PERSI
EXTINÇÃO
COMUNICAÇÃO
REQUISITOS
Sumário

Estando em causa contratos de crédito abrangidos pelo âmbito de aplicação do DL n.º 227/2012, de 25-10, a validade da comunicação pela qual a instituição de crédito informa o cliente bancário da extinção do PERSI, com invocação do decurso de mais de 90 dias desde a integração no procedimento sem que tenha sido possível chegar a acordo, depende, além do mais, da indicação do respetivo fundamento legal.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Processo n.º 3907/19.8T8ENT.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém
Juízo de Execução do Entroncamento


Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:


1. Relatório

Na presente execução para pagamento de quantia certa intentada a 23-11-2019, em que é exequente (…) STC, S.A. e são executados (…) e (…), menor, representado pela executada, sua mãe, foi apresentado, como título executivo, um contrato de mútuo com hipoteca outorgado por escritura pública.
Por despacho de 20-05-2024, foi determinada a notificação da exequente nos termos seguintes:
(…) tendo presentes as disposições conjugadas dos artigos 551.º, n.º 3, e 734.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e a natureza do crédito exequendo, é relevante aferir se foi dado cumprimento ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) estipulado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10.
De facto, e na esteira do que tem jurisprudencialmente entendido de forma pacífica, entendemos que sendo o PERSI obrigatório, o seu cumprimento consubstancia uma condição objetiva de procedibilidade para a execução, impondo-se, por conseguinte, perante o seu eventual desrespeito, a absolvição do executado da instância por procedência de excepção dilatória inominada insanável, de conhecimento oficioso – artigos 573.º, n.º 2 e 578.º do Código de Processo Civil.
Destarte, convido o exequente a esclarecer e demonstrar nos autos, no prazo de 10 (dez) dias, o que tiver por conveniente a propósito da questão ora suscitada.
Notificada, a exequente juntou quatro documentos aos autos, alegando que consistem nas cartas de integração e de extinção do PERSI.
Por despacho de 03-10-2024, foi determinada a notificação da exequente nos termos seguintes:
Ainda em relação ao PERSI, constata-se agora que não foi o exequente notificado para se pronunciar sobre a suficiência das razões invocadas para a extinção deste procedimento, o que se determina agora.
Por despacho de 11-11-2024, foi determinada a notificação da exequente nos termos seguintes:
Insista, desta feita sob pena de se considerar verificada a excepção do PERSI, em caso de silêncio.
Notificada, a exequente veio aos autos comunicar que «o PERSI foi extinto por terem decorrido mais de 90 dias desde a integração em processo de PERSI sem que tenha sido possível chegar a acordo».
Por despacho de 05-12-2024, foi considerada verificada exceção dilatória inominada decorrente da inobservância do PERSI, decidindo-se o seguinte:
Face ao exposto, declara-se evidenciada a excepção dilatória inominada por falta de cumprimento do PERSI relativamente aos executados, e, subsequentemente, absolve-se os mesmos da instância, determinando a extinção da execução com o consequente levantamento, após trânsito, de quaisquer penhoras realizadas no processo de execução (artigo 732.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).

