SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CAUSA PREJUDICIAL
INVESTIDURA EM CARGO SOCIAL
Sumário

1 – Não constitui causa prejudicial relativamente à ação especial de investidura em cargos sociais a ação em que se discute a validade das deliberações sociais que destituíram a anterior gerência de uma sociedade comercial e a nomeação dos aqui autores como gerentes daquela sociedade, respetivamente.
2 – O direito dos autores a serem investidos na gerência da sociedade comercial existe já na respetiva esfera jurídica por força de uma deliberação social que produz os seus efeitos até ser inutilizada através da respetiva ação judicial; até lá, a deliberação social que nomeou os autores gerentes da sociedade é vinculativa, sendo quanto basta para considerar verificado o primeiro pressuposto da ação de investidura judicial em cargo social.
3 – A solução da suspensão da instância por causa prejudicial levaria ao absurdo de a sociedade comercial ficar sem qualquer gerência, uma vez que a anterior gerência foi destituída e os novos gerentes nomeados estão alegadamente impedidos de exercer o cargo por ação do requerido / apelado.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Apelação n.º 227/24.0T8LGA.E1
(2.ª Secção)

Relatora: Cristina Dá Mesquita
Adjuntos: Vítor Sequinho dos Santos
Isabel de Matos Imaginário

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora

I. RELATÓRIO
I.1.
(…) e (…), autores na ação presente especial de investidura de cargos sociais que moveram contra (…), interpuseram recurso do despacho proferido pelo Juízo de Comércio de Lagoa, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o qual ordenou a suspensão da instância até que seja proferida decisão no âmbito do processo n.º 213/24.0T8LGA, pendente no mesmo juízo de Comércio.

O despacho recorrido tem o seguinte teor:

