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CUMPRIMENTO DO CONTRATO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
ÓNUS DA PROVA
Sumário
i) a factualidade objeto de julgamento há de ser colhida, em regra, dos articulados apresentados pelas partes; ii) recai sobre aquele que invoca um direito o ónus da prova dos factos dele constitutivos; iii) não recai sobre o demandado o ónus de provar a versão que, em sede de impugnação motivada, alegou; iv) não é de aplicar o regime inserto no artigo 883.º do Código Civil se não está provado que as partes não determinaram nem convencionaram o modo de ser determinado o preço do serviço prestado. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Évora
I – As Partes e o Litígio
Recorrente / Ré: (…), Sociedade Unipessoal, Lda.
Recorrida / Autora: (…) – Sociedade de Agricultura de Grupo, Lda.
A Autora apresentou requerimento de injunção peticionando a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 17.334,44 de capital, € 2.090,10 de juros de mora vencidos, € 123,00 referente a outras quantias e € 153,00 de taxa de justiça.
Alegou, para tanto, que, no exercício da sua atividade comercial e por solicitação da Ré, forneceu-lhe silagem de milho, pelo que se encontra em dívida a quantia de € 17.334,44 da fatura emitida a 06/10/2022, vencida a 05/11/2022, pelo valor global de € 38.478,00, uma vez que a título de capital foram efetuados pagamento no montante de € 21.143,56.
A Ré deduziu oposição impugnando que tenha tido lugar o fornecimento de silagem de milho e o valor cobrado.
Alegou ter sido prestado serviço de corte e transporte de silagem no ano de 2022, tal como aquele que foi prestado no ano de 2021 (nos mesmos 33 hectares, relativo a 1.508.360 Kg de milho para silagem), a que corresponde a fatura 2021/91 pelo valor de € 14.187,60 + IVA, no valor total de € 15.038,86.
Alegou ainda que não corresponde à verdade o que consta da fatura, a silagem de milho de 33 hectares à razão de € 1.100,00.
Conclui que a ação não pode proceder, quando muito ser fixado um valor que seja justo e equilibrado, nos termos do artigo 883.º do Código Civil, pelos serviços prestados.
Em resposta, a Autora invocou que emitiu a fatura 2022/106, no valor de € 38.478,00 por conta dos serviços que prestou à Ré, que esta recebeu a fatura e apenas pagou o montante de € 21.146,56, pelo que permanece em dívida o remanescente, no valor de € 17.334,44.
Consta da ata da audiência prévia terem sido pedidos esclarecimentos pelo Tribunal às partes relativamente a notadas incongruências de factos alegados, no seguimento do que foram prestados oralmente requerimentos, mostrando-se exarado que:
- a Autora declarou que a fatura peticionada diz respeito à prestação de serviços de corte e transporte de silagem de milho;
- a Ré confirmou que a área de silagem cortada foi de 33 hectares, reiterando, porém, que a faturação do serviço por hectare não corresponde ao acordado.
II – O Objeto do Recurso
Decorridos os trâmites processuais documentados nos autos, foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente, condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de € 17.334,44 (dezassete mil e trezentos e trinta e quatro euros e quarenta e quatro cêntimos) a título de capital, a quantia de € 2.090,10 (dois mil e noventa euros e dez cêntimos) a título de juros vencidos desde 05/11/2022 e 20/11/2023, a quantia de € 40,00 (quarenta euros) a título de custos de cobrança de dívida, absolvendo a Ré do demais peticionado.
Inconformada, a Ré apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que considere que o valor devido deverá ser calculado com base no pagamento efetuado à tonelada no ano de 2021, devidamente atualizado de forma justa e equilibrada. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
«1- A Ré nunca adquiriu silagem de milho à Autora.
2- Pelo contrário, e conforme resulta dos autos, vendeu à Autora silagem (docs. 2 e 3 juntos com a oposição).
3- Com a devida vénia, o tribunal a quo de forma errónea deu como provado a matéria constante do nº 7 de Factos Provados (porquanto resulta da conjugação dos factos não ter havido acordo nesse sentido).
4- O tribunal a quo deu como facto não provado a matéria constante da alínea a) de Factos não Provados, quando deveria, com a devida vénia, acrescentar à matéria constante de 3 dos factos provados, num total de 1.508.360 Kg, pelo preço de 10,00 euros a tonelada (como resulta de 5.º dos Factos Provados).
