NULIDADES DA DECISÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
ACÇÃO PENDENTE
Sumário

I. A sentença apreciou as questões suscitadas pelas partes, concretizou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e que são coerentes com essa decisão, sem que exista ambiguidade ou obscuridade, pelo que não ocorre a nulidade da sentença nos termos e para efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), do CPC.
II. Não constitui fundamento nem de suspensão da execução, nem de oposição à execução baseada em sentença, a existência de outras ações em que estão a ser discutidas questões relacionadas com o imóvel cuja desocupação se pretende.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Sumário: (…)

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Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora,
1. Relatório:
Nos presentes autos de oposição à execução, por embargos de executado, que (…) e mulher (…) instauraram contra (…) e mulher (…), foi proferida decisão, nos termos do artigo 732.º, n.º 1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil (doravante CPC) a indeferir liminarmente a oposição à execução.
Inconformados com esta decisão, os Embargantes interpuseram o presente recurso de apelação, terminando com as seguintes CONCLUSÕES, em síntese:
1) Ao contrário do decidido, os presentes Embargos terão de ser considerados admissíveis.
2) Foi apresentada uma partilha adicional, quanto aos bens que se encontram em discussão na execução que deu causa aos presentes Embargos.
3) As questões relacionadas com o bem em discussão na execução e presentes embargos, e com as partilhas pendentes ainda não se encontra totalmente decididas, conforme consta do Despacho proferido pelo Juízo Local Cível, sob o processo n.º 1367/10.8TBVNO, e que ora se junta em certidão.
4) A execução do facto que ora se pretende, não está completamente decidida, conforme consta da decisão proferida no processo de inventário, para partilha adicional.
5) No Despacho de fls., que ora se junta consta o seguinte, “…Por todo o exposto, decide-se remeter os interessados para os meios comuns a fim resolver a questão suscitada pelo cabeça de casal e pelos interessados reclamantes, designadamente quanto à real existência do bem imóvel que o cabeça de casal pretende que seja objecto de partilha adicional, e ainda se o mesmo faz ou não parte da herança do inventariado a partilhar nos autos, nos termos do artigo 1093.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Concede-se aos interessados o prazo de 30 dias para a instauração da acção comum em causa. Tendo em conta que a resolução da mesma condiciona o prosseguimento dos autos, nos termos do artigo 1092.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, decreta-se a suspensão dos presentes autos até que ocorra decisão definitiva quanto àquela questão”.
6) Conforme foi decidido no douto Despacho ora junto ainda não se encontram completamente decididas todas as questões relacionadas com o imóvel e com as partilhas entre os Exequentes e os Embargantes.
7) Não poderá sem mais decidir-se pelo indeferimento dos Embargos e em consequência, a exigência aos Embargantes que desocupem o espaço, retirando os animais e as plantações, quando ainda não estão decididas todas as questões referentes ao imóvel e às partilhas entre as partes.
8) Devem os Embargos serem admitidos e, consequentemente, a execução ficar suspensa até à decisão que vier a ser proferida na ação que decidir do imóvel, propriedade e partilha do mesmo, visto que a prossecução da mesma trará prejuízos avultados e irreparáveis aos aqui Embargantes.
9) O objeto dos referidos processos alegados nos Embargos, nomeadamente nos processos nºs 50/18.0BCLSB e 1367/10.8TBVNO, dizem respeito ao mesmo prédio cuja sentença os Executados foram condenados a dele retirar todas as plantações que nele fez, bem como a retirar todos os animais, lenha e todos os objetos que nele tenha, e que serve de título à presente execução.
10) A decisão recorrida viola um princípio basilar de justiça, que é o direito ao contraditório.
11) O indeferimento liminar da oposição à execução impediu os Recorrentes de expor as suas razões que fundamentam a sua oposição à execução, decidindo e pondo termo a um conflito de interesses, em favor dos Recorridos e em desfavor dos Recorrentes, sem que este fosse previamente ouvido.