«Da suspensão da instância por causa prejudicial:
(…) e (…) instauraram esta ação especial de investidura de cargos sociais, pedindo que seja ordenada a investidura dos requerentes como gerentes da sociedade (…) – Comércio (…) e Serviços, Lda..
No dia 27 de Setembro de 2024 entrou neste juízo a ação n.º 213/24.0T8LGA, instaurada por (…), Unipessoal, Lda. contra (…) – Comércio Internacional e Serviços, Lda., onde é pedido que seja declarada inexistente/nula a deliberação aprovada a 29.8.2024, pela qual foram destituídos da gerência da (…) – Comércio (…) e Serviços, Lda. os então gerentes e nomeados (…) e (…). E a 11 de Setembro de 2024, havia entrado uma providência cautelar, sob o n.º 204/24.0T8LGA, com vista à suspensão da mesma deliberação.
Estão, assim, pendentes duas ações: na primeira, é impugnada a deliberação social que nomeou gerentes os aqui requerentes; na segunda, visa empossar no cargo de gerentes os nomeados nessa deliberação.
Confirmando-se a invalidade da deliberação aprovada em 29 de Agosto de 2024, que nomeou os aqui requerentes como gerentes da sociedade (…) – Comércio (…) e Serviços, Lda., a presente ação é inútil, em virtude da perda do direito que por via dela se pretende exercer.
Estabelece o artigo 272.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer motivo justificado.
Na primeira parte deste preceito legal prevê-se a suspensão da instância motivada pela existência de uma outra ação ou causa que é prejudicial em relação àquela que se encontra a correr termos.
De um modo geral, pode dizer-se que uma causa é prejudicial em relação a outra quando o julgamento ou decisão da questão a apreciar na primeira possa influir ou afetar o julgamento ou decisão da segunda, nomeadamente, modificando ou inutilizando os seus efeitos ou mesmo tirando razão de ser à mesma – cfr. Alberto dos Reis, in “Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, págs. 206 e 268”; Ac. RC de 7/7/2004, in “ www.dgsi/jtrc”; Ac. da RC de 9/6/87, in “BMJ n.º 368 – 491”; Ac. do STJ de 4/7/2002, in “Rev. N.º 1800/02 – 2ª sec., Sumários, 7/2002”; Ac RP de 6/1/2003 in “ www.dgsi/jtrp”; Ac. RP de 6/2003 in “www.dgsi/jtrp” e Ac. RC de 30/6/1981 in “BMJ n.º 310 – 346”); Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 15/02/2005, proferido no processo n.º 3919/04, www.dgsi.pt.
Na ação n.º 213/24.0T8LGA vai ser apreciada a deliberação de destituição / nomeação de gerentes da sociedade (…) – Comércio (…) e Serviços, Lda. aprovada a 29.8.2024 e decidir se a mesma é válida ou inválida, e, consequentemente, quem são os gerentes da sociedade. A decisão desta ação pressupõe que o tribunal aprecie se assiste aos requerentes o direito ao cargo, se estão a ser impedidos de o exercer, e decidir se devem ser investidos no cargo.
Face ao que já foi dito e à definição de causa prejudicial, constata-se existir uma relação de prejudicialidade entre a decisão esta ação de impugnação de deliberações sociais n.º 213/24.0T8LGA e a decisão a proferir nesta ação.
Pelo exposto, e de harmonia com o previsto no artigo 272.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, decido suspender esta ação até que se mostre decidida a ação n.º 213/24.0T8LGA pendente neste Juízo de Comércio
I.2.
Os recorrentes formulam alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«A) O presente recurso recai sobre a decisão provinda do Juízo do Comércio de Lagoa – Juiz 1, com data de 09/01/2025, nos termos da qual foi determinado: «Face ao que já foi dito e à definição de causa prejudicial, constata-se existir uma relação de prejudicialidade entre a decisão desta ação de impugnação de deliberações sociais n.º 213/24.0T8LGA e a decisão a proferir nesta ação.
Pelo exposto, e de harmonia com o previsto no artigo 272.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, decido suspender esta ação até que se mostre decidida a ação n.º 213/24.0T8LGA pendente neste Juízo de Comércio.
Notifique».
B) Não colhe a argumentação, nem a fundamentação, nem a decisão tomada pelo Tribunal a quo, uma vez que, salvo o devido respeito, que é muito, o raciocínio expendido pela Exma. Juiz não assenta em pressupostos fácticos e jurídicos corretos e incorre em equívocos vários, conduzindo-o a um enquadramento jurídico que carece de sustentação, impondo-se a sua revogação, pelo Tribunal ad quem.