5- Donde que se espera que V. Exa. revoguem a douta sentença proferida quanto à matéria de facto dada como provada, no n.º 3 – No ano de 2021, a Autora a pedido da Ré procedeu ao corte de milho para silagem numa propriedade do (…), com uma área de 33 hectares, e transportou daí a referida silagem até á vacaria da Ré, num total de 1.508.360 Kg ao preço de 10,00 euros a tonelada, mais IVA.
6- Deverão também V. Exas. revogar o facto dado como provado no n.º 7 – Factos Provados , o qual deverá ter a seguinte redação – 7 – provado apenas que em data não apurada de 2022 o legal representante da Autora (…), encontrou-se com (…), junto da propriedade referida em 3 tendo acordado que a Autora procederia ao corte e transporte da silagem de milho a colher naquela propriedade, dentro de 6 ou sete dias, tendo ficado acordado que iriam fazer ambos as suas contas quanto ao preço do serviço.
7- Daqui decorre que esse Venerando Tribunal deverá com a devida vénia, revogar a sentença recorrida, absolvendo a Ré do pagamento à Autora em que foi condenada.
8- E substituindo-a por outra, em que considere, que o valor devido pelo corte de silagem de milho e transporte da propriedade do (…) para a vacaria da Ré, em 2022 deverá ser na base do pagamento efetuado à tonelada no ano de 2021, devidamente atualizado de forma justa e equilibrada, conforme previsto no artigo 883.º do Código Civil, aplicável por força dos artigos 1155.º e 1211.º do Código Civil.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpre conhecer das seguintes questões:
i) da impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
ii) do montante devido pela Ré à Autora.
III – Fundamentos
A – Os factos provados em 1.ª Instância
1. A Autora é uma sociedade de agricultura de grupo, que se dedica à exploração, produção, transformação e comercialização de produtos agrícolas.
2. No exercício da sua atividade, por solicitação da Ré, a Autora prestou à Ré serviços de corte e transporte de silagem de milho, nos anos de 2021 e 2022.
3. No ano de 2021, a Autora, a pedido da Ré, procedeu ao corte de milho para silagem numa propriedade do (…), com uma área total de 33 hectares, e transportou daí a referida silagem até à vacaria da Ré.
4. Em 13/12/2021, (…) e (…), da Autora, enviaram à Ré um email o seguinte teor:
«Bom dia.
Como combinado com o sr. (…), vimos desta forma apresentar os nossos cálculos para determinar o valor total de kg. de milho para silagem cortados e transportados para as vossas instalações.
- Segue em anexo os cálculos do primeiro milho cortado onde os reboques foram pesados apenas uma vez e, portanto, essa pesagem foi usada para todo esse primeiro milho.
Segue também em anexo outro documento com os cálculos da segunda vez que levamos a máquina para os vossos campos. Neste segundo corte foram cortados o pivô 2 e o pivô 3, havendo uma pesagem de cada reboque para cada pivô.
Está explícito no documento em anexo onde começou e acabou cada um dos pivôs. Neste documento estão também os cálculos para determinar o valor final.
- Segue ainda em anexo uma cópia de todos os talões de pesagem.
Portanto, no final foram apurados os seguintes totais:
Total de peso de milho para silagem entregue nas vossas instalações: 1.508.360 kg.
Valor € 15.083,60
Total de peso de milho para silagem comprado pela (…) à (…): 22.400 kg.
Valor = € 896,00
Total a pagar: € 15.083,60 - € 896,00 = € 14,187.60+IVA
Solicito então que verifiquem os cálculos e caso concordem, procederemos à emissão da respetiva fatura.»
5. Em 22/12/2021, (…) e (…), da Autora, enviaram um email à Ré com o seguinte teor:
«Boa tarde.
Concordam com os valores apresentados no email anterior?
Precisamos fazer a fatura até ao final desta semana.»
6. Em 26/12/2021, a Autora emitiu à Ré a fatura (…), com vencimento em 10/01/2022, com o descritivo «serviço de corte de 1.508.360 kg. de milho para silagem e transporte para as instalações do cliente», no valor de € 14.187,60, acrescido de € 851,26 de IVA, num total de € 15.038,86.
7. Em data não apurada do ano de 2022, o Legal Representante da Autora, (…), encontrou-se com (…) junto da propriedade referida em 3, e ambos acordaram que a Autora procederia ao corte e transporte da silagem de milho a colher naquela propriedade, para a Ré, pelo preço de € 1.100,00 por hectare.
