Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACTO MÉDICO
LEGES ARTIS
CONSENTIMENTO
DANO
Sumário
I - A responsabilidade civil por ato médico pode basear-se, não apenas na má prática médica por violação das leges artis, mas também na falta de consentimento informado por parte do paciente, ainda que não se tenha por verificada a existência de erro médico; II – O consentimento do paciente configura uma condição da licitude de qualquer intervenção médica, designadamente cirurgia, que configura uma ingerência na integridade física; tal consentimento não é válido, entre outras situações, se o paciente não estiver na posse da informação relevante, cabendo ao médico o dever de esclarecimento prévio do doente; III – Assiste ao paciente o direito a que lhe seja prestada, pelo médico, a informação relevante que o habilite a consentir em consciência, conforme expressão constante do artigo 19.º, n.º 2, do EOM, o que visa assegurar a autonomia e a autodeterminação do doente, no âmbito da decisão de se submeter ou não à intervenção proposta pelo médico, sendo inválido o consentimento, entre outras situações elencadas no artigo 20.º, n.º 1, daquele estatuto, se o doente, no momento em que o presta, não estiver na posse da informação relevante; IV – Estando em causa a opção entre dois tratamentos, um conservador e o outro cirúrgico, para a fratura do úmero sofrida pela autora, ainda que o tratamento conservador lhe causasse incómodos vários e que tal a tenha levado a consultar o médico 2.º réu, comunicando-lhe as dificuldades sentidas, tal não o dispensava de lhe prestar esclarecimento sobre os aspetos relevantes da intervenção a realizar, designadamente sobre os respetivos riscos, entre eles o risco específico de lesão do nervo radial no decurso do procedimento cirúrgico; V – Tratando-se do risco de uma lesão cujo período expectável de recuperação varia entre 3 e 12 meses e que se mostra idónea a comprometeu a mobilidade do membro superior afetado, existindo a opção por um tratamento conservador, era exigível ao médico 2.º réu que informasse a autora da possibilidade de a cirurgia lhe provocar a lesão do nervo radial e que lhe desse a conhecer as consequências previsíveis de tal lesão, de forma a habilitá-la a optar conscientemente pelo tipo de tratamento que tivesse por adequado, decidindo se pretendia ou não realizar a cirurgia, assumindo os riscos inerentes a tal tratamento; VI – Configurando o consentimento, livre e esclarecido, prestado pelo paciente, uma causa de exclusão da ilicitude da intervenção médica, face às regras de distribuição do ónus da prova estabelecidas no artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil, compete ao médico o ónus da prova do facto impeditivo do direito invocado pela paciente; VII – Não decorrendo da factualidade provada que o médico 2.º réu, ou outrem, tenha informado a autora do risco de lesão do nervo radial inerente ao tratamento cirúrgico, nem que a lesada tenha demonstrado estar ciente de tal risco e ter conhecimentos que lhe permitissem avaliar devidamente as respetivas consequências, mostra-se inválido o consentimento prestado pela paciente, que se limitou a assinar a documentação que lhe foi apresentada, sem qualquer esclarecimento prévio. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Processo n.º 2656/18.9T8PTM.E2
Juízo Central Cível de Portimão
Tribunal Judicial da Comarca de Faro
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório
(…) intentou a presente ação declarativa, com processo comum, contra Hospital de (…), S.A. e (…), médico, todos melhor identificados nos autos, pedindo a condenação dos réus a pagarem à autora: a) a quantia de € 90.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; b) a quantia de € 181.608,00, a título de indemnização por danos patrimoniais, sem prejuízo de ampliação do pedido; c) juros moratórios sobre todas quantias peticionadas, à taxa legal vigente, desde a data da citação até integral pagamento; d) sanção pecuniária compulsória de montante não inferior a € 150,00, por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações a que qualquer dos réus for condenado; e) a quantia correspondente a todas as despesas supervenientes à entrada desta ação que a autora seja forçada a satisfazer com consultas, exames, tratamentos, fisioterapia, internamentos e cirurgias, para debelar e/ou atenuar os danos que lhe foram causados pela má intervenção do 2.º réu, incluindo as despesas supervenientes com a empregada doméstica que foi obrigada a contratar.
A justificar o pedido, alega que, na sequência de fratura do úmero esquerdo decorrente de queda que sofreu a 05-07-2017, veio a ser sujeita no dia 25-07-2017, no contexto que descreve, a intervenção cirúrgica realizada no hospital 1.º réu pelo médico 2.º réu, no decurso da qual foi colocada cavilha fixada por parafusos, não tendo sido informada dos efeitos negativos que poderiam resultar da sujeição à intervenção cirúrgica proposta; acrescenta que, por má prática médica, em violação das leges artis, que imputa ao 2.º réu, ficou bloqueado o movimento do ombro e foi provocada lesão do nervo radial, o que lhe causou danos patrimoniais e não patrimoniais, como tudo melhor consta da petição inicial.
O réu Hospital de (…), S.A. contestou, sustentando não decorrer da matéria de facto alegada pela autora a responsabilidade civil do 1.º réu e impugnando parte da factualidade alegada, como tudo melhor consta do articulado apresentado.
O réu (…) contestou, invocando a observância das leges artis, bem como a prestação pela autora de consentimento informado, e defendendo-se por impugnação motivada; mais requereu a intervenção acessória provocada de (…) – Companhia de Seguros, S.A., sustentando que a responsabilidade civil emergente da sua atividade profissional se encontra transferida para a referida companhia de seguros, a qual garante o pagamento de eventual indemnização que lhe possa vir a ser exigida.
A autora apresentou articulado no qual se pronuncia sobre a matéria invocada na contestação apresentada pelo 1.º réu, bem como articulado em que se pronuncia sobre matéria invocada na contestação deduzida pelo 2.º réu.
Por despacho de 20-05-2019, foi admitida a intervenção principal provocada de (…) – Companhia de Seguros, S.A..
Citada, a interveniente apresentou contestação, na qual declarou fazer sua a contestação apresentada pelo 2.º réu.
Dispensada a audiência prévia, foi fixado o valor à causa, saneado o processo – tendo sido relegado para final o conhecimento das exceções deduzidas –, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença em 13-06-2022, da qual foi interposto recurso por cada um dos réus e pela interveniente, recursos que foram admitidos.
Por acórdão de 02-03-2023 desta Relação, foi julgado procedente o recurso interposto pelo 2.º réu, ao qual aderiu o 1.º réu, e considerada prejudicada a apreciação do recurso interposto pela interveniente, ao qual aderiu o 1.º réu, tendo-se decidido anular a decisão recorrida e determinar a reabertura da audiência final, para que seja assegurado o contraditório imposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b), do CPC, mediante a comunicação às partes da possibilidade de virem a ser considerados os factos constantes dos pontos 41 a 44 de 2.1.1., praticando-se os demais atos subsequentes.
Regressados os autos à 1.ª instância, foi concedido contraditório às partes, na sequência de vicissitudes várias, e proferida sentença em 31-01-2024, na qual se decidiu o seguinte: Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência, decido: a) Condenar solidariamente a (…) – Companhia de Seguros, S. A., e o Hospital de (…), S.A., no pagamento à autora (…) da quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais (acrescida de juros legais de mora após 13 de junho de 2022, data da prolação da primeira sentença), num total até hoje de € 37.282,19 (trinta e sete mil duzentos e oitenta e dois euros e dezanove cêntimos), além dos juros vincendos até integral pagamento; b) Condenar solidariamente a (…) – Companhia de Seguros, S.A., e (…), assim como o Hospital de (…), S.A., no pagamento à autora (…) da quantia de € 12.962,55 (doze mil e novecentos e sessenta e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos), acrescidos de juros legais desde o dia seguinte ao da citação, a título de danos patrimoniais nas seguintes proporções: Hospital de …, S.A. (100%); (…) – Companhia de Seguros, S.A. (90%) e … (10%) Acrescem as despesas supervenientes que a autora venha a realizar por via de eventual cirurgia de transferência tendinosa; c) No mais, absolver os réus do pedido. Custas a cargo das partes na proporção do decaimento. Valor da ação: o já fixado de € 271.608,43, conforme despacho de 15 de dezembro de 2019 – fls. 221. Registe e notifique.
Novamente inconformados, o 2.º réu e a interveniente interpuseram, separadamente, recurso desta decisão.
O 2.º réu terminou as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«A) Na sequência de notificação para o efeito, decorrente de anterior Acórdão desta Relação, foi assinalado pelo recorrente que a matéria do consentimento informado não encontrava eco na causa de pedir dos autos.
B) Na petição inicial, com mais de 150 artigos, sem nunca se referir à ausência de consentimento informado, apenas no artigo 90º há uma imprecisa e residual referência a aspetos menos positivos do tratamento a que a autora terá sido submetida.
C) O Tribunal, ainda que afastando a alegada má prática médica, julgou a ação procedente com fundamento na invalidade do consentimento prestado pela autora.
D) A ação de indemnização por danos provocados por uma alegada prestação médica violadora das legis artis, viu ampliada a causa de pedir fora dos requisitos legais.
E) Sem alegação na PI de quaisquer factos essenciais quanto à matéria do consentimento, o Tribunal substituiu-se nessa matéria à parte.
F) Ora, com exceção dos factos instrumentais, complementares, concretizadores ou notórios, não pode o tribunal considerar outros factos além daqueles que foram alegados pelas partes.
G) Assim o impõe o n.º 1 do artigo 5.º do CPC que determina que às partes compete alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir.
H) O juiz da causa não está sujeito às alegações das partes em matéria de direito, mas já o está relativamente aos factos essenciais alegados pelas partes – n.º 3 do artigo 5.º do CPC (a contrario).
I) São as partes quem, no exercício da sua liberdade de propositura da ação, delimitam o seu objeto ou, melhor dizendo, a sua causa de pedir.
J) A presente ação é uma típica ação por má prática médica, pois funda-se exclusivamente na alegada má atuação técnica do segundo réu – cfr. artigos 88º a 148º do petitório.
K) A mesma conclusão se retira da análise dos temas da prova indicados pelo Tribunal, não existindo qualquer tema relativo à matéria do consentimento informado.
L) No tema das legis artis não se pode incluir o tema do consentimento informado, apenas este poderá influenciar aquele.
M) Não existe sequer nos autos uma causa de pedir subsidiária assente na alegação de factos relativos a matéria atinente à violação do consentimento informado.
N) E, não constando da petição inicial, a alteração da causa de pedir só poderia admitir-se nos termos dos artigos 264.º, 46.º e 265.º do CPC, o que manifestamente não sucedeu.
O) A matéria atinente ao consentimento não foi alegada pela autora na petição inicial, não existindo assim qualquer matéria complementar daquela.
P) Assim como não foi pedida qualquer indemnização por violação do direito ao consentimento informado.
Q) Nunca se invoca a violação do direito à liberdade e à autonomia do doente, como razão para a reclamada indemnização.
R) O objeto do processo é determinado pelo pedido e pela defesa deduzidas pelas partes nos articulados e suas alterações, ao abrigo do princípio do dispositivo.
S) O Tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
T) Donde, ser nula a sentença nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
U) O consentimento informado é um processo dialógico, maioritariamente oral, entre médico e paciente, com exceção dos doentes tratados por equipas multidisciplinares.
V) Na sua avaliação, juridicamente, deve ser considerado o paciente concreto em cada caso, ao invés do que habitualmente sucede quando se apela para o critério do Homem médio.
W) Pelo que o dever de informação é elástico, não sendo igual para todos os doentes na mesma situação clínica.
X) Abrange o diagnóstico e as consequências do tratamento, mas já não exige uma referência à situação médica em detalhe, como se assume na sentença recorrida, nem sequer a referência aos riscos de verificação excecional ou rara, mesmo que graves ou ligados especificamente àquele tratamento.
Y) Assume por isso especial relevo em matéria de consentimento informado a importância que a intervenção assume para aquele concreto paciente.
Z) No caso dos presentes autos, pelo menos desde o dia 6/07/2017 que a autora sabia, porque lhe foi explicado, qual a complexidade/gravidade da fratura – cfr. pontos 23 e 24 da matéria provada.
AA) E que como tratamento mais adequado, com o aval do ora recorrente, lhe foi apresentado o tratamento conservador – cfr. pontos 30 e 31 da matéria provada.
BB) Naquela data e por oposição à proposta do tratamento cirúrgico que lhe foi apresentada no Hospital Público de Portimão - intervenção cirúrgica (ponto 19 dos factos provados) - a autora ficou a saber que eram maiores os riscos da cirurgia do que os do tratamento conservador, assumido como golden standard para o seu tipo de fratura.
CC) Por outro lado, o tratamento cirúrgico proposto e ministrado pelo ora recorrente era o adequado face às dificuldades apresentadas pela autora que não suportava os incómodos causados pelo gesso.
DD) Quando procurou pessoalmente o recorrente já era possuidora de todas as informações estando convencida que se tratava de uma intervenção segura – cfr. ponto 38.
EE) Mais sabendo a autora que há sempre riscos inerentes a qualquer intervenção cirúrgica.
FF) Assim, ao recorrente apresentou-se uma doente consciente de que pretendia substituir um tratamento conservador recomendado por um tratamento cirúrgico.
GG) Por outro lado, não sendo a cirurgia em causa de elevado risco não era exigível ao recorrente que detalhasse os riscos específicos da mesma.
HH) Aliás, a autora só não foi operada no Hospital Público porquanto não quis aguardar pelo tempo necessário para a concretização da cirurgia por falta de anestesista.
II) O dano iatrogénico foi recuperável, ainda que tivesse sido necessária uma nova cirurgia para reconstrução do nervo o que é diferente de um dano irreversível.»