***
Custas pelo exequente.
Registe e notifique, incluindo o Agente de Execução (artigo 153.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).
Inconformada, a exequente interpôs recurso desta decisão, pugnando pela respetiva revogação, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«A. A ora recorrente instaurou ação executiva para pagamento da quantia de € 48.997,54, execução essa que tem por base um contrato de mútuo com hipoteca celebrado entre o ora recorrente e os Executados, nos termos dos quais aquele emprestou a quantia de e 50.000.00.
B. Face ao incumprimento dos contratos, foram expedidas as cartas de integração no PERSI, o qual foi posteriormente extinto de forma automática.
C. O douto Tribunal proferiu a seguinte Sentença: “Face ao exposto, declara-se evidenciada a excepção dilatória inominada por falta de cumprimento do PERSI relativamente aos executados, e, subsequentemente, absolve-se os mesmos da instância, determinando a extinção da execução com o consequente levantamento, após trânsito, de quaisquer penhoras realizadas no processo de execução (artigo 732.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).”
D. Alicerçando a sua decisão no facto de, das cartas enviadas aos Executados não resulta a descrição dos factos concretos e as precisas razões reveladoras da inviabilidade da manutenção do PERSI nem a referência expressa à norma legal em que assentou a decisão de extinção do procedimento menções que, na interpretação que faz o Venerando Tribunal da Relação do regime jurídico do PERSI, se impunham sob pena de ineficácia da comunicação.
E. Entende o Tribunal que o teor da missiva pela qual foi comunicada a extinção do procedimento aos mutuários não cumpre, na interpretação que faz o Tribunal a quo do artigo 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10 com as exigências de indicação do fundamento legal de extinção.
F. Entende ainda que, a obrigatoriedade de justificação acrescida tanto se aplica às situações de extinção automática do PERSI como àquelas em que o procedimento cesse por decisão da instituição de crédito.
G. Não desconhece a ora Recorrente que o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro que veio instituir o Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI) e regulamentar o PERSI tem como propósito, além do mais, promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras e promover a protecção do cliente bancário, consumidor fomentando a prevenção e a gestão/regularização das situações de incumprimento.
H. No entanto, tem vindo a assistir-se ao recurso indiscriminado à invocação de tal regime jurídico como forma de premiar o incumprimento e desculpar os devedores relapsos, impedindo verdadeiramente os credores de exercer o direito de acção para ressarcimento dos seus créditos.
I. E in casu, resultou provado que a instituição bancária previamente ao legitimo exercício do direito de acção, mediante instauração em juízo de acção executiva, deu cumprimento ao dever que sobre si impende de, integrar em PERSI os Executados em incumprimento, bem como resulta, ainda, provado, que o procedimento foi extinto porquanto, decorreu o prazo legal de 90 dias desde a integração em PERSI, sem que houvesse sido prorrogado pelas partes, e sem que fosse possível chegar a acordo.
J. O artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro disciplina a Extinção do PERSI, sendo inequívoco que o legislador distinguiu entre causas de cessação automática do procedimento e causas em que pode a instituição decidir pela cessação.
K. Assim, no n.º 1 do artigo 17.º do identificado diploma, encontram-se previstas taxativamente as situações em que o procedimento cessa “ope legis”, ao passo que no n.º 2 do artigo 17.º estão taxativamente previstas as situações em que pode a Instituição, querendo, pôr termo ao procedimento mesmo que não verificada a causa de cessação automática.
L. Assim, ao passo que nas situações do artigo 17.º, n.º 1 o procedimento cessa independentemente da vontade da instituição de crédito, bastando para tal que ocorra o evento na lei previsto na lei, (e que no caso que nos ocupa, foi o decurso do prazo previsto na lei sem que se lograsse acordo para pôr termo ao incumprimento), nas situações no artigo 17.º, n.º 2 tem de haver uma decisão da instituição nesse sentido, daí que no caso do n.º 1 baste a comunicação da extinção com a indicação do motivo que decorre da lei e que é logo informado aos clientes bancários aquando da integração em PERSI e no caso do n.º2, porque dependente de uma decisão da instituição se imponha uma descrição fundamentada dos motivos que levam a instituição a decidir pôr termo ao procedimento. E outra não pode ser a interpretação feita do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto n.º 227/12, o qual tem de ser interpretado em conjugação com o Aviso do Banco de Portugal que o regulamenta.
