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ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
USO PARA FIM DIVERSO
LAR DE IDOSOS
Sumário
I. Não se demonstrando qualquer incumprimento das obrigações assumidas pelos Senhorios (AA), no contrato de arrendamento celebrado com a Arrendatária (Ré), esta não pode, invocando o disposto no artigo 428.º do Código Civil, deixar de cumprir a sua obrigação principal: o pagamento das rendas devidas como contrapartida pelo uso do imóvel, que lhe foi cedido. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Sumário: (…)
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Acordam na 1.ª secção do Tribunal da Relação de Évora,
1. Relatório:
(…) e (…) intentaram a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra (…), Lda., (…) e (…), pedindo (a) o reconhecimento da existência do contrato de arrendamento celebrado entre Autores e Réus; (b) a declaração de cessação do mesmo por incumprimento da 1.ª Ré no pagamento das rendas devidas; (c) que seja ordenada a imediata desocupação do locado, devendo a 1.ª Ré entregá-lo livre de pessoas e bens; (d) a condenação dos Réus no pagamento da quantia total de €13.858,32 (treze mil, oitocentos e cinquenta e oito euros e trinta e dois cêntimos), a título de rendas vencidas e não pagas e vincendas até efetiva entrega do locado, juros moratórios, indemnização pelo atraso no cumprimento, prevista no artigo 1041.º do Código Civil, e juros vincendos até integral pagamento; e (e) a condenação dos Réus no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória à razão de € 1.000,00 (mil euros) por cada mês de atraso na entrega do locado.
Em abono da sua pretensão alegaram que:
- A 27-01-2015 e com efeitos a partir de 01-02-2015, deram de arrendamento à Ré, para habitação dos 2.º e 3.º Réu o imóvel que identificam, tendo estes como fiadores, assumindo solidariamente o pagamento das rendas e de todas as despesas judiciais e extrajudiciais.
- A arrendatária e os fiadores não pagaram as rendas referentes aos meses de Dezembro de 2020 a Fevereiro de 2021, parte da renda de Março de 2021, no valor de € 328,41 (trezentos e vinte e oito euros e quarenta e um cêntimos), e de Junho de 2022 a Janeiro de 2023, no valor total de € 11.328,41.
- Os AA interpelaram os Réus para pagamento e comunicaram a resolução do contrato com fundamento nas rendas em atraso, com a advertência de que o locado deveria ser, de imediato, desocupado.
Os Réus contestaram, invocando:
- a inexigibilidade da obrigação aos Réus fiadores, porquanto não foram interpelados para o cumprimento e não renunciaram ao benefício da excussão prévia;
- a nulidade do contrato de arrendamento;
- a impossibilidade legal de celebração de contrato de arrendamento habitacional, atendendo à natureza da 1.ª Ré e ao seu objecto social;
- caducidade parcial do direito, por referência às rendas vencidas entre 08-12-2020 e 08-09-2022;
- exceção de não cumprimento, invocando que o locado carece de licença administrativa para utilização enquanto lar de terceira idade e que necessita da realização de determinadas obras essenciais a permitir tal funcionamento.
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Após a audiência final foi proferida sentença que considerou a ação parcialmente procedente e, em consequência:
a) Reconheceu a existência do contrato de arrendamento habitacional celebrado entre Autores e Réus a 27-01-2015, referente à fracção autónoma correspondente a um lote de terreno com moradia unifamiliar sito na Rua (…), CCI-40103, Águas de Moura, (…)
b) Declarou o contrato referido em a) resolvido por incumprimento da 1.ª Ré no pagamento das rendas vencidas (…);
c) Condenou a 1.ª Ré na imediata desocupação e entrega do locado, aos Autores, livre de pessoas e bens;
d) Condenou todos os Réus no pagamento solidário, aos Autores, da quantia correspondente a € 5.328,41 (cinco mil e trezentos e vinte e oito euros e quarenta e um cêntimos), a título de rendas vencidas e não pagas referentes aos meses de Janeiro a Março de 2021, Agosto e Dezembro de 2022 e Janeiro de 2023, acrescidas dos respetivos juros de mora desde citação até integral cumprimento, à taxa legal de 4,00% (quatro pontos percentuais) ao ano;
e) Condenou a 1.ª Ré no pagamento, aos Autores, da quantia correspondente a € 6.000,00 (seis mil euros), a título de rendas vencidas e não pagas referentes aos meses de dezembro de 2020 e Junho, Julho, Setembro, Outubro e Novembro de 2022, acrescidas dos respectivos juros de mora desde citação até integral cumprimento, à taxa legal de 4,00% (quatro pontos percentuais) ao ano;
f) Absolveu os 2.º e 3.º Réus do pagamento solidário, aos Autores, da quantia indicada em e) e respectivos juros de mora;
g) Condenou todos os Réus no pagamento solidário, aos Autores, das rendas vincendas até efetiva entrega do locado, livre de pessoas e bens, acrescidas dos respectivos juros de mora até efetiva entrega do locado, à taxa legal de 4,00% (quatro pontos percentuais) ao ano;
h) Absolveu todos os Réus do pagamento da indemnização pelo atraso no cumprimento prevista no artigo 1041.º, n.º 1, do Código Civil;
i) Absolveu todos os Réus do pagamento de uma sanção pecuniária compulsória à razão de € 1.000,00 (mil euros) por cada mês de atraso na entrega do locado
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Os Réus (…), Lda., (…) e (…), por não se conformarem com a sentença, interpuseram o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões:
