 na biblioteca.
73.º Do certificado de registo criminal relativo ao arguido, emitido a 10-01-2024, não constam quaisquer condenações.
Mais se provou que:
74.º Após os factos descritos em 9.º a 11.º, o arguido realizou tentativa de suicídio por laceração da região cervical, tendo sido admitido nos serviços de urgência do Hospital 1 no mesmo dia, às 09h39m.
75.º À chegada das autoridades ao local, no móvel localizado à esquerda da porta da entrada da residência, encontrava-se um dossier com a documentação clínica do arguido, aberto, contendo vestígios hemáticos/dedadas.
76.º Além de lamentar os actos cometidos, o arguido manifesta sentimentos de arrependimento e vergonha.»
Objeto e âmbito do recurso
8. O recurso tem, pois, por objeto um acórdão da Relação proferido em recurso, que confirmou a decisão de aplicação de uma pena superior a 8 anos de prisão [cfr. artigos 399.º, 400.º, n.º 1, al. f), e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP].
O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição do tribunal ad quem, delimita-se pelo conteúdo da decisão recorrida e pelas conclusões da motivação (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se for caso disso, em vista da boa decisão de direito, de vícios da decisão recorrida a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), de nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro).
O visa exclusivamente o reexame de matéria de direito (artigo 434.º do CPP), sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º, segundo as quais o recurso de decisões das relações proferidas em 1.ª instância ou de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito, podem ter como fundamentos os vícios e nulidades a que se referem os n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º do CPP (na redação introduzida pela Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro) e a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.
9. Tendo em conta as conclusões da motivação, este Tribunal é chamado a apreciar e decidir:
a. Se o acórdão recorrido sofre de nulidade por omissão de pronúncia (conclusões 1 a 4) e por excesso de pronúncia (conclusões 5 a 8);
b. Se o acórdão recorrido padece do vício de contradição insanável, previsto no art.º 410.º n.º 2 al. b) do CPP (conclusões 9 a 14);
c. Se o acórdão recorrido contém erro de direito ao proceder à qualificação jurídica dos factos provados, por não ter concluído que estes preenchem o tipo legal do crime de homicídio privilegiado previsto no art.º 133.º, mas sim o crime de homicídio qualificado pela circunstância prevista na al. b) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal (conclusões 15 a 23);
d. Se o acórdão recorrido errou na determinação da medida da pena por não ter considerado justificada a atenuação especial da pena, nos termos do artigo 72.º do Código Penal ou por não ter ponderado adequadamente as circunstâncias a que a lei manda atender, nomeadamente as mencionadas no artigo 71.º do Código Penal (conclusões 24 a 36).
Quanto às invocadas nulidades por omissão e excesso de pronúncia [9 (a)]
10. Suscita o recorrente a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, argumentando que era dever do Tribunal da Relação pronunciar-se sobre o pagamento das indemnizações aos ofendidos, já que os artigos 71.º, n.º 2, al. e), e 72.º, n.º 2, al. c), do CP conferem relevância a essa circunstância e não preveem qualquer limite temporal quanto ao momento da sua verificação, devendo, por conseguinte, entender-se que, até à fixação definitiva da pena, os tribunais podem e devem ponderar a reparação do mal causado empreendida pelo agente do crime.
10.1. Dispõe o artigo 379.º, n.º 1, primeira parte, do CPP, que há nulidade por omissão de pronúncia «quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questão ou questões que a lei impõe que o tribunal conheça».
Como se tem sido afirmado em jurisprudência reiterada, a omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, a ausência de tomada de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias relativamente às quais a lei imponha que o juiz tome posição expressa; a pronúncia incide sobre problemas e não sobre motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais10.
10.2. Do acórdão recorrido resulta que o arguido pugnou, em recurso, pelo aditamento à matéria de facto, do seguinte facto: «O arguido, após a leitura do acórdão, procedeu ao pagamento aos demandantes cíveis das indemnizações que lhes foram reconhecidas.»
Tomando posição sobre esta pretensão, o Tribunal da Relação concluiu que a relevância do pagamento das indemnizações ocorrido após a leitura da decisão de que se recorria não podia integrar o objeto do recurso, dizendo:
«A pretensão do arguido de que seja dado como provado que “procedeu ao pagamento aos demandantes cíveis das indemnizações que lhes foram reconhecidas”, está fora do objecto do recurso.
«É que, como o próprio recorrente reconhece o pagamento de tais indemnizações – no facto que pretende aditar ao provado - ocorreram após a leitura do acórdão, ou seja, não foi suscitada no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar.
«Ora, os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu.»
10.3. Ou seja, o tribunal recorrido tomou posição quanto à questão suscitada pelo recorrente, explicando o motivo por que não atendia a sua pretensão, pelo que não ocorre omissão de pronúncia.
Questão diferente é a da divergência do recorrente relativamente ao decidido, i. e., da possibilidade de apreciação da circunstância invocada (a do pagamento das indemnizações) na determinação da medida da pena (infra, 32, 37 e 38).
11. Suscita o recorrente outrossim a nulidade do acórdão por excesso de pronúncia. Para tanto, argumenta que o Tribunal da Relação aditou aos factos provados que o arrependimento do arguido não foi “genuíno”.
11.1. Em síntese, alega o recorrente (conclusões 5 a 8) que acórdão recorrido é igualmente nulo, por excesso de pronúncia, pois que, «de forma explícita, veio alterar a qualificação do arrependimento do arguido considerado provado pela 1.ª instância nos exactos moldes constantes dos pontos 37.º [«O arguido lamenta os factos cometidos»] e 76.º [«Além de lamentar os actos cometidos, o arguido manifesta sentimentos de arrependimento e vergonha»] da fundamentação do acórdão condenatório», ao afirmar que o arrependimento é desmerecedor do advérbio «genuíno», o que «é o mesmo que o considerar como falso ou não provado».
A relação pronunciou-se sobre o «arrependimento» ao apreciar a pretensão de atenuação especial da pena, dizendo «não se divisa nenhuma circunstância mesmo considerando que manifestou sentimentos de arrependimento [«(…) lamentar os actos cometidos, o arguido manifesta sentimentos de arrependimento e vergonha» - cf. ponto 76 do provado] o que não é o mesmo que arrependimento sincero a que alude a al. c) do art.º 72 do CP», e sobre a pena quando afirma que «[o] arrependimento é pois insuficiente desmerecedor do advérbio “genuíno”».
Note-se que no acórdão recorrido não se efetuou qualquer alteração na matéria de facto, sendo os factos provados do acórdão da Relação os mesmos que os descritos no acórdão da 1.ª instância.
11.2. A nulidade por excesso de pronúncia, como disposto no artigo 379.º, n.º 1, segunda parte, do CPP, ocorre somente quando o Tribunal conheça de questão de que não podia conhecer.
Tal não sucedeu na presente situação, pois o problema da apreciação da sinceridade ou genuinidade do arrependimento era questão de que o tribunal devia conhecer, já que respeita à relevância e valoração do arrependimento no processo de sindicância da decisão de determinação da medida da pena a que a Relação estava obrigada para efeitos do artigo 71.º, n.º 2, al. e), e 72.º, n.º 2, al. c), do Código Penal.
Questão diferente é a de, como se verá (infra, 39) saber se o arrependimento demonstrado pelo arguido é ou não merecedor da valoração realizada no acórdão recorrido.
Improcede, pois, a arguição de nulidade por excesso de pronúncia.
Quanto à arguição do vício de contradição insanável da fundamentação [9 (b)]
12. Argumenta o recorrente que a fundamentação do acórdão recorrido enferma do vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. b), do CPP (conclusão 9) por, em síntese, «resultar» «da matéria apurada, bem como das provas que a sustentam» que «o arguido agiu num momento de perturbação súbita, decorrente da doença e cansaço que o afectavam, bem como do sentimento de perda que percepcionou ao ler as mensagens no telemóvel da vítima» (conclusão 10) e que «a decisão criminosa foi irreflectida e violenta, visando pôr termo à vida de ambos e não apenas da vítima, decisão que o arguido executou de forma caótica e desorganizada, ao contrário do que está implícito na fundamentação da decisão recorrida» (conclusão 11), o que «é em si mesmo insanavelmente contraditório» (conclusão 12) com «considerar provado que o arguido agiu de forma lúcida, plenamente consciente do objecto que usava, das zonas do corpo que atingia e imbuído de sentimentos de ciúme, despeito e posse, com indiferença pela vida da vítima e sabendo que utilizava um objecto que impossibilitava a vítima de se defender, bem ciente do que estava a fazer [...]. Tanto mais quando é certo que nenhuma factualidade se demonstrou ou indiciou quanto à existência de quaisquer outros episódios prévios de violência doméstica entre arguido e a vítima» (conclusões 12 e 13).
13. Como se extrai do acórdão recorrido, no recurso para o Tribunal da Relação o arguido impugnou a decisão em matéria de facto, indicando como incorretamente julgados os pontos 14 [«Ao agir da forma descrita, o arguido, plenamente conhecedor das características do objecto que usava, das zonas do corpo que atingia e do facto de tais zonas - pescoço e cabeça – alojarem órgãos vitais, quis tirar a vida à vítima, como logrou fazer (21.2 da acusação)»], 15 [«Fê-lo imbuído de sentimentos de ciúme, despeito e posse (22.2 da acusação)»] e 16 [«E com indiferença pela vida da vítima e sabendo que utilizava um objecto que praticamente a impossibilitava de se defender, bem ciente do que estava a fazer (23.2 da acusação)»] e as provas que, a seu ver, impunham decisão diversa. Concluiu em termos idênticos ao que agora alega nas conclusões 10 e 11 do presente recurso e que, «a manter-se [a] decisão, entende-se que a mesma padeceria do vício de contradição insanável da fundamentação, previsto no art.° 410.º n.º 2 al. b) do CPP» (conclusão 9 do recurso para a Relação).
14. Conhecendo destas questões, afirma o Tribunal da Relação:
a. Quanto ao alegado erro de julgamento da matéria de facto
“Não há qualquer erro de julgamento por o colectivo ter considerado provado conhecer o arguido as “características do objecto que usava” e das zonas do corpo que atingia.
Erro poderia existir se o colectivo, perante um punhal (com 16 cm. de lâmina e 10,5 cm. de cabo) adquirido pelos pais do arguido e trazido por ele para sua casa (como decorre da audição do suas declarações) e guardado como objecto ornamental na cristaleira, é evidente que conhecia as características, e de que se muniu antes de ir ter com a ofendida – circunstância que aponta no sentido de que a intenção de cometer a agressão foi minimamente pensada e desejada e não que foi cometida num mero impulso momentâneo, num estado de incontrolada emoção, ou como diz o recorrente de forma irreflectida – e não lhe falhou também o discernimento de escolher como zona privilegiada para objecto da agressão, a zona da cabeça, atingindo-a, pelo menos, por 5 vezes na face todos com extensão à cavidade oral (“região bocal direita e região bocal esquerda que perfura a parótida e atinge o musculo esterno-cleido-mastoideu ipsilateral” – cf. 10º do provado) e 3 na região cervical.
O que impeliu o arguido à acção foi, como certeiramente se assinala na decisão recorrida, o facto de estar imbuído de «sentimentos de ciúme (…), emoção que se extrai, desde logo, da circunstância de ter atingido a vítima primordialmente no rosto» e que são (tendo em conta as lesões antes mencionadas) bem reveladoras da “raiva” com que actuou.
E é também o que resulta do relatório de perícia médico-legal onde a dado passo se escreve: «à data de prática dos factos, é descrita sintomatologia ansiosa e depressiva; não é descrita ideação delirante ou alteração do estado de consciência, nem nenhuma condição susceptível de a provocar. Também não existe especial relação entre a prática dos factos e a psicopatologia descrita. A prática dos mesmos é melhor explicada pela factualidade relatada (ciúme) do que por qualquer processo psicopatológico».