12) Inexistem quaisquer exceções que permitissem ao Mmo. Juiz a quo não observar nem fazer cumprir o princípio do contraditório, decidindo indeferir liminarmente a oposição à execução apresentada pelos Recorrentes, sem que estes fossem previamente ouvidos.
13) No caso dos presentes autos, o Mmo. Juiz tratou diferentemente os Recorrentes dos Recorridos, ao decidir o conflito de interesses em favor destes e contra aqueles e sem audição dos Recorrentes.
14) Sendo certo que os Tribunais são os órgãos de soberania, independentes, com competência para administrar a justiça em nome do povo, incumbindo a estes assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.
15) O Mmo. Juiz do Tribunal a quo não assegurou com a decisão recorrida os direitos e interesses legalmente protegidos do Recorrente.
16) Deveria o Mmo. Juiz do Tribunal a quo receber a Oposição à Execução, mediante embargos de executado, com todas as consequências legais daí resultantes.
17) Lendo, atentamente, a decisão recorrida, verifica-se que não se indica nela um único facto concreto suscetível de revelar, informar e fundamentar a real e efetiva situação, do verdadeiro motivo da não procedência da pretensão do Recorrente.
18) Com a decisão recorrida o Mmo. Juiz do Tribunal a quo não assegurou a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos do Recorrente.
19) O Mmo. Juiz não fundamentou de facto e de direito a sua decisão, cometendo, pois, uma nulidade.
20) Pelo que se impõe a Revogação da Sentença recorrida, o que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes.
21) A Sentença de que se recorre viola:
a) O disposto no artigo 3.º, n.º 3, 154.º, 615.º do CPC.
b) O disposto nos artigos 13.º, 20.º, 202.º, 203.º, 204.º e 205.º da CRP.
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Os embargados/exequentes/apelados/recorridos apresentaram contra alegações, com as seguintes conclusões, em síntese:
1) Uma vez que a execução teve por base uma decisão judicial proferida no âmbito de uma ação declarativa, transitada em julgado, a oposição à execução apenas pode assentar nos fundamentos previstos no artigo 729.º do CPC.
2) Os Executados não invocaram nenhum dos fundamentos constantes do artigo 729.º do CPC, pelo que, sempre os embargos teriam de ser liminarmente indeferidos, por força do disposto no artigo 732.º, n.º 1, alínea b), do CPC.
3) Tem sido entendido pela jurisprudência e pela doutrina que a suspensão da instância por causa prejudicial, prevista no artigo 272.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPC, não pode aplicar-se ao processo de execução, porque o fim deste processo não é decidir uma causa, mas efectivar um direito já declarado, não havendo, assim, qualquer nexo ou razão de prejudicialidade.
4) No nosso caso, a execução tem por base uma sentença judicial transitada em julgado, ou seja, já existe decisão sobre o fundo da causa, uma vez que o direito que se pretende efectivar/executar já está declarado e transitado em julgado.
5) Seria um abuso de direito e uma clara violação ao princípio de caso julgado, se fosse permitido suspender a execução com base numa outra acção declarativa, quando já existe uma sentença condenatória, transitada em julgado, dada à execução, e sobre a qual apenas se pode opor com os fundamentos previstos do artigo 729.º do CPC.
6) Pelo que, bem julgou o Tribunal a quo, ao considerar que “não é aplicável à acção executiva a suspensão da instância por existência de causa prejudicial nos termos do artigo 272.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código de Processo Civil, por se estar diante de um direito já anteriormente declarado”.
7) Conforme é entendido pela doutrina e pela jurisprudência, a ação executiva pode ser suspensa por ocorrência de “outro motivo justificado” (artigo 272.º, n.º 1, 2.ª parte do CPC), desde que o mesmo não consista na pendência de outra acção autónoma.
8) No caso, o único motivo invocado pelos Executados está directamente relacionado com a pendência das referidas acções, pelo que, também e, de qualquer modo, não lhe podia ser aqui aplicável a 2.ª parte do n.º 1 do artigo 272.º do CPC.