1. A Douta Sentença recorrida decidiu mal quanto à matéria dada como assente e dada como não provada.
2. E, em consequência, fez uma errada aplicação do direito.
3. Deu como não provado (alínea d) ponto B da douta sentença recorrida) que a garantia de obtenção de alteração da licença de utilização do imóvel, assim como a realização das obras necessárias a esse fim, fosse uma condição de celebração do contrato de arrendamento.
4. E fê-lo tomando como bom o depoimento da testemunha (…), filho dos Recorridos, que em todo o processo de negociação do contrato e durante o seu depoimento sempre agiu como parte, falando sempre no plural.
5. Tal resulta da gravação Diligência 8321-22.5T8STB-2024-05-29_14- 56-41, aos 00:04:23 minutos, quando afirma “não nunca mais recebemos nenhuma renda”, aos 00:04:56 “é por isso que aqui estamos”, 00:05:19 “nós não permitimos, nós a certa altura tivemos conhecimento que eles tinham começado a usar o imóvel para o lar. Ok, mas o contrato foi celebrado inicialmente, de boa fé, para que a D. (…) e o sr. (…) habitassem (…) nunca concordamos com essa situação.”
6. Não tendo sido considerado o teor dos emails trocados pela mesma testemunha e os Recorrentes, juntos aos autos como Docs. 1 e 2, onde é clara a intenção dos Recorrentes no arrendamento de um espaço para o uso como residência para idosos, a título de exemplo, o Recorrente afirma “deve estar autorizada pelo senhorio a sub locação (uma vez que faz parte da nossa atividade cobrar um serviço pelo uso das instalações, também)”;
7. Não tendo sido, também, consideradas as declarações prestadas pela Recorrente (…), na sua articulação com os documentos juntos aos autos, nomeadamente, o gravado como Diligência 8321-22.5T8STB - 2024-05-29_14-35-08, aos minutos 00:07:17: “Eu já trabalhava na área da geriatria com apoio domiciliário e, no entretanto, na expetativa de crescimento de negócio estávamos à procura de espaços que pudéssemos utilizar para, inicialmente em arrendamento, desenvolver a atividade de residência, Encontrámos em 2015 um espaço (….).
8. Por outro lado, o depoimento prestado pela testemunha (…) deve ser considerado com parcial e não credível, bom ou fiável.
9. No exame crítico das provas, resulta da realidade das coisas (projeto de alteração em desenvolvimento na Câmara Municipal de Palmela desde 2013, intenção do Recorrentes de iniciarem uma nova atividade, exigências constantes nos emails juntos, as características do imóvel experiência do cidadão comum que o destino pretendido pelos Recorrente era não o habitacional, mas o de residência para idosos.
10. Pelo que deve ser aditado aos factos assentes um novo facto, “20. Que, a quando da celebração do contrato referido em 2 e como condição para tal, o Autor se tenha obrigado a garantir a alteração da licença de utilização do imóvel ou a proceder à realização das obras no mesmo, de modo a permitir o uso do locado para o desenvolvimento da atividade de lar residencial geriátrico.”
11. Devem ainda serem aditados todos os factos comprovados por meio da prova documental junta aos autos, por relevantes para avaliação da responsabilidade, omissões dos recorridos e fundamento da demora do processo urbanístico de alteração do uso em curso na Câmara Municipal de Palmela, iniciado pelos Recorridos, e a sua conclusão como improcedente, nomeadamente o que resultado Docs. 7 a 34 juntos pelos Recorrentes.
12. A douta Sentença recorrida também não decidiu bem ao afirmar que a 3.ª Ré, Recorrente (…), não merece credibilidade por entrar em contradição e ter assumido uma postura corporal comprometida.
13. Afirmando-o, mas não o fundamentando, pois que não se suporta e factos.
14. A Recorrente afirmou que o locado necessitava de obras, afirmou também que alguma foram feitas pelos Recorrentes e a custas da própria locatária e que outras aguardavam a sua execução pelo Recorrido.
15. No que respeita à falta de licença para o uso de residência de idosos, afirmou que a mesma não impede o uso físico do imóvel como tal, impede a obtenção da licença para funcionamentos e imputa responsabilidade contraordenacional, termos da legislação em vigor, o que também resulta do Doc. 7 e do seu depoimento aos minutos 00:13:06 e aos minutos 00:17:10.
16. Pelo que, o facto dado como provado pelo n.º 5 deve ser alterado passando a constar “A 1.ª Ré acordou em receber o locado no estado em que se encontrava e convencida que iria celebrar um contrato para o uso de lar residencial geriátrico logo que emitida a licença de utilização pela Câmara Municipal de Palmela.”