M. Conforme o n.º 5 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/12, de 25/10, o Banco de Portugal define, mediante aviso, os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação prevista no n.º 3, isto é, a comunicação de extinção do PERSI.
N. Fê-lo o Banco de Portugal mediante o Aviso n.º 17/2012 publicado em DR, 2.ª série, Parte E, n.º 243, de 17/12/2012, entretanto revogado em 01-01-2022 pelo Aviso n.º 7/2021 publicado em DR, 2.ª Série, n.º 243, Parte E, de 17-12-2021 e num e outro aviso, o normativo que rege a comunicação de extinção do PERSI é igual. Não sofreu alteração, podendo ler-se seja no artigo 8.º Aviso n.º 17/2012 seja no artigo 9.º do posterior Aviso n.º7/2021 que lhe sucedeu: “A comunicação pela qual a instituição de crédito informa o cliente bancário da extinção do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, as seguintes informações: a) Descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal; (…) ”Onde quis o legislador inculcar a diferença, não pode o julgador vir impor a aplicação “analógica” assente numa interpretação que não encontra o mínimo de correspondência com a letra e o espírito da lei.
O. Assim, a Recorrente não pode concordar com a interpretação que fez o Venerando Tribunal da Relação do disposto no n.º 3 do artigo 17.º do DL n.º 227/12 no sentido de se revelar obrigatório, sob pena de ineficácia ou invalidade, além da indicação do motivo da extinção, a descrição das razões pelas quais se considera inviável a manutenção deste procedimento, seja nos casos de cessação nos termos do n.º 1 do artigo 17.º, seja nos casos do artigo 17.º, n.º 2, do DL n.º 227/12, de 25/10.
P. O PERSI extingue-se, independentemente da vontade das partes, com a verificação de qualquer uma das circunstâncias previstas nas alíneas do n.º 1 do artigo 17.º do DL n.º 227/12, de 25/10. O PERSI pode ser extinto por iniciativa da instituição de crédito sempre que se verifique qualquer uma das circunstâncias previstas nas alíneas do n.º 2 do artigo 17.º DL n.º 227/12, de 25/10.
Q. O PERSI só pode ser extinto por iniciativa da instituição de crédito caso não se tenha já extinguido, nomeadamente pelo decurso do prazo de 90 dias.
R. Verificando-se qualquer uma das circunstâncias que, por força da lei, determinam a extinção do PERSI (n.º 1 do artigo 17.º), deve o cliente bancário ser informado do facto que determinou a extinção e não há lugar à descrição das razões que justificam a decisão da instituição de pôr termo ao procedimento porquanto essa decisão não foi tomada pela instituição.
S. Note-se que, aquando da integração em PERSI, conforme comunicação feita e conforme resulta do acervo da prova documental produzida, os Executados foram, desde logo informados, dos seus direitos mas também dos seus deveres.
T. Bem como foram informados das causas de extinção do PERSI.
U. Da análise conjunta da carta de integração e carta de extinção do PERSI, é forçoso concluir que está subentendido na carta de integração que o processo será extinto por terem decorrido 91 dias desde o seu início sem que tivesse sido remetida a documentação solicitada e necessária para cabal análise de eventuais soluções para o incumprimento ou sem que tivesse sido possível alcançar acordo.
V. Entende, pois, a Recorrente que as cartas de extinção do PERSI cumprem os requisitos impostos no DL 227/2012, de 25/10 para cabal, válida e eficaz extinção do procedimento em causa.
W. A concreta razão que levou à inviabilidade do PERSI foi efetivamente aquela que foi comunicada pelo Banco nas cartas de extinção remetidas aos Executados, sendo facilmente percetível, quais os fundamentos para extinção do PERSI, não se depreendendo do teor dos normativos legais aplicáveis ao presente caso que mais alguma explicação ou fundamentação fosse devida pela instituição bancária.
X. No caso concreto, de acordo com a alínea c) do referido normativo legal, é fundamento suficiente e automático a extinção do PERSI “No 91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento (…)”, nada mais sendo exigido para que se verifique a extinção do procedimento dado que se trata de uma forma automática de extinção do mesmo.
Y. Não há lugar a descrição dos factos que justificam a decisão da instituição de pôr termo ao procedimento porquanto essa decisão não foi tomada pela instituição, e se o procedimento se extinguiu pelo decurso do prazo de 90 dias, não foi extinto por iniciativa da instituição de crédito.