O facto 16, já decorre do facto 14 e «regras da vivência comum e critérios de razoabilidade, quem, de uma forma livre e consciente, desfere golpes, usando um punhal com 16 cm de lâmina, sobre zona do corpo de outrem onde se alojam órgãos vitais, sabe do sério risco de provocar lacerações nos mesmos, hemorragia e, consequentemente, a morte da pessoa atingida».
Em suma, não se evidenciando qualquer afrontamento às regras da experiência comum, ou qualquer apreciação manifestamente incorreta, desadequada, fundada em juízos ilógicos ou arbitrários, de todo insustentáveis, nenhuma censura pode merecer o juízo valorativo acolhido na decisão recorrida.”
b. Quanto ao alegado vício de contradição insanável da fundamentação
«O recorrente alega, ainda, que o acórdão recorrido padece de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão (cfr.clª 9). Mas trata-se de uma conclusão sem fundamento. Não há, ao longo da motivação do recurso, uma única alegação de contradição entre a fundamentação e a decisão que se suporte no texto do acórdão posto em crise.
O que o recorrente, de facto, afirma, é que a decisão está em oposição com aquilo que ele, recorrente, entende que devia ter sido dado como provado, em resultado da prova que, ainda ele, recorrente, entende ter-se feito em julgamento. O que nada tem a ver com o vício da decisão do artº 410º, nº 2, al. b), do CPP.»
15. Resulta, assim, do exposto que a arguição do vício de contradição insanável da fundamentação reedita a arguição deste vício com respeito ao acórdão condenatório da 1.ª instância, ou seja, diz respeito a matéria já decidida pelo Tribunal da Relação, instância em que se esgota a competência para apreciação em recurso da decisão em matéria de facto (artigo 428.º do CPP, segundo o qual, as relações conhecem de facto e de direito).
Como se tem repetidamente afirmado11, o recurso não serve para conhecer de novo da causa. Não é, no caso, um segundo recurso do acórdão da 1.ª instância, mas um recurso do acórdão da Relação que conheceu daquele recurso, um meio processual – um “remédio processual” – destinado a garantir o direito de reapreciação, noutra instância, de decisões sobre matérias e questões submetidas a decisão do tribunal de que se recorre12, havendo que, na sua disciplina, distinguir dimensões diversas, relacionadas com o fundamento do recurso, com o objeto do conhecimento do recurso e com os poderes processuais do tribunal de recurso, a considerar conjuntamente.
16. Como já se observou (supra, 8), o recurso para o STJ visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º, que dizem respeito aos recursos de decisões das relações proferidas em 1.ª instância e aos recursos de acórdãos proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo, os quais, por força da alteração legislativa da Lei n.º 94/2021, passaram a admitir recurso para o STJ com os fundamentos (vícios da sentença e nulidades processuais) previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º do CPP.
Não sendo o caso – pois que se trata de recurso de acórdão da Relação proferido em recurso, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, al. b), do CPP –, não é admissível recurso para o STJ com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º, sem prejuízo, como se notou, do conhecimento oficioso destes vícios e nulidades, se for caso disso, em vista da boa decisão de direito que possa ser prejudicada ou afetada pela sua subsistência, conforme jurisprudência firme deste tribunal.
Como bem refere o senhor Procurador-Geral Adjunto no Parecer, “[c]omo vem sendo jurisprudência constante deste Supremo Tribunal, a reapreciação da matéria de facto, seja em termos amplos (erro-julgamento) seja no âmbito dos vícios do artigo 410.º do CPP (erro-vício), não pode servir de fundamento ao recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.”
A inadmissibilidade do recurso, nesta parte, determina a sua rejeição nos termos das disposições conjugadas dos artigos 420.º, n.º 1, al. b), 414.º, n.º 2, e 434.º, todos do Código de Processo Penal.
17. Sem prejuízo do que vem de expor e não se identificando qualquer nulidade processual que deva ser conhecida (artigo 410,º, n.º 3, do CPP), impõe-se, porém, averiguar, ainda que de forma sumária, se a decisão recorrida – isto é, insiste-se, o acórdão do Tribunal da Relação – contém algum dos vícios mencionados no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, suscetíveis de afetar as bases da decisão quanto às questões de direito, por a matéria de facto se revelar ostensivamente insuficiente para a decisão [n.º 2, al. a)], por esta assentar em premissas que se mostram contraditórias [n.º 2, al. b)], ou se fundar em manifesto erro de apreciação da prova [n.º 2, al. c)].
Como se tem afirmado em jurisprudência firme e reiterada, os vícios a que se refere o n.º 2 do artigo 410.º do CPP são vícios de lógica do discurso argumentativo da decisão em matéria de facto, que resultam e se manifestam do texto da própria decisão, por si só ou em conjugação das regras da experiência, que não se confundem com erros de julgamento na apreciação da prova e no estabelecimento dos factos provados e não provados, pelo que o seu conhecimento se limita pelo texto da decisão recorrida, não sendo admissível o apelo a elementos exteriores a esse texto13.
Em particular, dada a alegação do recorrente, existirá um erro de contradição insanável da decisão de facto ou entre a fundamentação e aquela decisão sempre que é dado como provado ou não provado um facto e o seu contrário, quando se consideram como provados factos incompatíveis entre si, de modo que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada. Exprime-se aqui uma incoerência, uma oposição, ou incompatibilidade manifesta e insanável entre diferentes passos da motivação da decisão, comprometendo a sua estrutura lógica, de forma inultrapassável pelo tribunal de recurso.
Da indagação oficiosa realizada, examinado o texto do acórdão recorrido em si e à luz das regras da experiência, como impõe o artigo 410.º n.º 2, do CPP, nada se encontra que nele denuncie qualquer dos vícios aí mencionados, nomeadamente uma contradição na decisão de facto ou entre a fundamentação e essa decisão, a qual, note-se, na argumentação do recorrente, resultaria da leitura que faz dos factos provados por contraposição a outros factos provados e não de objetiva incompatibilidade ou oposição entre eles.
Quanto ao alegado erro de direito na qualificação jurídica dos factos [9 (c)]
18. No recurso perante a Relação o arguido contestou a qualificação jurídica dos factos, alegando que:
«10. O Tribunal recorrido (...) não procedeu a um correcto enquadramento jurídico da matéria de facto provada.
11. Pois que a conduta do arguido, considerando a matéria de facto constante da fundamentação, bem como as alterações acima sustentadas, preenche o tipo legal do crime previsto no art.º 133.º do Código Penal.
12. O recorrente agiu num quadro de forte emoção e perturbação, para o qual não contribuiu e que atenua, substancialmente, a sua culpa.
13. Age com compreensível emoção violenta o homem médio, que habitualmente actua de forma normativa, mas que no contexto de doença psíquica de que padecia há vários meses, que o levou a pensar em suicidar-se várias vezes, a última delas apenas três dias antes dos factos, se somou o impacto de tomar conhecimento, imediatamente antes da execução do crime, de que a mulher, alegadamente, manteria um relacionamento extraconjugal, decidindo perante tal pôr termo à vida de ambos.
14. Ainda que assim se não entendesse, sempre a conduta do arguido, globalmente considerada, não seria enquadrável no juízo de especial censurabilidade previsto no n.º 2 al. b) do art.º 132.º do Código Penal.
15. Pois que a motivação do crime – i.e, a perturbação súbita, decorrente da doença e cansaço que o afectavam, bem como do sentimento de perda que percepcionou ao ler as mensagens no telemóvel da vítima - não merece especial censura.
16. A sua actuação foi totalmente descontrolada, impensada, não metódica, ao contrário do que a instância recorrida, infundadamente, considerou.»
19. Conhecendo desta questão, o Tribunal da Relação decidiu e fundamentou a decisão nos seguintes termos:
a) Quanto ao privilegiamento do crime de homicídio (art.º 133.º do CP)
«3.3. Não havendo fundamento para alterar a decisão de facto e sendo sobretudo a alteração dessa decisão o pressuposto de que parte o recorrente para construir a sua tese de ter actuado em circunstâncias “desculpantes” – “o recorrente agiu num quadro de forte emoção e perturbação, para o qual não contribuiu e que atenua, substancialmente a sua culpa” - cai por terra a pretensão do recorrente de integrar a sua conduta na figura do crime de homicídio privilegiado. – cf. clª 11 a 13.
Em todo o caso e a propósito da emoção escreve-se no do AcSTJ de 29/5/2013 (in www.dgsi.pt) numa breve incursão sobre os crimes passionais, citamos:
«(…) Ao direito penal interessam as emoções na medida em que se traduzam em atos externos. Daí que não seja ao direito penal que cabe censurar as emoções (e sentimentos) vividos, antes seja tarefa sua censurar a falta do controlo possível dessas emoções, quando desembocam no ato ilícito. E é pressuposto da culpa a existência de tal controlo, ainda que indireto e parcial, por parte do agente que não tenha sido declarado inimputável. (…)
Com D. González Lagier, diremos depois que, “As emoções não excluem uma eleição antes a possibilitam, mas quanto mais intensas são, mais reduzem o campo de actuação da nossa razão. A nossa razão não vive sem as emoções mas chega uma altura em que se basta a si própria. Se a emoção vai mais além a sua ajuda transforma-se em entorpecimento.” (in “Emociones Responsabilidad y Derecho” Marcial Pons, pag. 149).
E, já no domínio da valoração do comportamento, prossegue aquele autor: “de acordo com a tese clássica, própria da conceção mecanicista, as emoções especialmente intensas diminuem a responsabilidade porque reduzem o controle que temos das nossa acções, e portanto, a nossa culpa. Esta tese, porém, não pode ter em conta as novas figuras que agravam a responsabilidade pelas nossas ações já que motivadas por uma emoção inapropriada”. É referida então a postura, segundo a qual, “o efeito das emoções na responsabilidade penal tem que ver, não com a intensidade da emoção e sim com o seu conteúdo. O relevante é saber se as emoções expressam juízos de valor adequados ou não” (idem, pag. 152).
No fundo, é este o sentido da exigência de que a emoção violenta seja “compreensível” para que opere a atenuante especial do artº 133º do C P.
Em consonância, diz-nos J. Curado Neves que “não é, ou pelo menos não é só, a intensidade da emoção associada, mas a sua compatibilidade com o “código de valores individual” que dita a sua [do agente] passagem à acção (in “A Problemática da Culpa nos Crimes Passionais”, pag. 663).
E já em jeito de síntese final das suas antecedentes considerações, refere este autor a propósito dos crimes passionais: “Como fomos vendo ao longo deste estudo, estes resultam geralmente de um conflito familiar ou amoroso. Na maior parte dos casos o homem mata a mulher que pretende por termo ao matrimónio ou à relação amorosa. Este acto tem normalmente origem em características da personalidade do agente e desenvolvimento da relação. Caracteristicamente o marido ou amante ocupa ou pretende uma posição de superioridade no casal e não consegue suportar a inversão da relação de poderes que culmina no termo da relação por iniciativa da mulher. Neste caso não há razão para desculpar o agente, total ou parcialmente. A pretensão do marido não merece qualquer tipo de protecção, pois ele procura realizar objectivos ilegítimos, como seja a restrição da liberdade da sua parceira, maxime negando-lhe a possibilidade de escolher livremente em que relações amorosas se quer envolver e que tipo de vida familiar pretende levar.” (idem pag. 715)».
O arguido «não só não controlou os seus impulsos, agindo toldado pelo ciúme, como o número de golpes infligidos no corpo da vitima, a circunstância de alguns deles terem sido na face da vítima, bem denota a energia criminosa empregue pelo arguido e a intensidade do seu despeito» donde se conclui, sem sombra de qualquer dúvida, que a emoção podendo caracterizar-se como violenta não pode ser considerada «“compreensível” ou fundamento de diminuição sensível da culpa» como bem sustenta o MP na resposta.»
b. Quanto à qualificação do crime de homicídio (artigo 132.º do CP):
«3.4. Sustenta ainda o arguido não ser a sua conduta globalmente considerada, enquadrável no juízo de especial censurabilidade previsto no nº 2 do art.º 132 do C. Penal - clª 14.