17. Decorre da alteração pretendida à factualidade dada como assente que os Recorrentes e Recorridos celebraram um contrato de arrendamento em que a alteração do uso lar residencial geriátrico e, nessa sequência, por imposição da legislação urbanística, a execução de obras de adaptação, como resulta do próprio pedido formulado pelo Recorrido junto da Câmara Municipal de Palmela, era uma condição necessária do mesmo.
18. Os Recorridos sabiam, tinham consciência e permitiram o uso do locado como residencial para idosos, pois sabiam que era esse o destino pretendido para o locado.
19. Não lhe conferindo, no entanto, as condições essenciais e necessárias ao seu normal funcionamento, pois que não promoveram as condições necessárias e suficientes para que o imóvel obtivesse a necessária licença de utilização para esse fim.
20. Os Recorridos incumpriram com a sua obrigação de assegurar o gozo da coisa arrendada para os fins a que se destina, artigo 1031.º, alínea b), do CC).
21. Estamos perante um contrato sinalagmático, pelo que, enquanto uma das partes não prestar também a outra não é obrigada a prestar.
22. A exceção de não cumprimento do contrato é de admitir sempre que, existindo um nexo de causalidade ou de correspectividade entre as prestações, ocorra um desequilíbrio, injustificado e contrário à boa-fé, entre as prestações a cargo das partes contraentes, configurando-se a exceptio como um meio de repor o dito equilíbrio (sinalagma) contratual. exceção de não cumprimento do contrato é aplicável no âmbito.
23. Ao do contrato de arrendamento, nos termos do disposto no artigo 428.º, n.º 1, do Código Civil.
24. Nestas condições é legítimo aos Recorrentes não cumprirem com o pagamento da renda, o que se mostra justificado.
25. Não existe, assim, fundamento para o decretamento da resolução do contrato por iniciativa do senhorio.
26. Mas sim para decidir que o não cumprimento da obrigação do pagamento da renda pela 1.ª Recorrente é legítimo e encontra-se justificado.
27. E, em consequência, decidindo, também, a absolvição do Recorrentes quanto à pedida resolução contratual, desocupação e entrega do locado e pagamento das rendas.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Questões a decidir:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, atento o disposto artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º do Código de Processo Civil.
Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir:
1) Da alteração da matéria de facto;
2) Da exceção de não cumprimento do contrato
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2. Fundamentação:
2.1. O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1. Os Autores são donos e legítimos proprietários da fracção autónoma correspondente a um lote de terreno com moradia unifamiliar sito na Rua (…), CCI-40103, Águas de Moura, inscrito na respectiva matriz predial de Palmela sob o n.º (…) e inscrito na matriz rústica sob o artigo … (parte) e urbana sob o artigo (…) da respectiva freguesia e licenciado pela Câmara Municipal de Palmela sob o Alvará de Loteamento (…), de 14/12/2010.
2. A 27-01-2015, o Autor e a 1.ª Ré celebraram entre si um contrato de arrendamento habitacional, que produzia efeitos a partir de 01-02-2015, com prazo certo, com a duração inicial de 5 (cinco) anos e renovável pelo período de 3 (três) anos, tendo a Autora posteriormente aderido a tal processado.
3. Por força desse acordo, o Autor obrigou-se a ceder o gozo temporário do imóvel referido em 1. à 1.ª Ré, contra o pagamento, por parte desta, do valor de renda anual de € 12.000,00 (doze mil euros), pagos em duodécimos no valor de € 1.000,00 (mil euros), cada.
4. O valor referido em 3 era devido no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que respeitava.
5. A 1.ª Ré acordou em receber o locado no estado em que este se encontrava.
6. Os 2.º e 3.º Réus assumiram a qualidade de fiadores no contrato referido em 2.
7. Nessa sequência, obrigaram-se a assumir, solidariamente e perante o Autor, a obrigação de fiel e exacto cumprimento do contrato referido em 2, até final do seu prazo e suas renovações, designadamente no que se refere ao pagamento das rendas e despesas judiciais e extrajudiciais, renunciando a todo o benefício que possa limitar ou anular essa obrigação.
8. A 1.ª Ré é uma sociedade por quotas, cujo objecto é o seguinte: «Centro de Acolhimento Temporário; Centro de Actividades Ocupacionais; Centro de Dia; Centro de Noite; Estrutura Residencial para Pessoas Idosas; Lar de Apoio; Lar Residencial Geriátrico; Residência Autónoma; Serviço de Apoio Domiciliário - actividade de apoio social sem alojamento; Actividades de prática médica de clínica geral, em ambulatório; Actividades dos estabelecimentos de cuidados continuados integrados, com alojamento; Atividades de Enfermagem».
9. A 1.ª Ré tem vindo a utilizar o locado indicado em 1para desenvolver actividade de lar residencial geriátrico desde Agosto de 2015, tendo actualmente nove utentes.
10. O Autor havia iniciado o procedimento para alteração da licença de utilização do locado indicado em 1 a 06-03-2013.
11. A 28-01-2015, o Autor forneceu à 1.ª Ré cópia do despacho da Câmara Municipal de Palmela, favorável à alteração da licença de utilização do locado indicado em 1, mas condicionado a determinadas correcções.