9) Sendo inaplicável à execução a previsão normativa de suspensão da instância por via de “causa prejudicial” e inexistindo “outro motivo justificado” que sustente a suspensão, sempre a oposição à execução, nomeadamente no que concerne ao pedido formulado no n.º 1) do pedido, é manifestamente improcedente.
10) Os factos alegados nos embargos de executado são bastante anteriores ao processo declarativo e, nessa medida, sempre poderiam ser – tal como foram – alegados e discutidos na acção declarativa.
11) Na oposição à execução, não podem ser opostos factos que, quanto à existência e conteúdo da obrigação exequenda, foram alegados e já julgados na sentença condenatória que serve de título executivo, por força do disposto no artigo 729.º do CPC e do princípio da concentração temporal da defesa na contestação (artigo 573º, n.º 1, do CPC) e sob pena de se pôr em causa o caso julgado, reabrir a discussão e o julgamento do mérito da causa e/ou de se admitir um novo meio de impugnação da sentença, já transitada em julgado.
12) Pelo que, uma vez que os pedidos formulados pelos Executados são manifestamente improcedentes, ao abrigo do artigo 732.º, n.º 1, alínea c), do CPC, os embargos sempre teriam de ser liminarmente indeferidos, não merecendo qualquer censura a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
13) Os Executados foram ouvidos não só no processo executivo – através da oposição à execução, que foi analisada pelo Tribunal a quo –, como o foram no processo declarativo, em inúmeras peças processuais e pedidos, de modo que, sempre será de considerar que não existe qualquer violação do direito ao contraditório.
14) Ao indeferir liminarmente os embargos apresentados, o Tribunal a quo, apenas julgou os mesmos, respeitando a lei – como está obrigado a fazê-lo –, nomeadamente o artigo 732.º, n.º 1, do CPC, que, por sua vez, não viola qualquer princípio constitucional.
15) Pelo que, ao cumprir o disposto na lei processual civil, o Tribunal não tomou qualquer partido em prol de uma das partes, não tratou diferentemente os Executados, nem violou o princípio de acesso ao direito.
16) O princípio do processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP), que tem subjacente o direito de defesa, o direito ao contraditório e o direito à prova, com igualdade de oportunidades para as partes e com regras pré-definidas, não é incompatível com a existência de regras no exercício do direito, sob pena de o excesso de defesa duma parte poder geral uma desprotecção desproporcionada da outra parte.
17) Assim, a decisão do Tribunal a quo nada tem de inconstitucional, pelo que, também aqui, não assiste razão aos Executados/Recorrentes.
18) Nas páginas 6 a 21 do texto da decisão proferida, encontra-se discriminada a factualidade dada como provada e não provada na acção declarativa transitada em julgado e dada à execução, seguida da motivação da decisão que incidiu sobre a oposição apresentada, tendo por base o alegado pelos Recorrentes, bem como a fundamentação do direito aplicável.
19) A sentença recorrida discrimina e analisa todos os fundamentos apresentados pelos Executados / Recorrentes, indicou, interpretou e aplicou as normas jurídicas em que subsumiu as questões jurídicas e que aplicou na decisão da causa e apresentou ainda referências doutrinárias e jurisprudenciais sobre as questões em causa.
20) Os fundamentos apresentados pelo Tribunal a quo não estão em oposição com a decisão, uma vez que este decidiu indeferir liminarmente os embargos de executado, por não se ter sido apresentado qualquer um dos fundamentos que se acham previstos no artigo 729.º do CPC, por não ser admissível a suspensão da execução com fundamento no artigo 272.º, n.º 1, do CPC, bem como por não ser admissível alegar factos anteriores ao encerramento da discussão da acção declarativa.
21) O Tribunal a quo pronunciou-se sobre todas as questões que devesse apreciar e não se pronunciou sobre questões de que não podia tomar conhecimento.
22) Estando a decisão proferida pelo Tribunal a quo devidamente fundamentada, quer de facto, quer de direito, não se aplicando qualquer uma das alíneas do n.º 1 do artigo 615.º do CPC a decisão não padece da arguida nulidade, por falta de fundamentação, nem de qualquer outra.