8. No ano de 2022, a Autora procedeu ao corte e transporte de silagem de milho para a Ré numa área de 33 hectares.
9. Em 06/10/2022, a Autora emitiu a fatura (…), com data de vencimento em 05/11/2022, no valor de € 36.300,00, acrescidos de € 2.178,00 de IVA, no total de € 38.478,00, com a seguinte descrição «silagem de milho; 33,00 ha», considerando um preço unitário de € 1.100,00.
10. A Autora enviou a fatura referida em 9 por email à Ré, que a recebeu.
11. Por conta da fatura referida em 9, a Ré pagou, pelo menos, a quantia de € 16.500,00.
B – As questões do Recurso
i) Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto
O regime atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto consta enunciado no artigo 640.º, CPC. O seu acionamento despoleta a reapreciação do julgamento realizado em 1.ª Instância com vista a apurar se os factos concretos submetidos à instrução, factos esses objeto de decisão que se mostra impugnada em sede de recurso, foram incorretamente julgados, impondo-se decisão diversa da recorrida. A Relação deve alterar a decisão se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa da recorrida – cfr. artigos 640.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Ora, a Ré insurge-se contra o teor do n.º 7 dos factos provados, invocando que resulta da conjugação dos factos não ter havido acordo nesse sentido. Sustenta que deve passar a ter a seguinte redação: em data não apurada de 2022, o legal representante da Autora, (…), encontrou-se com (…), junto da propriedade referida em 3 tendo acordado que a Autora procederia ao corte e transporte da silagem de milho a colher naquela propriedade, dentro de 6 ou sete dias, tendo ficado acordado que iriam fazer ambos as suas contas quanto ao preço do serviço.
Desde logo cumpre objetar que a factualidade que a Ré pretende ver plasmada no rol dos factos provados não consta alegada nos articulados apresentados pelas partes.
Tal como, na verdade, não consta a factualidade que foi exarada no n.º 7 dos factos provados.
Nos termos do disposto no artigo 607.º, n.º 3, do CPC, os fundamentos da sentença devem incluir o rol dos factos que são julgados provados e o dos que são julgados não provados. Os factos a enunciar como provados hão de ser colhidos entre os factos essenciais que as partes alegaram[1], conforme determinado pelo artigo 552.º, n.º 1, alínea d), do CPC. São esses os factos de que é lícito ao juiz conhecer (artigo 411.º do CPC), e é sobre esses que se impõe profira juízo de provado ou de não provado. O juiz atenderá ainda à prova tabelada produzida nos autos, atento o disposto na 2.ª parte do n.º 4 do artigo 607.º do CPC, podendo lançar mão de algum facto demonstrado por documento que repute relevante para a matéria em discussão – sendo certo, porém, que a junção de documento não é apta a suprir a lacuna de alegação do facto.
Para além desses, cabe ao juiz conhecer de factos que não dependem de alegação pelas partes: são os factos que não carecem de alegação ou de prova, conforme estatui o art. 412.º do CPC, e ainda aqueles que não carecem de alegação por via do artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), do CPC.
Na verdade, por via do Princípio do Dispositivo consagrado no artigo 5.º do CPC, só há que atender aos factos alegados pelas partes, a quem cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas, sem prejuízo dos factos enunciados no n.º 2 de tal normativo (factos instrumentais que resultem da instrução da causa e factos complementares ou concretizadores de factos essenciais alegados que resultem da instrução da causa desde que sobre eles as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar, factos notórios ou aqueles de que o tribunal tenha conhecimento por virtude das suas funções). O Princípio do Contraditório, por sua vez, determina que não é lícito decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem – cfr. artigo 3.º, n.º 3, do CPC.
O que determina que factos essenciais não alegados não possam ser incluídos no rol dos factos julgados provados, sob pena de excesso de pronúncia; tais factos não podem ser considerados, implicando, nessa parte, na nulidade da decisão[2] – artigos 195.º, n.º 1 e 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
É certo que consta da ata da audiência prévia que, oralmente, foram as partes intimadas a prestar esclarecimentos relativamente à concretização /imprecisão/incongruência de matéria de facto alegada tendo sido colhidos esclarecimentos prestados oralmente.
No entanto, nos termos do disposto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, é por via de articulado apresentado nos autos que cada parte há de suprir vícios de imprecisão ou concretizar factos alegados.
