PROCEDIMENTO CAUTELAR
ARRESTO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário

É certo que o requerente, ora recorrente, não alegou, com detalhe, a situação patrimonial de cada um dos requeridos, ora recorridos. Porém, não era exigível que o fizesse, desde logo por lhe ser, à partida, impossível tomar conhecimento dessa situação.

Texto Integral

Processo n.º 321/25.0T8ABF.E1


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(…) instaurou procedimento cautelar de arresto contra (…), Lda., (…), (…), Banco (…), S.A. e (…).

O requerimento inicial foi liminarmente indeferido, tendo o tribunal de 1.ª instância considerado que se verifica uma insuficiência da alegação para configurar um justificado receio de perda da garantia patrimonial do direito de crédito invocado.

Dessa decisão, o requerente interpôs recurso de apelação, sustentando, em síntese, que, ao contrário do que se escreveu na decisão recorrida, não se limitou a tecer conjecturas ou a exteriorizar desconfianças, antes tendo relatado factos objectivos que sustentam o receio de perda da garantia patrimonial do seu direito de crédito, nomeadamente o de que as quotas do recorrido (…) na recorrida (…), Lda. foram recentemente penhoradas.

Está, pois, em causa, no presente recurso, saber se a alegação de facto vertida no requerimento inicial é suficiente para configurar um justificado receio de perda da garantia patrimonial do direito de crédito invocado.


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O tribunal a quo respondeu negativamente a esta questão com fundamentação que assim se resume:

1 – Para a comprovação do justo receio de perda da garantia patrimonial do crédito, não basta o receio subjectivo do credor, baseado em meras conjecturas, antes se exigindo a alegação de factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação;

2 – A insuficiência do património do devedor para solver a totalidade das suas dívidas não legitima o decretamento de arresto, pois, nessa situação, não é de antever um verdadeiro periculum in mora, antes se achando o crédito já desamparado em face daquela insuficiência;

3 – As circunstâncias alegadas no requerimento inicial «não se mostram capacitadas a justificar um qualquer temor de vir a minguar no futuro a capacidade da requerida de observar as obrigações que sobre si impendem»;

4 – Está em causa a «pura e simples inobservância de um contrato»; mesmo ocorrendo as vicissitudes alegadas pelo recorrente, os factos alegados não indiciam «um propósito de suprimir as garantias patrimoniais tituladas», nem constituem «manifestação de diminuição – ainda que não intencional – da sua capacidade financeira (já existente!)»;

5 – Acresce que o recorrente alegou uma efectiva falta de capacidade financeira de apenas um dos requeridos;

6 – O recorrente nem sequer explicita por que razão os factos que alega lhe provocam o temor de perder a garantia patrimonial do crédito que invoca.

Não acompanhamos o entendimento do tribunal a quo.

Desde logo, o tribunal a quo menospreza ostensivamente a descrição que o recorrente faz da actuação do recorrido (…) ao longo da relação negocial que mantiveram. Se tal descrição corresponder à verdade, não estaremos, meramente, perante uma «pura e simples inobservância de um contrato», mas perante uma actuação do recorrido (…) que poderá constituir um crime de burla qualificada p. e p. pelo artigo 218.º, n.º 2, alínea a), com referência ao artigo 202.º, alínea b), do Código Penal, e, em concurso efectivo, um crime de falsificação de documento p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea c), do mesmo Código. Ao longo de cerca de cinco meses, o recorrido Jorge Barroso terá levado a cabo, dolosamente, uma sucessão de actos tendentes a obter, para si, um benefício patrimonial ilegítimo, à custa de um correspondente sacrifício patrimonial para o recorrente.

Sendo assim, o próprio iter descrito pelo recorrente inculca que o risco de perda da garantia patrimonial do crédito invocado é real. Se a alegação de facto constante do requerimento inicial tiver correspondência com a realidade, é previsível que o recorrido (…) continue a actuar no sentido de alcançar o seu objectivo de enriquecimento ilegítimo à custa do recorrente, tudo fazendo no sentido de inviabilizar a recuperação, por este, do valor que indevidamente saiu do seu património.

O facto, também alegado no requerimento inicial, de as duas quotas de que o recorrido Jorge Barroso é titular no capital social da recorrida (…), Lda. terem sido recentemente penhoradas, a provar-se, reforçará a convicção de que o requisito do justo receio de perda da garantia patrimonial do crédito se verifica.

Portanto, ao contrário do que se refere na decisão recorrida, o requerimento inicial expressa bem mais que um mero receio subjectivo do recorrente, baseado em meras conjecturas. São aí alegados factos concretos com idoneidade para demonstrar um risco efectivo de perda da garantia patrimonial do crédito.

O argumento de que o recorrente alegou uma efectiva falta de capacidade financeira de apenas um dos recorridos também não colhe. Atente-se nos artigos 45º, 46º, 51º, 53º a 56º e 58º do requerimento inicial. É certo que o recorrente não alegou, com detalhe, a situação patrimonial de cada um dos recorridos. Porém, não era exigível que o fizesse, desde logo por lhe ser, à partida, impossível tomar conhecimento dessa situação.

Decorre do exposto que o fundamento pelo qual o tribunal a quo indeferiu liminarmente o requerimento inicial não se verifica. Daí que se deva revogar a decisão recorrida e ordenar o prosseguimento da instância.


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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso procedente, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se o prosseguimento da instância.

Custas a cargo da parte vencida a final.

Notifique.

22.05.2025

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

Ana Margarida Leite (1.ª adjunta)

José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho (2.º adjunto)