12. A 1.ª Ré não procedeu ao pagamento das rendas referentes aos meses de Dezembro de 2020 e Janeiro e Fevereiro de 2021, cada uma no valor de € 1.000,00 (mil euros); de parte da renda referente ao mês de Março de 2021, no valor de € 328,41 (trezentos e vinte e oito euros e quarenta e um cêntimos); e, ainda, do valor total das rendas dos meses de Junho a Dezembro de 2022 e Janeiro de 2023.
13. A 24-02-2021, o Autor endereçou aos 2.º e 3.º Réus cartas registadas com aviso de recepção, nos termos da quais comunicava, entre o mais, o seguinte: «Tendo V. Exa. assumido a qualidade de fiador da sociedade (…), Lda., no Contrato de Arrendamento para Habitação com Prazo Certo do imóvel sito na Rua (…), CCI 40103, em Águas de Moura celebrado no dia 27 de Janeiro de 2015, na qualidade de Senhorio, cumpre-me informar que, à presente data, se encontram vencidas e não pagas as rendas líquidas referentes aos meses de Dezembro de 2020, Janeiro e Fevereiro de 2021 (3 x € 750,00) e parte da renda de Março de 2021, vencida a 1 de Fevereiro de 2021 (€ 328,41), perfazendo um total líquido de € 2.578,41 (…), ao que acresce ainda a quantia de € 515,68 (…) devidos a título de indemnização por mora (…). Sendo V. Exa. fiadora solidária com a arrendatária (cfr. Cláusula Nona do Contrato de Arrendamento), está igualmente obrigada ao cumprimento das disposições contratuais, designadamente ao pagamento das rendas e de todas as despesas judiciais e extrajudiciais que possam advir do seu incumprimento. Face ao exposto, requerer-se o imediato pagamento da quantia global de € 3.094,09 (…), sob pena de, sem qualquer outra comunicação, serem acionados os mecanismos legais necessários à resolução deste assunto.»
14. A 20-06-2021, o Autor endereçou aos 2.º e 3.º Réus cartas registadas com aviso de recepção, nos termos da quais comunicava, entre o mais, o seguinte: «Tendo V. Exa. assumido a qualidade de fiador da sociedade (…), Lda., no Contrato de Arrendamento para Habitação com Prazo Certo do imóvel sito na Rua (…), CCI 40103, em Águas de Moura celebrado no dia 27 de Janeiro de 2015, na qualidade de Senhorio, cumpre-me informar que, à presente data, encontra-se vencida e não paga a renda relativa ao mês de Julho de 2022. Após análise da conta corrente, a Arrendatária é igualmente devedora das rendas relativas aos meses de Dezembro de 2020, Janeiro e Fevereiro de 2021 e ainda parte da renda de Março de 2021 (…), perfazendo um total líquido em dívida no valor de € 3.328,41 (…).(…) para além das rendas em falta, assiste-me ainda o direito a uma indemnização igual a 20% dom valor em dívida, a qual, à presente data, contabiliza a quantia de mais € 665,68 (…). (…) Face ao exposto, requer-se o imediato pagamento da quantia de € 3.994,09 (…), sob pena de, sem qualquer outra comunicação, me ver obrigado a accionar os mecanismos legais necessários à resolução deste assunto.»
15. A 20-09-2022, o Autor endereçou à 1.ª Ré uma carta registada com aviso de recepção, nos termos da qual comunicava, entre o mais, o seguinte: «Com referência ao contrato de arrendamento supra indicado, verifica-se que, à presente data, encontram-se vencidas e não pagas as seguintes rendas: - Dezembro de 2020, no valor de € 1.000,00; - Janeiro de 2021, no valor de € 1.000,00; - Fevereiro de 2021, no valor de € 1.000,00; - Parte da renda de Março de 2021 (esta última vencida no dia 1 de Fevereiro de 2021 cfr. Clausula Quarta do contrato de arrendamento e apenas paga parcialmente), no valor de € 328,41. - Junho de 2022, no valor de € 1.000,00; - Julho de 2022, no valor de € 1.000,00; - Agosto de 2022, no valor de e 1.000,00. O que, à presente data perfaz a quantia de € 6.328,41 (seis mil e trezentos e vinte e oito euros e quarenta e um cêntimos) . Estando V. Exas. em mora, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1041.º do Código Civil e na qualidade de Senhorio, para além das rendas em falta, assiste-me ainda o direito a uma indemnização igual a 20% do valor em divida, a qual, à presente data, contabiliza a quantia de mais € 1.265,68. Face ao exposto e não obstante a obrigação de liquidação dos valores em divida, pela presente comunico a V. Exas. a minha intenção de nos termos e para os efeitos no disposto nos artigos 1079.º, 1081..º e 1083.º, n.º 3, todos do Código Civil, proceder à resolução do contrato de arrendamento em questão, devendo V. Exas. desocupar de imediato o locado e proceder à sua entrega livre de pessoas e bens.»