A interveniente, por seu turno, terminou as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«A) A Interveniente, ora recorrente, vem interpor o presente recurso, questionando a determinação de invalidade do consentimento prestado pela Autora e consequente ilicitude da intervenção do médico, o Réu, Dr. (…), para além de questionar ainda, por cautela, os montantes indemnizatórios fixados a título de danos não patrimoniais e danos patrimoniais, considerados pelo douto Tribunal a quo;
B) Com interesse para a apreciação do presente recurso, foram dados como provados os seguintes factos:
1. No dia 5 de julho de 2017, em consequência de uma queda acidental na rua após uma tontura, a autora fraturou um osso, o úmero esquerdo, tendo sido transportada para as urgências do Hospital do (…), em (…), onde foi assistida, tendo feito rx, com fratura oblíqualonga da diáfise proximal do úmero esquerdo, com 3.º fragmento, e aí feito o diagnóstico de fratura da diáfise do úmero esquerdo e imobilizado o membro com imobilização de tio Gerdy, sem dor significativa no ombro, sem sinais de compromisso neurovascular do membro – fls. 102 verso – artigo 18º dos factos provados;
2. Foi-lhe comunicado que tinha de ser operada, mas que essa operação apenas se poderia realizar no prazo mínimo de onze dias, devido a falta de anestesista – artigo 19º dos factos provados;
3. O úmero é um osso par localizado no braço, sendo o maior osso dos membros superiores; articula-se superiormente com a omoplata através do complexo articular do ombro; e, inferiormente, com o rádio e o cúbito, através da articulação do cotovelo; é constituído por uma parte longa e mais ou menos cilíndrica (diáfise) e por duas extremidades com forma triangular (epífises); o úmero é “acompanhado” pela artéria braquial que atravessa o próprio osso e que em parte o “alimenta” de sangue; e, ainda, pelos nervos cubital e radial; este “acompanhamento” ocorre ao longo da goteira radial que se inicia entre 97 e 142 mm da face externa da apófise terminal da omoplata (parte saliente ou acrómio) e termina entre 101 e 148 mm da extremidade do úmero. O músculo braquioradial é um dos músculos do antebraço enervado pelo nervo radial – fls. 299 – artigo 20º dos factos provados;
4. O nervo radial inicia o seu trajeto no compartimento posterior do braço e passa para o compartimento anterior atravessando a parede divisória muscular (septo) entre 7,5 e 10 cm da extremidade inferior do úmero; a localização deste nervo apresenta uma variabilidade anatómica significativa, pois ainda que conhecido o seu trajeto anatómico, a sua localização exata varia de pessoa para pessoa – artigo 21º dos factos provados;
5. A diáfise do úmero pode fraturar de múltiplas maneiras em resposta a vários tipos de violência; é uma fratura comum e decorre na maior parte das vezes de quedas da própria altura, como no caso concreto – artigo 22º dos factos provados;
6. Do ponto de vista da respetiva gravidade, estas fraturas são classificadas entre fraturas simples (A1 a A3), em cunha (B1 a B3) e complexas (C1 a C3): as fraturas 7 do úmero das categorias B e C, apresentam risco de lesão do nervo radial decorrente da própria fractura, pois que com a deslocação dos fragmentos ósseos característica destas fracturas, eles próprios podem lesar o nervo radial – fls. 298 - artigo 23º dos factos provados;
7. No caso da autora, a fractura não exposta do úmero esquerdo que apresentava foi classificada como sendo do tipo C2, ou seja, complexa e segmentar por se terem separado diversas porções do próprio osso – fls. 102 – artigo 24º dos factos provados;
8. Face às dores de que padecia, e ao tempo que teria de esperar até que fosse sujeita à referida intervenção cirúrgica naquela Unidade Hospitalar, no dia seguinte, dia 6, a autora solicitou que lhe fosse dada alta médica, e pediu uma ambulância para a transportar para o Hospital (…) – fls. 18 – artigo 29º dos factos provados;
9. Nesse dia 6 de julho, a autora foi admitida nas urgências do Hospital (…), no (…), onde o médico ortopedista que a atendeu (Dr. ...), em concordância com outro seu colega da mesma especialidade (Dr. …), entenderam que era preferível a imobilização gessada com tala em U e assim fez o médico Dr. (…) – fls. 18 verso/103 – artigo 30º dos factos provados;
10. No Hospital (…) foram realizados vários exames à autora, como rx de controlo na sequência do que que foi confirmado padrão de fratura oblíqua longa aceitável para tratamento conservador que a autora aceitou depois de explicada à doente a situação clínica, opção gold standard para este tipo de fratura, com bons resultados em mais de 90% dos pacientes – fls. 18 verso/102 verso – artigo 31º dos factos provados;
11. No caso, a opção em primeira linha pelo tratamento conservador visou reduzir os riscos de lesão do nervo radial, pois nesse momento a autora não apresentava quaisquer indícios de compromisso desse nervo, embora estivesse dependente do alinhamento conseguido com a imobilização – fls. 298 (artigo 31º da contestação do réu …): após manipulação do braço pelo médico é inicialmente aplicada uma imobilização gessada para estabilização da fratura, redução da dor e redução do edema. Cerca de duas semanas depois esta pode ser substituída, ou não, por uma ortótese funcional que exerce pressão sobre os tecidos e o úmero – artigo 32º dos factos provados;
12. O Dr. (…) agendou nova consulta para dali a duas semanas para avaliação da evolução da consolidação da fratura com controlo radiológico, dando alto com analgesia e AINE em SOS – fls. 102 verso – artigo 33º dos factos provados;
13. No dia 10 de julho, tendo conhecimento que o Dr. (…) dava consultas no Hospital (…), a autora marcou uma consulta 9 com este especialista, tendo-lhe transmitido que não aguentava mais o pesado lastro no cotovelo – fls. 20 – artigo 36º dos factos provados;
14. Nessa consulta, o Dr. (…) transmitiu à autora que a única solução para evitar o desconforto e as dores causadas pelo lastro no cotovelo seria abordar a fratura diafisária do úmero esquerdo com uma intervenção cirúrgica e que seria expectável que com essa cirurgia ficaria curada após três meses de fisioterapia – fls. 20 – artigo 37º dos factos provados;
15. Na opção pela osteossíntese com cavilha intramedular UHN, um dos critérios a ponderar será a incapacidade por parte do doente de suportar os incómodos e dores da imobilização gessada, embora também seja igualmente encarada como tratamento de primeira linha. Esta técnica pode apresentar vantagens em comparação com a osteossíntese com placa e parafusos em fraturas mais cominutivas, segmentares oblíquas, como foi o caso, ou fraturas patológicas – fls. 298 verso – artigo 38º dos factos provados;
16. A autora tinha a expectativa de deixar de sentir o peso e o desconforto provocados pelo tratamento conservador e de libertar o braço de qualquer tipo de imobilização e a ver consolidada a fratura num período de cerca de três meses e foi essa a motivação que a levou a procurar o médico (…) e a aceitar a proposta de cirurgia pelo mesmo apresentada, em face das queixas por si apresentadas, mesmo ciente dos riscos inerentes a uma cirurgia com anestesia geral, como seria a proposta, não demonstrando qualquer receio – artigo 39º dos factos provados;
17. Na sequência dessa consulta, o Dr. (…) marcou a cirurgia para o dia 25 de julho de 2017, a realizar no Hospital (…), entidade que fez a admissão da autora pelas 7H15 e lhe cobrou a quantia pelos serviços prestados – fls. 106 e 20 verso/22 – artigo 40º dos factos provados;
18. Na data da admissão, a autora assinou a “prestação de serviços clínicos a doentes com terceiros pagadores” de fls. 367 de onde consta “o utente declara estar esclarecido da sua situação clínica, aceitando ser submetido à terapêutica que lhe foi proposta pelo seu médico assistente/responsável pelo internamento. O utente declara também que lhe foram explicados, pelo seu médico assistente/responsável pelo internamento, todos os procedimentos de tratamento, as suas eventuais consequências e as possíveis complicações e riscos cirúrgicos e anestésicos. Declara ainda que é por sua livre e consciente vontade que se submete aos procedimentos de tratamento propostos” – fls. 367 – artigo 41º dos factos provados;
19. Foi anotado o consentimento da autora conforme fls. 384 v. que assinou o formulário, o qual também se encontra assinado pelo médico – fls. 384 verso – artigo 42º dos factos provados;
20. No mesmo documento, após “a preencher pelo doente (…)” antes da assinatura consta o seguinte: por favor, leia com atenção todas as indicações constantes neste documento. Não hesite em solicitar mais informações ao médico, se não estiver completamente esclarecido. Verifique se tem toda a informação de que necessita. Se tudo estiver conforme, então, assine este documento. A autora não leu o documento antes de assinar nem lhe foi explicado o seu conteúdo – artigo 43º dos factos provados;
21. Foi confirmado o consentimento pela autora à enfermeira do bloco conforme fls. 379 verso – artigo 44º dos factos provados;
22. Após ter efetuado um eletrocardiograma no dia 21 de julho, no dia 25 de julho, a autora que dera entrada com dores e fora medicada com metamizol magnésio foi operada pelo Dr. (…) no Hospital (…) – fls 22 – artigo 45º dos factos provados;
23. De um lado, o método mais antigo, a osteossíntese com placa e que consiste na aplicação sobre o osso de uma placa de compressão que fixa todos os elementos separados pela fratura – figura 16 de fls. 103 verso; para tanto, é necessário visualizar diretamente o foco da fratura através da dissecação dos tecidos e afastamento destes do osso; esta técnica, devido à elevada extensão da dissecação dos tecidos para efeito de introdução e fixação da placa e ao necessário afastamento destes do osso, provoca a perda de suprimento sanguíneo do local da fratura, o que se mostra associado a índices de atraso ou não consolidação da fratura mais elevados; Pode levar a deslocamentos do próprio material – cfr. figura 16 de fls. 103 verso – e, ainda, a lesões iatrogénicas do nervo radial, ou seja, a lesões provocadas pelo próprio ato médico; De outro lado, o método mais recente utilizado pelo médico no caso da autora, ou seja, a osteossíntese com cavilha intramedular, introduzida através do ombro e fixada por parafusos. Permite alinhar devidamente os elementos da fratura com o próprio eixo da diáfise do osso, submetendo-a a menor força de flexão por se encontrar numa posição central – cfr. figura 17 de fls. 103 verso. Não interfere com o hematoma fraturário deixando-o ser absorvido naturalmente pelo organismo, não toca no suprimento sanguíneo do osso, pois não necessita de dissecação dos tecidos no local da fratura e apresenta menor tempo cirúrgico – fls. 103 verso – artigo 46º dos factos provados;
24. Neste segundo método, também podem acontecer conflitos articulares com o ombro e, tal como no primeiro método, lesão iatrogénica do nervo radial, ou seja, lesão provocada pelo próprio ato médico. Estas lesões podem acontecer tanto no primeiro método como no segundo por causa da dissecação dos tecidos ou da manipulação do braço, introdução e fixação do material de osteossíntese, porquanto a variabilidade anatómica humana não permite reconhecer com exatidão o local por onde passa o nervo radial – artigo 47º dos factos provados;
25. Como consequência da lesão do nervo radial, a autora ficou com total incapacidade em pegar em qualquer objeto com a mão esquerda, pois, a mão caía desamparada e imóvel, com muito fraca mobilidade nos respetivos dedos – artigo 104º dos factos provados;
26. A autora teve um período sem conseguir pintar, quer em razão da sua incapacidade física, quer em razão da consequente desmotivação que os constrangimentos dessa incapacidade lhe causaram – artigo 105º dos factos provados;
27. Em razão desta incapacidade, a autora, que até então sempre cuidou da lide da casa sozinha, e do jardim, foi forçada a contratar a empregada por mais horas de modo a que a auxiliasse nas tarefas de higiene, lide da casa (limpeza e cozinha), jardinagem – artigo 106º dos factos provados;
28. Embora a autora seja destra, a total incapacidade da sua mão esquerda impediu-a ou limitou-a na realização de tarefas de higiene pessoal, como lavar o cabelo e o corpo do lado direito, cortar as unhas da mão direita, vestir-se e calçar-se normalmente, sobretudo, quando na presença de botões e/ou colchetes, bem como de atacadores de sapatos e/ou botas, limpeza da casa, fazer a cama, lavar a loiça, lavar roupa e estendê-la, passar a ferro, preparar e cozinhar alimentos, cortar alimentos para comer (comer de faca e garfo), tratar do jardim, andar de bicicleta, e/ou conduzir o seu automóvel, além de exercer a atividade de arquiteta e de pintar que a realizavam pessoalmente e do ponto de vista económico – artigo 107º dos factos provados;
29. A autora sofreu, pois, sentia-se uma inválida por não conseguir mexer a sua mão esquerda, e consequentemente estar privada de pintar – artigo 108º dos factos provados;
30. A autora beneficiou da ajuda de várias amigas que a acompanharam na fase mais crítica, não apenas nas várias deslocações a consultas, exames e tratamentos, mas também no auxílio nas idas a outros locais – artigos 110º dos factos provados;
31. Em consequência das complicações da cirurgia, a autora sofreu um enorme desgaste e sofrimento, além da nova intervenção cirúrgica para reparação – artigo 112º dos factos provados;
32. Caso a primeira cirurgia tivesse decorrido sem complicações, a autora já estaria recuperada da primeira lesão provocada pela queda no dia 5 de julho de 2017 (previsão de engessamento mais 3 meses de fisioterapia) – artigo 113º dos factos provados;
33. No dia 25 de junho de 2020, a autora apresentava ainda as seguintes queixas: a nível funcional, sensação de “peso” desde o indicador e polegar até ao cotovelo; formigueiro e perda de sensibilidade na superfície cutânea inervada pelo radial. “Problema de circulação” que agrava com alteração do [tempo para] frio. Não consegue dormir em decúbito lateral esquerdo; a nível profissional e de formação, reformada de arquiteta na data da cirurgia (…) refere que não consegue usar o computador para fazer os desenhos relacionados com arquitetura. Ainda é pintora e dextra, referindo dificuldades quando tem de usar a mão esquerda para segurar a paleta. Refere que após a queda, esteve um ano sem poder pintar. A data da 23 consolidação médico-legal das lesões foi fixada em 29 de maio de 2018 – fls. 275, tendo sido valorizados os seguintes danos: défice funcional temporário total de 8 dias, tendo em conta os períodos de internamento, e parcial de 321 dias, considerando o restante período de tempo até à data de consolidação, em que foi submetida a tratamentos médicos (recuperação de cirurgias, fisioterapia); repercussão temporária na atividade profissional total fixável em 329 dias; quantum doloris no grau 5 numa escala de 7 graus de gravidade; défice funcional permanente da integridade físicopsíquica: parésia do nervo radial esquerdo (enquadrável no código Na0207) e limitação na mobilidade do ombro esquerdo (enquadrável no código Ma0207), num défice fixável em 11,8 pontos; repercussão permanente na atividade profissional: as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares; dano estético permanente fixável no grau 3 numa escala de sete graus (cicatriz da segunda intervenção) – artigo 114º dos factos provados;
34. Pode vir a ser necessária a realização de cirurgia de transferência tendinosa – fls. 298b – artigo 115º dos factos provados;
C) A Interveniente, ora Recorrente, considera que não se verifica qualquer invalidade na forma de prestação de consentimento informado pela Autora, porquanto, em 25 de Julho de 2017, aquando da entrada no Hospital de (…), S.A., aquela assinou um documento denominado “Prestação de serviços clínicos a doentes com terceiros pagadores”, nos termos do qual declara expressamente que se encontrava esclarecida quanto à sua situação clínica, aceitando ser submetida à terapêutica que lhe foi proposta pelo seu médico, o Réu, Dr. (…), tendo-lhe sido explicado por este todos os procedimentos de tratamento, suas eventuais consequências e possíveis complicações e riscos cirúrgicos e anestésicos, conforme resulta de fls. 367 dos autos, tendo ainda sido confirmado o consentimento prestado à enfermeira do bloco, conforme resulta de fls. 379 verso dos autos;
D) Em 10 de Julho de 2017 a Autora deslocou-se ao Hospital de (…), S.A., a fim de ser atendida especificamente pelo Réu, Dr. (…), tendo aquele transmitido que, dado que a Autora se queixava de não suportar o peso e desconforto que a imobilização gessada lhe provocava, sugeriu a realização de osteossíntese com cavilha intramedular UHN, procedimento que foi aceite pela Autora, mesmo ciente dos riscos inerentes a uma cirurgia com anestesia geral, como seria a proposta, não demonstrando qualquer receio;
E) Relativamente a esta matéria, da validade e total eficácia do consentimento prestado pela Autora, a Interveniente, ora Recorrente, adere às alegações de recurso a apresentar pelo Réu (…) e eventualmente a apresentar pelo Réu Hospital de (…), S.A.;
F) Pelo que se conclui que mal andou o Tribunal a quo ao considerar ilícita a intervenção do Réu, Dr. (…), enquanto médico ortopedista, devendo ser considerado válido e eficaz o consentimento informado prestado pela Autora, (…), conduzindo à absolvição do Réu e, consequentemente, da ora Interveniente, com as legais consequências;
G) Por mera cautela, se este não for o entendimento seguido por V. Exas, sempre se questionarão de seguida os montantes indemnizatórios arbitrados a título de danos não patrimoniais e patrimoniais;
H) Pelo Tribunal a quo foi fixado o pagamento de uma indemnização à autora de Euros 35.000,00 a título de danos não patrimoniais, sendo que se considera este montante salvo o devido respeito, elevado e não respeita os critérios legal e jurisprudencial aplicáveis a casos semelhantes;
I) Para aferir do dano não patrimonial sofrido pela Autora, há que ter por base as conclusões do Relatório de Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil realizado, que fixam à Autora um défice funcional temporário total de 8 dias, com défice funcional temporária parcial fixado em 321 dias, uma repercussão temporária na actividade profissional total de 329 dias, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares, considerando a informação de que esta prestaria a actividade remunerada de pintura, um Quantum Doloris de grau 5, numa escala de 1 a 7, e um dano estético de grau 3, numa escala de 1 a 7, ficando portadora de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 11,8 Pontos;
J) Assente nos factos considerados provados, nos períodos de incapacidade fixados, no défice funcional permanente de que ficou portador que lhe conferem uma incapacidade permanente, veio a sentença recorrida a fixar o montante indemnizatório, a título de danos não patrimoniais, em Euros 35.000,00, o que, salvo o devido respeito, leva a concluir que o montante fixado para a indemnização, a título de danos não patrimoniais, é elevado, atento os critérios legal e jurisprudencial vigentes para casos semelhantes;
K) Atendendo aos pressupostos narrados nestas Alegações, a Interveniente, ora Recorrente, entende que, na fixação do montante indemnizatório a título de danos não patrimoniais à Autora, não foram observados e, por conseguinte, foram violados os normativos legais estabelecidos nos artigos 496.º, n.º 3 e 494.º, ambos do Código Civil, pelo que deverá a sentença recorrida ser revogada nesta parte, devendo, a título de danos não patrimoniais, ser fixado um montante não superior a Euros 15.000,00;
L) Quanto à indemnização fixada a título de danos patrimoniais, de Euros 10.000,00, a título de reparação pelos danos patrimoniais sofridos, no que à necessidade de contratar terceira pessoa para apoiar a Autora durante o período mais crítico de incapacidade, de 329 dias, sempre se dirá que a mesma não tem suporte fático e/ou documental em que se alicerce, pelo que sempre deverá ser considerada excessiva;
M) Considerou o Tribunal a quo, e bem, que a Autora não logrou provar que despesas concretas esta teve que suportar com o auxílio de empregada doméstica que lhe prestou maior assistência nos períodos de incapacidade, por não ter junto aos autos qualquer documento comprovativo de qualquer pagamento realizado a este título à pessoa que lhe prestou essa assistência;
N) Relativamente à prestação de assistência por terceira pessoa, prestou depoimento a testemunha (…), que referiu conhecer a Autora porque trabalhou em casa desta até ao ano de 2020 e durante cerca de 9 a 10 anos. Durante esse período temporal, referiu que inicialmente auferia mensalmente cerca de Euros 500,00 por mês, sendo que após a queda sofrida por aquela em 5 de Julho de 2017, houve necessidade de realizar mais horas de trabalho em casa daquela e passou a auferir cerca de Euros 1.000,00;
O) Assim, sem outra prova, não poderá resultar provado que a Autora teve um encargo acrescido com a prestação de serviços de limpeza e acompanhamento no domicílio pela testemunha (…), superior a Euros 500,00 por mês, pelo que não deverá ser arbitrada indemnização a este título em montante superior a Euros 5.000,00.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Por acórdão de 12-09-2024 desta Relação, na procedência de ambas as apelações, foi declarada a nulidade da decisão recorrida, por excesso de pronúncia, na parte relativa ao conhecimento de causa de pedir que se considerou não invocada e consequências daí decorrentes, vício que se decidiu suprir, tendo-se julgado improcedente a ação, absolvendo-se os réus dos pedidos formulados e condenando-se a autora nas custas.
