Na oposição à execução em que é apresentado como título executivo um requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, a alegação da executada de que “não teve conhecimento da sua citação para o processo de injunção” integra a previsão das normas conjugadas dos artigos 729.º, alínea d) e 696.º, alínea e), ambos do CPC, sendo que se trata de meio de defesa cuja invocação não se mostra precludida atento o disposto no artigo 14.º-A do D/L n.º 269/98, de 01.09.
(Sumário da Relatora)
Relatora: Cristina Dá Mesquita
Adjuntas: Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
Maria Domingas Simões
Acordam as Juízas do Tribunal da Relação de Évora:
I. Relatório
I.1.
(…), executada e embargante na ação executiva para pagamento de quantia certa que lhe foi movida por Meo-Serviços de Comunicações e Multimédia, SA, interpôs recurso da decisão proferida pelo Juízo de Execução do Entroncamento, Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, o qual indeferiu liminarmente a oposição à execução mediante embargos que ela havia deduzido.
O teor da decisão sob recurso é o seguinte:
«A executada deduziu oposição à execução mediante embargos de executados.
Alega, em suma, que o serviço em causa nunca lhe foi prestado.
Para a apreciação do presente caso, importa referir que o título executivo é uma injunção ao qual foi aposta fórmula executória a 25 de maio de 2021.
«1 – Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual.
2 – Verificando-se junto impedimento à dedução de oposição ao requerimento de injunção, tempestivamente declarado perante a secretaria de injunção, nos termos previstos no artigo 140.º, podem ainda ser alegados os fundamentos previstos no artigo 731.º; nesse caso, o juiz receberá os embargos, se julgar verificado o impedimento e tempestiva a sua declaração.
3 – Independentemente de justo impedimento o executado é ainda admitido a deduzir oposição à execução com fundamento:
a) Em questão de conhecimento oficioso que determine a improcedência, total ou parcial, do requerimento de injunção;
b) Na ocorrência, de forma evidente, no procedimento de injunção de exceções dilatórias de conhecimento oficioso.»
Considera-se que a redação trazida pela Lei n.º 117/2019, de 13/09 suprimiu as questões de inconstitucionalidade (neste sentido, vd., por exemplo, Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Ação e Execução, 7.ª Edição, Almedina, 2020, pág. 124, assim como Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2.ª Edição, Almedina, 2022, pág. 295).
Deste modo, não estando em causa qualquer das situações prevenidas nos n.ºs 2 e 3 do citado artigo 857.º do Código de Processo Civil aqui aplicável, importa, por via do seu n.º 1, aplicar o artigo 729.º, também do Código de Processo Civil, à luz do qual a oposição à execução só pode ter algum dos seguintes fundamentos:
«a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta ou nulidade da citação para a ação declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo;
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;
i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos».
No caso, entende-se que os argumentos aduzidos não se enquadram em qualquer um dos fundamentos admissíveis para os embargos, no presente caso.
Tal implica o indeferimento liminar da oposição à execução mediante embargos de executado.
Face ao disposto, decide-se indeferir liminarmente a oposição à execução mediante embargos deduzida, nos termos do artigo 732.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil.»
I.2.
A recorrente formulou alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«I – A executada deduziu oposição mediante embargos de executado;
II – Alegou que nunca contratou os serviços da exequente/embargada;
III – Foi com a citação do requerimento executivo que a executada teve conhecimento que o fornecimento prestado pela exequente/embargada foi prestado na projetada Rua do (…), lote 2, 1-F, 2020-052 Cartaxo, morada onde nunca residiu;
IV – No período a que se reportam as faturas em dívida do contrato em apreço, a executada residia na Quinta da (…), no (…);
V – Foi a antiga companheira do seu filho que celebrou o contrato ora em apreço de forma abusiva, identificando a “sogra”, sem conhecimento desta, por ter tido acesso aos seus dados pessoais de identificação aquando das visitas à casa da executada/embargante;
VI – Atentos os factos supra descritos, era manifestamente impossível a executada ter tido conhecimento de tal contrato bem como da citação da injunção;
VII- Razão pela qual considera que o despacho de indeferimento liminar invocando que não estando em casa qualquer das situações prevenidas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 857.º do CPC, por via do seu n.º 1, aplicar o artigo 729.º também do CPC, vem coartar o direito da executada poder exercer o seu contraditório.
VIII – Por ser manifestamente impossível à aqui recorrente ter sido citada da injunção por nunca ter residido na morada indicada no contrato nem ter subscrito tal contrato, não poderia a mesma defender-se de algo para a qual nunca foi citada.