16. A 20-09-2022, o Autor endereçou aos 2.º e 3.º Réus cartas registadas com aviso de recepção, nos termos da quais comunicava, entre o mais, o seguinte: «Tendo V. Exa. assumido a qualidade de fiador da sociedade (…), Lda., no Contrato de Arrendamento para Habitação com Prazo Certo do imóvel sito na Rua (…), CCI 40103 em Águas de Moura celebrado no dia 27 de Janeiro de 2015, na qualidade de Senhorio, cumpre-me informar que à presente data, encontram-se vencidas e não pagas as rendas relativas a: - Dezembro de 2020, no valor de € 1.000,00; - Janeiro de 2021, no valor de € 1.000,00; - Fevereiro de 2021, no valor de € 1.000,00. - Parte da renda de Março de 2021 (esta última vencida no dia 1 de Fevereiro de 2021 cfr. Clausula Quarta do contrato de arrendamento e apenas paga parcialmente), no valor de € 328,41. - Junho de 2022, no valor de € 1.000,00; - Julho de 2022, no valor de € 1.000,00; - Agosto de 2022, no valor de € 1.000,00. O que, à presente data perfaz a quantia de € 6.328,41 (seis mil, trezentos e vinte e oito euros e quarenta e um cêntimos); (…) Sendo V. Exa. fiador solidário com a Arrendatária (cfr. Cláusula Nona do Contrato de Arrendamento), está igualmente obrigado ao cumprimento das disposições contratuais, designadamente ao pagamento das rendas e de todas as despesas judiciais e extrajudiciais que possam advir do seu incumprimento, pelo que se requer que proceda de imediato ao pagamento dos valores em falta. Mais se informa que na presente data se comunicou a resolução do contrato em causa por falta de pagamento. (…).»
17. As comunicações referidas em 13 a 16 foram endereçadas para as moradas convencionadas pelas partes no contrato aludido em 2 e devolvidas por terem os Réus alterado a sua residência.
18. A 10-08-2022, os Autores requereram a Notificação Judicial Avulsa dos Réus para pagamento das rendas devidas, sob pena de resolução do contrato indicado em 2, tendo a mesma resultado frustrada pelo mesmo motivo indicado em 17.
19. As partes acordaram que as comunicações entre si deveriam ser efectuadas mediante carta registada com aviso de recepção, endereçada para o domicílio convencionado considerando-se para todos os efeitos devidamente notificadas no terceiro dia após o registo.
20. A 1.ª Ré não procedeu à entrega do imóvel, livre de pessoas e bens, à Autora. *
2.2. O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:
a) Que, em momento anterior ao da celebração do contrato indicado no facto provado 2, já tivesse funcionado, no locado indicado no facto provado 1, outro lar residencial geriátrico e que este se encontrasse modificado a apto a permitir o desenvolvimento de tal actividade.
b) Que os Autores tenham anunciado o locado indicado em 1 como destinado a arrendamento para desenvolvimento de actividade de lar residencial geriátrico.
c) Que, previamente à celebração do contrato indicado no facto provado 2 e também nesse momento, o Autor tenha garantido à 1.ª Ré que a alteração da licença de utilização do imóvel estaria para breve.
d) Que, aquando da celebração do contrato referido em 2 e como condição para tal, o Autor se tenha obrigado a garantir a alteração da licença de utilização do imóvel ou a proceder à realização de obras no mesmo, de modo a permitir o uso do locado para o desenvolvimento da actividade de lar residencial geriátrico.
e) Que, por referência aos factos provados 17 a 19, os 2.º e 3.º Réus tenham comunicado aos Autores a alteração do seu domicílio.
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2.1. Apreciação das questões a decidir:
2.1.1. Da alteração da matéria de facto
O artigo 640.º do CPC estabelece os requisitos que o recorrente tem que cumprir para que o Tribunal de Recurso reaprecie a decisão quanto à matéria de facto. Assim, sob pena de rejeição, “por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente (Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina – 7.ª edição, pág. 198)”, deve o recorrente:
a) Especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Indicar os meios probatórios que imponham decisão diversa e no caso de prova gravada a indicação exata das passagens da gravação relevantes (alínea a) do n.º 2 do citado artigo);
c) Deixar expressa a decisão que deve ser proferida.
Os concretos pontos de facto impugnados devem constar das respetivas conclusões, porque delimitadoras do âmbito do recurso e constituírem o fundamento da alteração da decisão (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/02/2024 (processo n.º 2351/21.1T8PDL.L1.S1) e Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10/10/2024 (processo n.º 1109/21.2T8ENT.E1).
Nas alegações, os recorrentes invocam 3 situações de facto que pretendem ver alteradas:
i. Conclusões 3 a 10: facto não provado descrito na d) que deverá passar a facto provado n.º 20.
ii. Conclusão 11: factos que resultam dos documentos n.º 7 a 34 juntos com a contestação.
iii. Conclusão 12 a 16: o facto provado n.º 5 deve ser alterado.
Vejamos cada um dos pontos, de per si:
i. O tribunal deu como não provado: d) Que, aquando da celebração do contrato referido em 2 e como condição para tal, o Autor se tenha obrigado a garantir a alteração da licença de utilização do imóvel ou a proceder à realização de obras no mesmo, de modo a permitir o uso do locado para o desenvolvimento da atividade de lar residencial geriátrico.