A apelada interpôs recurso de revista, o qual foi admitido.
Por acórdão de 28-01-2025, o Supremo Tribunal de Justiça considerou não verificada a existência de nulidade da sentença por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, e decidiu o seguinte: Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) em conceder a revista, anulando o acórdão recorrido e ordenando que o Tribunal da Relação de Évora conheça do mérito da causa nos termos supra definidos. Custas pelos RR.
Face às conclusões das alegações dos recorrentes e ao decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
i) no âmbito do recurso interposto pelo 2.º réu:
- da responsabilidade civil por ato médico;
ii) no âmbito do recurso interposto pela interveniente:
- da responsabilidade civil por ato médico;
- subsidiariamente, da quantificação da indemnização devida à autora.
2. Fundamentos
2.1. Decisão de facto
2.1.1. Factos considerados provados em 1.ª instância:
1. A autora foi arquitecta de profissão e simultaneamente pintora, designadamente, de óleos sobre telas, com exposições regulares em várias galerias (desde 2002 até 2017) e participações em vários eventos festivos, integrando várias coleções privadas em Portugal, Alemanha, Espanha, França, Bélgica, Suécia, Inglaterra, Dinamarca e Estados Unidos da América;
2. Para além da reforma que recebe em resultado dos anos de trabalho como arquitecta na Administração Local, antes da intervenção do réu médico, a autora conseguia pintar cerca de 14 quadros por ano, e fazer em média 150 desenhos;
3. Os quadros e desenhos da autora eram expostos para venda a preços que variavam entre os € 110,00 e os € 1.960,00;
4. Através das exposições que fazia nas várias galerias de arte e a amigos, a autora conseguia vender alguns quadros por ano por montantes, em concreto, não apurados;
5. Antes desta cirurgia, a autora tinha mobilidade e apreensão normais nas mãos e dedos;
6. Em julho de 2017, a autora tinha 66 anos de idade. Assinalou aquando da entrada no Hospital do (…) – (…), além da tontura antes da queda, e tonturas intermitentes, episódios sincopais sem pródromos de longa data (não estudados) sem movimentos tónico-ciónicos nem perda de controlo de esfíncteres associado e outros antecedentes como insónias crónicas, osteoporose, disipidemia e epistaxe. Noutros elementos é feita referência expressa a síndrome vertiginoso. No exame neurológico foi assinalado discreto nislagmo horizontal esgotável à esquerda. Foi dada indicação para estudo e seguimento em consulta externa de medicina interna, quanto às síncopes;
7. A autora vivia e vive sozinha há muitos anos, numa casa que sempre foi da família, constituída por três pisos e com jardim;
8. A autora era uma mulher independente, com muita energia, muito ativa, com enorme alegria de viver, e grande capacidade de trabalho, integrada na sociedade, participando em diversos eventos culturais e sociais;
9. O Hospital de (…) é uma instituição de saúde cuja unidade que explora obedece a todas as exigências legais, requisitos, recomendações, detendo bloco operatório dotado de utensílios e tecnologia adequados aos procedimentos cirúrgicos e meios colocados à disposição dos médicos que colaboram no Hospital;
10. Também colaboram com o Hospital médicos de diversas especialidades, entre eles anestesistas e cirurgiões, que uns com os outros formam as equipas que considerarem adequadas;
11. O Hospital tem atendimento permanente, com serviço de urgência e de múltiplas valências médico-cirúrgicas;
12. (…) é licenciado em medicina e especialista em Ortopedia e Fraturas pelo Hospital de (…). Foi Assistente Hospitalar de Ortopedia e Fraturas no Hospital de (…) entre 1992 e 1994, Assistente Hospitalar no Hospital (…) entre 1994 e 1997, Assistente Graduado de Ortopedia e Fraturas no Hospital (…) entre 1997 e 1999; Posteriormente, exerceu como Assistente Graduado, no Centro Hospitalar (…) entre 1999 e 2013 e foi Diretor Adjunto do Serviço de Ortopedia do Centro Hospitalar do (…) entre 2013 e 2014; é Diretor do Departamento de Ortopedia do Hospital (…), Assistente de Ortopedia do Hospital de (…), assim como Assistente de Ortopedia do Hospital (…) e, ainda, Assistente de Ortopedia do Hospital (…);
13. Participou ou foi conferencista em cursos relativos ao tratamento de fraturas;
14. A colaboração do Dr. (…) mantém com o Hospital tem a natureza de prestação de serviços;
15. O Dr. (…) é médico cirurgião ortopedista especialista reconhecido pelos seus pares;
16. O réu (…) transferiu para a “(…)” a responsabilidade de indemnizar terceiros por atos médicos de ortopedia por si praticados. Para tanto, celebrou com a identificada seguradora contrato de seguro de responsabilidade civil, cuja apólice tem o n.º (…) e o capital de € 600.000,00 - fls. 109 verso;
17. Os limites contratuais estabelecidos pela apólice n.º (…), em matéria de responsabilidade civil em que pudesse incorrer o tomador do seguro em virtude da sua atividade médica, são os constantes das condições gerais de fls. 188 e particulares de fls. 202 verso. “O capital indicado como garantido pela Cobertura Responsabilidade Civil Profissional é definido para cada anuidade, ficando limitado, em cada sinistro, ao valor indicado como Sub-Limite do Capital Seguro”, sendo aplicada a cada sinistro uma franquia “Tipo 30 – Esta cobertura(s) fica(m) sujeita(s) a uma franquia de 10% do valor dos danos resultantes de lesões materiais, no mínimo de € 125,00”;
18. No dia 5 de julho de 2017, em consequência de uma queda acidental na rua após uma tontura, a autora fraturou um osso, o úmero esquerdo, tendo sido transportada para as urgências do Hospital do (…), onde foi assistida, tendo feito rx, com fratura oblíqualonga da diáfise proximal do úmero esquerdo, com 3.º fragmento, e aí feito o diagnóstico de fratura da diáfise do úmero esquerdo e imobilizado o membro com imobilização de tio Gerdy, sem dor significativa no ombro, sem sinais de compromisso neurovascular do membro;
19. Foi-lhe comunicado que tinha de ser operada, mas que essa operação apenas se poderia realizar no prazo mínimo de onze dias, devido a falta de anestesista;
20. O úmero é um osso par localizado no braço, sendo o maior osso dos membros superiores; articula-se superiormente com a omoplata através do complexo articular do ombro; e, inferiormente, com o rádio e o cúbito, através da articulação do cotovelo; é constituído por uma parte longa e mais ou menos cilíndrica (diáfise) e por duas extremidades com forma triangular (epífises); o úmero é “acompanhado” pela artéria braquial que atravessa o próprio osso e que em parte o “alimenta” de sangue; e, ainda, pelos nervos cubital e radial; este “acompanhamento” ocorre ao longo da goteira radial que se inicia entre 97 e 142 mm da face externa da apófise terminal da omoplata (parte saliente ou acrómio) e termina entre 101 e 148 mm da extremidade do úmero. O músculo braquioradial é um dos músculos do antebraço enervado pelo nervo radial;
21. O nervo radial inicia o seu trajeto no compartimento posterior do braço e passa para o compartimento anterior atravessando a parede divisória muscular (septo) entre 7,5 e 10 cm da extremidade inferior do úmero; a localização deste nervo apresenta uma variabilidade anatómica significativa, pois ainda que conhecido o seu trajeto anatómico, a sua localização exata varia de pessoa para pessoa;
22. A diáfise do úmero pode fraturar de múltiplas maneiras em resposta a vários tipos de violência; é uma fratura comum e decorre na maior parte das vezes de quedas da própria altura, como no caso concreto;
23. Do ponto de vista da respetiva gravidade, estas fraturas são classificadas entre fraturas simples (A1 a A3), em cunha (B1 a B3) e complexas (C1 a C3): as fraturas do úmero das categorias B e C, apresentam risco de lesão do nervo radial decorrente da própria fratura, pois que com a deslocação dos fragmentos ósseos característica destas fraturas, eles próprios podem lesar o nervo radial;
24. No caso da autora, a fratura não exposta do úmero esquerdo que apresentava foi classificada como sendo do tipo C2, ou seja, complexa e segmentar por se terem separado diversas porções do próprio osso;
25. Uma fratura, além da quebra da própria integridade do tecido ósseo, envolve a disrupção local dos tecidos moles e a alteração da integridade vascular com sangramento;
26. Este hematoma e a inflamação dos tecidos envolventes onde existem células de diversos tipos acabam por formar no local um edema que será absorvido pelo organismo ou removido conforme a terapêutica aplicada;
27. Por outro lado, graças à intensa dinâmica do tecido ósseo, pois este cresce, remodela-se e mantém-se ativo durante toda a vida, é possível consolidar as fraturas através de novo tecido ósseo e não através de tecido cicatricial, como ocorre com outros tecidos;
28. A base do tratamento das fraturas assenta nas supra referidas características do tecido ósseo: cresce, remodela-se e mantém-se ativo durante a vida;
29. Face às dores de que padecia, e ao tempo que teria de esperar até que fosse sujeita à referida intervenção cirúrgica naquela Unidade Hospitalar, no dia seguinte, dia 6, a autora solicitou que lhe fosse dada alta médica, e pediu uma ambulância para a transportar para o Hospital (…);
30. Nesse dia 6 de julho, a autora foi admitida nas urgências do Hospital (…), no (…), onde o médico ortopedista que a atendeu (Dr. …), em concordância com outro seu colega da mesma especialidade (Dr. …), entenderam que era preferível a imobilização gessada com tala em U e assim fez o médico Dr. (…);
31. No Hospital (…) foram realizados vários exames à autora, como rx de controlo na sequência do que que foi confirmado padrão de fratura oblíqua longa aceitável para tratamento conservador que a autora aceitou depois de explicada à doente a situação clínica, opção gold standard para este tipo de fratura, com bons resultados em mais de 90% dos pacientes – fls. 18 verso/102 verso;
32. No caso, a opção em primeira linha pelo tratamento conservador visou reduzir os riscos de lesão do nervo radial, pois nesse momento a autora não apresentava quaisquer indícios de compromisso desse nervo, embora estivesse dependente do alinhamento conseguido com a imobilização: após manipulação do braço pelo médico é inicialmente aplicada uma imobilização gessada para estabilização da fratura, redução da dor e redução do edema. Cerca de duas semanas depois esta pode ser substituída, ou não, por uma ortótese funcional que exerce pressão sobre os tecidos e o úmero;
33. O Dr. (…) agendou nova consulta para dali a duas semanas para avaliação da evolução da consolidação da fratura com controlo radiológico, dando alto com analgesia e AINE em SOS;
34. Recuperando o tratamento aplicado à autora, apesar de este ser bem tolerado pelos pacientes, a imobilização gessada exige a cooperação do doente, pois pode causar algum incómodo, obrigando-as a dormir sentado durante todo o tempo, para o peso fazer o seu efeito, sob pena de ser ineficaz;
35. O engessamento causa e causou incómodos à autora, que não aguentava o pesado “lastro” no cotovelo, uma vez que este lhe feria o tronco, quer pelo peso, quer pela irregularidade da sua espessura, causando-lhe dores, dificultando o descanso e a locomoção;
36. No dia 10 de julho, tendo conhecimento que o Dr. (…) dava consultas no Hospital (…), em (…), a autora marcou uma consulta com este especialista, tendo-lhe transmitido que não aguentava mais o pesado lastro no cotovelo;
37. Nessa consulta, o Dr. (…) transmitiu à autora que a única solução para evitar o desconforto e as dores causadas pelo lastro no cotovelo seria abordar a fratura diafisária do úmero esquerdo com uma intervenção cirúrgica e que seria expectável que com essa cirurgia ficaria curada após três meses de fisioterapia;
38. Na opção pela osteossíntese com cavilha intramedular UHN, um dos critérios a ponderar será a incapacidade por parte do doente de suportar os incómodos e dores da imobilização gessada, embora também seja igualmente encarada como tratamento de primeira linha. Esta técnica pode apresentar vantagens em comparação com a osteossíntese com placa e parafusos em fraturas mais cominutivas, segmentares oblíquas, como foi o caso, ou fraturas patológicas;
39. A autora tinha a expectativa de deixar de sentir o peso e o desconforto provocados pelo tratamento conservador e de libertar o braço de qualquer tipo de imobilização e a ver consolidada a fratura num período de cerca de três meses e foi essa a motivação que a levou a procurar o médico (…) e a aceitar a proposta de cirurgia pelo mesmo apresentada, em face das queixas por si apresentadas, mesmo ciente dos riscos inerentes a uma cirurgia com anestesia geral, como seria a proposta, não demonstrando qualquer receio;
40. Na sequência dessa consulta, o Dr. (…) marcou a cirurgia para o dia 25 de julho de 2017, a realizar no Hospital (…), entidade que fez a admissão da autora pelas 7H15 e lhe cobrou a quantia pelos serviços prestados;
41. Na data da admissão, a autora assinou a “prestação de serviços clínicos a doentes com terceiros pagadores” de fls. 367 de onde consta “o utente declara estar esclarecido da sua situação clínica, aceitando ser submetido à terapêutica que lhe foi proposta pelo seu médico assistente/responsável pelo internamento. O utente declara também que lhe foram explicados, pelo seu médico assistente/responsável pelo internamento, todos os procedimentos de tratamento, as suas eventuais consequências e as possíveis complicações e riscos cirúrgicos e anestésicos. Declara ainda que é por sua livre e consciente vontade que se submete aos procedimentos de tratamento propostos”;
42. Foi anotado o consentimento da autora conforme fls. 384 verso que assinou o formulário, o qual também se encontra assinado pelo médico;
43. No mesmo documento, após “a preencher pelo doente (…)” antes da assinatura consta o seguinte: por favor, leia com atenção todas as indicações constantes neste documento. Não hesite em solicitar mais informações ao médico, se não estiver completamente esclarecido. Verifique se tem toda a informação de que necessita. Se tudo estiver conforme, então, assine este documento. A autora não leu o documento antes de assinar nem lhe foi explicado o seu conteúdo.