Z. Se esta não decidiu determinar a extinção do PERSI, claro está que não tem que indicar as razões pelas quais considera inviável a manutenção do procedimento (que se extinguiu por força da lei).
AA. Neste sentido se tem pronunciado a mais recente jurisprudência produzida sobre esta temática e inclusivamente emanada, na sua maioria, pelo próprio Venerando Tribunal da Relação de Évora, o Tribunal a quo. Veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo n.º 3358/20.1T8ENT.E1, de 02.09.2023.
BB. Decorridos que sejam os 90 dias previstos no artigo 17.º/1, alínea c), do PERSI, o procedimento considera-se extinto ope legis.
CC. Tendo a instituição de crédito diligenciado pela concretização do PERSI antes de propor a ação executiva, inexiste fundamento para julgar verificada a exceção dilatória inominada.
DD. No caso em apreço, o cliente bancário foi informado na integração do PERSI fazendo-se menção de que o procedimento se extinguiria no 91.º dia após o seu início, se não fosse prorrogado por acordo entre as partes, ou com a declaração de insolvência do cliente bancário. Decorrido que estava o prazo de 90 dias, o cliente bancário foi informado da extinção do procedimento associado ao contrato de crédito por terem decorrido 91 dias após o seu início
EE. Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 17.º, n.º 1, alínea c), n.ºs 3 a 5, 18.º do DL n.º 227/2012 e 8.º do Aviso do BP n.º 17/2021 (aviso em vigor à data da expedição das cartas de extinção do procedimento à Recorrida), afigura-se que foi regulamente cumprido o regime legal atinente à extinção do PERSI.
FF. Conforme se lê no supra identificado aresto do Tribunal da Relação de Évora, com o qual inteiramente concorda a Recorrente: “Aos Tribunais cabe servir os utentes da justiça, cujo preço estes, em regra, suportam, pelo que, para além dos casos expressamente previstos, não devem ser oficiosamente opostos entraves ao exercício judiciário dos direitos pelos respetivos titulares – note-se que são residualíssimas (inexistentes?) as arguições, pelos executados, de falta de conhecimento dos factos que determinaram a extinção do PERSI ou dos factos que justificaram a decisão da instituição de pôr termo ao PERSI antes de decorrido o respetivo prazo de vigência com fundamento na circunstância de ser equívoca, ou vaga, ou desprovida da indicação dos factos relevantes, a comunicação de extinção do PERSI.”
GG. Em igual sentido, douta jurisprudência do Tribunal da Relação de Évora, Processo n.º 18/22.2T8ENT.E1, de 05.26.2022, “E daí possa suceder que, sem a colaboração do cliente bancário, todo o procedimento fique votado ao insucesso, decorrendo 91 dias apenas com a proposta inicial da instituição de crédito e sem qualquer resposta do cliente. Se o cliente bancário estava já informado que o PERSI se extinguia no 91.º dia após o seu início, se não for prorrogado por acordo das partes, pode a carta de extinção do procedimento limitar-se a invocar o decurso de tal prazo. Ademais, interpretando o artigo 8.º, alínea a), do Aviso n.º 17/2012 do Banco de Portugal, a comunicação de extinção do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, a descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal, o que é compatível com os n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do DL n.º 272/2012, que incluem factos que automaticamente extinguem o procedimento – o pagamento, o acordo, o decurso do prazo legal ou a declaração de insolvência do cliente bancário – e outros que envolvem um processo decisório da instituição de crédito”.
HH. E, ainda, o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Processo n.º 543/23.8T8ENT.E1, de 07/11/2023, ou o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Processo n.º 1195/22.8T8ENT.E1, de 23/11/2013, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
II. In casu, o fundamento legal e objetivo, conforme exigido legalmente, que determinou a extinção do PERSI foi concretamente transmitido aos Executados, nas cartas de extinção remetidas.
JJ. Nesse sentido, atenta a prova documental produzida é forçoso concluir que foi cumprido o postulado no Decreto-Lei n.º 227/2012, nada mais lhe sendo exigido.
KK. Face ao exposto, e com o devido respeito, que é muito, considera a Recorrente que a sentença proferida não fez correta nem adequada aplicação do Direito, verificando-se nomeadamente manifesto erro quanto à verificação de excepção dilatória inominada insanável e de interpretação do regime previsto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, em especial os seus artigos 14.º a 17.º e 21.º.»
Os executados apresentaram contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.
Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar a questão do incumprimento do PERSI.
Corridos os vistos, cumpre decidir.