A este respeito expendeu-se na decisão recorrida de mais relevante o seguinte:
“Importa agora apreciar as demais circunstâncias do crime.
O arguido agiu por ciúme e despeito, receando ser abandonado pela mulher e filho e após ter tomado conhecimento, visualizando o telemóvel do cônjuge sem o consentimento ou conhecimento desta – que estava a tomar banho – de uma troca de mensagens entre o cônjuge outro homem que reputou ser de natureza romântica.
Surpreendeu a vítima no interior da residência familiar, enquanto esta se encontrava dentro do poliban, espaço por norma exíguo, a tomar banho e sem imaginar que o arguido tinha visionado as suas mensagens e estava enciumado.
Fez uso de um instrumento com dezasseis centímetros de lâmina para desferir golpes no corpo da mulher. Entre esses golpes, desferiu cinco golpes na sua face e três no pescoço. Os golpes infligidos pelo arguido no rosto da mulher tinham todos extensão até à cavidade oral.
De toda actuação acima descrita sobressai a situação de vulnerabilidade em que a vitima se encontrava (apanhada de surpresa, sem ter possibilidade de antecipar a actuação do arguido e se poder defender), a persistência e firme propósito de matar a mulher (que se extrai do número de golpes infligido); o desprezo pelos esforços defensivos da vítima (que se retira dos ferimentos existentes nas mãos); a motivação subjacente à sua prática e o autocentramento manifestado (sentimentos de ciúme, despeito e posse e receio de abandono); a prática dos mesmos no interior da residência da vítima e onde também se encontrava o filho de ambos.
De tais elementos não pode o tribunal senão concluir que a conduta empreendida revela uma atitude profundamente rejeitável, reveladora de motivos e sentimentos absolutamente rejeitados pela sociedade, reconduzindo-se a uma atitude especialmente censurável tal como exigido pelo artigo 132.º, n.º 2, do Código Penal.
Os laços familiares do arguido com a vítima deveriam ter-se constituído como factores inibitórios acrescidos, e a relação conjugal existente confere ao crime uma especial censurabilidade, determinante para qualificar o homicídio, tanto mais que as agressões mortais tiveram origem precisamente no receio do arguido de que a vítima pusesse em causa a referida relação.
Deste modo, também se tem por inequivocamente verificada a circunstância prevista na alínea b) do artigo 132.º, n.º 2, do Código Penal».
Considerações que subscrevemos, limitamo-nos a acrescentar citando o AcSTJ de 14/1/2016, (que por seu turno cita o acórdão do mesmo tribunal proferido no Proc. n.º 508/10.0JAFUN, da 5.ª Secção), «o passado de relacionamento afectivo entre arguido e vítima deveria, em condições de normalidade, constituir um refreamento para quaisquer impulsos agressivos», sendo «na ultrapassagem desse travão que se revela uma atitude especialmente censurável.»
Nenhuma censura merece pois a qualificação dos factos.
Como tal, a conduta do recorrente só pode ser, como foi, subsumível ao crime de homicídio qualificado p. e p. pelo artºs 131 e 132 al. b) do CP.»
20. O recorrente suscita a questão de um erro na qualificação jurídica numa dupla vertente: alega que não ocorre a especial perversidade ou censurabilidade necessária à realização do homicídio qualificado e que dos factos provados resulta o privilegiamento do homicídio.
Repete, ipsis verbis, a argumentação perante o Tribunal da Relação (as conclusões 15 a 21 correspondem às conclusões 10 a 16 do recurso para a Relação), que agora se considera dirigida ao acórdão da Relação, acrescentando, nesta parte, o que consta das conclusões 22 e 23:
«O caso dos autos trata-se, pois, de uma situação limite, em que para o agente do crime já nada faz sentido e a qual não pode ser explicada apenas por uma mera reacção de ciúme ou de vingança» e «Daí que não se justifique a qualificação do crime, à semelhança do que sucedeu, por exemplo, no caso a que se refere o Ac. do STJ de 07-11-2019, Proc.: 139/18.6JAFUN.L1.S1, Relator Cons. Júlio Pereira, in www.dgsi.pt).
Concluindo, a final, que foram violados os artigos 131.º, 132.º n.º 2 e 133.º, do Código Penal.
(cont.). Do crime de homicídio privilegiado
21. Sustenta o recorrente que o seu facto realiza o tipo de crime do artigo 133.º do CP, dado ter sido motivado por «compreensível emoção violenta».
Tal emoção, segundo alega, infere-se do contexto em que atuou e para o qual não contribuiu: um quadro clínico depressivo com ideações suicidas e a descoberta, fortemente perturbadora, de que a mulher, supostamente, manteria um relacionamento extraconjugal.
22. Dispõe o artigo 133.º do Código Penal que «Quem matar outra pessoa dominado por compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral, que diminuam sensivelmente a sua culpa, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos».
Como se tem considerado, o tipo de crime de homicídio privilegiado da previsão do artigo 133.º do Código Penal, construído, tal como o tipo de crime de homicídio qualificado, a partir do tipo fundamental do artigo 131.º, assenta na consideração, inversa, de circunstâncias que «diminuam sensivelmente a culpa do agente», nomeadamente a emoção violenta14. Cobre os casos em que, não obstante a ilicitude e a culpabilidade do facto, a motivação do agente, por “emoção violenta”, é “compreendida”, na presença de determinados requisitos15.
Uma vez que, à luz do artigo 133.º, para se dar o privilegiamento, a emoção violenta com que o agente praticou o ato tem de ser “compreensível”, não basta o efeito de limitação da capacidade do agente de se refrear, exigindo-se ainda a compreensibilidade da motivação subjacente à emoção16. A razão para a atenuação da culpa está na compreensibilidade da emoção e não na sua intensidade17.
Para que a diminuição da culpa possa ocorrer torna-se necessário, desde logo, que o agente cometa o crime sob um estado emocional que dele se apoderou provocado por uma situação pela qual não pode ser censurado, em reação agressiva a essa situação18.
Tem sido jurisprudência firme do STJ que a atribuição de um efeito mitigador da responsabilidade criminal ao ciúme ou à desconfiança do agente sobre a fidelidade do cônjuge «é absolutamente de rejeitar no ordenamento jurídico de um Estado de Direito democrático»19. O direcionamento, com base neles, de ações violentas contra outrem, que o agente tem o dever de controlar, expressa um sentimento de posse ou uma incapacidade que não podem merecer valoração positiva.
Não pode, pois, admitir-se ter havido, no caso, compreensível emoção violenta.
23. Como se considerou no acórdão de 02.02.2022, Proc. n.º 74/21.GBRMZ.S1 (em www.dgsi.pt), «[o]s crimes ligados «a um estado de afecto particularmente intenso” (v. g. o ciúme ligado à paixão)20 remete «para a figura do crime de homicídio por “razões passionais”, para o “homicídio passional”, entendido como “cometido, em regra, repentinamente, na sequência de um impulso emocional súbito”21» – crimes cometidos em «estados passionais», como os causados pelo ciúme, suscetíveis de dar origem a reações muito diversas22, nomeadamente a “emoções violentas”, habitualmente de curta duração (furor brevis)23], – os quais, «pelas possibilidades de perturbação ou interferência na liberdade da formação e execução da vontade criminosa, podem relevar, não para a agravação da culpa, mas para a sua atenuação, por verificação dos requisitos do crime de homicídio privilegiado, em virtude de o agente ter agido “dominado por compreensível emoção violenta” (artigo 133.º do Código Penal), ou, mesmo, para a exclusão, nos casos mais graves (inimputabilidade, por traduzirem “perturbações profundas da consciência”, excesso de legítima defesa desculpante e estado de necessidade desculpante – artigos 20.º, 33.º e 35.º do Código Penal). (…) Enquanto expressão de sentimentos profundos e complexos, determinados pela perda ou pelo receio ou medo, real ou imaginário, de perda da pessoa a quem o agente se encontra afetivamente ligado, o ciúme traduz-se, como revelam os estudos da área da psicologia, num estado envolvendo emoções, reações e comportamentos muito diversos. (…) Embora podendo justificar uma atenuação (ou exclusão) da culpa, nos casos mencionados, o estado emocional gerado pelo ciúme, traduzido em comportamento violento, pode dar lugar a situações que devam ser mais gravemente censuradas, por revelarem especial perversidade ou censurabilidade, nos termos do artigo 132.º do Código Penal. O que exigirá uma avaliação global do facto que permita identificar outras circunstâncias relevantes (…) que possam relacionar-se com esse estado emocional (…). (…) Como se afirmou no acórdão de 31.1.2012 (Maia Costa), proc. 894/09.4PBBRR.S1, “(...) O estado de paixão (e concretamente o ciúme) envolve necessariamente as energias da pessoa, domina-a, determina em grande medida o seu comportamento (…) É óbvio que o motivo passional não poderá nunca ser valorado positivamente, em termos atenuativos, gerais ou especiais, como por vezes se pretende. Mas o mesmo se dirá em termos de qualificação do crime. Para que o homicídio possa ser qualificado como de especial censurabilidade ou perversidade é necessário que haja outras circunstâncias que a revelam, que não a mera intenção de eliminar o ‘rival’24.
Embora a emoção tenha surgido pela perceção de infidelidade que revela o ciúme e desencadeia o impulso de reação violenta, o agente continua, nestes casos, a ser censurado por não ter controlado esse impulso, de uma forma minimamente ponderada, em respeito por valores jurídico-penalmente protegidos (a vida humana, no caso de homicídio) que, nas relações hierárquicas de «estrutura valorativa», se lhe impõem no sentido de não realizar ou evitar a prática do facto. Não havendo relevante motivo legítimo25 que possa explicar a reação violenta, não pode o facto criminoso, gerado pela emoção, beneficiar da compreensibilidade que justifica a atenuação da culpa sobre a qual se constrói o tipo de crime de homicídio privilegiado da previsão do artigo 133.º do Código Penal.
24. Note-se, ademais, que a resposta teria de ser a mesma caso a pretensão fosse a de reconduzir esta situação à cláusula de «desespero» do mesmo artigo 133.º, que não exige que este seja «compreensível».
Tratando-se sempre, no homicídio privilegiado, de aplicar uma moldura penal mais favorável por razões de (menor) culpa, também o efeito mitigador do desespero há de pressupor a diminuição da censura que o agente merece e em nenhuma outra disposição do CP se basta a lei com o efeito psicológico da emoção sobre o agente, sempre se conferindo relevância à motivação ou valor a ela associado26. O efeito privilegiador da emoção só pode dar-se se ela explica o ato, não apenas causal ou naturalisticamente, mas também na dimensão normativamente relevante para a aplicação do critério legal.
Ora, o recorrente sustém que atuou num quadro depressivo pelo qual não era responsável. Tão-pouco era, no entanto, responsável a sua esposa.
Como se extrai dos factos provados, o agente canalizou todo o dito sentimento de «desespero» para um ato dirigido contra uma pessoa cujos atos, quando muito, explicariam apenas uma parte desse sentimento.