44. Foi confirmado o consentimento pela autora à enfermeira do bloco conforme fls. 379 verso;
45. Após ter efetuado um eletrocardiograma no dia 21 de julho, no dia 25 de julho, a autora que dera entrada com dores e fora medicada com metamizol magnésio foi operada pelo Dr. (…) no Hospital (…);
46. De um lado, o método mais antigo, a osteossíntese com placa e que consiste na aplicação sobre o osso de uma placa de compressão que fixa todos os elementos separados pela fratura – figura 16 de fls. 103 verso.; para tanto, é necessário visualizar diretamente o foco da fratura através da dissecação dos tecidos e afastamento destes do osso; esta técnica, devido à elevada extensão da dissecação dos tecidos para efeito de introdução e fixação da placa e ao necessário afastamento destes do osso, provoca a perda de suprimento sanguíneo do local da fratura, o que se mostra associado a índices de atraso ou não consolidação da fratura mais elevados; Pode levar a deslocamentos do próprio material – cfr. figura 16 de fls. 103 verso - e, ainda, a lesões iatrogénicas do nervo radial, ou seja, a lesões provocadas pelo próprio ato médico; De outro lado, o método mais recente utilizado pelo médico no caso da autora, ou seja, a osteossíntese com cavilha intramedular, introduzida através do ombro e fixada por parafusos. Permite alinhar devidamente os elementos da fratura com o próprio eixo da diáfise do osso, submetendo-a a menor força de flexão por se encontrar numa posição central – cfr. figura 17 de fls. 103 verso. Não interfere com o hematoma fraturário deixando-o ser absorvido naturalmente pelo organismo, não toca no suprimento sanguíneo do osso, pois não necessita de dissecação dos tecidos no local da fratura e apresenta menor tempo cirúrgico;
47. Neste segundo método, também podem acontecer conflitos articulares com o ombro e, tal como no primeiro método, lesão iatrogénica do nervo radial, ou seja, lesão provocada pelo próprio ato médico. Estas lesões podem acontecer tanto no primeiro método como no segundo por causa da dissecação dos tecidos ou da manipulação do braço, introdução e fixação do material de osteossíntese, porquanto a variabilidade anatómica humana não permite reconhecer com exatidão o local por onde passa o nervo radial;
48. Como supra se referiu, esta variabilidade pode atingir dois ou mais centímetros, a partir do ponto de referência que é a extremidade inferior do úmero;
49. O réu optou pelo tratamento cirúrgico da autora mediante a colocação de cavilha, porquanto se tratava de uma fratura segmentar e também por se tratar de um osso osteoporótico, pois a possibilidade de deslocação da placa de osteossíntese no primeiro método é elevada, para além das restantes dificuldades já antes descritas. Apesar disso, a técnica usada na colocação dos parafusos tem uma maior probabilidade de lesar o nervo radial, do que outra técnica conhecida como técnica antero-posterior (de frente para trás), visto que o nervo passa por fora, e não pela frente, e o médico colocou de fora para dentro;
50. A cirurgia consistiu numa incisão longitudinal ao nível da apófise terminal da omoplata (acrómio) e posterior mobilização do músculo deltóide através da separação das suas fibras; separadas as fibras do músculo deltoide é possível visualizar a membrana ou bursa subdeltoideia que se encontra sob aquele músculo, assim como o músculo supra espinhoso; procedeu então à divisão deste músculo na sua posição mediana, paralelamente às suas fibras, cerca de 1 a 2 cm; o médico verificou que o diâmetro endomedular (interior) da diáfise do úmero apresentava bom tamanho, apto para tolerar a presença de uma cavilha de cerca de 7 mm, sem necessidade de qualquer desbaste ósseo; por tração e manipulação da fratura efetuou a sua redução alinhando os segmentos ósseos separados; introduziu a cavilha e fixou-a através da colocação de dois parafusos; por fim, suturou todos os tecidos dissecados, encerrou a ferida operatória e realizou o penso respetivo;
51. Houve anestesia geral e o ajudante foi (…);
52. O parafuso colocado é rombo para evitar que seccione qualquer estrutura em que toque. O parafuso foi colocado de fora para dentro num dos orifícios predeterminados, numa zona que deveremos sempre admitir que o nervo possa passar. Se está acima ou abaixo é sempre difícil de determinar com toda a certeza embora pelos cálculos (…) deveria estar por baixo. O problema é que a broca pode aumentar a zona de lesão e tracionar o nervo a uma distância maior. Se o parafuso fosse colocado no outro orifício predeterminado anteroposterior o risco de lesão do nervo radial seria menor, pois a introdução anteroposterior é considerada mais segura evitando-se caso a cavilha esteja com a rotação adequada as estruturas vasculonervosas do terço distal do braço;
53. Durante a execução do procedimento cirúrgico não sobreveio qualquer facto conhecido anormal que se intrometesse, atrasasse ou obrigasse à suspensão do procedimento que estava a ser executado;
54. A possibilidade da alta no dia 26 de julho de 2017 adiantada pelo médico só teria lugar caso não houvesse queixas álgicas. O médico deu indicação de que havendo queixas álgicas, a autora teria alta na quinta-feira, dia 27 de julho;
55. Após a cirurgia, a autora refere queixas álgicas intensas e náuseas, tendo sido administrada medicação;
56. No dia seguinte, dia 26, a autora mantinha dores intensas, tendo sido administrada morfina. Foi contactado o médico réu, pelas 9H15, por a autora referir dormência em toda a mão à exceção da extremidade dos dedos, não conseguindo fazer a extensão de qualquer dos dedos, apenas flexão, situação que foi evoluindo positivamente no decorrer do turno, contudo sente alguma dormência na palma da mão. Fez rx ao membro intervencionado de que resultou o seguinte relatório: no estudo realizado observa-se uma fratura aguda cominutiva atingindo a região média e superior da diáfise umeral do lado esquerdo. Observa-se material de síntese cirúrgico correspondente com cavilha intramedular comprida com parafusos de fixação distal e proximal. O parafuso distal está a cerca de 7 cm do rebordo ósseo condilar no limite da entrelinha articular radio-umeral, segundo a medição comparativa com a escala presente no estudo radiológico. O eixo longitudinal ósseo está reposto. Observa-se um normal relacionamento das superfícies articulares da cabeça umeral e cavidade glenoideia. Fratura simples do décimo arco costal esquerdo. Sem outros achados de relevância clínica. Foi observada pelo médico réu, pelas 15H30. A situação mantinha-se nos dias 27 e 28. Foi observada pelo médico réu que deu indicação para colocar tala imobilizadora de punho, como recomendado, mantendo suporte de braço, facto que foi classificado como complicação da cirurgia que de facto é. Cumpriu crioterapia. Teve alta no dia 28;
57. O médico réu fez a prescrição externa que segue: ultramidol, ananase, zaldiar, pregabalina (substância utilizada contra a dor neuropática) e vimovo, conforme fls. 104 v., e fez um pedido de exame para que esta realizasse uma eletromiografia (incluindo velocidades de condução) no dia 04 de agosto, com a seguinte informação clinica: “status pos encavilhamento fechado do úmero esquerdo com sinais de paresia do radial. Avaliação do tipo de compromisso”;
58. A mão depende do nervo radial e do nervo cubital para funcionar em pleno, dividindo-se estes dois nervos na importância que têm nos movimentos da mão;
59. Os axónios são as extensões das células do sistema nervoso central responsáveis por levar os impulsos elétricos às unidades motoras dos órgãos recetores; a sua lesão é classificada como axonotemese quando há rutura dos axónios, mas ainda assim é mantida a integridade da bainha do nervo; e como neurotmese quando há rutura parcial ou completa dos axónios e da bainha que os envolve. No primeiro caso, axonotemese, a recuperação espontânea é possível, mas pode demorar de meses até um ano e no segundo, não é expectável uma recuperação espontânea, situação em que será necessária uma intervenção cirúrgica;
60. Na realização da cirurgia foi lesado o nervo radial. O parafuso inferior colocado lesou o nervo radial involuntariamente, embora o mais frequente seja o nervo ser apanhado pelo movimento rotativo da broca e não durante a introdução do parafuso. O nervo radial aflora a porção lateral do úmero a 10.5+/1.3 cm da porção proximal da fosseta oleocraniana e atravessa o septo sempre acima dos 7.5 c, da linha articular distal do úmero. A localização exata varia de pessoa para pessoa;
61. A paresia do nervo radial constitui uma complicação bem reconhecida nestas fraturas não só pela variação da localização, mas sim pelo seu trajeto à volta do úmero e passagem no septo intermuscular o que a torna particularmente vulnerável, ocorrendo tanto em cirurgia aberta como fechada – fls. 298 verso. A lesão secundária do nervo radial reportado na literatura varia entre 6% e 32%. Existe elevada percentagem de recuperação verificada nas lesões do nervo radial no contexto de fratura do úmero: vários cirurgiões optam por aguardar (com taxas de recuperação de 75%) enquanto outros, sobretudo em lesões secundárias como esta, optam por explorar o nervo precocemente (com taxas de recuperação de 88%) – fls. 297. Não ocorrendo neurotemese do nervo radial, os sintomas regridem e a recuperação pode demorar de vários meses a um ano;
62. A lesão do nervo radial é uma complicação das fraturas diafisárias do úmero quer em situações cirúrgicas quer em situações não cirúrgicas – fls. 108 verso. O período expectável para a recuperação de uma contusão do nervo encontra-se bem reportado na literatura e varia entre 3 e 12 meses com a grande maioria a mostrar sinais de recuperação aos 6 meses – fls. 296 verso;
63. Do ponto de vista de redução e estabilização da fratura, o réu médico aplicou bem a técnica com uma excelente redução da fratura (…) não conseguiu evitar a lesão iatrogénica do nervo radial aquando do bloqueio distal da cavilha. A secção do nervo, não sendo uma complicação frequente, pode ocorrer em determinadas localizações onde não é possível determinar com certeza o trajeto do nervo, podendo a dissecação aberta diminuir esse risco;
64. No dia 3 de agosto de 2017, a autora deslocou-se a consulta, tendo o médico referido que a recuperação levaria cerca de 3 a 12 meses com fisioterapia que anotou: status pós encavilhamento aparafusado do úmero esquerdo com lesão do radial. Ferida cirúrgica ok;
65. No dia 7, a autora submeteu-se ao exame solicitado, devido à preocupação revelada pela autora do membro superior esquerdo para obter alguma informação adicional que pudesse tranquilizar a autora, embora fosse ainda muito cedo para uma avaliação fidedigna do estado do nervo radial, o qual foi realizado pelo Dr. (…) que concluiu: plexopatia braquial E – cordão posterior (envolvimento do n. radial e axilar) – por lesão axonotmética parcial. Ainda numa fase muito precoce para avaliação neurofisiológica, contudo já se encontra alguma atividade de desnervação ativa;
66. No dia 10, no Hospital, a autora foi observada pelo médico réu apresentando EMG confirma VCS mantida. Pede-se observação por fisiatria para eventual prescrição de tratamentos;
67. No dia 31 de agosto, fez EMG do membro superior esquerdo e o Dr. (…) concluiu: estudo eletromiográfico sugestivo de plexopatia braquial E – cordão posterior, por lesão axonotmética parcial - em relação ao exame anterior já com evidência de reinervação precoce e escassa e ligeira atividade de desnervação ativa nos músculos proximais (deltoide e tricipede braquial) contudo os músculos distais (extensor comum dos dedos e braquiorradial) com intensa desnervação ativa, não se verificando qualquer recrutamento de unidades motoras ao nível do extensor comum dos dedos – fls. 106 verso/107/276. O relatório aponta para uma lesão elerofisiológica grave e não secção anatómica parcial ou total – fls. 299. O músculo braquiorradial é um dos músculos do antebraço inervado pelo nervo radial e vascularizado pela artéria recorrente radial; e é o primeiro nervo a dar sinais de recuperação após lesão do nervo radial;
68. Entretanto, o réu médico não mais observou a autora por esta não o ter mais procurado;
69. No dia 7, preocupada que estava com o facto de ter a mão paralisada e temendo pela sua reabilitação, a autora fora a uma consulta de medicina geral na Clínica “(…) Serviços Saúde, Unipessoal, Lda.”;
70. A autora procurou o Dr. (…), Ortopedista no Hospital (…), especialista de doenças dos ossos, músculos e tendões, fratura dos ossos no adulto, lesões do cotovelo, lesões do ombro, tendinite, com as seguintes áreas de diferenciação cirurgia do ombro, artroscopia, traumatologia desportiva do membro superior;
71. No dia 16 de agosto, a autora deslocou-se a uma consulta com o Dr. (…), no Hospital (…), em Lisboa, o qual, após examiná-la pediu que lhe fosse realizado um RX convencional;
72. Nesta consulta, o Dr. (…) prognosticou um primeiro indício de melhoria na mão e nos dedos apenas a partir do 3.º ou 4.º mês de fisioterapia, com uma recuperação total ao fim de um ano, e aconselhou a autora um fisioterapeuta de Lagos, Dr. … (artigo 26º da petição inicial). Prescreveu tratamentos de fisioterapia à autora, na expetativa de que o nervo radial fosse recuperando a sua função, melhorando o desempenho do punho da mão esquerda: tratamento conservador do nervo radial, através de exercícios específicos de fisioterapia coordenados por um médico fisiatra;
73. No dia 19 de agosto, a autora teve a primeira consulta no Hospital (…), com o fisiatra Dr. (…);
74. No dia 21 de agosto, a autora iniciou a 1.ª série de fisioterapia na Clínica …, Lda., com o fisioterapeuta (…), tendo concluído as primeiras sessões em 28 de setembro de 2017;
75. No dia 12 de outubro, a autora esteve presente no Hospital (…), para a 2.ª consulta com o fisiatra Dr. (…), que a informou que teria de fazer mais uma segunda serie de tratamentos de fisioterapia;
76. No dia 5 de dezembro, a autora concluiu a segunda série de 15 sessões de fisioterapia;
77. No dia 7 de dezembro, a autora esteve presente na terceira consulta com o médico especialista em medicina física e de reabilitação, Dr. (…);
78. Nessa altura, a autora apresentava limitação articular do ombro esquerdo e défice de força na zona da radial esquerda, tendo o médico pedido nova eletromiografia e mais quinze sessões de fisioterapia;
79. No dia 15 de dezembro, no Hospital (…), a autora fez uma nova eletromiografia aos membros superiores ou inferiores, e de cujo relatório consta ausência de deteção do potencial sensitivo do nervo radial D; Intensa desnervação ativa nos músculos extensor comum dos dedos E e braquiorradial E não recrutando qualquer unidade motora no esforço voluntário máximo a sugerir um processo de desnervação completa; deteção de muita escassa atividade espontânea em repouso (ondas positivas e fibrilações) no músculo deltoide E. Sem qualquer melhoria em relação ao músculo extensor comum dos dedos e desta vez o músculo braquioradial não recrutou qualquer unidade motora sugerindo um processo de desnervação completa ao nível dos músculos distais inervados pelo nervo radial, mas sem referência a pedido urgente de reconstrução do nervo;
80. No dia 20 de dezembro de 2017, a autora foi a uma consulta com o Dr. (…), no Hospital (…), em Lisboa, onde fez um novo RX, de onde resulta o seguinte: o parafuso encontrava-se a 6.42 cm da interlinha articular, tendo por referência a dimensão do parafuso distal de bloqueio, com 3.9 mm de espessura como descrito na técnica UHN;
81. O Dr. (…) desconhecia a exata localização da lesão que se confirma com exames complementares e depois com a cirurgia;
82. Nesta consulta, o Dr. (…) entregou à autora uma carta para ela levar ao Prof. (…), cirurgião plástico de reconstrução dos nervos, a fim de ser agendada uma cirurgia com a intervenção destes dois médicos. Dizia: Caro (…), a doente supracitada tem uma paralisia do radial, por cirurgia por # do úmero;