C) Os aqui Recorrentes, (…) e (…), foram nomeados gerentes da sociedade (…) – Comércio (…) e Serviços, Lda. (adiante, “…”) por deliberação aprovada no dia 29/08/2024, e o ora Recorrido impede-os de aceder à sede social da sociedade e de exercer a gerência.
D) A deliberação que nomeou os aqui Recorrentes como gerentes e destituiu os anteriores gerentes encontra-se inscrita a título definitivo no registo comercial da (…).
E) Também por razões de segurança jurídica, em benefício da (…) e das entidades com que esta se relaciona no quadro do exercício da respetiva atividade social e do cumprimento de obrigações legais, é evidente que os aqui Recorrentes são os atuais gerentes da (…), para todos os devidos efeitos, como tal devendo ser investidos.
F) Com os obstáculos que coloca, o ora Recorrido, de uma parte, impede que os aqui Recorrentes cumpram os seus deveres, sujeitando-os a eventual responsabilidade e, de outra parte, impede que a (…) seja gerida seja por quem for, com perigos e dano evidentes para a aludida sociedade.
G) A decisão da investidura não está dependente do julgamento da ação n.º 213/24.0T8LGA, instaurada em nome de (que não por) …, Unipessoal, Lda. (adiante, “…”), contra a (…), não existindo motivo que possa justificar a suspensão da presente instância.
H) Os potenciais prejuízos originados pela suspensão superam amplamente as suas eventuais vantagens, se algumas.
I) A presente ação judicial destina-se a fazer valer o direito e a obrigação dos aqui Recorrentes de exercerem os cargos sociais de gerentes para os quais foram nomeados na (…) em 29/08/2024.
J) A decisão de investir judicialmente os aqui Recorrentes como gerentes da (…) não será nunca uma decisão desencontrada ou incoerente com a decisão que vier a ser proferida na mencionada ação n.º 213/24.0T8LGA.
K) Sendo a deliberação de 29/08/2024 eventualmente declarada inexistente ou inválida – o que não se aceita e apenas por mero dever de patrocínio ora se equaciona – os aqui Recorrentes cessarão, então, as respetivas funções para que foram nomeados e em que terão sido investidos judicialmente, assim se evitando que entre uma e outra data a (...) fique privada de gestão.
L) Na presente ação de investidura não está em causa a mesma questão que é objeto da ação n.º 213/24.0T8LGA.
M) Na presente ação de investidura cabe apenas aferir se os aqui Recorrentes são ou não formalmente gerentes da (…).
N) O direito de que os aqui Recorrentes se arrogam existe formalmente desde 29/08/2024 e permanecerá até ao momento em que a deliberação de 29/08/2024 eventualmente seja declarada inexistente ou inválida, o que não se aceita e apenas por mero dever de patrocínio ora se equaciona.
O) Até lá e desde a sua nomeação, em 29/08/2024, os aqui Recorrentes encontram- se vinculados ao cumprimento dos deveres legais aplicáveis aos gerentes e administradores de qualquer sociedade, previstos no artigo 64.º do Código das Sociedades Comerciais, mas têm vindo a ser ilicitamente impedidos pelo ora Recorrido de exercer os respetivos cargos na (…).
P) Suspender a presente ação de investidura equivale, salvo o devido respeito, a beneficiar os propósitos do Requerido, ora Recorrido, que atua violando o Direito, a denegar a Justiça devida aos Requerentes, aqui Recorrentes, em violação do artigo 2.º do CPC e do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, e a desconsiderar os interesses e necessidades da (…).
Q) Suspender a presente ação de investidura em virtude da existência da ação n.º 213/24.0T8LGA equivale, salvo o devido respeito, a atribuir a uma ação de impugnação de deliberação social efeitos que a Lei não contempla e que nem a citação para os termos do procedimento cautelar com o n.º 204/24.7T8LGA – entretanto, objeto de indeferimento liminar – seria suscetível de gerar.
R) A mera citação da (…) para os termos de procedimento cautelar para suspensão da execução da deliberação social que nomeou os Requerentes como seus gerentes e destituiu os anteriores gerentes não tem o efeito de fazer cessar o mandato dos aqui Recorrentes e de recolocar em funções os gerentes destituídos.
S) O artigo 381.º/3, do CPC não estipula a invalidade ou ineficácia dos atos de execução da deliberação impugnada, mesmo após a citação.