Dos articulados há de selecionar-se os factos a julgar como provados e os factos a julgar não provados.
De todo o modo, considerando que as partes não podem resultar prejudicadas pela gestão processual prosseguida pelo juiz da causa, cumpre apreciar se em 1.ª Instância se incorreu em erro ao dar como provado o que consta do n.º 7.
Está em causa o seguinte:
7. Em data não apurada do ano de 2022, o Legal Representante da Autora, (…), encontrou-se com (…) junto da propriedade referida em 3, e ambos acordaram que a Autora procederia ao corte e transporte da silagem de milho a colher naquela propriedade, para a Ré, pelo preço de € 1.100,00 por hectare.
O que foi alicerçado na seguinte fundamentação:
«Com clareza e coerência, o Legal Representante da Autora asseverou ainda que o valor acordado não tinha por base nenhuma tonelagem por hectare, tendo-se cada um dos negociantes limitado a fazer as suas contas e ajuizar, na sua própria perspetiva, pela justeza do preço proposto. (…) declarou ainda que um hectare pode dar mais do dobro de milho de um ano para o outro, e que não tinha dúvidas de que se, no caso concreto, tivessem, feito a pesagem da silagem cortada, o valor a pagar pela Ré seria superior, porque a seara estava muito melhor do que no ano anterior.»
Fundamentação que não acompanhamos.
Das declarações prestadas pelo legal representante da Autora resulta terem sido feitas afirmações imprecisas, denotando pouco convicção, em contradição com factos alegados pela Autora nos articulados. A saber:
- afirmou que “pagamentos em dinheiro nunca houve” – no requerimento de injunção é afirmado terem sido efetuados pagamentos no valor global de € 21.143,65, a que correspondem recibos emitidos; na resposta à matéria de exceção a Autora alegou que a Ré, por conta da fatura, pagou € 21.146,56 em seis tranches;
- afirmou que “a seara estava razoavelmente boa, nada de excecional”;
- afirmou, mais adiante, que “a seara estava muito melhor do que no ano passado”.
Embora tenha afirmado ter feito acordo com (…), este em representação da Ré, de que o valor do serviço de corte e transporte da silagem era de € 1.100,00/ha, já que acordaram não fazer pesagem porque as balanças estavam fora da área do percurso (assim não era no ao anterior???), se colheita não era excecional, como entender ter a Ré anuído pagar € 36.300,00 pelo mesmo serviço que, no ano anterior e conforme descriminado no n.º 4 dos factos provados, tenha custado € 15.083,60?
Inexiste meio de prova donde se retire ter a seara duplicado a produção relativamente ao ano anterior de modo a justificar aquele aumento de preço.
Por conseguinte, na falta de outros elementos de prova, tais declarações do legal representante da Autora não são aptas a criar neste Tribunal a convicção certa, firme e segura que foi feito o acordo de pagamento de € 1.100,00/ha.
O que, adiante-se, também não é corroborado pela fatura emitida pela Autora, descrita no n.º 6 dos factos provadas, com base na qual a Autora alegou ter fornecido à Ré silagem de milho no valor de € 38.478,00 inscrito na fatura (note-se que a Autora impugnou ainda, expressamente, a factualidade invocada pela Ré na oposição na qual invocou não estar em causa fornecimento de silagem de milho, mas antes a prestação de serviço de corte e transporte de silagem proveniente da sua seara).
Termos em que se conclui não ter resultado provado o que consta do n.º 7 dos factos provados.
A Ré requer que, ao n.º 3, seja acrescentado o segmento alusivo aos kg. cortados e transportados no ano anterior (1.508.360 Kg.) e ao valor e € 10,00/tonelada.