83. No dia 27 de dezembro de 2017, a autora deslocou-se a consulta com o Prof. Dr. (…), onde foram marcados os seguintes exames: uma Eco Partes Moles e uma Ressonância Magnética Plexo-Braquial, urgente, em pré cirurgia para observação exata do rompimento do nervo radial;
84. No dia 4 de janeiro de 2018, foi entregue à autora o relatório de imagiologia com o resultado destes dois últimos exames, de onde se retira: nervo radial: observa-se no nervo radial distal a cerca de 4 cm proximalmente à interlinha articular do cotovelo uma lesão nodular em continuidade com o tronco nervoso sugestiva de neuroma com cerca de 14 mm de maior eixo e um aumento da área do nervo para 34 mm2. Continuidade do tronco do radial conservada. Esta área está em relação com a presença de parafuso distal na cavilha intramedular do úmero que exerce moldagem e conflito com o nervo radial (…) Atrofia marcada de grau 3 dos compartimentos musculares extensores dependentes do radial (…) Nervo mediano: sem alterações. Nervo cubital: sem alterações. Conclusão:1. Neuroma em continuidade do nervo radial distal em área onde se observa conflito com parafuso cirúrgico. 2. Plexo braquial sem alterações;
85. No dia 5 de janeiro de 2018, a autora esteve em nova consulta com o Prof. Dr. (…);
86. Nos dias 5, 6 e 8 de janeiro, a autora realizou vários exames médicos pré-cirúrgicos solicitados pelo Dr. (…);
87. No dia 16 de janeiro, a autora foi submetida a nova intervenção cirúrgica no Hospital (…), em Lisboa, efetuada pelo ortopedista Dr. (…), que procedeu à extração de cavilha do úmero esquerdo (cavilha e parafusos, que haviam sido colocada na 1.ª cirurgia efetuada em …), tendo o Prof. Dr. (…) reconstruído o nervo radial mediante enxerto de 3 nervos retirados da perna e pé da A. Dr. (…): “remoção de material de osteossíntese”; Prof. (…): exploração de nervo radial que se verifica com secção completa ao nível da inserção de parafuso inferior de fixação de cavilha, excisão e neuroma e glioma até nervo viável e enxerto de 3 cabos denervo sural esquerdo para colmatar déficit de 3,5 cm. Hemostase cuidadosa. A cirurgia foi realizada na sequência de uma lesão iatrogénica descrita na literatura;
88. No dia 18, a autora teve alta de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva e Estética medicada com brufen (SOS), paracetamol (500 mg 8/8h) e tromboprofilaxia e com indicação para fazer mobilização sem esforço (fisioterapia diária para mobilização passiva e ativa assistida), manter mão e pé esquerdo elevados. Foi-lhe atribuída incapacidade laboral durante 3 semana;
89. A autora teve necessidade de recorrer à ajuda de uma canadiana;
90. No dia 24, a autora teve consulta pós-operatória de cirurgia plástica e reconstrutiva e estética, com o Prof. Dr. (…);
91. Nessa consulta o Prof. Dr. (…) entregou à autora a “Informação Clinica” para fisioterapia de membro superior esquerdo, onde descreve o historial sobre o diagnóstico e a cirurgia;
92. No dia 1 de fevereiro, a autora esteve na 4.ª consulta de Fisiatria com o Dr. (…), que lhe pediu a realização de vários tratamentos/fisioterapia;
93. A autora reiniciou as sessões de fisioterapia e realizou-as de 5 a 26 de fevereiro;
94. No dia 27, a autora esteve na 5.ª consulta de Fisiatria com o Dr. (…), tendo o referido especialista pedido a realização de mais uma série de tratamentos/fisioterapia;
95. Nesse mesmo dia, a autora iniciou a 5.ª série de fisioterapia;
96. No dia 12 de abril, a autora esteve numa consulta de cirurgia plástica e reconstrutiva com o Prof. Dr. (…), no Hospital (…), em Lisboa, que solicitou a realização de uma eletromiografia (4.ª) que a autora fez;
97. No dia 10 de maio, a autora esteve numa consulta de Fisiatria (7.ª), no Hospital de (…), de onde consta o seguinte: limitação da abdução do ombro aos 80 ˚ e das rotações externa + e rotação interna ++. Parésia do radial, com limitação da extensão do punho e dedos. Tem tala de posicionamento do punho. Plano: confeção de tala dinâmica funcional do punho/mão por terapia ocupacional. 15 sessões de fisioterapia;
98. A autora realizou as sessões de fisioterapia de 14 a 29 de maio;
99. No dia 10 de maio, a autora procedeu à marcação dos seguintes exames pedidos: a) – Confeção de Ortóteses Dinâmica; b) – Sessão de Terapia Ocupacional; Terapia Ocupacional; d) – 7.ª série de fisioterapia;
100. No dia 17 de maio, a autora esteve numa consulta de Fisiatria (8.ª), no Hospital de (…);
101. Nesse mesmo dia, procedeu também à marcação de nova sessão de fisioterapia (8.ª);
102. No dia 15 de junho, a autora realizou o exame de eletromiografia no Hospital (…), em Lisboa, em cujo relatório consta: interperetação: no estudo de condução nervosa salienta-se a ausência do potencial de ação sensitivo e diminuição da amplitude do potencial motor do nervo radial esquerdo. O estudo de condução nervosa dos nervos mediano (motora e sensitiva) e cubital (motora e sensitiva) do lado esquerdo é normal. No EMG de agulha, observam-se abundantes potenciais de fibrilação e ausência de atividade voluntária nos músculos braquiradial, extensor radial do carpo e extensor comum dos dedos. Nos músculos deltoide, tricípite braquial, pronator teres e primeiro interósseo dorsal, do lado esquerdo observam-se potenciais de unidade motora estáveis, de duração e amplitude normais, o padrão de recrutamento é normal e não se observa atividade patológica espontânea. Conclusão: Achados eletrofisiológicos no membro superior esquerdo compatíveis com lesão axonal do nervo radial esquerdo, no braço (entre os ramos para os músculos tricipite braquial e braquioradial), de gravidade severa (neurotemesis);
103. No dia 28 de junho, a autora esteve em nova consulta de fisiatria (9.ª), na Santa Casa da Misericórdia de (…);
104. Como consequência da lesão do nervo radial, a autora ficou com total incapacidade em pegar em qualquer objeto com a mão esquerda, pois, a mão caía desamparada e imóvel, com muito fraca mobilidade nos respetivos dedos;
105. A autora teve um período sem conseguir pintar, quer em razão da sua incapacidade física, quer em razão da consequente desmotivação que os constrangimentos dessa incapacidade lhe causaram;
106. Em razão desta incapacidade, a autora, que até então sempre cuidou da lide da casa sozinha, e do jardim, foi forçada a contratar a empregada por mais horas de modo a que a auxiliasse nas tarefas de higiene, lide da casa (limpeza e cozinha), jardinagem;
107. Embora a autora seja destra, a total incapacidade da sua mão esquerda impediu-a ou limitou-a na realização de tarefas de higiene pessoal, como lavar o cabelo e o corpo do lado direito, cortar as unhas da mão direita, vestir-se e calçar-se normalmente, sobretudo, quando na presença de botões e/ou colchetes, bem como de atacadores de sapatos e/ou botas, limpeza da casa, fazer a cama, lavar a loiça, lavar roupa e estendê-la, passar a ferro, preparar e cozinhar alimentos, cortar alimentos para comer (comer de faca e garfo), tratar do jardim, andar de bicicleta, e/ou conduzir o seu automóvel, além de exercer a atividade de arquiteta e de pintar que a realizavam pessoalmente e do ponto de vista económico;
108. A autora sofreu, pois, sentia-se uma inválida por não conseguir mexer a sua mão esquerda, e consequentemente estar privada de pintar;
109. Chorou muito e teve receio de nunca mais poder mexer a mão, e isolou-se socialmente;
110. A autora beneficiou da ajuda de várias amigas que a acompanharam na fase mais crítica, não apenas nas várias deslocações a consultas, exames e tratamentos, mas também no auxílio nas idas a outros locais;
111. Tudo, com uma enorme e desgastante carga emocional e traumática;
112. Em consequência das complicações da cirurgia, a autora sofreu um enorme desgaste e sofrimento, além da nova intervenção cirúrgica para reparação;
113. Caso a primeira cirurgia tivesse decorrido sem complicações, a autora já estaria recuperada da primeira lesão provocada pela queda no dia 5 de julho de 2017 (previsão de engessamento mais 3 meses de fisioterapia);
114. No dia 25 de junho de 2020, a autora apresentava ainda as seguintes queixas: a nível funcional, sensação de “peso” desde o indicador e polegar até ao cotovelo; formigueiro e perda de sensibilidade na superfície cutânea inervada pelo radial. “Problema de circulação” que agrava com alteração do [tempo para] frio. Não consegue dormir em decúbito lateral esquerdo; a nível profissional e de formação, reformada de arquiteta na data da cirurgia (…) refere que não consegue usar o computador para fazer os desenhos relacionados com arquitetura. Ainda é pintora e dextra, referindo dificuldades quando tem de usar a mão esquerda para segurar a paleta. Refere que após a queda, esteve um ano sem poder pintar. A data da consolidação médico-legal das lesões foi fixada em 29 de maio de 2018 – fls. 275, tendo sido valorizados os seguintes danos: défice funcional temporário total de 8 dias, tendo em conta os períodos de internamento, e parcial de 321 dias, considerando o restante período de tempo até à data de consolidação, em que foi submetida a tratamentos médicos (recuperação de cirurgias, fisioterapia); repercussão temporária na atividade profissional total fixável em 329 dias; quantum doloris no grau 5 numa escala de 7 graus de gravidade; défice funcional permanente da integridade físico-psíquica: parésia do nervo radial esquerdo (enquadrável no código Na0207) e limitação na mobilidade do ombro esquerdo (enquadrável no código Ma0207), num défice fixável em 11,8 pontos; repercussão permanente na atividade profissional: as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares; dano estético permanente fixável no grau 3 numa escala de sete graus (cicatriz da segunda intervenção);
115. Pode vir a ser necessária a realização de cirurgia de transferência tendinosa;
116. Com a consulta de 3 de agosto de 2017, a autora despendeu € 3,99;
117. No dia 4 de agosto, pela intervenção cirúrgica executada pelo médico réu, a autora pagou ao Hospital a quantia de € 474,50;
118. Na consulta de 7 de agosto, a autora despendeu a quantia de € 50,00;
119. Pelo exame realizado no dia 7, a autora pagou ao Hospital (…) a quantia de € 80;
120. Com a segunda eletromiografia de dia 31, a autora despendeu a quantia de € 80;
121. Pela consulta com o Dr. (…) de agosto de 2017 e com o exame/ RX, a autora pagou ao Hospital (…), a quantia de € 93,90;
122. Na consulta de 19 de agosto, no Hospital (…), com o fisiatra Dr. (…), a autora despendeu a quantia de € 3,99;
123. Pela primeira série de sessões de fisioterapia, a autora despendeu a quantia de € 915,00;
124. Pela consulta de fisiatria de 12 de outubro, a autora pagou a quantia de € 3,99;
125. Pela segunda série de sessões de fisioterapia, a autora pagou a quantia de € 900,00;
126. Pela consulta de 7 de dezembro, a autora despendeu a quantia de € 3,99;
127. Com a eletromiografia de 15 de dezembro, a autora despendeu a quantia de € 80,00;
128. Pela consulta e exame/RX de 20 de dezembro, a autora despendeu a quantia total de € 83,90, a que acresceram as despesas com a sua deslocação de € 32,40, num total de € 116,30;
129. Com a deslocação e consulta de 27 de dezembro, a autora despendeu a quantia de € 31,90 e € 3,99, num total de € 35,89;
130. Com a consulta de 5 de janeiro de 2018, a autora despendeu a quantia de € 3,99 e € 24,70 com deslocações;
131. Com os exames dos dias 5, 6 e 8 de janeiro de 2018, a autora despendeu a quantia total de € 73,00;
132. Com a intervenção cirúrgica de 16 de janeiro, a autora despendeu a quantia total de € 1.140,22, a que acresceu ainda a quantia de € 14,50 em despesas de farmácia;
133. Pela canadiana a autora pagou a quantia de € 16,48;
134. Pela consulta de 24 de janeiro, a autora despendeu mais € 3,99;
135. Com a consulta de dia 1 de fevereiro, a autora despendeu a quantia de € 3,99;
136. Com a fisioterapia de 9 a 26 de fevereiro, a autora despendeu mais € 21,45;
137. Com a consulta de 27 de fevereiro, a A. despendeu a quantia de € 3,99, a que acresceram despesas com a deslocação de € 32,40, num total de € 36,39;
138. No dia 17 de março, a autora deslocou-se a consulta de fisiatria no Hospital de (…), com a qual despendeu € 3,99;
139. No dia 27 de março, despendeu com sessões de fisioterapia a quantia de € 36,60 ao Hospital de (…);
140. Com a consulta de dia 12 de abril, a autora despendeu a quantia de € 3,99;
141. Com a consulta de dia 10 de maio, a autora despendeu a quantia de € 3,99;
142. No dia 10 de maio, a autora liquidou àquele Hospital uma fatura de € 26,74 relativa à 6.ª série de fisioterapia;
143. No dia 14 de maio, a autora despendeu com prótese de terapia ocupacional a quantia de € 80,00 e no dia 30, a quantia de € 217,23 com a 7.ª série de fisioterapia;
144. Com a consulta de dia 17 de maio, a autora despendeu a quantia de € 3,99;
145. Com a sua deslocação a Lisboa e regresso a Lagos no dia 15 de junho, a autora despendeu a quantia de € 16,70 e € 15,70 em comboio, e ainda a quantia de € 10,25 e € 7,65 com serviço de táxi em Lisboa, tudo no total de € 52,30 em transportes;
146. Com a consulta de dia 28 de junho, a autora despendeu a quantia de € 3,99;
147. No dia 5 de julho, a autora despendeu a quantia de € 34,58 com a 8.ª série de fisioterapia.
2.1.2. Factos considerados não provados em 1.ª instância:
- Que na consulta ou antes da cirurgia, o médico tivesse chamado a atenção da autora para os riscos específicos e eventuais complicações da cirurgia a que iria ser submetida, especificando, em concreto, a possibilidade de lesão do nervo radial e concretas consequências na vida da paciente;
- Que não tenham sido praticadas as melhores artes médicas no sentido estrito, na intervenção cirúrgica propriamente dita;
- Que a segunda cirurgia não tenha resultado;
- Que a grande maioria dos danos ocorridos adviriam sempre da queda de 5 de julho de 2017 e que deu causa ao tratamento;
- Quais os montantes pagos pela autora à empregada doméstica após a realização da cirurgia;
- Quais os concretos montantes por que vendeu os seus quadros no passado.
2.2. Apreciação do objeto dos recursos
2.2.1. Responsabilidade civil por ato médico
Pretende a autora, com a presente ação, obter a condenação dos réus no pagamento de indemnização por danos emergentes de lesão causada no decurso de intervenção cirúrgica realizada pelo médico 2.º réu no hospital 1.º réu, a que foi submetida no dia 25-07-2017, na sequência de fractura do úmero esquerdo decorrente de queda que sofreu a 05-07-2017.
O médico 2.º réu e a seguradora interveniente impugnaram, nos recursos que interpuseram, a sentença de 31-01-2024, na qual, com fundamento na invalidade do consentimento prestado pela autora à realização pelo 2.º réu da intervenção cirúrgica em apreciação, a 1.ª instância declarou ilícita esta intervenção, após o que teve por verificada, e não ilidida, presunção de culpa reportada à realização do ato médico sem o consentimento informado da autora e considerou preenchidos os demais pressupostos da responsabilidade civil, reconhecendo à demandante o direito a indemnização pelos danos decorrentes da lesão causada na cirurgia realizada pelo médico demandado.
Está em causa a lesão do nervo radial do braço esquerdo da autora, provocada no decurso da intervenção cirúrgica executada pelo médico 2.º réu – visando tratar fractura do úmero esquerdo –, lesão que comprometeu a mobilidade do membro superior esquerdo da apelada, causando-lhe danos patrimoniais e não patrimoniais.
Considerou a 1.ª instância que a responsabilidade civil do hospital 1.º réu e do médico 2.º réu é contratual, baseada num contrato de prestação de serviços médicos, o que não foi posto em causa pelos apelantes e se mostra acertado.
Mais se considerou, na sentença proferida, não verificada a má prática médica, com fundamento na violação das leges artis, imputada pela autora ao 2.º réu, o que não foi impugnado em sede de recurso, configurando matéria que esta Relação se encontra impedida de reapreciar.