Assim, não se vê que seja possível concluir que o homicídio foi motivado por desespero para efeitos de aplicação do artigo 133.º
25. Considerou-se a este propósito no acórdão (em sumário) de 03.10.2007, Proc. 07P2791 (citado no parecer do Ministério Público – supra 4), numa situação com aspetos de semelhança27:
«I - O homicídio privilegiado assenta, como acentua Figueiredo Dias (Comentário Conimbricense do Código Penal, vol. I, pág. 47), numa cláusula de exigibilidade diminuída, concretizada em certos “estados de afecto”, vividos pelo agente, que diminuam sensivelmente a sua culpa. II - Constituem esses elementos privilegiadores a compreensível emoção violenta, a compaixão, o desespero, ou o motivo de relevante valor social ou moral. III - A compreensível emoção violenta é um estado de afecto provocado por uma situação pela qual o agente não é responsável. Ela é, de certo modo, a resposta a uma provocação e, nessa medida, ela pode diminuir de forma sensível a culpa do agente. Mas terá de ser compreensível, exigência adicional de pendor objectivo não extensível aos outros elementos privilegiadores. IV - Quanto ao desespero, ele abrangerá os estados de afecto asténicos, como a angústia e a depressão. (…) VII – (…) a verificação do elemento privilegiador não basta para permitir a integração do crime no art. 133.º do CP. «Os estados ou motivos assinalados pela lei não funcionam por si e em si mesmos (hoc sensu, automaticamente), mas só quando conexionados com uma concreta situação de exigibilidade diminuída por eles determinada; neste sentido é expressa a lei ao exigir que o agente actue ‘dominado’ por aqueles estados ou motivos” (cf. Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, vol. I, pág. 48). VIII - A ponderação da diminuição sensível de culpa, da diminuição da exigibilidade de conduta diferente, é indispensável para subsunção dos factos ao art. 133.º do CP: só se o “estado de afecto” que determina o crime for de molde a atenuar sensivelmente a exigibilidade de conformidade com o direito, mitigando notavelmente a culpa, o homicídio pode ser privilegiado. IX - Tal ponderação terá de ser realizada à luz do que seria exigível a alguém colocado naquelas circunstâncias concretas; doutra forma, poderia dar-se relevância atenuativa a reacções violentas desproporcionadas e extravagantes, ou a condutas completamente reprováveis, com o álibi de serem desencadeadas por “estados de alma” fortemente emotivos. X - Não se verifica, in casu, uma situação de exigibilidade diminuída, de diminuição sensível da culpa, pois que ao arguido era exigível comportamento diferente. A reacção violenta do arguido, ainda que eventualmente desencadeada por desespero, não pode receber a cobertura do art. 133.º do CP, porque sobre o arguido recaía o dever de respeitar as decisões da mulher, como pessoa dotada de autonomia plena, e consequentemente tinha o dever de autocontrolar as suas emoções.»
26. Em presença do que vem de se expor, estando provado que, não obstante o «quadro psicopatológico de depressão e ansiedade generalizada» (facto 4) em que se encontrava (nas circunstâncias referidas nos factos 19 a 33), o arguido, «ao agir da forma descrita, (…) plenamente conhecedor das características do objecto que usava, das zonas do corpo que atingia e do facto de tais zonas - pescoço e cabeça – alojarem órgãos vitais, quis tirar a vida à vítima, como logrou fazer», «fê-lo imbuído de sentimentos de ciúme, despeito e posse (…) e com indiferença pela vida da vítima e sabendo que utilizava um objecto que praticamente a impossibilitava de se defender, bem ciente do que estava a fazer» e que «quis desferir, como desferiu, os referidos golpes com o punhal e provocar, com isso, a morte da vítima», verifica-se, em concordância com o Ministério Público, que não merece censura a conclusão do acórdão recorrido de que «sem sombra de qualquer dúvida, (…) a emoção [do arguido] podendo caracterizar-se como violenta não pode ser considerada «“compreensível” ou fundamento de diminuição sensível da culpa» para efeitos de preenchimento do tipo de crime de homicídio privilegiado p. e p. pelo artigo 133.º do Código Penal.
Em consequência do que improcede o recurso nesta parte.
27. Assim sendo, haverá que verificar se o crime de homicídio se deve considerar qualificado pela circunstância de agravação da culpa prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal.
(cont.): Quanto à qualificação do crime de homicídio
28. Alega o recorrente que o seu crime não merece o juízo de especial censurabilidade nem revela a perversidade mencionadas no artigo 132.º, n.º 1, do CP, pois a perturbação súbita que o tomou, devida tanto à doença e ao cansaço como ao sentimento de perda provocado pela leitura das mensagens no telemóvel da vítima, levou-o a uma atuação impensada, e não metódica ou calculada, explicada apenas por ciúme ou vingança.
Importa lembrar que o arguido vem condenado pela prática do crime de homicídio qualificado p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º do CP com fundamento na verificação do exemplo-padrão indiciador de especial censurabilidade ou perversidade previsto na al. b) do n.º 2 deste preceito, isto é, por ter praticado o facto contra o seu cônjuge.
29. O acórdão recorrido vem, nesta parte, assim fundamentado:
“Sustenta ainda o arguido não ser a sua conduta globalmente considerada, enquadrável no juízo de especial censurabilidade previsto no nº 2 do art.º 132 do C. Penal - clª 14.
A este respeito expendeu-se na decisão recorrida de mais relevante o seguinte:
«Importa agora apreciar as demais circunstâncias do crime.
O arguido agiu por ciúme e despeito, receando ser abandonado pela mulher e filho e após ter tomado conhecimento, visualizando o telemóvel do cônjuge sem o consentimento ou conhecimento desta – que estava a tomar banho – de uma troca de mensagens entre o cônjuge outro homem que reputou ser de natureza romântica.
Surpreendeu a vítima no interior da residência familiar, enquanto esta se encontrava dentro do poliban, espaço por norma exíguo, a tomar banho e sem imaginar que o arguido tinha visionado as suas mensagens e estava enciumado.
Fez uso de um instrumento com dezasseis centímetros de lâmina para desferir golpes no corpo da mulher. Entre esses golpes, desferiu cinco golpes na sua face e três no pescoço. Os golpes infligidos pelo arguido no rosto da mulher tinham todos extensão até à cavidade oral.
De toda actuação acima descrita sobressai a situação de vulnerabilidade em que a vitima se encontrava (apanhada de surpresa, sem ter possibilidade de antecipar a actuação do arguido e se poder defender), a persistência e firme propósito de matar a mulher (que se extrai do número de golpes infligido); o desprezo pelos esforços defensivos da vítima (que se retira dos ferimentos existentes nas mãos); a motivação subjacente à sua prática e o autocentramento manifestado (sentimentos de ciúme, despeito e posse e receio de abandono); a prática dos mesmos no interior da residência da vítima e onde também se encontrava o filho de ambos.
De tais elementos não pode o tribunal senão concluir que a conduta empreendida revela uma atitude profundamente rejeitável, reveladora de motivos e sentimentos absolutamente rejeitados pela sociedade, reconduzindo-se a uma atitude especialmente censurável tal como exigido pelo artigo 132.º, n.º 2, do Código Penal.
Os laços familiares do arguido com a vítima deveriam ter-se constituído como factores inibitórios acrescidos, e a relação conjugal existente confere ao crime uma especial censurabilidade, determinante para qualificar o homicídio, tanto mais que as agressões mortais tiveram origem precisamente no receio do arguido de que a vítima pusesse em causa a referida relação.
Deste modo, também se tem por inequivocamente verificada a circunstância prevista na alínea b) do artigo 132.º, n.º 2, do Código Penal».
Considerações que subscrevemos, limitamo-nos a acrescentar citando o AcSTJ de 14/1/2016, (que por seu turno cita o acórdão do mesmo tribunal proferido no Proc. n.º 508/10.0JAFUN, da 5.ª Secção), «o passado de relacionamento afectivo entre arguido e vítima deveria, em condições de normalidade, constituir um refreamento para quaisquer impulsos agressivos», sendo «na ultrapassagem desse travão que se revela uma atitude especialmente censurável.»
Nenhuma censura merece pois a qualificação dos factos.
Como tal, a conduta do recorrente só pode ser, como foi, subsumível ao crime de homicídio qualificado p. e p. pelo artºs 131 e 132 al. b) do CP.”
30. Como afirmado em jurisprudência constante28, o crime de homicídio qualificado, p. e p. nos termos dos artigos 131.º e 132.º do Código Penal, constitui um tipo qualificado por um critério generalizador de especial censurabilidade ou perversidade, determinante de um especial tipo de culpa mediante uma cláusula geral concretizada na enumeração dos exemplos-padrão enunciados no n.º 2 deste preceito, indiciadores daquele tipo de culpa, projetada, documentada e revelada no facto, cuja confirmação se deve obter, no caso concreto, pela ponderação, na sua globalidade, das circunstâncias do facto e da atitude do agente29.
A propósito dos conceitos normativos de «especial censurabilidade e perversidade» (artigo 132.º, n.º 1, do Código Penal), escreveu-se no acórdão de 27.11.2019 30: «a ideia de censurabilidade constitui o conceito nuclear sobre o qual se funda a concepção normativa da culpa. Culpa é censurabilidade do facto ao agente, isto é, censura-se ao agente o ter podido determinar-se de acordo com a norma e não o ter feito. No artigo 132.º, trata-se de uma censurabilidade especial: as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores... Com a referência à especial perversidade, tem-se em vista uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada e constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade. (…). Especialmente perversa, especialmente rejeitável, será então a atitude na qual as tendências egoístas ganharam um predomínio quase total e determinaram quase exclusivamente a conduta do agente... Importa salientar que a qualificação de especial se refez tanto à censurabilidade como à perversidade. A razão da qualificação do homicídio reside exatamente nessa especial censurabilidade ou perversidade revelada pelas circunstâncias em que a morte foi causada. Com efeito, qualquer homicídio simples, enquanto lesão do bem jurídico fundamental que é a vida humana, revela já a censurabilidade ou perversidade do agente que o comete».
E sobre o tipo de culpa agravado do artigo 132.º considerou-se no acórdão de 19.2.2014 (Proc. 168/11.0GCCUB.S1, cit., apud mesmo acórdão de 12.07.2018): «Refere Silva Dias (...) que a verificação do exemplo padrão do n.º 2 do art. 132.º não implica, apenas indicia, a presença de um caso de especial censurabilidade ou perversidade. Tal indício, e não mais do que isso, tem de ser confirmado através de uma ponderação global das circunstâncias de facto e da atitude do agente nele expressas. (...) O que determina a agravação é sempre um acentuado desvalor da atitude do agente, quer o mesmo se exprima numa maior intensidade do desvalor da acção, quer numa motivação especialmente desprezível. A qualificação do homicídio tem como fundamento a culpa agravada que o agente revela com a sua atuação, sendo um tipo de culpa. (…) O juízo de censura, ou desaprovação, é susceptível de se revelar maior ou menor sendo, por natureza, graduável e dependendo sempre das circunstâncias concretas em que o agente desenvolveu a sua conduta, traduzindo igualmente um juízo de exigibilidade determinado pela vinculação de cada um a conformar-se pela actuação de acordo com as regras estipuladas pela ordem jurídica superando as proibições impostas. (...) O especial tipo de culpa do homicídio qualificado é conformado através da especial censurabilidade ou perversidade do agente. Como refere Figueiredo Dias a lei pretende imputar à especial censurabilidade aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção ao nível da atitude do agente de formas de realização do acto especialmente desvaliosas e à especial perversidade aquelas em que o juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades do agente especialmente desvaliosas. Enumera o normativo em análise um catálogo dos exemplos padrão e o seu significado orientador como demonstrativo do especial tipo de culpa que está associado à qualificação».
31. A atual alínea b) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal resulta da alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, com o propósito de incluir novas circunstâncias na enumeração do n.º 2 do artigo 132.º, nomeadamente a relação conjugal, sem qualquer modificação de alcance ou de sentido da justificação da construção e definição do tipo qualificado de homicídio previsto neste preceito31.
A criminalização destas condutas inseriu-se na linha dos trabalhos que conduziram à adoção da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (Convenção de Istambul)32, a qual inclui na «violência doméstica» os atos de violência física de que resulte a morte da vítima (artigo 35.º da Convenção), como se explicita no respectivo relatório explicativo (n.º 188). Na acepção da convenção, o conceito de violência doméstica abrange as situações que podem constituir os crimes de homicídio qualificado [artigo 132.º, n.º 2, por verificação da especial censurabilidade ou perversidade com base na al. b)] e de violência doméstica [artigo 152.º, n.º 1, al. b)].