2. Fundamentos

2.1. Fundamentos de facto
A 1.ª instância considerou provado o seguinte:
- na carta de extinção do PERSI consta apenas que: O PERSI foi extinto por terem decorrido mais de 90 dias desde a integração em processo de PERSI sem que tenha sido possível chegar a acordo.

2.2. Apreciação do objeto do recurso
Vem posta em causa na apelação a decisão que considerou verificada uma exceção dilatória inominada decorrente da falta de demonstração do cumprimento pela exequente, previamente à instauração da execução, de obrigações impostas pelo regime jurídico do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) e, em consequência, absolveu os executados da instância, determinando a extinção da execução e condenando a exequente nas custas.
A 1.ª instância fundamentou a decisão proferida nos termos seguintes:
O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, veio instituir o Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI) e regulamentar o PERSI como uma forma de promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras.
(…)
As partes não divergem que o caso está dentro do âmbito do PERSI.
A lei exige que a integração dos executados no PERSI e a extinção deste sejam devidamente comunicadas aos executados.
Na situação em apreço, ficou apurado que na carta de extinção do PERSI consta apenas que:
O PERSI foi extinto por terem decorrido mais de 90 dias desde a integração em processo de PERSI sem que tenha sido possível chegar a acordo.
Resta saber se esta indicação, sem referência às razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento, é suficiente para se considerar cumprido o PERSI.
(…)
Na verdade, entende-se que o exequente não esclarece convenientemente, com a comunicação de extinção do PERSI apurada, as razões pelas quais não considerada viável a manutenção do procedimento, não estando, pois, respeitando o artigo 17.º indicado, o que determina a ineficácia da extinção do PERSI, nos termos do n.º 4 do referido artigo.
Assim sendo, é forçoso concluir que o exequente/embargado não evidenciou, conforme lhe competia, o cumprimento do PERSI relativamente ao executado, designadamente a extinção do PERSI, sendo que este procedimento, configurando uma condição objectiva de procedibilidade da acção executiva, conduz à procedência de excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e conduz à absolvição da instância de todos os executados, tudo conforme resulta da conjugação das disposições legais contidas nos artigos 18.º, n.º 1, alínea b) e 21.º, do Decreto-lei n.º 227/2012 de 25 de Outubro e artigos 576.º n.º 1, 2, 577.º, 578.º e 573.º, n.º 2, parte final, do Código de Processo Civil.
Discordando da decisão proferida, a apelante afirma que o PERSI se extinguiu por força da lei – atento o decurso dos 90 dias previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 17.º do DL n.º 227/2012, de 25-10 – e não por decisão da instituição, pelo que não há que descrever os factos que justificam a decisão de pôr termo ao procedimento, dado que a extinção não decorreu de decisão da instituição; mais alega que foi transmitido aos executados, nas cartas de extinção do PERSI, o fundamento que determinou a extinção do procedimento, sustentando que tais missivas cumprem os requisitos impostos pelo mencionado diploma legal.
Vejamos se lhe assiste razão.
Considerou a 1.ª instância que o caso presente se encontra abrangido pelo âmbito de aplicação do DL n.º 227/2012, de 25-10, o que não vem posto em causa na apelação e se mostra acertado, dado estar em causa o incumprimento por parte dos clientes bancários executados de um contrato de crédito, incumbindo à instituição de crédito proceder à implementação do PERSI previsto naquele diploma e cabendo à exequente demonstrar o cumprimento das obrigações impostas pelo respetivo regime jurídico.
O DL n.º 227/2012, de 25-10, que entrou em vigor a 01-10-2013 (artigo 40.º), estabelece princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações.
O artigo 12.º dispõe que as instituições de crédito promovem as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito.
Estabelece o artigo 13.º que, no prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, a instituição de crédito informa o cliente bancário do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolve diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado.
Após estes contactos preliminares, mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa, conforme impõe o artigo 14.º, n.º 1; estabelece o n.º 4 deste preceito que a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro.
O artigo 17.º, por seu turno, elenca, nos seus n.ºs 1 e 2, os fundamentos de extinção do PERSI, dispondo que o procedimento se extingue nas situações indicadas nas quatro alíneas do n.º 1 – designadamente na prevista na alínea c), com a redação seguinte: No 91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação – e admitindo que a instituição de crédito, por sua iniciativa, extinga o PERSI quando se verificar alguma das situações previstas nas sete alíneas do n.º 2.
Mais dispõe o mencionado preceito, no n.º 3, que a instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento; esclarece o n.º 4 do preceito que a extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1 (a obtenção de um acordo entre as partes com vista à regularização integral da situação de incumprimento); acrescenta o n.º 5 do preceito que o Banco de Portugal define, mediante aviso, os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação prevista no n.º 3.