Nos recursos que interpuseram, ambos os apelantes manifestam discordância da parte da sentença em que se considerou verificado o incumprimento pelo médico 2.º réu do dever de informar a autora sobre os riscos da intervenção cirúrgica e, em consequência, inválido o consentimento prestado pela autora à realização da intervenção cirúrgica em apreciação, motivo pelo qual se declarou ilícita esta intervenção do réu médico.
Discordando deste entendimento, ambos os apelantes defendem a validade do consentimento prestado pela autora, alegando, em síntese, que a mesma sabia, pelo menos desde 06-07-2017, a complexidade/gravidade da fratura que sofrera e que os riscos do tratamento cirúrgico eram maiores do que os do tratamento conservador que lhe foi proposto como mais adequado, e que lhe foi inicialmente aplicado, acrescentando que, quando se apresentou perante o médico 2.º réu, pretendendo substituir tal tratamento conservador por um tratamento cirúrgico, a autora sabia existirem sempre riscos inerentes a qualquer intervenção cirúrgica, não sendo exigível ao médico que detalhasse os riscos específicos da cirurgia em causa por não se tratar de uma intervenção de elevado risco.
Vejamos se lhes assiste razão.
É sabido que a responsabilidade civil por ato médico pode basear-se, não apenas na má prática médica por violação das leges artis, mas também na falta de consentimento informado por parte do paciente, ainda que não se tenha por verificada a existência de erro médico, como sucede no caso presente.
Neste sentido, entendeu o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão (publicado em www.dgsi.pt) proferido em 24-10-2019 no processo n.º 3192/14.8TBBRG.G1.S1 (relator: Acácio das Neves), o seguinte: A responsabilidade civil emergente da realização de ato médico, ainda que se prove a inexistência de erro ou má prática médica, pode radicar-se na violação do dever de informação do paciente relativamente aos riscos e aos danos eventualmente decorrentes da realização do ato médico.
Face ao objeto das apelações, cumpre averiguar se o médico 2.º réu violou o dever de informação da autora e se tal importa a invalidade do consentimento pela mesma prestado, conforme considerou a 1.ª instância, ou se esse consentimento se mostra válido, como defendem os recorrentes.
A Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina – Convenção de Oviedo, do Conselho da Europa –, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 1/2001, de 03-01, estabelece, no Capítulo II, intitulado Consentimento, a regra geral enunciada no artigo 5.º, com a redação seguinte: Qualquer intervenção no domínio da saúde só pode ser efetuada após ter sido prestado pela pessoa em causa o seu consentimento livre e esclarecido. Esta pessoa deve receber previamente a informação adequada quanto ao objetivo e à natureza da intervenção, bem como às suas consequências e riscos. A pessoa em questão pode, em qualquer momento, revogar livremente o seu consentimento.
O Código Civil, por seu turno, consagra uma tutela geral da personalidade no artigo 70.º – cujo n.º 1 dispõe que a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral –, bem como regula a limitação voluntária dos direitos de personalidade no artigo 81.º – cujo n.º 1 dispõe que toda a limitação voluntária ao exercício dos direitos de personalidade é nula, se for contrária aos princípios da ordem pública – e a prestação de consentimento do lesado no artigo 340.º – preceito que dispõe o seguinte: 1. O ato lesivo dos direitos de outrem é lícito, desde que este tenha consentido na lesão; 2. O consentimento do lesado não exclui, porém, a ilicitude do ato, quando este for contrário a uma proibição legal ou aos bons costumes; 3. Tem-se por consentida a lesão, quando esta se deu no interesse do lesado e de acordo com a sua vontade presumível.
No exercício da sua profissão, o médico 2.º réu encontra-se sujeito, ainda, aos princípios e regras constantes do Estatuto da Ordem dos Médicos aprovado pelo DL n.º 282/77, de 05-07 (alterado pelas Declarações de 29-07-1977, de 12-09-1977 e de 23-09-1977, pelo DL n.º 217/94, de 20-08, e pelas Leis n.ºs 117/2015, de 31-08, e 9/2024, de 19-01), cumprindo atender, atenta a data do ato médico em apreciação – julho de 2017 –, à versão do EOM decorrente da Lei n.º 117/2015, de 31-08, então em vigor.
Sob a epígrafe Princípios gerais de conduta, dispõe o artigo 135.º do EOM (aditado pela mencionada Lei n.º 117/2015), no n.º 11, o seguinte: O médico deve fornecer a informação adequada ao doente e dele obter o seu consentimento livre e esclarecido.
O EOM prevê, no artigo 144.º, o desenvolvimento de regras deontológicas em código deontológico a aprovar pela assembleia de representantes, tendo o Regulamento n.º 707/2016, de 21-07 (publicado no Diário da República n.º 139/2016, Série II de 2016-07-21), aprovado o Código Deontológico da Ordem dos Médicos, que estabelece, além do mais, regras relativas ao esclarecimento por parte do médico e à obtenção do consentimento do doente, entre as quais se destacam, pelo seu relevo para o caso presente, as seguintes:
- artigo 19.º (Esclarecimento do médico ao doente): 1 - O doente tem direito a receber e o médico o dever de prestar esclarecimento sobre o diagnóstico, a terapêutica e o prognóstico da sua doença. 2 - O esclarecimento deve ser prestado previamente e incidir sobre os aspetos relevantes de atos e práticas, dos seus objetivos e consequências funcionais, permitindo que o doente possa consentir em consciência. 3 - O esclarecimento deve ser prestado pelo médico com palavras adequadas, em termos compreensíveis, adaptados a cada doente, realçando o que tem importância ou o que, sendo menos importante, preocupa o doente. 4 - O esclarecimento deve ter em conta o estado emocional do doente, a sua capacidade de compreensão e o seu nível cultural. 5 - O esclarecimento deve ser feito, sempre que possível, em função dos dados probabilísticos e facultando ao doente as informações necessárias para que possa ter uma visão clara da situação clínica e tomar uma decisão consciente.
- artigo 20.º (Consentimento do doente): 1 - O consentimento do doente só é válido se este, no momento em que o dá, tiver capacidade de decidir livremente, se estiver na posse da informação relevante e se for dado na ausência de coações físicas ou morais. 2 - Entre o esclarecimento e o consentimento deverá existir, sempre que possível, um intervalo de tempo que permita ao doente refletir e aconselhar-se. 3 – (…).
- artigo 22.º (Consentimento presumido): O médico deve presumir o consentimento dos doentes nos seguintes casos: a) Em situações de urgência, quando não for possível obter o consentimento do doente e desde que não haja qualquer indicação segura de que o doente recusaria a intervenção se tivesse a possibilidade de manifestar a sua vontade; b) Quando só puder ser obtido com adiamento que implique perigo para a vida ou perigo grave para a saúde; c) Quando tiver sido dado para certa intervenção ou tratamento, tendo vindo a realizar-se outro diferente, por se ter revelado imposto como meio para evitar perigo para a vida ou perigo grave para a saúde, salvo se se verificarem circunstâncias que permitam concluir com segurança que o consentimento seria recusado.
- artigo 23.º (Formas de consentimento): 1 - O consentimento pode assumir a forma oral ou escrita. 2 - O consentimento escrito e ou testemunhado é exigível em casos expressamente determinados pela lei ou regulamento deontológico.
Da análise conjugada deste regime decorre que o consentimento do paciente configura uma condição da licitude de qualquer intervenção médica, designadamente cirurgia, por configurar uma ingerência na integridade física do paciente, bem como que tal consentimento não é válido, entre outras situações, se o doente não estiver na posse da informação relevante, cabendo ao médico o dever de esclarecimento prévio do doente.
Assim sendo, verifica-se que a intervenção cirúrgica em apreciação, destinada a tratar fratura do úmero esquerdo da autora, só podia licitamente efetuar-se após ter a paciente prestado o seu consentimento esclarecido, o que pressupõe o prévio cumprimento pelo médico 2.º réu do dever de a informar.
Cabia ao médico 2.º réu o dever de esclarecimento da autora sobre os aspetos relevantes da intervenção cirúrgica que se propunha realizar, designadamente, conforme especifica o supra citado artigo 5.º da Convenção de Oviedo, quanto ao objetivo e à natureza da intervenção, bem como às suas consequências e riscos.
Assiste ao paciente o direito a que lhe seja prestada, pelo médico, a informação relevante que o habilite a consentir em consciência, conforme expressão constante do artigo 19.º, n.º 2, do EOM, o que visa assegurar a autonomia e a autodeterminação do doente, no âmbito da decisão de se submeter ou não à intervenção proposta pelo médico, sendo inválido o consentimento, entre outras situações elencadas no artigo 20.º, n.º 1, daquele estatuto, se o doente, no momento em que o presta, não estiver na posse da informação relevante.
A exigência de consentimento informado previamente à intervenção médica, além de visar a tutela da pessoa e da sua dignidade como um todo, reporta-se, especificamente, ao direito à integridade física e psíquica do paciente.
Afirma André Gonçalo Dias Pereira (Direitos dos Pacientes e Responsabilidade Médica, Coimbra: 2014. Tese de doutoramento – Disponível em http://hdl.handle.net/10316/31524 -, pág. 353) que «se no n.º 1 do artigo 70.º se encontra esse direito fonte, está também previsto o direito especial de personalidade: o direito à integridade física e moral, com o qual se relaciona o direito à liberdade de vontade e a autodeterminação, que é precisamente onde se fundamenta civilisticamente o consentimento informado». Esclarece o autor (ob. cit., pág. 354) que «O fim principal do dever de esclarecimento é permitir que o paciente faça conscientemente a sua opção, com responsabilidade própria face à intervenção, conhecendo os seus custos e consequências, bem como os seus riscos, assumindo-se assim o doente como senhor do seu próprio corpo, exercendo mesmo a “informed choice”».
No caso presente, extrai-se da factualidade julgada provada que, face à fratura do úmero esquerdo sofrida pela autora, foi-lhe comunicado, no serviço de urgência do Hospital do (…), onde foi assistida, que teria de ser submetida a uma intervenção cirúrgica e que esta, por motivos relacionados com a organização dos serviços médicos, apenas poderia ser realizada no prazo de, pelo menos, onze dias, o que levou a autora a solicitar que lhe fosse dada alta médica, na sequência do que foi transportada para o Hospital (…), no (…), onde o médico ortopedista que a atendeu – em concordância com médico 2.º réu, seu colega da mesma especialidade – entendeu que era preferível a imobilização gessada com tala em U, tendo aplicado à autora este tratamento conservador.
Provou-se que:
- 31. No Hospital (…) foram realizados vários exames à autora, como rx de controlo na sequência do que que foi confirmado padrão de fratura oblíqua longa aceitável para tratamento conservador que a autora aceitou depois de explicada à doente a situação clínica, opção gold standard para este tipo de fratura, com bons resultados em mais de 90% dos pacientes – fls. 18 verso/102 verso;
- 35. O engessamento causa e causou incómodos à autora, que não aguentava o pesado “lastro” no cotovelo, uma vez que este lhe feria o tronco, quer pelo peso, quer pela irregularidade da sua espessura, causando-lhe dores, dificultando o descanso e a locomoção;
- 36. No dia 10 de julho, tendo conhecimento que o Dr. (…) dava consultas no Hospital (…), a autora marcou uma consulta com este especialista, tendo-lhe transmitido que não aguentava mais o pesado lastro no cotovelo;
- 37. Nessa consulta, o Dr. (…) transmitiu à autora que a única solução para evitar o desconforto e as dores causadas pelo lastro no cotovelo seria abordar a fratura diafisária do úmero esquerdo com uma intervenção cirúrgica e que seria expectável que com essa cirurgia ficaria curada após três meses de fisioterapia;
- 39. A autora tinha a expectativa de deixar de sentir o peso e o desconforto provocados pelo tratamento conservador e de libertar o braço de qualquer tipo de imobilização e a ver consolidada a fratura num período de cerca de três meses e foi essa a motivação que a levou a procurar o médico (…) e a aceitar a proposta de cirurgia pelo mesmo apresentada, em face das queixas por si apresentadas, mesmo ciente dos riscos inerentes a uma cirurgia com anestesia geral, como seria a proposta, não demonstrando qualquer receio;
- 40. Na sequência dessa consulta, o Dr. (…) marcou a cirurgia para o dia 25 de julho de 2017, a realizar no Hospital (…), entidade que fez a admissão da autora pelas 7H15 e lhe cobrou a quantia pelos serviços prestados;
- 41. Na data da admissão, a autora assinou a “prestação de serviços clínicos a doentes com terceiros pagadores” de fls. 367 de onde consta “o utente declara estar esclarecido da sua situação clínica, aceitando ser submetido à terapêutica que lhe foi proposta pelo seu médico assistente/responsável pelo internamento. O utente declara também que lhe foram explicados, pelo seu médico assistente/responsável pelo internamento, todos os procedimentos de tratamento, as suas eventuais consequências e as possíveis complicações e riscos cirúrgicos e anestésicos. Declara ainda que é por sua livre e consciente vontade que se submete aos procedimentos de tratamento propostos”;
- 42. Foi anotado o consentimento da autora conforme fls. 384 verso que assinou o formulário, o qual também se encontra assinado pelo médico;
- 43. No mesmo documento, após “a preencher pelo doente (…)” antes da assinatura consta o seguinte: por favor, leia com atenção todas as indicações constantes neste documento. Não hesite em solicitar mais informações ao médico, se não estiver completamente esclarecido. Verifique se tem toda a informação de que necessita. Se tudo estiver conforme, então, assine este documento. A autora não leu o documento antes de assinar nem lhe foi explicado o seu conteúdo;
- 44. Foi confirmado o consentimento pela autora à enfermeira do bloco conforme fls. 379 verso;
- 45. (…) no dia 25 de julho, a autora (…) foi operada pelo Dr. (…) no Hospital de (…).
Mais se provou que:
- 60. Na realização da cirurgia foi lesado o nervo radial (…);
- 61. A paresia do nervo radial constitui uma complicação bem reconhecida nestas fraturas não só pela variação da localização, mas sim pelo seu trajeto à volta do úmero e passagem no septo intermuscular o que a torna particularmente vulnerável, ocorrendo tanto em cirurgia aberta como fechada – fls. 298 verso. A lesão secundária do nervo radial reportado na literatura varia entre 6% e 32%. Existe elevada percentagem de recuperação verificada nas lesões do nervo radial no contexto de fratura do úmero: vários cirurgiões optam por aguardar (com taxas de recuperação de 75%) enquanto outros, sobretudo em lesões secundárias como esta, optam por explorar o nervo precocemente (com taxas de recuperação de 88%) – fls. 297. Não ocorrendo neurotemese do nervo radial, os sintomas regridem e a recuperação pode demorar de vários meses a um ano;
62. A lesão do nervo radial é uma complicação das fraturas diafisárias do úmero quer em situações cirúrgicas quer em situações não cirúrgicas (…). O período expectável para a recuperação de uma contusão do nervo encontra-se bem reportado na literatura e varia entre 3 e 12 meses com a grande maioria a mostrar sinais de recuperação aos 6 meses (…).
Extrai-se da factualidade julgada provada a possibilidade de opção, face às características da fratura do úmero esquerdo sofrida pela autora, entre um tratamento conservador e um tratamento cirúrgico.
Mais se provou que a lesão do nervo radial – ocorrida no caso presente no decurso da cirurgia –, constitui um risco específico do tratamento cirúrgico da fratura do úmero, cujo período expectável de recuperação varia entre 3 e 12 meses.
Ora, não decorre da factualidade provada que o médico 2.º réu, ou outrem, tenha informado a autora do risco de lesão do nervo radial inerente ao tratamento cirúrgico, nem que a lesada tenha demonstrado estar ciente de tal risco e ter conhecimentos que lhe permitissem avaliar devidamente as respetivas consequências.
Estando em causa a opção entre dois tratamentos, ainda que o tratamento conservador causasse incómodos vários à autora e que tal a tenha levado a consultar o médico 2.º réu, comunicando-lhe as dificuldades sentidas, tal não o dispensava de lhe prestar esclarecimento sobre os aspetos relevantes da intervenção a realizar, designadamente sobre os respetivos riscos, entre eles o risco específico de lesão do nervo radial no decurso do procedimento cirúrgico, o que não demonstrou ter efetuado.