32. Escreveu-se a este propósito no acórdão de 05.07.201233, que agora se acompanha:
«O exemplo-padrão em causa tem um evidente paralelismo com o da al. a), acerca do qual escreveu Figueiredo Dias: “Não parece exacto (…) que nestes casos «não é necessária nenhuma motivação especial do agente para que o homicídio seja qualificado. Basta que o agente tenha consciência da sua relação de parentesco com a vítima…». Exacto é, pelo contrário, que ainda nestas hipóteses se exige que a prática do homicídio revele uma especial censurabilidade ou perversidade do agente, indiciada (mas não «automaticamente» verificada) por aquele ter vencido «as contra-motivações éticas relacionadas com os laços de parentesco” (Comentário, I, pág, 29). (…) a especial censurabilidade ou perversidade resulta da “particular energia criminosa revelada na ultrapassagem de especiais deveres ético-sociais de respeito inerentes a tais tipos de relacionamento” (…). Conforme acentua Fernando Silva (…): “A relação matrimonial assenta a sua vinculação na comunhão de vida, que pressupõe, principalmente, uma união pessoal. Os cônjuges, pelo enlace matrimonial, assumem um conjunto de poderes-deveres que os coloca numa especial relação, pressupondo um respeito e cooperação mútuos. A comunhão de vida que caracteriza a relação conjugal faz emergir uma nova realidade, a de um casal que vive em comunhão afectiva. Aos cônjuges exige-se uma especial e recíproca protecção, pelo que a atitude de actuar, lesando a vida do outro, é reveladora de uma energia criminal susceptível de um elevado grau de censura. A decisão de matar o cônjuge traduz, desde logo, a manifestação de um comportamento especialmente grave, próprio de quem vence contramotivações acrescidas, manifestando um elevado grau de culpa, na medida em que o agente, ao cometer tal facto, contraria, em absoluto, aquela que deveria ser a sua atitude perante o seu cônjuge.”»34.
33. O efeito de qualificação atribuído à circunstância de a vítima ser cônjuge do agente «decorre de uma exigência intensificada de respeito pela vida do outro com quem se resolveu constituir família ou formar uma comunhão de vida. A morte dolosa do cônjuge ou do companheiro comporta, em regra, uma quebra radical da solidariedade que é em princípio devida pelo agente à vítima. O que normalmente será susceptível de indiciar uma especial perversidade, fundada num pesado desvalor de atitude revelado por esta perversão da relação dialógica do “ser-com-o-outro” e do “ser-para-o-outro”». Trata-se, todavia, de um indício «que carece de confirmação pela imagem global do facto, sendo as relações conjugais um campo privilegiado para a derrogação qualificadora do exemplo-padrão», «seja porque a morte é dada por razões de solidariedade e de compaixão, como sucede de modo paradigmático no caso daquele que tira a vida ao cônjuge para o libertar de dores atrozes e irreversíveis; seja porque a vítima tudo fez para desmerecer a solidariedade do agente, sujeitando-o com regularidade a maus tratos e humilhações, aparecendo o homicídio, na perspectiva do cônjuge maltratado, como um meio, porventura único, de se libertar da opressão a que se encontra sujeito»35.
34. O sentido e alcance do âmbito de proteção penal da relação entre os cônjuges, nos termos que vêm de se expor, tendo em conta a matéria de facto provada, que afasta qualquer circunstância de derrogação da qualificação do homicídio, conduz, decisivamente, à conclusão de que não pode deixar de considerar-se preenchida a circunstância prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal.
A especial censurabilidade sustenta-se na maior energia criminosa revelada na ultrapassagem de particulares deveres ético-sociais de respeito inerentes a relacionamentos como o dos cônjuges. A aproximação afetiva entre os companheiros favorece uma desinibição e familiaridade entre eles que mais facilmente se acentua quando há coabitação prolongada por muitos anos, como no caso presente. Tal propicia também um contexto de maior exposição e vulnerabilidade, que contribui para reforçar os deveres de proteção e cuidado que vinculam os cônjuges.
A ação do agente traduziu, neste caso, uma “quebra brutal, por ciúme, de uma relação de solidariedade e entreajuda criada por uma longa relação de coabitação”36.
Não releva, para este efeito, saber se o ato foi mais pensado ou calculado, ou antes resultante de impulso súbito, pois que, de um modo ou de outro, sempre se pode concluir que o agente venceu as contra-motivações éticas associadas ao laço matrimonial. Este, no contexto de vida apresentado na matéria de facto provada, mantinha força plena (note-se que os cônjuges não estavam separados, nem se provou que a relação entre eles se houvesse tornado particularmente conflituosa em resultado do quadro depressivo do recorrente, nem outra circunstância que pudesse levar a pôr em causa a força dos deveres conjugais).
Em suma, também neste ponto improcede o recurso.
Quanto à determinação da medida da pena
35. Pretende o recorrente que a pena seja especialmente atenuada ou que a pena aplicada se situe no primeiro quarto da moldura penal, e que tal não sucedeu por não haver o tribunal da Relação atendido devidamente às circunstâncias que pesavam a favor do arguido, como sejam o pagamento das indemnizações feito após a leitura do acórdão, o arrependimento sincero, as suas circunstâncias pessoais – mormente, o seu estado de saúde ou a ausência de antecedentes – e o desespero que o motivou à prática do facto, apelando, por último, ao referente jurisprudencial.
36. A determinação da medida da pena vem fundamentada nos seguintes termos:
«3.5. A pretensão do arguido de ser condenado numa pena especialmente atenuada - cf. clª 17 e ss – também está votada ao insucesso.
A atenuação especial é possibilitada - para além dos casos expressamente previstos na lei, o que não é o nosso caso - pela existência de circunstâncias anteriores contemporâneas ou posteriores ao crime que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade de pena.
Ora não se divisa nenhuma circunstância mesmo considerando que manifestou sentimentos de arrependimento [ «(…) lamentar os actos cometidos, o arguido manifesta sentimentos de arrependimento e vergonha» - cf. ponto 76 do provado] o que não é o mesmo que arrependimento sincero37 a que alude a al. c) do art.º 72 do CP (não podendo ser o alegado pagamento das indemnizações cíveis considerado) susceptível de diminuir de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do recorrente ou a necessidade da pena com base no regime consagrado no art.º 72 do Código Penal38.
É, portanto, no quadro da moldura penal agravada que a questão colocada da medida concreta da pena, pelo homicídio, deve ser apreciada.
4. Medida da pena – comum a ambos os recorrentes
A dosimetria concreta da pena nos termos dos artºs. 71°, nº 1 e 2, do Código Penal, deve respeitar os limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, considerada a finalidade das penas indicada no art. 40°, do C. Penal, havendo ainda que atender a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo do crime, possam depor a favor do arguido ou contra ele, designadamente, às enunciadas exemplificativamente no art. 71.º, n.º 2, do C. Penal.
No entanto, a pena tendo como suporte axiológico uma culpa concreta, a sua individualização pressupõe proporcionalidade entre a pena e a culpabilidade, e não esquecendo as exigências de prevenção e de reprovação do crime, a execução deve nortear-se num sentido pedagógico e ressocializador e, em caso algum, a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa, sob pena de violação do princípio" de proibição de excesso" ( art. 40.º, n.º 2, do C. Penal ).
Na concretização dessas circunstâncias, expendeu-se no acórdão recorrido:
“(…) para o caso em apreço, atender-se-á, desde logo, às necessidades de prevenção geral positiva ou de integração (na afirmação, reforço e reposição da validade das normas violadas). Estas são extremamente elevadas, considerando a natureza do bem jurídico tutelado: a vida humana, supremo bem do indivíduo e igualmente um bem da colectividade e do Estado, a que acresce, no caso, a circunstância de ter sido ceifada num contexto de conjugalidade. Trata-se de valores basilares da vida em sociedade, cuja violação tem de ser fortemente sancionada, sobretudo se tivermos em consideração que ocorrências com esta gravidade causam forte, compreensível e máximo alarme, obrigando a que a pena, tendo sempre como limite a culpa do arguido, seja aplicada e fixada de forma a não defraudar as expectativas da sociedade, fazendo-a continuar a acreditar na eficácia do ordenamento jurídico.
Nos crimes contra a vida das pessoas, a natureza da ofensa, o modo e a intensidade da agressão, o meio utilizado, a gravidade das lesões causadas e o grau de culpa da vítima são elementos decisivos na ponderação pressuposta pelo citado artigo 71.º.
São, por tudo isto, também prementes as exigências de prevenção geral, mostrando-se ainda se necessária também uma dissuasão individual sem a qual se não conseguirá uma verdadeira dissuasão comunitária sendo, pois, prementes também as exigências de prevenção especial.
No caso, a ilicitude é extremamente elevada. O arguido, tal como acima se referiu, surpreendeu a vítima no interior da sua residência (último reduto da sua intimidade) enquanto esta se encontrava a tomar banho, numa situação de vulnerabilidade. Além disso fez uso de um instrumento com dezasseis centímetros de lâmina para desferir golpes no corpo da mulher. Entre esses golpes, desferiu cinco golpes no rosto da vítima, todos extensão até à cavidade oral, além de três no pescoço. Este modo de actuação terá de ser considerado na medida da pena por particularmente censurável, e, tendo-se considerado não integrante das qualificativas previstas nas alíneas d) e e) do artigo 132.º, n.º 2, do Código Penal, pelos motivos já enunciados, tem-se por assegurado o cumprimento da proibição da dupla valoração.
A culpa é igualmente intensa. O arguido não só não controlou os seus impulsos, agindo toldado pelo ciúme, como o número de golpes infligidos no corpo da vítima, a circunstância de alguns deles terem sido na face da vítima, bem denota a energia criminosa empregue pelo arguido e a intensidade do seu despeito. O arguido encontrava-se fragilizado por um quadro psicopatológico caracterizado por humor deprimido, angústia, ansiedade generalizada com episódios de pânico, insónia e conteúdo do pensamento pessimista e negativista. É de admitir que a percepção de que poderia ser abandonado pela sua mulher e filho neste contexto possa ter interferido no seu processo de reflexão sobre o empreendimento da acção, sem prejuízo da capacidade de avaliação da ilicitude dos factos e liberdade de determinação perante a mesma que mantinha plenamente intacta. O facto de o arguido ter tido conhecimento que o filho, tal como ele, padece de vitiligo também contribuiu para a fragilidade emocional referida dado o impacto emocional significativo que a doença teve em si próprio.
No que respeita às exigências de prevenção especial, o arguido tinha 55 anos de idade à data da prática dos factos (actualmente tem 56 anos) e não tem quaisquer antecedentes criminais, o que denota percurso vivencial conforme ao direito.
Exercia funções profissionais na mesma entidade desde 1990, onde desempenhava um cargo de chefia, actividade sentida pelo próprio como gratificante e fonte de valorização pessoal.
Mantinha um quotidiano centrado no convívio com a família mantendo contacto com um grupo restrito de amigos. É descrito por colegas como inteligente, bom colega e pragmático, e igualmente como muito ansioso e com tendência para antecipar sempre situações negativas. É descrito, também, como perfeccionista e irredutível quando convicto de que tem razão. Encontra-se no Hospital 2, sem indicação de internamento, mantendo acompanhamento psiquiátrico regular, com adesão à terapêutica prescrita, sentindo-se estável do ponto de vista psíquico. Revela sentimentos de preocupação em relação ao desfecho do processo, mas sobretudo à ausência de contacto com o filho encontrando-se isolado do ponto de vista familiar e com dificuldades em perspectivar-se no futuro, ressalvado o apoio de que beneficia de um colega. Em termos institucionais, revela um comportamento adaptado às normas e encontra-se integrado em actividade laboral regular desempenhando funções desde Abril de 2023 na biblioteca.
Além destes elementos, favoráveis ao arguido, é de salientar ter que o mesmo manifestou arrependimento genuíno, que se extrai também da circunstância de ter realizado tentativa de suicídio por laceração da região cervical, tendo sido admitido nos serviços de urgência do Hospital 1 no mesmo dia.