O Banco de Portugal, no Aviso n.º 17/2012 (publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 243, Parte E, de 17-12-2012), em vigor à data em que foram efetuadas as comunicações em apreciação, concretizou no artigo 8.º os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação de extinção do PERSI, dispondo, além do mais, o seguinte: A comunicação pela qual a instituição de crédito informa o cliente bancário da extinção do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, as seguintes informações: a) Descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal; (…)[1].
Da análise do citado artigo 17.º, n.º 3, complementado com o artigo 8.º, alínea a), do mencionado Aviso n.º 17/2012, decorre que a comunicação pela qual a instituição de crédito informa o cliente bancário da extinção do PERSI deve conter as indicações seguintes: i) estando em causa a extinção do PERSI nos termos previstos no n.º 1 do artigo 17.º, a descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI, com indicação do respetivo fundamento legal; ii) tratando-se da extinção do PERSI por iniciativa da instituição de crédito, a descrição dos factos que justificam a decisão dessa instituição de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal.
Quanto ao significado da exigência da indicação do fundamento legal constante deste regime, considerou-se no acórdão desta Relação de 12-09-2024 (relatado pelo desembargador ora 1.º Adjunto), proferido no processo n.º 2118/22.0T8ENT.E1 (publicado em www.dgsi.pt), o seguinte: A comunicação, pela instituição de crédito, da extinção do PERSI, deve mencionar a norma legal ao abrigo da qual esta ocorreu. Explica-se, no aludido acórdão, o seguinte: (…) o n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012 exige que a comunicação, pela instituição de crédito, da extinção do procedimento, deve descrever o fundamento legal dessa extinção, o que só pode significar a obrigatoriedade de indicação da norma legal ao abrigo da qual a mesma ocorreu.
Face ao objeto da apelação, e sem olvidar que a questão em apreciação configura matéria de conhecimento oficioso, cumpre apreciar o teor da informação comunicada aos executados nas cartas relativas à extinção do PERSI e aferir da produção de efeitos de tal comunicação.
Encontra-se assente que, na carta de extinção do PERSI consta apenas o seguinte: O PERSI foi extinto por terem decorrido mais de 90 dias desde a integração em processo de PERSI sem que tenha sido possível chegar a acordo.
Analisando esta comunicação, verifica-se que dela consta a descrição dos factos que, na perspetiva da instituição de crédito, determinaram a extinção do PERSI, a saber: terem decorrido mais de 90 dias desde a integração em processo de PERSI sem que tenha sido possível chegar a acordo; porém, tal descrição não é acompanhada pela indicação do respetivo fundamento legal, conforme impõe o artigo 17.º, n.º 3, do mencionado DL, conjugado com o artigo 8.º, alínea a), do Aviso n.º 17/2012 do Banco de Portugal.
Ora, a falta de tal indicação impede se considere que a comunicação, pela qual a instituição de crédito informou os clientes bancários executados da extinção do PERSI, contém todos os elementos previstos no n.º 3 do mencionado artigo 17.º.
Em análise de situação análoga, considerou-se no acórdão desta Relação de 09-04-2025 (igualmente relatado pelo desembargador ora 1.º Adjunto), proferido no processo n.º 1277/23.9T8ENT.E1 (publicado em www.dgsi.pt), o seguinte: Na hipótese prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 17.º, para ter um conteúdo efectivamente útil, para garantir, na maior medida possível, a satisfação do direito do cliente bancário a informação clara e completa, a comunicação prevista no n.º 3 não pode resumir-se a um mero lembrete de que o prazo do PERSI já passou. Fazer uma comunicação nestes termos é, sob o ponto de vista da satisfação do direito do cliente bancário à informação, o mesmo que não fazer comunicação nenhuma.
No caso presente, em que o fundamento de extinção não foi o previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 17.º - a obtenção de um acordo entre as partes com vista à regularização integral da situação de incumprimento –, a validade da comunicação da extinção do PERSI depende, além do mais, da invocação do fundamento legal que a justifica.
Face à falta de indicação da norma legal ao abrigo da qual considerou a instituição de crédito que ocorreu a extinção do PERSI, verifica-se que a comunicação da extinção do procedimento enviada aos executados não contém todos os elementos previstos no n.º 3 do mencionado artigo 17.º, complementado pelo artigo 8.º, alínea a), do aludido aviso do Banco de Portugal, pelo que não produziu efeitos, conforme estatuído no n.º 4 daquele artigo 17.º.
Nesta conformidade, tendo-se verificado que, perante a invalidade da comunicação efetuada, o ato extintivo do procedimento não produz efeitos, cumpre confirmar, ainda que com fundamento parcialmente diverso, a decisão recorrida, que considerou que a comunicação da extinção do PERSI dirigida aos executados não produziu efeitos por incumprimento de requisitos estabelecidos do n.º 3 do preceito, motivo pelo qual se concluiu que a exequente se encontra, por força do disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do mesmo diploma, impedida de intentar a presente execução.
Improcede, assim, a apelação.

Em conclusão: (…)

3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando, com fundamento parcialmente diverso, a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
Évora, 22-05-2025
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Vítor Sequinho dos Santos (1.º Adjunto)
Eduarda Branquinho (2.ª Adjunta)


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[1] O Aviso n.º 17/2012 do Banco de Portugal foi entretanto revogado pelo Aviso n.º 7/2021 (publicado no Diário da República , 2.ª Série, n.º 243, Parte E, de 17-12-2021), que concretizou em termos idênticos os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação de extinção do PERSI, conforme decorre do artigo 9.º, alínea a).