IX – Os fundamentos invocados para o presente recurso enquadram-se na alínea e) e ii) do artigo 696.º e alínea d) do 729.º, ambos do CPC.
Termos em que e nos demais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida e, em consequência, ser admitida o embargo de executado deduzido pela recorrida.
Fazendo-se assim a habitual e necessária justiça!».
I.3.
Não houve resposta às alegações de recurso.
O recurso foi admitido pelo tribunal a quo.
Corridos os vistos, nos termos do artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, ambos do CPC).
II.2.
No caso cumpre aferir do acerto da decisão proferida pelo tribunal de primeira instância que indeferiu liminarmente os embargos de executado.
II.3.
Factos provados
Dão-se aqui por integralmente reproduzidos os factos que constam da decisão recorrida acima transcrita.
Extrai-se, ainda, dos autos a seguinte factualidade:
1 – A Meo-Serviços de Comunicações e Multimédia, SA apresentou nos autos principais requerimento executivo com o seguinte teor:
«No âmbito de um contrato de prestação de serviços de comunicações celebrado entre as partes, a exequente apresentou ao executado, para pagamento, as faturas descritas no título executivo acima identificado. Perante o não pagamento das aludidas faturas, a exequente apresentou requerimento de injuntivo junto do balcão Nacional de Injunções do Porto, o qual notificou legalmente o executado. Uma vez que este não efetuou o pagamento, nem apresentou oposição ao requerimento injuntivo, foi aposta fórmula executória, nos termos do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, com a redação dada pelo D/L n.º 226/2008, de 20 de novembro e do artigo 703.º, n.º 1, alínea d), do CPC. Apesar de o ora executado ter sido interpelado ao pagamento da quantia indicada no título executivo, o valor encontra-se à presente data totalmente por regularizar, valor a que acrescem os juros de mora legais vencidos à taxa comercial desde a data da entrada da injunção e vincendos até efetivo e integral pagamento. Acresce também o valor ta taxa de justiça já despendida pelo ora exequente.
O valor líquido – € 4.120,00 – corresponde ao valor da injunção, incluindo o capital, juros vencidos, calculados à taxa comercial, à data da apresentação da injunção e ao valor da taxa de justiça. Ao valor líquido acresce, por simples cálculo aritmético, o valor dos juros até à presente data, nos termos indicados. A estes valores acrescem os juros moratórios vincendos, calculados à taxa comercial, e os fundados na alínea d) do artigo 13.º do D/L n.º 269/98, de 1 de setembro, à taxa de 5% ao ano desde a data em que foi conferida força executiva ao requerimento de injunção, até integral pagamento».
II.4.
Apreciação do mérito do recurso
A recorrida instaurou uma ação executiva apresentando como título executivo um requerimento de injunção no qual foi aposta a fórmula executória, em virtude de a executada e ora apelante não ter apresentado oposição à injunção.
Naquele processo de injunção a exequente/apelada reclamou o pagamento de faturas emitidas por força da prestação pela primeira de serviços de comunicações contratados pela executada.
No presente recurso a apelante sustenta que nunca contratou os serviços em causa à exequente, que os serviços alegadamente prestados o foram numa morada onde nunca residiu, que foi a antiga companheira do seu filho que, sem o conhecimento dela e de forma abusiva, celebrou o contrato em causa e que nunca foi citada no processo de injunção, concluindo que o meio de defesa invocado se enquadra na previsão da alínea e) e ii) do artigo 696.º e alínea d) do artigo 729.º, ambos do Código de Processo Civil.
Vejamos.
É consabido que o título executivo constitui a base da execução, por ele se determinando «o fim e os limites da ação executiva» (artigo 10.º, n.º 5, do CPC), ou seja, o tipo de ação executiva, o seu objeto e a legitimidade ativa e passiva para a execução.