Pese embora tal arrependimento, o arguido evidencia dificuldade em distanciar-se das preocupações em relação à sua saúde e à possibilidade de ter uma doença grave, porventura numa tentativa de imputar a uma causa externa a prática de factos de natureza tão violenta como praticou. Denota, em termos de competências sociais e pessoais, mecanismos de racionalização associados a dificuldades de descentração e de auto-regulação emocional. Aliás, esta dificuldade de descentramento também se extrai da circunstância de ter sido encontrado junto à entrada, à chegada das autoridades ao local, um dossier com a documentação clínica do arguido, contendo vestígios hemáticos/dedadas que apenas poderão ter sido apostas pelo arguido pois era a única pessoa ainda no interior da habitação.
Ponderando os acima enunciados elementos de ilicitude e culpabilidade, reputa-se adequado condenar o arguido na pena parcelar de 17 (dezassete) anos e 6 (seis) meses de prisão.»
Sublinha o recorrente Ministério Público não se afigurar:
a) «que tenha sido conferida a devida relevância a várias circunstâncias que actuam em desfavor do arguido e agravam as exigências de prevenção geral e especial e a medida da culpa, designadamente à circunstância de a vítima e o arguido estarem casados há mais de 22 anos; ao actual contexto social; à circunstância de a decisão de tirar a vida à esposa ter sido motivada por sentimentos de ciúme, despeito e posse; e à concreta brutalidade dos ataques (quer pelo impressivo número de golpes e de feridas defensivas, quer pela circunstância de 5 desses golpes terem sido direccionados à face da vítima, todos com extensão à cavidade oral);
b) que a percepção do arguido de que poderia ser abandonado pela sua mulher e filho deva ser valorado a seu favor – pelo contrário.;
c) não ter ficado demonstrado nos autos quando é que o arguido descobriu que o filho padecia de vitiligo (se muito ou pouco tempo antes dos factos), não vislumbramos como lhe atribuir relevância na prática dos factos em discussão; de resto, mesmo considerando o quadro depressivo do arguido, com o devido respeito não alcançamos em que medida a descoberta de uma condição dermatológica do filho poderá auxiliar a compreender as circunstâncias que levaram o arguido a tirar a vida à esposa».
d) Reputa não ser olvidar «duas outras circunstâncias não expressamente referidas na fundamentação quanto à medida da pena e que, relevam em desfavor do arguido, a saber, o facto de o filho em comum do casal ter presenciado o próprio pai a matar brutalmente a própria mãe, conferindo maior gravidade aos factos, quer pelo modo de execução quer pelas consequências inimagináveis que esta tragédia terá para o resto da vida do jovem; e a circunstância de os factos terem ocorrido logo após a época festival do Natal, período destinado ao convívio familiar, o que salvo melhor opinião também choca a percepção comunitária da gravidade dos factos e, por conseguinte, reforça as exigências de prevenção geral positiva»
d) Bem como a jurisprudência publicada respeitando a condenação por crime de homicídio qualificado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código Penal, relacionado com conjugalidade» e que corrobora conclusão de que a medida da pena justa, necessária, adequada e proporcional ao caso vertente deverá ser não inferior a 20 anos de prisão, nem superior a 22 anos de prisão.
Já o recorrente/arguido pugna pela redução de pena, entendendo que não deveria afastar-se do limiar minimo da moldura abastractamente prevista a manter-se a qualificaçãodo crime. - clª 23 e 24.
Como acima se disse a culpa do agente é o critério primordial a atender na determinação da medida concreta da pena, combinado com as exigências de prevenção.
E logo por aqui temos de dar razão ao Magistrado recorrente.
De facto nenhum relevo especial tem a percepção do arguido de que poderia ser abandonado pela sua mulher e filho e menos ainda que «a descoberta de uma condição dermatológica do filho poderá auxiliar a compreender as circunstâncias que levaram o arguido a tirar a vida à esposa».
Também temos por relevantes as duas outras circunstâncias a que alude no ponto d), e que efectivamente não foram objecto de ponderação expressa.
Quanto ao arrependimento afigura-se-nos que o provado no ponto 76 [«manifesta sentimentos de arrependimento e de vergonha»] pelo que supra se referiu já, a que acrescentamos retirado da transcrição que antecede: «pese embora tal arrependimento, o arguido evidencia dificuldade em distanciar-se das preocupações em relação à sua saúde e à possibilidade de ter uma doença grave, porventura numa tentativa de imputar a uma causa externa a prática de factos de natureza tão violenta como praticou» e não se vendo que «se extraia também da circunstância de ter realizado tentativa de suicídio por laceração da região cervical», recorde-se que o arguido não descreveu a conduta, dado só se lembrar desde que chegou ao r/c de estar no exterior da casa, deitado no chão, no momento em que chegou a polícia, mas não sem antes ter deixado «no móvel localizado à esquerda da porta da entrada da residência, um dossier com a documentação clinica do arguido, aberto, contendo vestígios hemáticos/dedadas”(- cf. 75 do provado), o que denota que a sua preocupação foi por à vista de quem entrasse na casa o seu problema de saúde, pode muito bem ter tido outros motivos designadamente a vergonha (sentimento que também manifestou) para se tentar matar.
O arrependimento é pois insuficiente desmerecedor do advérbio «genuíno”.
A moldura penal tem como limites, mínimo e máximo, respectivamente, 12 e 25 anos de prisão. O arguido foi condenado na pena de 17 anos e 6 meses de prisão, que não nos parece proporcionada à culpa revelada nem determinada criteriosamente em função dos valores das alíneas a) a f) do n. 2 do artigo 71 do Código Penal, considerando que há uma nítida desproporção entre o circunstancialismo agravativo e o atenuativo, a ponderar contra o arguido.
Reponderando assim todas as circunstâncias que funcionam contra e a favor do arguido, considera-se como mais adequado, proporcional e justo, a pena de 20 (vinte) anos de prisão.
Significa o exposto proceder o recurso do Ministério Público e improceder o recurso do arguido.»
37. Importa, antes de mais, recordar o regime legal aplicável (seguindo-se o recente acórdão de 14.05.2025, Proc. n.º 596/22.6PCSTB.E1.S1, reafirmando jurisprudência reiterada).
38. Dispõe o artigo 40.º do Código Penal que a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Nos termos do n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias relacionadas com o facto praticado (facto ilícito típico) e com a personalidade do agente manifestada no facto, relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele considerando, nomeadamente, as indicadas no n.º 2 do mesmo preceito, em observância do critério de proporcionalidade com fundamento no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, segundo o qual «a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos»39.
Para a medida da gravidade da culpa, de acordo com o artigo 71.º, há que considerar os fatores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente, nos termos do n.º 2, os fatores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objetivo e subjetivo (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências e intensidade do dolo ou da negligência), os sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram e o grau de violação dos deveres impostos ao agente [als. a), b) e c)], bem como os fatores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade (condições pessoais e situação económica, conduta anterior e posterior ao facto, e falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [als. d), e), f)].
Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes em vista da satisfação de exigências de prevenção geral – traduzida na proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança comunitária na norma violada – e, sobretudo, de prevenção especial, as quais permitem fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento, pelo agente, de novos crimes no futuro, e assim avaliar das suas necessidades de socialização. Aqui se incluem as consequências não culposas do facto (v.g. frequência de crimes de certo tipo, insegurança geral ou pavor causados por uma série de crimes particularmente graves, comportamento anterior e posterior ao crime (com destaque para os antecedentes criminais) e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [als. a) e) e f)]. O comportamento do agente [als. e) e f)] adquire particular relevo em vista da satisfação das exigências de prevenção especial, em função das necessidades individuais e concretas de socialização do agente, devendo evitar-se a dessocialização.
Como se tem sublinhado, é na consideração destes fatores, determinados na averiguação do «grande facto» caraterizado pelas circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, constituem o substrato da determinação da pena, que deve avaliar-se a concreta gravidade da lesão do bem jurídico protegido pela norma incriminadora, materializada na ação levada a efeito pelo arguido pela forma descrita nos factos provados, de modo a verificar se a pena aplicada respeita os critérios de adequação e proporcionalidade constitucionalmente impostos (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição), que devem pautar a sua aplicação40.
Não se podendo fundar em considerações de ordem geral pressupostas na definição dos crimes e das molduras abstratas das penas em vista da adequada proteção dos bens jurídicos postos em causa, sob pena de violação da proibição da dupla valoração, a determinação da pena dentro da moldura penal correspondente ao crime praticado há de comportar-se no quadro e nos limites da gravidade dos factos concretos, nas suas próprias circunstâncias concorrentes por via da culpa e da prevenção (artigo 71.º do Código Penal), na concreta gravidade do ataque ao bem jurídico protegido – no caso dos autos, a vida –, tendo em conta as finalidades de prevenção especial de ressocialização41.
39. O instituto da atenuação especial da pena encontra-se previsto nos artigos 72.º e 73.º do Código Penal.
Dispõe o artigo 72.º que o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena. (n.º 1), sendo considerada para o efeito, entre outras, a circunstância de «ter havido atos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados [n.º 2, al. c)].
A atenuação especial da pena só pode ter lugar em casos extraordinários ou excecionais, quando não for possível, dentro da moldura geral abstrata escolhida pelo legislador para o tipo de crime, a adequação à culpa e às necessidades de prevenção geral e especial. “[…] A ideia político-criminal que preside ao instituto é a de dotar o sistema de uma válvula de segurança quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo normal de casos que o legislador terá tido em mente quando fixou os limites da moldura penal respectiva, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa. Assim, só pode ter lugar em casos extraordinários ou excepcionais, pois para a generalidade dos casos, para os “casos normais”, lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios. […]”42
Ou seja, as circunstâncias descritas só podem conduzir à atenuação especial da pena se tiverem a potencialidade de diminuir, por forma acentuada, a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena. São, pois, meramente indicativas e não têm o efeito «automático» de atenuar especialmente a pena.
40. É, pois, neste quadro que importa determinar, no âmbito dos poderes deste tribunal de recurso, se a pena aplicada respeita os critérios de adequação e proporcionalidade que constitucionalmente se impõem.
Na apreciação da adequação e proporcionalidade da pena aplicada importa considerar as circunstâncias que, constituindo o respetivo substrato, a justificam, tendo presente que o recurso não se destina a proceder a uma nova determinação da pena, mas, apenas, a verificar o respeito pelos critérios que lhe presidem, com eventual correção da medida da pena aplicada, se o caso a justificar43.
Começando por analisar a possibilidade de apreciação de factos posteriores à leitura do acórdão condenatório de primeira instância (alegado pagamento das indemnizações arbitradas no acórdão condenatório).
41. Como se disse, pugna o arguido pela apreciação do pagamento das indemnizações na determinação da medida da pena. Sobre isto, considerou-se no acórdão recorrido o seguinte:
«A pretensão do arguido de que seja dado como provado que “procedeu ao pagamento aos demandantes cíveis das indemnizações que lhes foram reconhecidas”, está fora do objecto do recurso.
«É que, como o próprio recorrente reconhece o pagamento de tais indemnizações – no facto que pretende aditar ao provado - ocorreram após a leitura do acórdão, ou seja, não foi suscitada no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar.
«Ora, os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu.»
42. Nota-se, este propósito, que apenas resulta dos autos que, após a prolação do acórdão condenatório em 1.ª instância, de 09.02.2024, o arguido veio aos autos em 08.03.2024 «informar, para os legais efeitos, que já procedeu ao pagamento das quantias indemnizatórias a que foi condenado, conforme comprovativos que junta», anexando seis «comprovativo[s] de operação Caixadirecta» dos quais consta que, «a pedido efetuado por AA», o serviço Caixadirecta, da Caixa Geral de Depósitos, registou seis operações de «transferência», com o descritivo «TRF INDEMNIZAÇÃO», no valor de 5.000 euros cada uma, com as datas de 26.02.2024, 27.02.2024, 28.02.2024, 01.03.2024, 02.03.2024 e 03.03.2024, no total de 30.000 euros (correspondente ao valor da indemnização arbitrada a favor de DD), para a «Conta destino PT.....................94» e que, com a data de 03.03.2024, da mesma forma, «na sequência do pedido efetuado por AA, o serviço Caixadirecta registou» a operação de «transferência» no montante 150.360,00EUR (correspondente ao total do valor da indemnização arbitrada a CC), para a «Conta destino ...........30», com o descritivo «TRF INDEMNIZACAO». Não estão identificados os titulares das contas destino destas operações, não está comprovada a efetivação das transferências e não se mostram juntas declarações de recebimento destas importâncias.