23) Não existe qualquer violação a nenhum princípio basilar do direito, nem a qualquer princípio consignado na Constituição da República Portuguesa, pelo que também não é aplicável o disposto no artigo 204.º da Constituição da República Portuguesa.
24) Atento o exposto, sempre se deve concluir, como na decisão recorrida, que a oposição à execução mediante embargos de executado apresentada pelos Recorrentes deve ser – como o foi – liminarmente indeferida, nos termos do disposto no artigo 732.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CPC.
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Conforme resulta do despacho que admitiu o recurso, em 15 de janeiro de 2025, foi proferida sentença, no âmbito dos autos principais, que decidiu «declarar extinta a presente execução na parte em que foi movida por (…) e (…) contra (…)». Ou seja, os presentes embargos deixam de ter qualquer utilidade para (…), contra quem a execução já não está pendente. Porém, nada obsta ao prosseguimento do presente recurso, porque interposto também pelo executado (…), contra quem a execução continua.
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Questões a decidir:
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1, ex vi do artigo 679.º do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importa, no caso, apreciar e decidir:
i. Da nulidade da decisão por falta de fundamentação;
ii. Da violação do princípio do contraditório e do princípio da igualdade das partes;
iii. Da invocada existência de processos pendentes que afetam a sentença que constitui o título executivo em que a execução se baseia.
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2. Fundamentação
2.1. Dos factos:
2.1.1. Factos assentes:
São relevantes para apreciação do recurso os seguintes factos, que resultam dos autos:
1. (…) e (…) instauraram ação executiva para prestação de facto contra (…) e (…).
2. Apresentaram como título executivo a sentença proferida em 05-04-2022 no Processo n.º 293/16.1T8ORM, do Juízo Central Cível de Santarém, no qual figura como autor (…), como 1.ª ré (…) e como 2.ºs réus (…) e (…), que transitou em julgado em 18-04-2024, onde se decidiu, além do mais:
c) Reconhecer que os 2ºs réus são proprietários do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém sob o n.º … (freguesia de …);
d) Condenar o autor/reconvindo a retirar do prédio referido em c), todas as plantações que nele fez, bem como a retirar todos os animais, lenha e demais objectos que nele tenha; (…)».
3. No requerimento executivo, os exequentes, alegaram o seguinte:
«1- Nos termos da sentença proferida em 05/04/2022, transitada em julgado em 18/04/2024, o tribunal reconheceu que os ora exequentes são proprietários do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém sob o n.º (…), da freguesia de (…) e condenou os executados a retirar do referido prédio todas as plantações que nele fez, bem como a retirar todos os animais, lenha e demais objectos que nele tenham.
2- (…) decorridos mais de três meses sobre o trânsito em julgado da mesma, os Executados ainda não retiraram do referido prédio todas as plantações que nele fizeram, nem retiraram do mesmo todos os animais, lenha e demais objectos que nele têm, continuando assim a impedir os exequentes de exercerem o seu direito de propriedade sobre a totalidade do mesmo.
3- Até ao presente, os executados ainda têm lenha armazenada no barracão, ainda têm alguns animais, nomeadamente três galinhas e três porcos da Índia, guardados nos currais, bem como outros objectos na eira e na casa da eira do aludido imóvel.
4- Para a retirada do referido prédio das plantações, animais, lenha e demais objectos que os executados lá têm, reputa-se suficiente o prazo de trinta dias.
5- Requer-se, por isso, (…) nos termos do artigo 874.º do C.P.C., que, citados os executados para, em 20 dias, dizerem o que se lhe oferecer, seja fixado judicialmente o prazo para os Executados procederem à prestação de facto exequenda, o qual não deve ser superior a trinta dias.