Considerando que tal resulta, inequivocamente, do que está exarado nos n.ºs 4 e 6, não se reveste de interesse a pretensão da Ré. Importa ainda atentar no disposto no n.º 11 dos factos provados: Por conta da fatura referida em 9, a Ré pagou, pelo menos, a quantia de € 16.500,00. Consta, porém, do requerimento inicial o seguinte: «Fatura 2022/106, emitida a 06/10/2022 e vencida a 05/11/2022, no valor de € 38.478,00, permanecendo em dívida o montante de € 17.334,44 a título de capital (foram efetuados pagamentos no montante de € 21.143,56): cfr: - Recibo 2022/124, emitido no dia 03/01/2023, no valor de € 4.643,56. - Recibo 2022/142, emitido no dia 19/04/2023, no valor de € 6.000,00. - Recibo 2022/146, emitido no dia 04/07/2023, no valor de € 5.000,00. - Recibo 2022/147, emitido no dia 05/07/2023, no valor de € 1.500,00. - Recibo 2022/157, emitido no dia 06/10/2023, no valor de € 2.000,00. - Recibo 2022/158, emitido no dia 14/11/2023, no valor de € 2.000,00).» Mais consta da resposta apresentada pela A à Oposição da R o seguinte: «A ré apenas pagou, por conta da aludida fatura, a quantia de € 21.146,56, designadamente, em seis tranches, Permanecendo em dívida o remanescente, no valor de € 17.334,44.» Admitindo a Autora ter sido paga a quantia de € 21.146,56, impõe-se a alteração do n.º 11 dos factos provados, de modo a que dele passe a constar o seguinte: 11 - Por conta da fatura referida em 9, a Ré pagou a quantia de € 21.146,56. É o que se determina – artigo 662.º/1, do CPC.[3]
ii) Do montante devido pela Ré à Autora
A Ré sustenta que deve ser absolvida do pedido em que foi condenada, concedendo seja aferido o valor justo por referência ao pagamento efetuado à tonelada no ano de 2021. Reitera o que exarou na oposição apresentada, no sentido de que não foi acordado o preço do serviço à razão de € 1.100,00/ha.
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 342.º/1, do Código Civil, àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
A Autora peticionou a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 17.334,44 alegando tratar-se do capital em falta referente à fatura 2022/106, emitida no âmbito do fornecimento de silagem de milho pelo valor global de € 38.478,00, dos quais a Ré pagou, em seis tranches, € 21.146,56.
Veio a afirmar-se ter a Autora prestado à Ré serviço de corte e transporte de silo, no âmbito da atividade comercial que cada uma delas desenvolve, configurado como contrato misto de prestação de serviços e de transporte, de índole comercial.
O que não é colocado em crise neste recurso.
Contudo, não logrou a Autora provar, como lhe competia, que o preço devido pelo serviço prestado corresponde a € 1.100,00/ha, ascendendo a € 36.300,00 + IVA a 6%.
Por outro lado, não tem aqui aplicação o regime inserto no artigo 883.º do CC, ex vi do artigo 3.º do Código Comercial, porquanto não está provado que as partes não determinaram nem convencionaram o modo de ser determinado o preço do serviço de corte e transporte da silagem proveniente dos 33 ha de seara da Ré. Da circunstância de não estar provado o preço acordado não resulta afirmado não ter sido acordado qualquer preço.
Claudicando tal facto constitutivo do direito invocado pela Autora, resulta manifesto inexistir fundamento para afirmar estar a Ré em falta com o pagamento os valores reclamados. Atente-se ainda na circunstância de, no ano anterior, o serviço de corte e transporte do silo nos mesmos 33 ha da Ré ter sido cobrado pela Autora pelo montante de € 15.083,00. O que a Ré pagou. No ano seguinte, a Autora pretende obter da Ré o pagamento de € 38.478,00 pelo mesmo serviço, nos mesmos 33 ha. Em 1ª instância considerou-se provado ter sido acordado o preço de €1.100,00/ha pela realização desse serviço (o que nem sequer consta alegado). O que não vai reiterado nesta instância de recurso. Em face dos antecedentes, poderia a Autora ter alegado e provado (o que não fez) que havia mais seara do que no ano anterior, justificando o exponencial aumento do preço. Como do valor faturado foram pagos € 21.143,00, resulta ter sido pago mais 40,17% do que no ano anterior. Na falta de outra alegação e prova, não existe fundamento para condenar a Ré a pagar mais do que os € 21.143,00 por esse serviço.
As custas recaem sobre a Recorrida, na vertente de custas de parte.
Sumário: (…)
IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, absolvendo-se a Ré dos pedidos formulados.
Custas pela Recorrida.
Évora, 22 de maio de 2025
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Mário João Canelas Brás
José Manuel Tomé de Carvalho
__________________________________________________
[1] V. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2013, I vol. pág. 541.
[2] Cfr. Acs. TRC de 19/06/2001, de 14/01/2014.
[3] Diga-se que sem necessidade de auscultar as partes (artigo 3.º/3, do CPC), uma vez é patente o acordo das mesmas relativamente a tal facto, além de que tal quantia é que foi considerada liquidada na motivação jurídica da sentença.