43. Como se viu, a Relação não atribuiu relevância a esta circunstância, por haver entendido não o poder fazer, uma vez que se tratava de facto ocorrido posteriormente à prolação da decisão de que se recorria e sobre a qual esta, logicamente, não se podia pronunciar.
Releva para o efeito o disposto nos artigos 165.º e 369.º do CPP.
Nos termos do artigo 165.º, n.º 1, do CPP, os documentos devem ser juntos aos autos, no máximo «até ao encerramento da audiência». Destinando-se a fazer prova de circunstância relevante para a determinação da pena, deverá a apresentação do documento, sujeito a contraditório (artigo 165.º, n.º 2, do CPP), ocorrer de modo a que, na sentença, possa ser valorado para efeitos de determinação da questão de culpabilidade, nos termos do artigo 369.º do CPP, em conformidade com o disposto no artigo 71.º do C´P.
Como já se afirmou (supra, 15), em concordância com o decidido no acórdão recorrido, os recursos não visam a formação de nova decisão, pois são apenas remédio jurídico cuja finalidade se esgota na reparação de erros de decisão, e nenhum erro pode ser assacado a decisão que não se haja pronunciado sobre algo que ainda não aconteceu.
Em suma, nenhum reparo merece o acórdão neste ponto.
44. Como se viu, a Relação, na consideração de que a culpa «é o critério primordial a atender na determinação da medida concreta da pena, combinado com as exigências de prevenção», fundamentou a decisão de agravação da pena, para 20 anos de prisão, na consideração de que «nenhum relevo especial tem a percepção do arguido de que poderia ser abandonado pela sua mulher e filho e menos ainda que a descoberta de uma condição dermatológica do filho poderá auxiliar a compreender as circunstâncias que levaram o arguido a tirar a vida à esposa» – circunstância tida a favor do arguido na condenação – e de que são relevantes «as duas outras circunstâncias a que alude no ponto d), e que efectivamente não foram objecto de ponderação expressa», ou seja, «o facto de o filho em comum do casal ter presenciado o próprio pai a matar brutalmente a própria mãe, conferindo maior gravidade aos factos, quer pelo modo de execução quer pelas consequências inimagináveis que esta tragédia terá para o resto da vida do jovem; e a circunstância de os factos terem ocorrido logo após a época festival do Natal, período destinado ao convívio familiar, o que salvo melhor opinião também choca a percepção comunitária da gravidade dos factos e, por conseguinte, reforça as exigências de prevenção geral positiva».
Quanto ao arrependimento (tido favoravelmente em conta na decisão da 1.ª instância – supra, 36), retirou-lhe a Relação valor de atenuação dizendo que «(…) recorde-se que o arguido não descreveu a conduta, dado só se lembrar desde que chegou ao r/c de estar no exterior da casa, deitado no chão, no momento em que chegou a polícia, mas não sem antes ter deixado «no móvel localizado à esquerda da porta da entrada da residência, um dossier com a documentação clinica do arguido, aberto, contendo vestígios hemáticos/dedadas”(- cf. 75 do provado), o que denota que a sua preocupação foi por à vista de quem entrasse na casa o seu problema de saúde, pode muito bem ter tido outros motivos designadamente a vergonha (sentimento que também manifestou) para se tentar matar. O arrependimento é pois insuficiente desmerecedor do advérbio «genuíno”.
45. No que respeita ao arrependimento, dos factos provados consta expressamente que o arguido «lamenta os factos cometidos» e «além de lamentar os atos cometidos, manifesta sentimentos de arrependimento e de vergonha» (facto 76) e é somente a matéria de facto que serve de suporte à decisão em matéria de direito.
Como já anteriormente se mencionou, a questão da sinceridade ou genuinidade do arrependimento foi analisada em detalhe para efeitos de verificação dos pressupostos de atenuação especial da pena [supra, 11, 35 e 36], nos termos do artigo 72.º, n.ºs 1 e 2, al., c), do CP], que se afastaram – nomeadamente quanto à relevância do alegado pagamento das indemnizações –, não merecendo a decisão recorrida, neste ponto, qualquer reparo. Com efeito, não se mostra que o arguido tenha praticado atos que, para este efeito, sejam demonstrativos de arrependimento «sincero», nomeadamente a reparação dos danos causados, sendo que o resultado típico do crime de homicídio – privação da vida – se traduz num ato irreparável. A atenuação especial, como disposto no artigo 72.º, n.º 1, do CP, pressupõe a existência de circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores ao crime que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade de pena, que não se verificam.
Pelo que, como decidiu o acórdão recorrido, o «arrependimento» apenas se poderá equacionar no âmbito de aplicação dos critérios de determinação da pena, como circunstância atenuante geral, nomeadamente face ao disposto no artigo 71.º, n.º 2, al. d), e) e f), do CP (condições pessoais, conduta posterior ao facto, especialmente quando destinada a reparar as consequências do crime, e preparação para manter uma conduta lícita). Com efeito, as circunstâncias apontadas, dando apoio à caraterização do arrependimento como genuíno, não são bastantes, todavia, no conjunto das restantes, para diminuir a ilicitude, a culpa ou a necessidade da pena ao ponto de se impor a modificação da moldura penal nos termos dos artigos 72.º e 73.º
46. Os aspetos subjetivos da sensibilidade à pena, que se inscrevem nas «condições pessoais» do agente [al. d)] e em que se incluem sentimentos de «arrependimento e vergonha» (facto 76), não deverão deixar de ser considerados favoravelmente, quer por via da culpa, quer por via da prevenção.
Como se disse, o comportamento do agente [als. e) e f)] adquire particular relevo em vista da satisfação das exigências de prevenção especial, em função das necessidades individuais e concretas de socialização.
Embora a doença, tal como descrita nos pontos 19 a 30 dos factos provados, que constituiu elemento essencial de caraterização da situação em que ocorreu o facto, deva ser considerada com efeito de perturbação da vontade, pesem, embora, as exigências de controlo que se impunham, e seja trazida com o propósito de demonstrar a atenuação da culpa, tal não obsta à admissão de que o arguido – tendo em conta a manifestação de sentimentos de ansiedade relativamente à mulher e ao filho antes da data do crime, o pedido de desculpa feito na audiência, a exibição de sentimentos de vergonha e preocupação com o corte de relações com o filho ou a tentativa de suicídio – se arrepende do que fez.
As circunstâncias de o arguido «lamentar» o facto e manifestar «sentimentos de arrependimento e de vergonha» (facto 76), associadas ao comportamento anterior ao crime e às demais «condições pessoais» [al. d), dizendo respeito a aspetos subjetivos da sensibilidade à pena, que se inscrevem nestas condições44], adquirem também particular relevância, devendo ser valoradas positivamente, quer por via da culpa, quer por via da prevenção, como ocorreu em 1.ª instância, não podendo merecer concordância a sua desvalorização no acórdão da Relação.
Assim, não é de confirmar o acórdão da Relação na parte em que desvaloriza o arrependimento do arguido, na extensão em que deve ser considerado.
47. Entre as circunstâncias passíveis de maior reprovação, lembre-se que o arguido matou brutalmente a mulher na presença do filho, sujeitando-o a uma experiência que, dada a relação deste com a vítima, descrita nos factos provados, o marcou e continua a marcar profundamente. O aditamento desta circunstância pela Relação, relacionada com o modo de execução do crime, com o grau de violação dos deveres impostos e com a gravidade das suas consequências [art.º 72.º, n.º 2, al. a)] merece, portanto, concordância.
O mesmo não sucede, porém, com a circunstância de «os factos terem ocorrido logo após a época festival do Natal, período destinado ao convívio familiar», pois que, não podendo operar em abstrato, em função do seu significado e simbologia, não se encontra justificação na matéria de facto que, em concreto, permita atribuir-lhe peso negativo na ponderação das circunstâncias.
No conjunto das circunstâncias identificadas e ponderadas pelas instâncias impressiona particularmente a energia e o nível de violência da agressão, no quadro patológico descrito nos factos provados, de ansiedade, depressão e ciúme em que o facto ocorreu.
48. O Tribunal da Relação acolheu a fundamentação da pena efetuada no acórdão da primeira instância, a qual merece concordância, salvo no que respeita à consideração da «natureza do bem jurídico tutelado (a vida humana)», bem como do «contexto de conjugalidade», como fatores agravantes, a que o acórdão condenatório atribui importância de grande significado, por implicar violação da proibição de dupla valoração, corolário do princípio non bis in idem consagrada no artigo 29.º, n.º 5, da CRP.
Tais circunstâncias, fazendo parte do tipo de ilícito e da culpa (agravada), já valoradas pelo legislador quando pune o facto em causa como homicídio qualificado, encontrando expressão na moldura penal constante do artigo 132.º, n.º 1, do CP, não devem, por isto, ser novamente valoradas pelo julgador na determinação da medida concreta da pena, sem prejuízo da consideração dos aspetos relacionados com a sua concretização e intensidade, ponderadas no acórdão condenatório, com particular relevo para o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e o grau de violação dos deveres que se impunham.
49. Em conclusão, centrando a apreciação nas circunstâncias tidas em conta pelo Tribunal da Relação no acórdão recorrido e ponderando tais circunstâncias a favor e contra o arguido por via da culpa e da prevenção, nos termos acabados de expor, não se identifica fundamento que decididamente permita formular um juízo negativo quanto ao respeito pelos critérios de adequação e proporcionalidade na determinação da medida da pena, que a 1.ª instância fixou em 17 (dezassete) anos e 6 (seis) meses de prisão, e que, em consequência, possa justificar uma intervenção corretiva na medida desta.
50. Acresce que esta pena é a que melhor se afigura como adequada ao referente jurisprudencial, a ter em conta (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, segundo o qual, nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito), também invocado pelo arguido, como resulta, designadamente, dos acórdãos de 26.06.2019 (Manuel A. Matos), Proc. 763/17.4JALRA.C1.S1, e de 15.02.2023 (do mesmo relator deste acórdão) Proc. 1964/21.6JAPRT.P1.S1.
No primeiro, onde encontramos matéria de facto com alguma similitude em relação ao caso presente, o STJ, julgando procedente o recurso interposto pelo arguido, baixou a pena de vinte anos de prisão para dezoito anos de prisão pela prática de crime de homicídio agravado por duas circunstâncias qualificantes – als. b) e i) do artigo 132.º, n.º 2 – seguido de tentativa de suicídio. Neste acórdão, dá-se conta (na nota 19) de abundante jurisprudência do STJ em sentido idêntico.
No segundo, o STJ confirmou a pena de quinze anos de prisão decidida no acórdão da Relação que, julgando procedente o recurso do arguido, reduzira a pena inicialmente aplicada em primeira instância de dezanove anos de prisão. Neste aresto, houve outrossim duas circunstâncias qualificantes – als. b) e e) do artigo 132.º, n.º 2. Na justificação da diminuição da pena, o STJ concluiu dizendo: “não se mostra que a pena de 15 anos de prisão tenha sido imposta com desrespeito pelos critérios de adequação e proporcionalidade que presidem à sua aplicação”.
51. Nesta conformidade, merece o recurso provimento nesta parte, reduzindo-se a medida da pena para 17 anos e 6 meses de prisão.
Quanto a custas
52. De acordo com o disposto no artigo 513.º do CPP (responsabilidade do arguido por custas), só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso. O que não é o caso.
III. Decisão
53. Pelo exposto, acorda-se na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar parcialmente procedente o recurso, reduzindo-se a pena aplicada ao arguido para 17 (dezassete) anos e 6 (seis) meses de prisão e mantendo-se em tudo o mais o acórdão recorrido.