6- Findo o prazo que vier a ser judicialmente fixado sem que os executados procedam à prestação exequenda, requer-se que seja observado o disposto no n.º 2 do artigo 875.º do CPC, devendo a execução prosseguir para prestação de facto por outrem, nos termos sucessivamente previstos nos artigos 868.º e seguintes do CPC: notificando-se os Executados para, querendo, deduzirem oposição, nomeando-se perito idóneo para avaliar o custo da prestação exequenda e penhorando-se o património dos Executados suficiente para o cumprimento coercivo da obrigação exequenda por outrem».
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2.1.2. Factos dados como não provados:
Inexistem factos relevantes que não estejam provados
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2.2. Apreciação do recurso:
2.2.1. Da nulidade da decisão por falta de fundamentação
Propugna o recorrente pela nulidade da decisão, por falta de fundamentação de facto e de direito, invocando o disposto nos artigos 20.º, 202.º, 203.º, 204.º e 205.º da Constituição da República Portuguesa e artigos 154.º e 615.º do Código de Processo Civil.
Resulta destes preceitos que as decisões dos tribunais têm de ser fundamentadas cominando o artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC com o vício da nulidade, a sentença que “Não especifique os fundamentos de facto e de direito e que justificam a decisão.”, sendo que o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 09/12/2021, publicado in www.dgsi.pt (onde estão publicados todos os acórdão que se citarão), proferido no proc. n.º 7129/18.7T8BRG.G1.S1) concretizou que “Só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito gera a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil”.
Da análise da sentença recorrida verifica-se, claramente, que o Mm.º Juiz explicou as razões de facto e de direito que motivaram o indeferimento liminar da oposição, pronunciando-se sobre todas as questões que tinha de conhecer. Assim, até à página 15 enunciou o quadro factual em causa, a página 17 enuncia que “está em causa aferir se os fundamentos que invocaram se acham previstos no artigo 729.º do CPC”; A partir da página 18 concretiza as razões pelas quais considera que na presente ação executiva não é aplicável a suspensão da instância por existência de causa prejudicial, nem por qualquer “outro motivo justificado.”, nos termos do artigo 272.º, n.º 1, do CPC e a partir da página 19 descreve o motivo pelo qual julgou que o demais invocado pelos embargantes não podia ser discutido nesta sede. Termina, o Mmo. Juiz a quo, como aliás o recorrente transcreve decidindo que: “na defluência de todo o conspecto fáctico -jurídico vindo de explanar, decido, nos termos do artigo 732.º, n.º 1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil, indeferir liminarmente a oposição à execução mediante embargos de executado”.
A fundamentação da decisão judicial, nos termos em que foi realizada, permite compreender a decisão final, que não sofre de qualquer ambiguidade ou obscuridade e que é inteligível. Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/05/2024 (Proc. n.º 1804/03.7TBPVZ-B.P1):
I - A nulidade da sentença prevista no 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil (aplicável aos despachos por força do artigo 613.º, n.º 3) prende-se com o disposto no artigo 154.º do mesmo diploma, que fixa o dever do juiz fundamentar a decisão e concretiza o comando constitucional contido no n.º 1 do artigo 205.º da CRP ao estabelecer que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».
II - Acolhe-se em razões de ordem substancial, demonstração do raciocínio lógico do juiz na interpretação da norma geral e abstrata aplicada ao caso concreto e de ordem prática, dar a conhecer às partes os motivos da decisão, em particular à parte vencida, a fim de, sendo admissível o recurso, poder impugnar o respetivo fundamento.
III - Este dever de fundamentação da decisão judicial, no entanto não tem de ser exaustivo e cumpre-se sempre que a fundamentação da decisão judicial, permite ao destinatário a perceção do iter cognoscitivo e valorativo de facto e de direito, revelando o que a justifica.
IV - Só se pode falar em sentença nula por falta de fundamentação, se, se verifica a ausência absoluta de fundamentos, seja de facto, seja de direito, não bastando a fundamentação deficiente e incompleta.
Ora, no caso concreto, nem existe qualquer deficiência ou incompletude na fundamentação, pelo contrário a decisão está devidamente fundamentada, pelo que é manifesta a falta de razão do recorrente.