T) Ainda que se entendesse que a deliberação de 29/08/2024 não ficou integralmente executada com a respetiva inscrição a título definitivo no registo comercial – o que se rejeita e apenas por mero dever de patrocínio ora se conjetura – é facto que os gerentes da (…) continuariam a ser os aqui Recorrentes e a prática por estes de atos da gerência ou destinados a remover obstáculos à sua gerência, incluindo a interposição e promoção de ações especiais de investidura, é dotada de eficácia jurídica.
U) Suspender a presente ação – que é um processo de jurisdição voluntária – até que se mostre decidida a ação n.º 213/24.0T8LGA viola o disposto no artigo 988.º/1, primeira parte, do CPC.
V) A atuação do Recorrido, que motivou a interposição da presente investidura judicial, inscreve-se num conjunto de atuações, censuráveis, que visam impedir, a todo o custo, o exercício de funções dos aqui Recorrentes na (…) e noutras sociedades que foram incumbidos de administrar.
W) Não pode e não deve ignorar-se que a (…), em cujo nome foi requerido o procedimento cautelar n.º 204/24.7T8LGA e foi apresentada a ação n.º 213/24.0T8LGA, não deu instruções, nem concedeu poderes, ao Ilustre Advogado que subscreveu o R.I. e a P.I. em apreço para, em seu nome e representação, dar início às referidas lides, nem ratificou o processado, conforme declaração da (…) junta pelos aqui Recorrentes ao presente processo em 08/01/2025, que aqui dão por integralmente reproduzida, para todos os devidos e legais efeitos.
X) Na mesma linha, a sociedade (…), Limited, única sócia das sociedades (…) e (…) Portugal, Unipessoal, Lda. – por seu turno, únicas sócias da (…) – não deu instruções, nem concedeu poderes, para, em seu nome e representação, se dar início:
a) Ao procedimento cautelar com o objetivo de suspender a eficácia de deliberação social da (…) de 29/08/2024 que destituiu os até então gerentes da (…) e, em sua substituição, nomeou os aqui Recorrentes como novos gerentes da (…); e
b) Ao procedimento cautelar com o objetivo de suspender a eficácia de deliberação social da (…) de 29/08/2024 que destituiu os até então gerentes da (…) e, em sua substituição, nomeou os aqui Recorrentes como novos gerentes da (…).
Y) Ora, ambos os referidos procedimentos cautelares foram objeto de indeferimento liminar, com base nos fundamentos explicitados nas sentenças judiciais correspondentes aos “Doc. 2” e “Doc. 3” juntos pelos aqui Recorrentes ao presente processo em 17/12/2024, que aqui dão por integralmente reproduzidos, para todos os devidos e legais efeitos.
Z) Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente a norma jurídica que invoca, afrontando a lei, além de desrespeitar outras disposições legais, citadas pelos aqui Recorrentes.
AA) Ainda que se entendesse existir uma causa prejudicial pendente – o que não se concede, antes se refuta – o artigo 272.º/2, do CPC impõe que não seja ordenada a suspensão da instância, porquanto sobrevêm fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter esta suspensão, para além de, certamente, os prejuízos decorrentes da suspensão superarem as suas eventuais vantagens.
BB) A suspensão da instância destes autos determina o injusto e indevido benefício do ora Recorrido – que, ilicitamente, tem impedido os Recorrentes de exercer os respetivos cargos na (…) – e de quem faz uso reprovável do processo, pelo que não existe fundamento bastante para suspender a instância, devendo a presente lide, por conseguinte, prosseguir os seus termos, até final, com todas as legais consequências.
CC) Atento o exposto, o Tribunal recorrido interpretaria e aplicaria corretamente o preceituado nas normas jurídicas a que está adstrito se não tivesse decretado a suspensão da instância, antes ordenando o prosseguimento dos normais trâmites do presente processo de jurisdição voluntária de investidura em cargo social; ao não o ter feito, a decisão sob escrutínio incorreu em errada interpretação, aplicação e violação da lei, merecendo reparo.
Termos em que,
Sempre com o mui douto suprimento de V. Exas.,
Requerem seja recebido e concedido provimento ao presente recurso de apelação, e, em consequência, se declare a revogação da decisão judicial recorrida, substituindo-a por decisão judicial que ordene o prosseguimento imediato dos autos, até final, com as legais consequências.
Pois só assim se fará JUSTIÇA!»