Os RR/Recorrentes pretendem que este facto seja dado como assente.
Fundamentam esta alteração na análise e articulação que deve ser feita da prova documental com as declarações de parte e com o depoimento da testemunha (…), filho dos Autores, que agiu como parte no processo de negociação do contrato e que conforme resulta da gravação, ao longo das suas declarações, utilizando sempre os verbos na primeira pessoa do plural. O que demonstra, de acordo com os recorrentes, ser conhecimento dos Autores, por intermédio do seu filho que negociou, redigiu o contrato de arrendamento e o remeteu aos Recorrentes para análise e fornecimento de elementos, que o locado se destinava ao uso de residência para idosos.
Ouvida o depoimento da testemunha (…), da parte (…) e analisados os documentos invocados não se vislumbra que deva ser efetuada a alteração pretendida: dar como provado o facto que o tribunal a quo considerou não provado. Com efeito, concorda-se inteiramente com a análise que o Tribunal fez na motivação da decisão de facto quanto ao depoimento da referida testemunha conjugado com documentos mencionados, tendo concluído que: “a testemunha (…) confrontada com o teor dos documentos 1 e 3 juntos com o requerimento datado de 08-02-2023, confirmou o conteúdo das mensagens de correio electrónico por si trocadas com o 2.º Réu, sendo concordante com a sua versão as seguintes frases, atribuídas a um e outro: (2.º Réu) «Queremos ainda salvaguardar entre as partes que terá de existir futuramente um novo contrato quando o espaço estiver licenciado» e (testemunha) «Quando tivermos a licença de utilização da câmara para a actividade de lar fazemos um novo contrato, comercial», daqui não se podendo retirar, atento o elemento literal das comunicações, que tal utilização comercial fosse a pretendida desde o início, mas sim que seria pretendida, no futuro”.
Com efeito, não resulta de qualquer dos referidos meios de prova, que os AA se tenham obrigado/vinculado a conseguir ou garantir a alteração da licença e a fazer obras, ou que tal fosse uma condição do contrato, ainda que tenha resultado desses depoimentos e documentos que já existia, na Câmara, um processo de licenciamento para alteração da licença de utilização e que o que ficou acordado foi que obtida que fosse essa alteração seria então realizado novo contrato. Improcede, assim, esta alteração pretendida.
ii. Do aditamento de factos: que resultam dos documentos n.º 7 a 34 juntos com a contestação.
Na conclusão 11 propugna o recorrente que sejam aditados os factos que considera provados por documento e que na motivação das alegações concretiza serem 28, os quais correspondem aos factos alegados nos pontos 94 a 128 da contestação.
Nos termos do artigo 607.º, n.º 4, do CPC, na Fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente a prova, indicando as ilações retiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
Resulta desta norma que:
1) Os factos essenciais que foram alegados no processo por cada uma das partes, ou seja, aqueles factos de cuja prova depende a procedência ou improcedência da ação ou da defesa (das exceções deduzidas), devem ser enunciados na sentença.
2) Os factos instrumentais, complementares ou circunstanciais, ou seja, aqueles factos que embora não interessem diretamente à solução do caso, permitem aferir a ocorrência e a consistência dos factos principais, não têm de ser selecionados no elenco dos factos provados e não provados, apenas devendo ser referidos na motivação da decisão dos factos essenciais.
Neste sentido António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, págs. 718 e 719 e na jurisprudência Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-02-2024 (Processo n.º 1909/21.3T8PRT.P1).
Tendo presentes estas considerações, importa agora analisar os factos em causa, que os Recorrentes dizem ser relevantes para “a avaliação da responsabilidade, omissão dos recorridos que levaram a que o processo urbanístico em curso tivesse sido muito dilatado no tempo e improcedido”.
Analisados os factos, verifica-se que efetivamente os mesmos dizem respeito ao procedimento administrativo em curso na Câmara Municipal de Palmela com vista à legalização das alterações do imóvel objeto do arrendamento, desde o pedido formulado em 2013 até ao seu indeferimento em 2021.
Ora, estes factos não consubstanciam factos essências, designadamente no que se refere à exceção de incumprimento, suscitada pelos RR, que não depende desses factos, sendo antes factos instrumentais. Com efeito, o facto que relevaria uma obrigação dos AA incumprida foi o facto que foi dado como não provado em d) esse sim essencial para fundar a exceção invocada pelos Recorrentes, nos termos por estes configurada.
Por conseguinte, não tinham os mesmos que ser expressamente elencados nem nos factos provados, nem nos factos não provados.
Não procede assim, a impugnação de facto, neste conspecto.
iii. Conclusão 12 a 16: o facto provado n.º 5 deve ser alterado,
É o seguinte o teor do facto n.º 5: A 1.ª Ré acordou em receber o locado no estado em que este se encontrava.
Pretendem os Recorrentes que o mesmo passe a ter a seguinte redação: A 1.ª Ré acordou em receber o locado no estado em que se encontrava e convencida que iria celebrar um contrato para o uso de lar residencial geriátrico logo que emitida a licença de utilização pela Câmara Municipal de Palmela.”