Do exposto resulta que foi respeitado, pelo Mmo. Juiz a quo, o dever de fundamentação das decisões, em conformidade com o disposto nos artigos 13.º, 20.º, 202.º, 204.º e 205.º da Constituição da República Portuguesa e 154.º do CPC, inexistindo as nulidades suscitadas, a que alude o artigo 615.º, n.º 1, designadamente nas alínea b), c) e d), do CPC.
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2.2.2. Da violação do direito ao contraditório:
Entende o recorrente que o Tribunal a quo ao indeferir liminarmente a oposição à execução impediu os recorrentes de exporem as razões que fundamentam a sua oposição pelo que violou o princípio do contraditório e da igualdade das partes e não protege os direitos e interesse legalmente protegidos do Recorrente.
Nos termos das normas que o recorrente invocou, a saber, artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, artigo 14.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, artigos 13.º e 20.º da CRP e 3.º, n.º 2 e 3 e 4.º do CPC, o juiz, antes de decidir, deve ouvir ambas as partes, de modo a que, ponderando todos argumentos, evite decisões inesperadas e surpreendentes e alcance um julgamento justo.
Ora, no caso concreto com a oposição à execução, onde o recorrente expôs as razões pelas quais entendia que a execução não deveria prosseguir, cumpre-se, precisamente, o contraditório no que ao requerimento de execução diz respeito. Assim, o executado/embargante ao apresentar as suas posições, na petição de embargos, vê assegurado o direito ao contraditório e ao estatuto de igualdade das partes, tudo nos termos das normas supracitadas, já que ambas as partes tiveram oportunidade de expor as razões das suas pretensões e de se defender, o que permitiu ao tribunal decidir com imparcialidade.
Questão diversa é a discordância do recorrente relativamente aos fundamentos do indeferimento liminar, mas tal já é questão de mérito que, a seguir, se apreciará.
Acresce, como se refere no despacho de admissão de recurso, com o que se concorda que “(…) está em causa uma decisão de indeferimento liminar da oposição à execução mediante embargos de executado proferida à luz do artigo 732.º, n.º 1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil, razão por que, tal como sublinhado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-02-2015 (disponível em www.dgsi.pt sob Processo n.º 116/14.6YLSB), «não é admissível um despacho liminar prévio a um despacho liminar, seria uma decisão em si contraditória, porque se o despacho liminar está legalmente previsto como podendo ser de rejeição liminar, não faria qualquer sentido a parte ser ouvida preliminarmente sobre a aludida eventualidade de vir a ser produzida uma decisão de não admissão de recurso.
A decisão surpresa, como os vocábulos indicam, faz supor que a parte possa ser apanhada em falta por uma decisão que embora pudesse ser juridicamente possível, não esteja prevista nem tivesse sido configurada por aquela, o que no caso não aconteceu».
Em conclusão, foi cumprido o princípio do contraditório e da igualdade substancial das partes, assegurados os direitos e interesses legalmente protegidos das partes e não ocorreu a violação de qualquer uma das normas citadas, designadamente do disposto nos artigos 13.º e 20.º da CRP e artigos 3.º, n.º 3 e 4.º do CPC.
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2.2.3. Da existência de “processos pendentes que afetam a sentença que constitui o título executivo em que a execução se baseia.”.
O Tribunal a quo indeferiu liminarmente, nos termos do artigo 732.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CPC, a oposição à execução com a qual os embargantes pretendiam:
a) “nos termos do artigo 272.º do Código do Processo Civil, a suspensão da presente execução, até ao trânsito em julgado de ambos os processos acima identificados”.
b) “julgarem-se provados os presentes embargos com todas as consequências legais”.
Os recorrentes insistem que não se pode cumprir a sentença que constitui o título executivo, designadamente exigir aos embargantes que desocupem o espaço, retirando animais e plantações, quando ainda não estão decididas todas as questões referentes ao imóvel e às partilhas entre as partes, porquanto mantêm-se pendentes dois processos que identificam e que dizem respeito ao mesmo prédio”.