O título executivo consiste num documento que demonstra de forma legal bastante a obrigação exequenda (o direito a uma prestação), pelo que, segundo a lei, pode servir de base a uma execução[1]. Donde, os factos (principais) da causa de pedir da obrigação exequenda[2] devem estar representados no título executivo e, se não estiverem, o exequente deve inseri-los no requerimento executivo (artigo 724.º, n.º 1, alínea d), do CPC), sob pena de ineptidão do requerimento executivo. Note-se que «a ação executiva logicamente pressupõe a prévia solução da dúvida sobre a existência e a configuração do direito exequendo. A declaração ou acertamento (dum direito ou de outra situação jurídica; dum facto), que é o ponto de chegada da ação declarativa, constitui, na ação executiva, o ponto de partida»[3]. Isto significa que o título executivo dispensa a indagação prévia da existência ou da subsistência do direito nele pressuposto. Nisto consiste a chamada suficiência do título executivo. «Portanto, o tribunal da execução não certifica o direito exequendo, antes o impõe, porque o título executivo já o certifica. Efetivamente, o juízo de procedência executiva é instrumental do juízo de procedência declarativa, efetivada em sentença ou presumida em título diverso de sentença. Essa instrumentalidade é assegurada pelo título executivo por meio da sua ligação à causa de pedir».[4]
De acordo com o disposto no artigo 703.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, à execução podem servir de base os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva. Alguns dos títulos cuja força executiva resulta de disposição especial da lei formam-se no decurso de um processo (títulos judiciais impróprios porque formados num processo mas não resultantes de uma decisão judicial[5]). É justamente o caso do título executivo formado no âmbito do processo de injunção regulado pelo D/L n.º 269/98, de 01.09 e pelo D/L n.º 62/2013, de 10 de maio.
A injunção consiste numa providência que tem por fim dar força executiva a um requerimento destinado a exigir o cumprimento de determinadas obrigações[6] (artigo 7.º do D/L n.º 269/98). O credor pode requerer, na secretaria do tribunal do lugar do cumprimento da obrigação ou do domicílio do devedor, a injunção deste para o cumprimento da obrigação (artigo 1.º do D/L n.º 269/98, artigo 8.º, n.º 1, do regime anexo e artigo 10.º, n.º 1, do D/L n.º 62/2013), tendo o ónus de alegar os factos constitutivos do direito de crédito que se arroga (artigo 10.º, n.º 1, alínea d)); o requerido é notificado para, no prazo legal, pagar ao credor ou deduzir oposição à pretensão; se se opuser, ou se a notificação se frustrar, seguem-se os termos do processo especial de ação declarativa para ações de valor não superior a metade da alçada da Relação; mas se o requerido não deduzir oposição, o secretário judicial, e sem que o processo seja concluso ao juiz, aporá no requerimento de execução que o mesmo tem força executiva (a menos que não se verifiquem os requisitos do processo de injunção) e o requerente pode propor ação executiva com base naquele título assim formado, ou seja, uma execução para pagamento de quantia certa, na forma sumária, com dispensa de citação antes da penhora (artigo 550.º, n.º 2, alínea b), do CPC).
Importa referir que a injunção não é uma sentença pois não declara direitos, com valor de caso julgado; se o requerido não contestar, nem pagar, entende-se que fez uma confissão de uma dívida, permitindo ao requerente obter um título executivo[7]. Mas, como se salienta no Ac. RL de 01.06.2017, processo n.º 17633/13.8YYLSB-A.L2-2, relatora Ondina Carmo Alves, consultável em www.dgsi.pt., «tal silêncio do requerido, subsequente à sua notificação, faz presumir a existência da dívida, cujo pagamento lhe é exigido, sendo certo que essa presunção é passível de ser ilidida, através da oposição que venha a ser feita à execução».
Não sendo controvertido que o título dado à execução é um requerimento de injunção no qual foi aposta a fórmula executória, de harmonia com o disposto no artigo 14.º do D/L n.º 269/98, de 01.09, vejamos quais os fundamentos de oposição à execução baseada naquele título executivo que podem ser invocados pelo executado, uma vez que consta da fundamentação da decisão recorrida que «os argumentos aduzidos não se enquadram em qualquer um dos fundamentos admissíveis para os embargos, no presente caso» (sic).
Cumpre, pois, e desde logo, chamar à colação o disposto no artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo, na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro[8], que se mostrava já em vigor à data da instauração da presente execução, e que sob a epígrafe Fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção, dispõe o seguinte:
«1 – Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual.
2 – Verificando-se junto impedimento à dedução de oposição ao requerimento de injunção, tempestivamente declarado perante a secretaria de injunção, nos termos previstos no artigo 140.º, podem ainda ser alegados os fundamentos previstos no artigo 731.º; nesse caso, o juiz receberá os embargos, se julgar verificado o impedimento e tempestiva a sua declaração.
3 – Independentemente de justo impedimento o executado é ainda admitido a deduzir oposição à execução com fundamento:
a) Em questão de conhecimento oficioso que determine a improcedência, total ou parcial, do requerimento de injunção;
b) Na ocorrência, de forma evidente, no procedimento de injunção de exceções dilatórias de conhecimento oficioso.»
Por sua vez, o artigo 14.º-A do D/L n.º 269/98, de 01.09, dispõe o seguinte:
«1 – Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das foras previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 – A preclusão prevista no número anterior não abrange:
a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de ouras exceções dilatórias de conhecimento oficioso;
b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;
c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;
d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.» (itálicos nossos).