Os Recorrentes concordam com o facto dado como provado, mas pretendem aditar outro facto, qual seja, que a Ré estava convencida que iria celebrar um contrato para o uso de lar residencial geriátrico logo que fosse emitida a licença de utilização pela Câmara Municipal de Palmela.
Ora, considerando o Doc. 1 junto à contestação em conjugação com o depoimento da testemunha (…) dúvidas não restam de que o Réu informou por email os AA que: “Na cláusula quinta deve estar autorizada pelo senhorio a sublocação (uma vez que faz parte da nossa atividade cobrar um serviço por uso das instalações também) (…) Queremos ainda salvaguardar entre as partes que terá de existir futuramente um novo contrato quando o espaço estiver licenciado.”, ao que a testemunha (…), em representação dos AA, respondeu: “Quanto tivermos a licença de utilização da câmara para a atividade de lar fazemos um novo contrato, comercial, para a atividade entretanto a clausula quinta tem q se manter, as restantes alterei”.
Assim, importa alterar a matéria de facto nos exatos termos propostos quanto a este ponto, o que significa que o facto 5 passa a ter a redação proposta: A 1.ª Ré acordou em receber o locado no estado em que se encontrava e convencida que iria celebrar um contrato para o uso de lar residencial geriátrico logo que emitida a licença de utilização pela Câmara Municipal de Palmela.”
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2.1.2. Da exceção de não cumprimento do contrato:
Os recorrentes rebelam-se também quanto à fundamentação jurídica da decisão invocando que, ao contrário do decidido, se verifica a exceção de não cumprimento do contrato. Defendem que lhes era lícito não pagarem as rendas acordadas, porquanto os AA/Recorridos também incumpriram com a obrigação assumida de procederem em breve período de tempo à obtenção da necessária autorização para o uso de lar/residência geriátrica e com a realização das obras necessárias à adaptação do imóvel a esse mesmo uso (as requeridas junto da Câmara Municipal de Palmela).
Esta solução que as recorrentes propugnam para o litígio assentava, sobretudo, na procedência da primeira parte da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, concretamente em dar-se como provado que aquando da celebração do contrato de arrendamento “e como condição para tal, o autor se tenha obrigado a garantir a alteração da licença de utilização do imóvel ou a proceder à realização das obras no mesmo, de modo a permitir o uso do locado para o desenvolvimento da atividade de lar residencial geriátrico” e na eliminação do facto d) dado como não provado.
A improcedência desta parte da impugnação da decisão com o consequente não aditamento do novo facto e não supressão do facto dado como não provado prejudica desde logo a solução que os recorrentes pretendiam. Com efeito, os Réus/Recorrentes não lograram demonstrar que tivesse sido acordado, como obrigação simultânea e recíproca à obrigação do pagamento da renda que incumbia à Recorrente, uma obrigação dos AA de assegurarem o gozo do imóvel para a atividade de lar residencial geriátrico, através da concessão da licença de utilização para desenvolvimento dessa atividade comercial, obrigação esta que teria sido incumprida pelos AA. Mas aliás, diga-se que ainda que os Recorrentes tivessem demonstrado tal facto, provando-se também, como ficou demonstrado (cfr. facto 9) que a Ré continua a utilizar o locado, ainda que para desenvolver atividade de lar residencial geriátrico, desde agosto de 2015, tendo atualmente nove utentes, também não procederia a exceção de não pagamento da renda. Conforme se decidiu no acórdão do STJ de 05-07-2022, Processo n.º 564/19.5YLPRT.L1.S1, acessível in https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2022:564.19.5YLPRT.L1.S1.56?search=SGknBL2nHJXu2BrO7dI “Entre as várias soluções legais potencialmente invocáveis pelo arrendatário (extinção do contrato, realização de obras, redução de renda), face à existência de vícios ou defeitos na coisa locada que diminuem o seu gozo, não se encontra a hipótese de o arrendatário deixar de cumprir a sua obrigação principal, ou seja, a obrigação de pagar as rendas. Assim, enquanto o contrato de arrendamento se mantiver em vigor, mantendo-se o arrendatário no gozo do imóvel (ainda que diminuído), e mantendo o imóvel a aptidão para servir, na essência, o fim a que é destinado, não lhe é lícito, por ato de sua vontade unilateral, suspender o pagamento total das rendas”.
Por outro lado, o facto n,º 5, que foi alterado, nos termos pretendidos pelas recorrentes, ou seja: A 1.ª Ré acordou em receber o locado no estado em que se encontrava e convencida que iria celebrar um contrato para o uso de lar residencial geriátrico logo que emitida a licença de utilização pela Câmara Municipal de Palmela, ao contrário do pretendido pelos recorrentes, demonstra também o infundado da sua pretensão. Com efeito, deste facto resulta que aquando da celebração do contrato não existia licença de utilização para desenvolvimento de atividade de lar residencial, mas que a primeira Ré acreditava que se e quando fosse emitida essa licença (pela Câmara), então, seria celebrado outro contrato, mas que não era o que estava em vigor. Ora, assim sendo, o contrato que estava em vigor tinha que ser pontualmente cumprido, nos termos do disposto no artigo 406.º do Código Civil, ou seja, havendo disponibilidade do locado – como se provou que havia e utilização do mesmo pelos RR – tinham os RR./Recorrentes de proceder ao pagamento das rendas nos exatos termos em que se vincularam.