Tratando-se do risco de uma lesão cujo período expectável de recuperação varia entre 3 e 12 meses e que se mostra idónea a comprometeu a mobilidade do membro superior afetado, existindo a opção por um tratamento conservador, dúvidas não há de que era exigível ao médico 2.º réu que informasse a autora da possibilidade de a cirurgia lhe provocar a lesão do nervo radial e que lhe desse a conhecer as consequências previsíveis de tal lesão, de forma a habilitá-la a optar conscientemente pelo tipo de tratamento que tivesse por adequado, decidindo se pretendia ou não realizar a cirurgia, assumindo os riscos inerentes a tal tratamento.
Extrai-se da factualidade provada que tal informação não foi prestada à autora, que se limitou a assinar a documentação que lhe foi apresentada, sem qualquer esclarecimento prévio, o que configura causa de invalidade do consentimento prestado, conforme considerou a 1.ª instância na decisão recorrida.
Configurando o consentimento, livre e esclarecido, prestado pelo paciente, uma causa de exclusão da ilicitude da intervenção médica, face às regras de distribuição do ónus da prova estabelecidas no artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil, compete ao médico o ónus da prova do facto impeditivo do direito invocado pela paciente [neste sentido, cfr., a título exemplificativo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (publicados em www.dgsi.pt) proferidos em 14-12-2021, no processo n.º 711/10.2TVPRT.P1.S1 (relator: Isaías Pádua), e em 18-01-2022, no processo n.º 19473/17.6T8LSB.L1.S1 (relator: Pedro Lima Gonçalves)].
Assim sendo, não tendo o médico 2.º réu logrado demonstrar o cumprimento do dever de informação e a obtenção de consentimento informado, conforme lhe competia, mostra-se acertada a sentença recorrida, ao considerar que o 2.º réu não cumpriu o dever de informar a autora sobre os riscos específicos da cirurgia e, em consequência, julgar inválido o consentimento prestado, conforme decorre do excerto que se transcreve: (…) Ficou provado que: - Após queda acidental e consequente fratura da diáfise do úmero esquerdo foi aplicado à autora tratamento conservador, com imobilização, a que não se adaptou devidos às dores e desconforto; - Em consulta com o réu, após a apresentação da proposta cirúrgica, a autora tinha a espectativa de ver reparada a fratura, após alguns meses de fisioterapia; - Na consulta, o réu manifestou-se otimista; - A autora sabia que o réu médico era a favor do tratamento conservador e procurou-o em busca de outra solução, sabendo também que qualquer cirurgia, incluindo com anestesia geral, tem riscos; - Aquando da admissão, a autora assinou acordo de onde consta o utente declara estar esclarecido da sua situação clínica, aceitando ser submetido à terapêutica que lhe foi proposta pelo seu médico assistente/responsável pelo internamento. O utente declara também que lhe foram explicados, pelo seu médico assistente/responsável pelo internamento, todos os procedimentos de tratamento, as suas eventuais consequências e as possíveis complicações e riscos cirúrgicos e anestésicos. Declara ainda que é por sua livre e consciente vontade que se submete aos procedimentos de tratamento propostos. - E assinou o formulário de fls. 384 verso designado por consentimento informado para atos médicos, cirúrgicos ou exames /MCDT’s, onde constava recebi e compreendi a informação que me foi transmitida pelo médico acima identificado, necessária para formar devidamente a minha vontade e que concordo com o que me foi proposto e explicado pelo médico que assina este documento, tendo tomado esta decisão livremente, mas também não desejo obter informação completa sobre o ato médico indicado, não tendo sido assinalada qualquer das hipóteses no quadrado respetivo. Antes da assinatura, na mesma página consta tenho conhecimento que o consentimento agora prestado pode ser livremente revogado a todo o momento, por qualquer modo ou forma, devendo essa revogação ser inequivocamente efetuada – fls. 384 verso. Não se provou que tivesse havido qualquer pedido esclarecimento por parte da autora relativamente à cirurgia e/ou aos riscos e complicações associadas, nem tal foi alegado. Esse documento também está assinado pelo Dr. (…) que declara assim: confirmo que esclareci o doente de forma adequada e inteligível a condição clínica do doente, os tratamentos propostos, os potenciais benefícios e prejuízos, as alternativas possíveis, a probabilidade de êxito da sua aplicação, possíveis problemas relacionados com a recuperação e possíveis resultados da decisão de não realização dos tratamentos – fls. 384 verso. Resumindo, sabemos que: - A autora tinha a expectativa de se submeter a uma intervenção cirúrgica, que havia exames prévios a realizar, que a autora fez, que o objetivo era o de reparar a fratura da diáfise do úmero esquerdo, uma vez que não se havia adaptado ao tratamento conservador, com gesso, após a queda que havia sofrido 20 dias antes. Portanto, daqui resulta que o procedimento teria alguma complexidade, maior do que a do tratamento conservador e que a autora, mulher instruída, sabia que uma cirurgia, ainda mais com anestesia geral, tinha riscos. Na verdade, de todos os aspetos referidos no acórdão citado, o crítico neste caso é apenas o da comunicação dos riscos possíveis da cirurgia a que a autora iria ser sujeita. - Na consulta prévia, o médico réu não explicou à autora os riscos específicos da cirurgia de reparação da fratura da diáfise do úmero esquerdo e era ao médico que iria executar a técnica com os riscos associados que deveria ter informado a autora da possível lesão do nervo radial e consequências, como a paralisação da mão. E essa informação e explicação em nada belisca a relação de confiança médico-paciente, nem impede que o médico se revele otimista relativamente ao resultado pretendido com a intervenção, mas impõe a comunicação dos resultados possíveis. - A autora assinou um formulário sobre consentimento – fls. 384 verso. Trata-se de uma formalidade que não tem dentro qualquer substância, pois que, pela leitura do documento, não fica a saber-se se à paciente, aqui autora, foram explicados os procedimentos tal como o médico enunciou na contestação ou os seus riscos específicos, pois que quanto à cirurgia em geral, admite-se, como ficou dito, que a autora conhecia, tudo sem prejuízo da necessária adequação de discurso ou de explicação de um termo mais técnico que a interação pessoal pudesse justificar (…) - Antes da realização do procedimento, no bloco operatório, a enfermeira confirmou o consentimento da autora – fls. 379 verso. Existe um texto inserido num formulário com função declarativa para o paciente e para os médicos, com espaços reservados para cada um. Não obstante tal declaração, não se afigura que seja esse o procedimento a ter e que a assinatura daquele formulário com uma declaração pré-feita pelo hospital seja forma de quem presta cuidados de saúde se eximir a qualquer responsabilidade de, verdadeiramente, informar e, depois, esclarecer. O formulário serve para facilitar o registo daquilo que aconteceu. Os elementos escritos podem ser muito úteis para completar a informação que é dada oralmente e que a ser entregue ao paciente permitirá a reflexão e a obtenção de um consentimento verdadeiramente esclarecido. No caso de uma intervenção cirúrgica com anestesia geral, o risco maior será o de não despertar, mas existirão outros que o paciente poderá valorizar até mais, e que sejam específicos de determinado procedimento, como a cirurgia de reparação da fratura da diáfise do úmero cujo risco que se concretizou foi a lesão do nervo radial com consequente paralisação da mão. É notório que nem os profissionais de saúde nem o Hospital dão relevância a esse aspeto da relação entre médico e paciente (…) O réu Hospital já tinha introduzido as regras, em parte, nos seus procedimentos – cfr. o formulário de fls. 384 verso, mas sem, por exemplo, um texto explicativo dirigido aos pacientes sobre a reparação da fratura do úmero e riscos associados. No formulário não são assinalados os campos relevantes possíveis, de modo a que o formulário, uma vez assinado, tenha um valor declarativo: no caso, a fls. 384 v., a autora queria dizer que estava esclarecida ou que não queria ser esclarecida? Estando implementado o consentimento escrito, não era garantida a entrega de um exemplar dos documentos ao paciente, como acontece com o mais simples contrato e já estava previsto nas normas da DGS; temos o consentimento informado como um formalismo burocrático, sem que os profissionais de saúde lhe confiram a densidade devida. A referência sobre o procedimento e a menção a riscos (sem especificar quais), no dia da intervenção, agora como em 2017, não permitiu nem permite a necessária reflexão por parte do paciente e também da autora. Concluímos, assim, que houve consentimento da autora – cfr. a deslocação ao hospital, assinatura do contrato, conjugação da assinatura do formulário de fls. 384 verso com o assentimento colhido pela enfermeira no bloco. Esse consentimento até foi escrito – cfr. assinatura do formulário. Ocorre que não tendo sido precedido de qualquer informação relevante (no caso, informação sobre os riscos específicos do procedimento, a saber, entre outros, a lesão do nervo radial com consequente paralisação da mão), não é válido. A nosso ver, não seria necessário a autora alegar e provar que, não fora a falta de informação objetiva, clara, adequada e atempada, nunca aceitaria fazer o procedimento. De resto, os réus não provaram que a autora sempre teria aceitado submeter-se à cirurgia (…) Neste quadro, é de concluir que o consentimento da autora é inválido e, assim, ilícita a intervenção do médico réu. (…)
Tendo-se concluído que o consentimento prestado pela autora se mostra inválido e, como tal, ilícito o ato médico praticado pelo 2.º réu, que configura uma ingerência não autorizada na integridade física da autora, improcede, nesta parte, a argumentação apresentada pelos apelantes.
Em situação juridicamente análoga, entendeu o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão (publicado em www.dgsi.pt) proferido em 02-12-2020 no processo n.º 359/10.1TVLSB.L1.S1 (relatora: Maria Clara Sottomayor), o seguinte: (…) VIII - Se o médico não provar que cumpriu os deveres de esclarecimento e que agiu ao abrigo de uma causa de justificação, recai sobre ele todo o risco de responsabilidade da intervenção médica, incluindo os fracassos da intervenção e os efeitos secundários não controláveis. IX - Como tem sido entendimento da jurisprudência deste Supremo Tribunal, o artigo 563.º do CC consagra a doutrina da causalidade adequada na sua formulação negativa, que não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser direta e imediata, pelo que admite não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não, como ainda a causalidade indireta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que diretamente suscite o dano. X - Tendo a consagração dos deveres de informação como escopo permitir regular a formação da vontade do paciente, uma vez demonstrada a omissão ou a deficiência da informação prestada perante os danos sofridos, deverá presumir-se que a omissão ou a deficiência da informação foi causa da decisão do paciente; que da lesão do bem jurídico protegido – o exercício do poder de autodeterminação sobre o próprio corpo e sobre os serviços de saúde, a correta formação da vontade – resultaram os danos patrimoniais e não patrimoniais concretamente sofridos pelo paciente. (…).
No caso presente, assente que o consentimento prestado pela autora se mostra inválido e, como tal, ilícito o ato médico praticado pelo 2.º réu, e não tendo sido posto em causa em qualquer dos recursos o preenchimento dos demais pressupostos da responsabilidade civil por violação do consentimento informado, tidos por verificados na sentença recorrida, improcede, nesta parte, a apelação, recaindo sobre o médico a responsabilidade pela lesão ocorrida no decurso da intervenção cirúrgica que efetuou.
2.2.2. Quantificação da indemnização devida à autora
Pretende a autora, com a presente ação, ser indemnizada por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em virtude de lesão do nervo radial do braço esquerdo causada no decurso de intervenção cirúrgica a que foi submetida no dia 25-07-2017, realizada pelo médico 2.º réu no hospital 1.º réu.
Assente a responsabilidade do médico 2.º réu, nos termos apreciados em 2.2.1., pelo ressarcimento dos danos sofridos pela autora em consequência do evento lesivo, não vem posta em causa nos recursos a responsabilidade solidaria que a 1.ª instância considerou competir ao hospital 1.º réu, nem a responsabilidade que considerou competir à interveniente em virtude do contrato de seguro celebrado.
A seguradora interveniente, na apelação que intentou – à qual aderiu, nesta parte, o 2.º réu –, questiona os montantes arbitrados à autora a título de indemnização por danos não patrimoniais e a título de indemnização por danos patrimoniais decorrentes da necessidade de contratar ajuda de terceira pessoa, peticionando a respetiva redução.
Como tal, cumpre reapreciar a quantificação da indemnização devida à autora relativamente a tais danos.
i) Danos não patrimoniais
Quanto à indemnização pelos danos não patrimoniais, arbitrou a decisão recorrida à autora, por referência a junho de 2022, a quantia de € 35.000,00, quantificação da qual discorda a interveniente apelante, defendendo dever ser fixado montante não superior a € 15.000,00.
Cumpre apreciar a questão da quantificação do montante a arbitrar à autora a título indemnização por danos não patrimoniais.
No que respeita a danos não patrimoniais, é sabido que a natureza imaterial da lesão sofrida, sem correspondência direta numa determinada quantia em dinheiro, impede a efetiva reparação dos danos, mas não a respetiva compensação. Assim, o artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, impõe que, na fixação da indemnização no âmbito da responsabilidade por factos ilícitos, se atenda aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Esta indemnização visa compensar o lesado pela dor ou sofrimento, de ordem física ou psicológica, ou outras consequências de natureza não patrimonial, através do recebimento de uma quantia pecuniária que possa proporcionar-lhe bem-estar ou mitigar tais efeitos do ato lesivo[1].
Encontra-se assente que, em consequência da lesão do nervo radial do braço esquerdo, sofrida no decurso da intervenção cirúrgica realizada pelo médico 2.º réu no dia 25-07-2017, a autora ficou com total incapacidade para pegar em qualquer objeto com a mão esquerda, dado que esta caía desamparada e imóvel, com muito fraca mobilidade nos respetivos dedos, o que lhe causou desmotivação; em razão de tal incapacidade e da consequente desmotivação, a autora, que é pintora, esteve um período sem conseguir pintar; em razão dessa incapacidade, a autora, que até então sempre cuidou da lida da casa sozinha, e do jardim, foi forçada a contratar a empregada por mais horas de modo a que a auxiliasse nas tarefas de higiene, lida da casa (limpeza e cozinha), jardinagem; embora a autora seja destra, a total incapacidade da sua mão esquerda impediu-a ou limitou-a na realização de tarefas de higiene pessoal, como lavar o cabelo e o corpo do lado direito, cortar as unhas da mão direita, vestir-se e calçar-se normalmente, sobretudo, quando na presença de botões e/ou colchetes, bem como de atacadores de sapatos e/ou botas, limpeza da casa, fazer a cama, lavar a loiça, lavar roupa e estendê-la, passar a ferro, preparar e cozinhar alimentos, cortar alimentos para comer (comer de faca e garfo), tratar do jardim, andar de bicicleta, e/ou conduzir o seu automóvel, bem como de exercer a atividade de arquiteta e de pintar, que a realizavam pessoalmente e do ponto de vista económico. Mais se provou que a autora se sentia uma inválida, por não conseguir mexer a mão esquerda e, consequentemente, estar privada de pintar, o que lhe causou sofrimento; chorou muito e teve receio de nunca mais poder mexer a mão, tendo-se isolado socialmente. Encontra-se assente que a autora beneficiou da ajuda de várias amigas que a acompanharam na fase mais crítica, não apenas nas várias deslocações a consultas, exames e tratamentos, mas também no auxílio nas idas a outros locais. Mais de provou que as consequências da lesão sofrida lhe causaram enorme e desgastante carga emocional e traumática. Em consequência da lesão sofrida no decurso da cirurgia, a autora teve de se submeter a nova cirurgia, para reparação da lesão, o que lhe causou enorme desgaste e sofrimento.
Caso a primeira cirurgia tivesse decorrido sem complicações, a previsão de recuperação da lesão causada pela queda ocorrida no dia 05-07-2017 seria o período de engessamento, acrescido de 3 meses de fisioterapia. No dia 25 de junho de 2020, a autora apresentava ainda as seguintes queixas: a nível funcional, sensação de “peso” desde o indicador e polegar até ao cotovelo; formigueiro e perda de sensibilidade na superfície cutânea inervada pelo radial. “Problema de circulação” que agrava com alteração do [tempo para] frio. Não consegue dormir em decúbito lateral esquerdo; a nível profissional e de formação, reformada de arquiteta na data da cirurgia (…) refere que não consegue usar o computador para fazer os desenhos relacionados com arquitetura. Ainda é pintora e dextra, referindo dificuldades quando tem de usar a mão esquerda para segurar a paleta. Refere que após a queda, esteve um ano sem poder pintar.