Finalmente, o artigo 729.º Código de Processo Civil preceitua o seguinte:
«Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:
«a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º[9];
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;
i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos».
Nas suas alegações de recurso, a apelante sustenta que invocou como meio de defesa na sua petição de embargos o que se mostra previsto no artigo 729.º, alínea d), do Código de Processo Civil conjugado com o subponto ii) da alínea e) do artigo 696.º do mesmo diploma legal, pelo que cumpre chamar também à colação o artigo 696.º, alínea e), do CPC, o qual dispõe o seguinte:
«A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando, tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que:
i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita;
ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável» (itálicos nossos).
O despacho recorrido foi um despacho de indeferimento liminar da petição de embargos à execução. Dispõe o artigo 732.º/1, do CPC, epigrafado Termos da oposição à execução, que os embargos são liminarmente indeferidos quando: a) Tiverem sido deduzidos fora do prazo; b) O fundamento não se ajustar ao disposto nos artigos 729.º a 731.º; c) Forem manifestamente improcedentes.
No caso sub judice verifica-se que na sua petição de oposição à execução a embargante/executada alegou que «ficou surpreendida com a citação, uma vez que nunca celebrou qualquer contrato de fornecimento de bens e serviços com a operadora, ora exequente, nem nunca recebeu qualquer aviso, interpelação ou notificação da injunção» (artigo 2º da PI), aduzindo que a morada que consta do contrato «não é, nem nunca foi a sua morada» e que «o número de telefone associado ao contrato não está associado à sua morada» (artigos 15º e 16º da PI). Ora, esta factualidade alegada em sede de oposição à execução integra-se na previsão das normas conjugadas dos artigos 729.º, alínea d) e 696.º, alínea e), ambos do CPC, sendo que se trata de meio de defesa cuja invocação não se mostra precludida, atento o disposto no artigo 14.º-A do D/L n.º 269/98, de 01.09.
Não é, pois, exato afirmar que a embargante «alega, em suma, que o serviço em causa nunca lhe foi prestado» porquanto a defesa da embargante foi além daquela factualidade consubstanciada numa alegada falta de prestação do serviço contratado; efetivamente a embargante alegou, na sua petição de oposição à execução que “não teve conhecimento da sua citação para o processo de injunção”, bem como as razões para tal falta de conhecimento. Donde, o tribunal recorrido não tem razão ao afirmar que «os argumentos aduzidos não se enquadram em qualquer um dos fundamentos admissíveis para os embargos, no presente caso» (sic).
Saber se este fundamento invocado procede, ou não, é questão diferente.
Em face do exposto, a decisão recorrida não se pode manter, impondo-se a sua revogação e substituição por outra que receba os embargos, caso não se verifique qualquer outro dos fundamentos de indeferimento liminar previstos no artigo 732.º/1, do CPC.
Procede, assim, a apelação.
Sumário: (…)
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam julgar procedente o recurso e, consequentemente, revogam o despacho recorrido e a sua substituição por uma decisão que receba os embargos, caso não ocorra qualquer outro dos fundamentos de indeferimento liminar previstos no artigo 732.º/1, do Código de Processo Civil.
As custas ficarão a cargo da parte vencida a final.
Notifique.
DN.
Évora, 22 de maio de 2025
Cristina Dá Mesquita
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
Maria Domingas Simões
__________________________________________________
[1] Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Ação e Execução, 5.ª Edição Atualizada e ampliada, 2005, pág. 279.
[2] Ou seja, os factos que demonstram a aquisição de um direito ou o poder a uma prestação segundo requisitos legalmente prescritos – Rui Pinto, A Ação Executiva, 2019, Reimpressão, AAFDL Editora, pág. 136.
[3] Lebre de Freitas, A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7.ª Edição GestLegal, pág. 28.
[4] Rui Pinto, ob. cit., pág. 142.
[5] Lebre de Freitas, ob. cit., p. 80.
[6] Obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000,00 e obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais abrangidas pelo D/L n.º 62/2013, de 10.05, independentemente do valor da dívida.
[7] Rui Pinto, ob. cit., pág. 215.
[8] Esta lei entrou em vigor em 01.01.2020.
[9] A atual redação da alínea d) do artigo 696.º do CPC foi introduzida pela Lei n.º 117/19, de 13.09, a qual entrou em vigorem 1 de janeiro de 2020, no sentido do reforço dos mecanismos da impugnação das sentenças proferidas à revelia do demandado, passando a abarcar para além das situações de falta ou nulidade da citação, outras situações em que se revele o desconhecimento não culposo da ação.