Nos termos do citado artigo 732.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CPC os embargos são liminarmente indeferidos quando, respetivamente “O fundamento não se ajustar ao disposto nos artigos 729.º a 731.º do CPC;” e “Forem manifestamente improcedentes.”
A presente execução tem por base uma sentença judicial transitada em julgado, pelo que, a oposição, como se refere na sentença impugnada, apenas pode fundar-se em um dos nove fundamentos descritos no artigo 729.º do CPC.
Ora, analisando a petição de embargos e as alegações de recurso logo nos apercebemos que nenhuma das mencionadas alíneas é referida e, de facto, o fundamento invocado pelos embargantes: existência de “processos pendentes que afetam a sentença que constitui o título executivo em que a execução se baseia”, não se subsume a qualquer uma das alíneas.
Por outro lado, esse fundamento é manifestamente improcedente, porquanto o direito que se pretende efectivar/executar na sentença/título executivo já está declarado por sentença transitada em julgado, ou seja, a decisão sobre a relação material controvertida já não pode ser alterada (cfr. artigo 619.º, n.º 1, do CPC).
Por conseguinte, bem andou a sentença recorrida ao decidir que “não é aplicável à ação executiva a suspensão da instância por existência de causa prejudicial nos termos do artigo 272.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPC, por se estar diante de um direito já anteriormente declarado”. Neste sentido decidiu-se no Acórdão do STJ de 04-04-2024 (Proc. n.º 401/22.3T8SEI-A.C1.S1): “Mantém-se a jurisprudência fixada no Assento de 24-05-1960, que considerou não ser aplicável na acção executiva a suspensão da instância com fundamento na pendência de causa prejudicial, continua a não fazer sentido a invocação de uma causa prejudicial no confronto com o exercício do direito sustentado num título com força executiva, (…)”.
Por outro lado, não será de igual modo admissível, a suspensão da execução por “qualquer outro motivo justificado” nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 272.º do Código de Processo Civil, com fundamento na pendência de outras causas, sob pena de se permitir aquilo que se rejeita de modo frontal (neste sentido o citado acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães 17-02-2022, processo n.º 391/17.4T8VCT-D.G1):
“Não é de ser suspender a acção executiva com fundamento na pendência de causa prejudicial, porquanto na mesma não há lugar a decisão sobre o mérito da causa (pois o direito que se pretende efectivar já está declarado), não se verificando, por isso, a relação de dependência exigida no artigo 272.º, n.º 1, do CPCivil.
- A lei admite a suspensão da instância executiva com fundamento na 2ª parte do n.º 1 do artigo 272.º do CPC, ou seja, “por outro motivo justificado”, desde que não se trate do caso de ter havido oposição à execução ou embargos de terceiro, pois em princípio a execução só pode ser suspensa nos termos previstos nos artigos 733.º e 347.º do Código de Processo Civil.
- Para se ordenar a suspensão de uma acção executiva com base em ocorrência de motivo justificado é necessário que o motivo invocado seja outro que não a pendência de uma qualquer outra causa autónoma, caso contrário estar-se-ia, na mesma a funcionar, no fundo, como uma verdadeira causa prejudicial, o que a lei não permite”.
Em conclusão, não constitui fundamento nem de suspensão da execução, nem de oposição à execução baseada em sentença, a existência de outras ações em que estão a ser discutidas questões relacionadas com o imóvel cuja desocupação se pretende e os pedidos formulados pelos embargantes são manifestamente improcedentes, pelo que bem andou o Tribunal a quo em, ao abrigo do disposto no artigo 732.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CPC, indeferir liminarmente os embargos, devendo manter-se a decisão recorrida.
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3. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da 1.ª secção do tribunal a Relação de Évora, em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Registe e notifique.
Évora, 22 de maio de 2025
Susana Ferrão da Costa Cabral (Relatora)
Maria Adelaide Domingos (1.ª Adjunta)
José António Moita (2.º Adjunto)