Sem custas.
Cumpra-se o disposto no artigo 10.º, n.º 2, da Portaria n.º 280/2016, de 26.10.2016.
Supremo Tribunal de Justiça, 28 de maio de 2025
José Luís Lopes da Mota (relator)
António Augusto Manso
José A. Vaz Carreto
_____________________________________________
1. Ac. STJ de 23.03.2022, relator Lopes da Mota, texto integral em:
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/6e64ed776f393a4e8025880f003cffeb?OpenDocument
2. Relator Ernesto Vaz Pereira. Texto integral em: http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b88468c00a9e236980258966005995ab?OpenDocument
3. Ac. STJ de 03.07.2024, relator Pedro Branquinho Dias, texto disponível em:
https://juris.stj.pt/8%2F20.0MALGS.E1.S1/eI7GNQHpPgN6E0G1wrYc9FqmDVI?search=ZkkKQKR5y8wK8MMj2ME
4. cfr. Figueiredo Dias, in "Direito Penal Português", página 305
5. Ac. STJ de 06.10.2021, relator Nuno Gonçalves, testo integral em:
http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/53bb5249eef0bb8d80258768003bff72?Ope nDocument
6. Comentário Conimbricense do Código Penal, anot ao artº 133º, parágrafp 1º, pp. 47.
7. Ac STJ de 03.10.2007, relator Maia Costa. Texto integral em:
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/7ba0dd0350cba5148025737e0049f00a
8. Ac STJ de 12.09.2013, relator Henriques Gaspar. Texto integral em:
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/97913405528fecce80257c1a00502f20?OpenDocument
9. v., por todos, Ac. TRP de 02.04.2003, relator Teixeira Pinto: A jurisprudência portuguesa dominante interpreta a exigência de que a emoção seja compreensível no sentido de que tem de haver uma adequada relação de proporcionalidade entre o facto que desencadeia (a "provocação") e o facto "provocado". Texto integral em:
https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/0a1db1726346a54d80256d57003723b4?Ope nDocument
10. Assim, entre outros, os acórdãos de 13.9.2023, Proc. n.º 257/13.7TCLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt, e de 09.01.2021, Proc. 111/09, em Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar et alii, Almedina, 4.ª ed., p. 1171 – cfr. acórdão de 19.02.2025, Proc. 77/12.6GTCSC.L2.S1, em www.dgsi.pt
11. Por todos, o recente acórdão de 14.05.2025, Proc. n.º 596/22.6PCSTB.E1.S1, em www.dgsi.pt.
12. Assim, designadamente, os acórdãos de 02.10.2019, Proc. 3622/17.7JAPRT.P1.S1, e de 26.06.2019, Proc. n.º 174/17.1PXLSB.L1.S1, bem como a jurisprudência neles citada.
13. Cfr. por todos, os acórdãos de 08.11.2006, Proc. n.º 06P3102, e de 16.10.2024, Proc. n.º 253/21.0T9FND.C1.S1.
14. Acórdão de 9.10.2029, Proc. n.º 24/17.9JAPTM-E1.S1. 9.10.2019, em www.dgsi.pt. Sobre o fundamento, consequências e elementos privilegiadores, cfr., por todos, Figueiredo Dias/Nuno Brandão, Comentário Conimbricense, cit., comentário ao artigo 133.º, p. 81ss
15. Acórdão de 3.11.2021, Proc. 3613/19.3JAPRT.P1.S1, em www.dgsi.pt
16. Separando claramente os dois momentos, Augusto Silva Dias, Crimes Contra a Vida e a Integridade Física, 2.ª ed., Lisboa: AAFDL, 2007, p. 39.
17. Na expressão de Curado Neves, A Problemática da Culpa nos Crimes Passionais, Coimbra Editora, 2008, p. 701.
18. Assim, também, Fernando Silva, Direito Penal Especial, Os crimes contra as pessoas, Quid Juris, 2017, p. 101ss.
19. Cf. os acórdãos de 14.07.2010 (Raul Borges) e os citados no parecer do Ministério Público (supra 4) – acórdãos 03.10.2007 (Maia Costa), Proc. 07P2791, e de 12.09.2013 (Henriques Gaspar),
20. (Figueiredo Dias/Nuno Brandão, loc. cit. p. 63).
21. Cfr. acórdão de 5.7.2012, proc. 2663/10.0GBABF.S1, e Curado Neves, A Problemática, cit. p. 693.
22. Cfr. Curado Neves, A Problemática, cit., p. 663-665.
23. Disse-se no acórdão de 3.11.2021, Proc. 3613/19.3JAPRT.P1.S1, em www.dgsi.pt, numa situação em que o arguido, embora dominado por uma “paixão excessiva” pela vítima, e por razões passionais” desferiu os golpes de que resultou a morte desta, com intenção de causar a morte, fazendo-o de forma fria, firme, planeada, calculada e premeditada, prolongada no tempo, com escolha do meio, do momento e do local para a consumação do crime, ou seja de forma especialmente censurável e perversa, o que, pelo funcionamento destas circunstâncias de agravação, se opunha à formulação de um juízo de atenuação da culpa.
24. no mesmo sentido, os acórdãos de 5.7.2012 (Arménio Sottomaior), proc. 2663/10.0GBABF.S1, e de 15.4.2015 (Gomes da Silva), proc. 176/13.7JAFAR.E1.S1
25. Como no homicídio motivado por provocação, que inspira a norma do artigo 133.º do CP – cfr. Curado Neves, loc. cit. p. 701. Id. sobre este ponto, pp. 663-666.
26. Casos do excesso de legítima defesa no artigo 33.º, n.º 2 (onde, além de o excesso ter de resultar de medo, perturbação ou susto, se exige ainda que eles não sejam censuráveis), ou do estado de necessidade desculpante no artigo 35.º, n.º 1 (onde se restringe a desculpa à salvaguarda de uma lista restrita de bens).
27. No mesmo sentido, com idêntica formulação, o acórdão de 12.09.2013, Proc. 844/11.8JAPRT (também citado no mesmo parecer)
28. Convocando em particular o acórdão de 27.05.2020, no Proc. 45/18.4JAGRD.C1.S1 (em https://blook.pt/caselaw/PT/STJ/589391/?q=processo:%2045/18.4JAGRD.C1.S1, e seguindo o acórdão de 27.11.2019, no Proc. 323/18.2PFLRS.L1.S1, em www.dgsi.pt).
29. Assim, entre outros, os acórdãos de 12.01.2022, Proc. 4183/19.8JAPRT.S1 (Conceição Gomes), 20.06.2018, Proc. 3343/15.5JAPRT.G1.S2 (Vinício Ribeiro), de 5.7.2017, Proc. 1074/16.8JAPRT.P1 (Rosa Tching), de 19.2.2014, Proc. 168/11. 0GCCUB.S1 (Santos Cabral), de 2.4.2008, Proc. 07P4730 (Raul Borges), e de 18.10.2007, Proc. 07P2586 (Santos Carvalho), em www.dgsi.pt, bem como os trabalhos preparatórios – Eduardo Correia, autor do Anteprojecto, Actas da Comissão Revisora do Código Penal, edição da AAFDL, 1979, p. 21 – e a jurisprudência e doutrina naqueles citadas, incluindo Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense, comentário ao artigo 132.º do Código Penal, Fernanda Palma, “O Homicídio Qualificado no Novo Código Penal Português”, Revista do Ministério Público, 1983, ano 4, vol. 15, Teresa Serra, Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Almedina, 1998, Augusto Silva Dias, Direito Penal - Parte Especial: Crimes Contra a Vida e a Integridade Física, AAFDL, 2005, Fernando Silva, Direito Penal Especial, Crimes Contra as Pessoas, Quid Juris, 2008
30. Relembrando o acórdão de 18.10.2007 (Proc. 07P2586, cit.), citando Teresa Serra (loc. cit., p. 63-65), como também se recordou no acórdão de 12.07.2018, Proc. 74/16.2JDLSB.L1.S1, cit.
31. Assim, e no que se segue, o acórdão de 15.02.2023, Proc. 1964/21.6JAPRT.P1.S1, em www.dgsi.pt. Cfr. a Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 98/X (DAR II Série-A, n.º 10, de 18.10.2006, p. 4).
32. CETS n.º 210, Istambul, 11.05.2011, ratificada por Portugal (RAR n.º 4/2013, e DPR n.º 13/2013, de 21 de janeiro).
33. Proc. 2663/10.0GBABF.S1 (Arménio Sottomayor), em www.dgsi.pt.
34. Em sentido idêntico podem ver-se ainda os acórdãos de 21.10.2009, Proc. 589/08.6PBVLG.S1 (Pires da Graça) e de 26-06-2019, Proc. 763/17.4JALRA.C1.S1 (Manuel Augusto de Matos), em www.dgsi.pt.
35. Figueiredo Dias / Nuno Brandão, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 2.ª ed., 2012, p. 58-59.
36. Acórdão do STJ de 02.10.2019.
37. Como se decidiu no Ac. STJ de 06/06/2007 proferido no proc. 07P1603, disponível in www.dgsi.pt., «“manifestar arrependimento” não é o mesmo que praticar atos demonstrativos de arrependimento sincero do agente que pressupõe que interiorize o desvalor da sua conduta.»
38. Como se escreve no ACSTJ de 20.11.03 – Rec. nº 3259/03/5ª:
“I - O art. 72.º do C. Penal ao prever a atenuação especial da pena criou uma válvula de segurança para situações particulares em que se verificam circunstâncias que, relativamente aos casos previstos pelo legislador quando fixou os limites da moldura penal respectiva, diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, por traduzirem uma imagem global especialmente atenuada, que conduz à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa.
II - As circunstâncias exemplificativamente enumeradas naquele artigo dão ao juiz critérios mais precisos, mais sólidos e mais facilmente apreensíveis de avaliação dos que seriam dados através de uma cláusula geral de avaliação, mas não têm, por si só, na sua existência objectiva, um valor atenuativo especial, tendo de ser relacionados com um determinado efeito que terão de produzir: a diminuição acentuada da ilicitude do facto ou da culpa do agente.”
39. Sobre estes pontos, que seguidamente se desenvolvem, na determinação do sentido e alcance do artigo 71.º do Código Penal, segue-se, em particular, como em acórdãos anteriores, Anabela M. Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Os Critérios da Culpa e da Prevenção, Coimbra Editora, 2014, pp. 611-678, em especial, e Figueiredo Dias, Direito Penal, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2011, pp. 232-357 – cfr., de entre muitos outros, o acórdão de 15.1.2019, Proc. 4123/16.6JAPRT.G1.S1, e, de entre os mais recentes, o acórdão de 05.03.2025, Proc. 1524/23.7PBFAR.E1.S1, em www.dgsi.pt.
40. Assim, entre outros, os acórdãos de 8.6.2022, Proc. 430/21.4PBPDL.L1.S1, de 26.06.2019, Proc. 174/17.1PXLSB.L1.S1, de 9.10.2019, Proc. 24/17.9JAPTM-E1.S1, e de 3.11.2021, Proc. 875/19.0PKLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt.
41. Salientando este ponto, entre muitos outros, o acórdão de 29.4.2020, Proc. 16/05.0GGVNG.S1, em www.dgsi.pt.
42. Acórdão de 22.02.2017, Proc. n.º 327/15.7GDALM.L1.S1, em www.dgsi.pt., citando Figueiredo Dias, loc. cit Assim também, entre outros, o acórdão d de 07.10.2020, Proc. n.º 387/19.1PCSNT.S1, em www.dgsi.pt.
43. Assim, por todos, o acórdão de 17.12.2024, Proc. 77/12.6GTCSC.L2.S1, em www.dgsi.pt, e outros nele citados, reafirmando jurisprudência reiterada. Cfr., em particular, o acórdão de 21.12.2011 (Raul Borges), Proc. n.º 595/10.0GFLLE.S1, com exaustiva indicação de jurisprudência, também em www.dgsi.pt.
44. Cfr. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimp. Coimbra Editora. P. 249.