Por conseguinte, bem andou a Mma. Juíza em decidir na sentença recorrida, que:
“Da factualidade assente (facto provado 5.) resulta que a 1.ª Ré, enquanto arrendatária, acordou em receber o locado no estado em que este se encontrava, ademais tendo as partes convencionado um fim habitacional por referência ao mesmo. Ainda que tendo resultado provado que esta, atento o seu objecto social, pretendia atribuir ao locado um fim distinto daquele que surge referido no contrato celebrado entre as partes (cf. factos provados 2., 8. e 9.) e tendo sido, também, dado como assente que o Autor, enquanto proprietário do imóvel, havia já iniciado o procedimento para alteração da licença de utilização do mesmo, dois anos antes de tal celebração (cf. facto provado 10.), o certo é que não lograram os Réus provar que o locado tenha sido anunciado com tal fim (cfr. facto não provado b)), nem que o Autor tenha garantido que tal alteração ocorreria em breve (cfr. facto não provado c)). Mais relevante ainda, não foi feita prova de que a alteração da licença de utilização do imóvel ou a realização de quaisquer obras ou intervenções no locado, condizentes com torná-lo apto ao desenvolvimento da actividade de lar residencial geriátrico, tenham sido debatidas entre as partes e estabelecidas como uma condicionante para a celebração do contrato de arrendamento ou que o Autor se tenha obrigado a garantir tais condicionalismos (cfr. facto não provado d)).
Decorrendo da alínea b) do artigo 1031.º do Código Civil que uma das obrigações do locador é a de assegurar o gozo da coisa locada para os fins a que se destina (no caso concreto, exercício de actividade comercial), atendendo às considerações supra, urge concluir que tal obrigação não se encontra incumprida pelos Autores, enquanto senhorios.
A este propósito sempre cumpriria destacar o seguinte aspecto, que não é de somenos importância: a 1.ª Ré, independentemente de arguir o incumprimento do Autor na concessão de licença comercial para o locado e na realização de obras que considera necessárias no espaço, referindo que tais condicionantes a impossibilitam de explorar o espaço, tendo vindo a nele desenvolver a sua actividade desde Agosto de 2015, contando actualmente com nove utentes e tendo naturalmente auferido a remuneração correspondente ao número de utentes aí existente, desde então (cfr. facto provado 9.). No limite, tal poderia consubstanciar uma situação de abuso de direito, pois que se conformou com a situação vivida, auferindo rendimentos e retirando benefício da utilização do espaço e pretendendo, simultaneamente, não cumprir com as obrigações a que se vinculou (neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-06-2022, processo n.º 377/20.1T8FLG.P1, disponível em www.dgsi.pt).
Verifica-se cumprida a obrigação assumida pelos Autores, no que concerne a al. a) do elenco supra, porquanto os mesmos entregaram a coisa locada à 1.ª Ré e cederam-lhe o gozo temporário da mesma, não impendendo sobre os primeiros a alteração da licença de utilização do locado ou a realização de quaisquer obras ou intervenções directamente relacionadas com o fim atribuído no contrato de arrendamento. Já o inverso não se pode concluir quanto à 1.ª Ré, tendo esta incumprido com a obrigação por si assumida de pagamento das rendas indicadas no facto provado 12.
Consequentemente, cumpre concluir que a 1.ª Ré não se poderia ter validamente recusado a cumprir, arguindo que a contraparte do negócio jurídico bilateral não tinha, por sua vez, cumprido a sua obrigação, pois que a obrigação correlativa do pagamento da remuneração devida a título de renda (a entrega do locado e cedência do gozo do mesmo) se averigua observada.
Em face do exposto, improcede a exceção de não cumprimento, não se aventando a existência de legitimidade por parte da 1.ª Ré para incumprimento das prestações devidas a título de rendas.”.
Conclui-se, portanto, que a sentença recorrida fez a correta aplicação do direito, ao decidir existir incumprimento do RR de não pagamento das rendas, não existir incumprimento dos AA e por isso não se verificar a exceção de não cumprimento invocada pelos RR, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 428.º do CC, motivo pelo qual, não se demonstrado qualquer justificação para o incumprimento dos RR./Recorridos, existiu fundamento para decretar a resolução do contrato por iniciativa do senhorio, condenar os Recorrentes na desocupação e entrega do locado e no pagamento das rendas.
Por todo o exposto, deve a sentença recorrida ser mantida na íntegra.
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As custas são suportadas pelos Recorrentes, atenta a improcedência do recurso (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
* 3. Decisão:
Pelo exposto, decide-se julgar a apelação totalmente improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes
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Évora, 22 de maio de 2025
Susana Ferrão da Costa Cabral (Relatora)
Ana Pessoa (1.ª Adjunto)
Francisco Xavier (2.º Adjunto)