I.3.
O recorrido não apresentou resposta às alegações de recurso.
O recurso foi recebido pelo tribunal a quo.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo, 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, do CPC).

II.2.
A questão que cumpre decidir é apenas saber se existe, ou não, fundamento para a suspensão da instância com fundamento numa relação de prejudicialidade entre a presente ação e o processo n.º 213/24.0T8LGA pendente no mesmo Juízo de Comércio.

II.3.
FACTOS
Dão-se aqui por integralmente reproduzidos os factos que estão enunciados na decisão sob recurso.

II.3.
Apreciação do objeto do recurso
Está em causa no presente recurso uma decisão interlocutória do tribunal de primeira instância que ordenou a suspensão da presente ação especial de investidura de cargos sociais com fundamento numa relação de prejudicialidade entre a decisão a proferir no presente processo e a decisão que vier a ser proferida na ação n.º 213/24.0T8LGA.
Levantando-se a questão da existência de uma relação de prejudicialidade entre duas ações, impõe-se que se traga à colação o artigo 272.º do Código de Processo Civil, o qual sob a epígrafe Suspensão por determinação do juiz ou por acordo das partes, dispõe nos seus n.ºs 1 e 2, o seguinte:
«1 – O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado. 2 – Não obstante a pendência da causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.»

A propósito do conceito de “prejudicialidade”, Alberto dos Reis[1] escreveu o seguinte: «Segundo o Prof. Andrade, verdadeira prejudicialidade e dependência só existirá quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental, como teria de o ser, desde que a segunda causa não é reprodução, pura e simples, da primeira. Mas nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade de maneira a abranger outros casos. Assim pode considerar-se como prejudicial, em relação a outro em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal. Estamos de acordo. Há efetivamente casos em que a questão pendente na causa prejudicial não pode discutir-se na causa subordinada; há outros em que pode discutir-se nesta, mas somente a título incidental. Na primeira hipótese o nexo de prejudicialidade é mais forte, na segunda, mais frouxo; na primeira há uma dependência necessária, na segunda, uma dependência meramente facultativa ou de pura conveniência.». Por sua vez, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[2] entendem que “causa prejudicial” é aquela que tenha por objeto pretensão que constitui pressuposto da formulada e Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Sousa[3] referem que «o nexo de prejudicialidade define-se assim: estão pendentes duas ações e dá-se o caso de a decisão de uma poder afetar o julgamento a proferir noutra; a razão de ser da suspensão, por pendência de causa prejudicial é a economia e a coerência de julgamentos; uma causa é prejudicial à outra quando a decisão da primeira possa destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda».
No caso em apreço, os autores e ora apelantes pretendem que seja ordenada / determinada a sua investidura judicial como gerentes da sociedade (…) – Comércio (…) e Serviços, Lda. e que o requerido seja condenado a reconhecê-los como gerentes daquela sociedade e a entregar-lhes todas as coisas de que estes devam ficar empossados para o exercício dos seus cargos, facultando-lhes ainda o acesso à sede social da empresa. Para tal desiderato, os requerentes alegaram que se encontram registados os seguintes factos jurídicos:
i. A destituição, por deliberação de 29/08/2024, de (…) e de (…) dos cargos de gerentes da sociedade (…) – Comércio (…) e Serviços, Lda. a qual se mostra registada pela Ap. (…), de 29/08/2024;
ii. A destituição por deliberação de 29/08/2024, de (…) do cargo de gerente da sociedade (…), a qual se mostra registada pela Ap. (…), de 29/08/2024;
iii. A nomeação de (…) e de (…) como gerentes da sociedade (…), por deliberação de 29/08/2024, a qual se mostra registada pela Ap. (…), de 29.08.2024; e
iv. O requerido negou aos requerentes o acesso à sede social daquela sociedade, não enviou nem permitiu a consulta, pelos requerentes, de qualquer informação e documentação relativa à sociedade, impedindo desta forma que os requerentes exerçam os seus cargos sociais.
Dispõe o artigo 1070.º do CPC, inserido na Secção VIII – Investidura em cargos sociais – do Capítulo XIV – Exercício de direitos sociais, o seguinte:
«1 – Se a pessoa eleita ou nomeada para um cargo social for impedida de o exercer, pode requerer a investidura judicial, justificando por qualquer meio o seu direito ao cargo e indicando as pessoas a quem atribui a obstrução verificada.
2 – As pessoas indicadas são citadas para contestar, sob pena de deferimento da investidura.
3 – Havendo contestação, é designado dia para a audiência final, na qual se produzem as provas oferecidas e as que o tribunal considere necessárias».
O preceito supra citado acompanhado do disposto no artigo 1071.º do mesmo diploma normativo – o qual prevê a fase executiva do processo, ou seja, a investidura no cargo – constitui «uma solução rápida e prática para as situações de facto em que qualquer titular de cargo social se veja impedido de o exercer»[4].
De harmonia com o disposto no artigo 1070.º do CPC são pressupostos do decretamento da investidura: i. o direito do(s) requerente(s) ao cargo por ter sido eleito ou nomeado para o mesmo; e ii. o impedimento ao seu exercício (imputável a pessoas determinadas).
Na ação n.º 213/24.0T8LGA – supostamente a causa prejudicial – discute-se a validade das deliberações que destituíram a anterior gerência da sociedade (…) e a nomeação dos aqui autores como gerentes daquela sociedade, respetivamente.
Ao contrário do que foi decidido pelo tribunal recorrido, julgamos que naquela ação não se está a apreciar qualquer questão que contenda com a decisão a proferir nestes autos ou que seja pressuposto do julgamento a proferir na presente ação especial de investidura em cargos sociais; com efeito, o direito dos autores a serem investidos na gerência da sociedade (…) existe já na respetiva esfera jurídica por força de uma deliberação social que produz os seus efeitos até ser inutilizada através da respetiva ação judicial[5]. Até lá, a deliberação social é vinculativa, sendo quanto basta para considerar verificado o primeiro pressuposto da ação de investidura judicial em cargo social. E, não havendo notícia nos autos de que já tenha sido proferida decisão de mérito na ação que corre termos sob o n.º 213/24.0T8LGA, os apelantes são os gerentes nomeados da sociedade (…), Lda., logo, têm direito ao exercício do cargo e a serem nele investidos. Por isso se entende que na ação n.º 213/24.0T8LGA não se discute uma pretensão que tenha de ser considerada para a decisão da presente ação; se, porventura, a decisão que vier a ser proferida na ação n.º 213/24.0T8LGA for no sentido da invalidade da deliberação social de nomeação dos aqui apelantes como gerentes da sociedade (…), Lda. a sua consequência será a cessação, por parte dos mesmos, daquela função. Aliás, não se pode olvidar que estamos no âmbito de um processo de jurisdição voluntária, cujas decisões são alteráveis por força da ocorrência de circunstâncias supervenientes, de harmonia com o disposto no artigo 988.º do CPC e que, além disso, a solução da suspensão da instância por causa prejudicial levaria ao absurdo de a sociedade (…) ficar sem qualquer gerência, uma vez que a anterior gerência foi destituída e os novos gerentes nomeados estão alegadamente impedidos de exercer o cargo por ação do requerido/apelado.
Em face de todo o exposto, impõe-se a revogação do despacho recorrido e, consequentemente, o prosseguimento dos autos, procedendo, assim, a presente apelação.


Sumário: (…)

III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam julgar procedente a Apelação, e, em conformidade, revogam a decisão recorrida e ordenam o prosseguimento dos autos.
As custas serão fixadas a final, de acordo com o vencimento que se vier a verificar.
Notifique.
Évora, 22 de maio de 2025
Cristina Dá Mesquita
Vítor Sequinho dos Santos
Isabel de Matos Peixoto Imaginário


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[1] Comentário ao Código de Processo Civil, volume 3.º, Coimbra Editora, 1946, pág. 268.
[2] Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2014, Coimbra Editora, pág. 535.
[3] Código de Processo Civil Anotado, vol. I, págs. 314-315.
[4] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.02.2024, processo n.º 10912/21.2T8LSB.L1-1, consultável em www.dgsi.pt.
[5] Que pode ser uma ação constitutiva de anulação de deliberação social ou uma simples ação de simples apreciação (negativa) – declaração de nulidade.