A data da consolidação médico-legal das lesões foi fixada em 29 de maio de 2018, tendo sido valorizados os seguintes danos: défice funcional temporário total de 8 dias, tendo em conta os períodos de internamento, e parcial de 321 dias, considerando o restante período de tempo até à data de consolidação, em que foi submetida a tratamentos médicos (recuperação de cirurgias, fisioterapia); repercussão temporária na atividade profissional total fixável em 329 dias; quantum doloris no grau 5 numa escala de 7 graus de gravidade; défice funcional permanente da integridade físico-psíquica: parésia do nervo radial esquerdo (enquadrável no código Na0207) e limitação na mobilidade do ombro esquerdo (enquadrável no código Ma0207), num défice fixável em 11,8 pontos; repercussão permanente na atividade profissional: as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares; dano estético permanente fixável no grau 3 numa escala de sete graus (cicatriz da segunda intervenção).
Analisando estes elementos, verifica-se que as consequências não patrimoniais sofridas pela autora em resultado do ato lesivo assumem uma intensidade que impõe se conclua pela respetiva ressarcibilidade, conforme considerou a decisão recorrida e não vem posto em causa na apelação.
A equidade constitui critério de quantificação do montante a arbitrar a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Da parte inicial do n.º 4 do artigo 496.º, conjugada com o artigo 494.º, ambos do Código Civil, resulta que o montante indemnizatório devido por danos não patrimoniais é fixado com base na equidade e que o julgador deverá atender, ao decidir tal quantificação com recurso à equidade, não apenas ao dano em causa, mas também ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso. Além destes elementos, deverá o julgador ter ainda em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo (artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil).
Assim sendo, na determinação do montante indemnizatório devido à autora, há que apreciar, desde logo, o dano sofrido, de forma a compensar a lesada através da atribuição de um montante que se mostre proporcionado à respetiva gravidade e extensão.
Na apreciação da gravidade e da extensão do dano não patrimonial, deve ter-se em consideração o respeito pela preservação da pessoa humana e dos seus direitos, com o objetivo de alcançar uma efetiva tutela da respetiva dignidade.
O Código Civil consagra, no artigo 70.º, n.º 1, uma tutela geral da personalidade, que corresponde a um direito geral de personalidade, entendido como um direito subjetivo que integra as diversas dimensões que constituem a individualidade da concreta pessoa humana a tutelar[2]. Esta tutela geral da personalidade não se limita aos concretos direitos de personalidade legalmente tipificados, como o direito à vida, o direito à integridade física e psíquica, o direito à inviolabilidade moral, o direito à identidade pessoal e ao nome, o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, o direito à honra, o direito à privacidade e o direito à imagem, mas tutela a pessoa e a sua dignidade como um todo. Aqueles direitos especiais de personalidade traduzem-se em concretizações da tutela geral da personalidade, não constituindo direitos subjetivos autónomos, nem esgotando o âmbito da tutela da personalidade, que abrange qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à personalidade, ainda que respeitante a algum aspeto não legalmente tipificado[3].
Esta tutela da pessoa humana, mediante a consagração de um princípio geral da personalidade, permite uma abordagem mais abrangente das consequências não patrimoniais do ato lesivo, tutelando danos que ultrapassam a dimensão interna do lesado e se refletem externamente na sua vida, determinando alterações ao seu quotidiano e condicionando o seu projeto de vida. Como tal, ao lado dos danos não patrimoniais puros ou stricto sensu, caracterizados por sofrimento psicológico, como dor, desgosto, vergonha, mágoa ou outras consequências do foro interno, que não acarretem reflexos externos na vida do lesado, há que considerar indemnizáveis novos tipos de danos não patrimoniais, com consequências externas na vida da vítima.[4]
Estas consequências externas do ato lesivo, implicando alterações ao projeto de vida do lesado e à sua vida de relação, assim perturbando o quotidiano e comprometendo a realização pessoal, integram o denominado dano existencial[5]. Trata-se de um dano de natureza não patrimonial[6], que compreende um conjunto de alterações na vida do lesado, emergentes do ato lesivo, que contendem com a sua realização pessoal, independentemente da respetiva causa[7]. Visa a proteção das concretas circunstâncias de vida da pessoa e da possibilidade de as manter[8], o que importa uma apreciação da situação atual do lesado e das alterações sofridas em consequência do ato lesivo.
No caso presente, tendo sido ofendido o direito à integridade física da autora, há que atender à concreta lesão sofrida e às respetivas consequências, supra descritas, bem como ao ato lesivo em si mesmo e à circunstância de ter-se mostrado necessária nova cirurgia para reparação da lesão, nos termos indicados.
Assumem relevância as dores sofridas pela autora, graduadas num nível 5/7, bem como os períodos de 8 dias de défice funcional temporário total, de 321 dias de défice funcional temporário parcial e de 329 dias de repercussão temporária na atividade profissional total, bem como o défice funcional permanente de 11,8 pontos de que ficou a padecer, com repercussão na atividade profissional, sendo compatível com o exercício da atividade habitual, mas implicando esforços acrescidos.
Esta situação objetiva teve consequências, não apenas ao nível da dimensão interna da lesada, mas também externamente na sua vida, determinando alterações ao seu quotidiano e ao seu projeto de vida, conforme decorre da factualidade supra indicada. Efetivamente, a autora, além do sofrimento físico emergente das dores de que padeceu, ficou perturbada e desmotivada, o que, conjugado com a incapacidade física de que padeceu, condicionou a sua vida quotidiana e deu causa a isolamento. Assim, ao lado dos danos não patrimoniais stricto sensu, verifica-se que a incapacidade funcional da lesado, emergente da lesão sofrida, acarretou reflexos externos na sua vida, limitando-a nas atividades que integram o seu quotidiano.
Daqui resulta que a lesada sofreu uma relevante afetação do seu bem-estar e das suas capacidades físicas, com efeitos a nível pessoal e social.
Considerando o recurso à equidade na quantificação do montante indemnizatório devido por danos não patrimoniais, a procura de uniformização de critérios impõe se atenda a outras decisões judiciais, que se reportem a casos com contornos jurídicos semelhantes ao caso a decidir, conforme dispõe o citado artigo 8.º, n.º 3.
Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, poderá ter-se em conta, a título de exemplo, as decisões seguintes (publicadas em www.dgsi.pt):
- acórdão proferido em 02-11-2017, no processo n.º 23592/11.4T2SNT.L1.S1 (relatora: Maria dos Prazeres Beleza), relativo a um caso em que estava em causa uma cirurgia de extração de um siso incluso efetuada numa clínica dentária por um médico estomatologista, não tendo sido dado a conhecer à paciente que a extração a realizar, ainda que efetuada com observância de todas as leges artis, podia provocar a lesão do nervo lingual – como provocou – e quais as consequências possíveis de tal lesão, tendo-se entendido o seguinte: Tendo o acórdão recorrido ponderado, designadamente, que a lesão do nervo lingual provocou dores, encortiçamento da hemilíngua direita e limitações da vida habitual daautora que se mantiveram por bastante tempo e tendo em conta que o critério essencial de aferição da indemnização equitativa, segundo o disposto no n.º 1 do artigo 496.º do CC, é o da gravidade do dano, é de manter o valor de € 18.000,00, calculado pela Relação, a título de danos não patrimoniais;
- acórdão proferido em 12-01-2022, no processo n.º 1616/11.5TVLSB.L1.S1 (relator: A. Barateiro Martins), em que se entendeu o seguinte: (…) III - Provando-se que, numa intervenção cirúrgica (laparoscopia) para remoção dum adenocarcinoma do cólon/reto, foi seccionado o uréter esquerdo do doente, o que veio a exigir a realização duma nefrostomia (colocação dum dreno, para que a urina fosse expelida para o exterior, por um saquinho), provou-se o ato (ilicitude) – corte do uréter esquerdo – que veio a originar o dano (nefrostomia definitiva), ato esse que constituiu um defeito da prestação médica contratada com a clínica e realizada pelo médico. (…) V - Ato (corte/secção do uréter esquerdo) que – estando provado que foi condição da nefrotomia definitiva (dano) e não estando provado que esta foi uma consequência extraordinária de tal condição – foi causa adequada da nefrostomia definitiva, o que gera a obrigação de eliminar as consequências negativas derivadas de tal comportamento, reconstruindo a situação que hipoteticamente, na falta do referido comportamento, existiria. (…) VII - Como são indemnizáveis, a título de danos não patrimoniais, as dores físicas e sofrimentos morais (amarguras, tristeza, perturbação, desgosto, ansiedade, cirurgias, hospitalizações, internamentos e tratamentos derivados da lesão), os complexos, sequelas e limitações de ordem estética, as lesões causadas à integridade física e psíquica (o dano biológico, na vertente não patrimonial), decorrentes de tal ação ilícita, sendo ajustado e equilibrado compensá-los globalmente – tendo a lesada 81 anos à data do evento – com a quantia de € 40.000,00.
- acórdão proferido em 19-09-2024, no processo n.º 17587/16.9T8LSB.L1.S1 (relatora: Paula Leal de Carvalho), em que se entendeu o seguinte: (…) III - É adequada a indemnização pelo dano biológico (sem ponderação, no caso, do dano patrimonial decorrente da perda da capacidade para o trabalho) no valor de € 85.000,00, fixado pelo tribunal da Relação, por virtude das lesões sofridas pelo autor em consequência do referido em I, tendo em conta que: o autor, que tinha 64 anos de idade à data dos factos, em consequência das cirurgias efetuadas, ficou a padecer de lesão neurológica irreversível, com desenervação ativa nos territórios de L4-L5 e L5–S1, que determinaram alterações da mobilidade e sensibilidade dos membros inferiores, região do períneo e região nadegueira (zona perineal, peniana e anal); devido a essa condição, apenas consegue locomover-se com auxílio de canadianas, em deslocações pequenas, carecendo de cadeira de rodas e apoio na generalidade das deslocações; ficou totalmente impossibilitado de trabalhar na organização e gestão diária da sua empresa familiar ou em qualquer trabalho equivalente; não faz a sua higiene pessoal, necessitando de ajuda para as tarefas em causa; perdeu toda a capacidade sexual; não controla a sua função urinária ou excretora, carecendo do uso de fralda e de tomar medicamentos; e cuja integridade estética foi afetada num valor quantificável em 4, numa escala de 1 a 7; IV - É adequada a indemnização, de € 50 000,00, devida ao autor a título de danos não patrimoniais tendo em conta que: no espaço de cinco dias, foi submetido a três intervenções cirúrgicas; que experimentou dores, perda de sensibilidade dos membros inferiores, coxas, nádegas e região perineal, incomodidades e depressão no pós-operatório; esteve internado cerca de um mês e meio, sendo alguns dias no serviço de cuidados intensivos, e que nesse período necessitou sempre de ajuda para se sentar, levantar, posicionar-se no leito e fazer a transição para a cadeira de rodas; fez fisioterapia durante o internamento; aquando da alta, necessitava de ajuda para as atividades de vida diárias, sendo, apenas, autónomo para a alimentação, que usava algália, tinha incontinência de esfíncter anal, incapacidade de executar posição ortostática, ausência de capacidade de flexão e extensão dos dedos de ambos os pés e ambos os tornozelos e hipostesia na região perineal, nadegueira e ambos os pés; após a alta fez reabilitação física, sem capacidade para se locomover sem apoio de muletas, para reter a urina, para controlar a dejeção e para manter relações sexuais; ao longo de todo o internamento, e até aos dias de hoje, padece de dores, que foram intensas e prolongadas no período de internamento, sendo quantificáveis em grau 6 numa escala de 1 a 7, e que, após tal período, são permanente consequência da sua condição física, sente grande desgosto e frustração, tendo sofrido uma depressão, que ultrapassou, mas que se tornou uma pessoa mais taciturna e triste e socialmente isolada (…).
Ponderando os elementos caracterizadores do caso presente e os critérios habitualmente adotados em casos análogos, considera-se conforme à equidade a quantia de € 35.000,00 arbitrada à autora a título de indemnização por danos não patrimoniais, a qual se mantém, assim improcedendo, nesta parte, ambas as apelações.
ii) Danos patrimoniais decorrentes de despesas com a contratação de ajuda de terceira pessoa
A 1.ª instância arbitrou à autora a quantia de € 10.000,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes da necessidade de contratar a ajuda de terceira pessoa durante o período mais crítico de incapacidade, que se considerou ser de 329 dias, por se ter entendido que, se a autora não tivesse sofrido a aludida lesão no decurso da cirurgia, ainda que precisasse de acompanhamento médico e de fisioterapia, não teria ficado dependente da ajuda de terceira pessoa.
Consignou-se na sentença recorrida que, não tendo a autora logrado provar as concretas despesas que suportou com a empregada doméstica que lhe prestou ajuda durante os indicados períodos, se recorreu a juízos de equidade para a determinação do montante indemnizatório a arbitrar a este título.
No recurso que interpôs, a interveniente manifestou discordância relativamente ao montante indemnizatório a este título arbitrado à autora, defendendo a respetiva redução para quantia não superior a € 5.000,00, com fundamento no depoimento prestado pela testemunha (…) na audiência final.
Sustenta a apelante, em síntese, o seguinte: «Relativamente à prestação de assistência por terceira pessoa, prestou depoimento a testemunha (…), que referiu conhecer a Autora porque trabalhou em casa desta até ao ano de 2020 e durante cerca de 9 a 10 anos. Durante esse período temporal, referiu que inicialmente auferia mensalmente cerca de Euros 500,00 por mês, sendo que após a queda sofrida por aquela em 5 de Julho de 2017, houve necessidade de realizar mais horas de trabalho em casa daquela e passou a auferir cerca de Euros 1.000,00»; «Assim, sem outra prova, não poderá resultar provado que a Autora teve um encargo acrescido com a prestação de serviços de limpeza e acompanhamento no domicílio pela testemunha (…), superior a Euros 500,00 por mês, pelo que não deverá ser arbitrada indemnização a este título em montante superior a Euros 5.000,00.».
Analisando tal alegação, verifica-se que a apelante baseia a solução que preconiza, quanto à quantificação da indemnização em apreciação, em factualidade que não se encontra provada, sendo certo que não impugnou a decisão proferida quanto à matéria de facto, nos termos previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil.
Não se encontrando provada a factualidade invocada pela interveniente para fundamentar a solução que defende para o segmento em análise do litígio, mostra-se prejudicada a apreciação da questão de direito suscitada com base em tal matéria de facto.
Nesta conformidade, improcedem totalmente ambas as apelações.
As custas de cada um dos recursos recaem sobre o apelante respetivo (artigo 527.º, n.º 1, do CPC).
Em conclusão: (…)
3. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar ambas as apelações improcedentes e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Notifique.
Évora, 22-05-2025 (Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Maria Domingas Simões (1.ª Adjunta)
Cristina Dá Mesquita (2.ª Adjunta)
__________________________________________________
[1] Cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, lições publicadas por A. Ferrer Correia e Rui de Alarcão, 7.ª reimpressão, Coimbra, Almedina, vol. 1987, pág. 4, e Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, pág. 129.
[2] Segue-se, aqui, Pedro Pais de Vasconcelos, Direito de Personalidade, reimpressão da ed. de novembro de 2006, Coimbra, Almedina, 2014.
[3] Cfr. Pedro Pais de Vasconcelos, ob. cit., pág. 65.
[4] Cfr. Eugênio Facchini Neto, “A tutela aquiliana da pessoa humana: os interesses protegidos. Análise de direito comparado”, Themis, n.ºs 22/23, ano XII (2012), págs. 68-69.
[5] Cfr. Manuel Carneiro da Frada, “Nos 40 anos do Código Civil Português. Tutela da personalidade e dano existencial”, Themis, Edição Especial (Código Civil Português – Evolução e Perspectivas Actuais), 2008, pág. 50.
[6] Cfr. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição revista e atualizada, 2.ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2013, págs. 594-595.
[7] Cfr. Facchini Neto, “A tutela aquiliana…”, cit., pág. 80, e Henrique Sousa Antunes, Da Inclusão do Lucro Ilícito e de Efeitos Punitivos entre as Consequências da Responsabilidade Civil Extracontratual: a sua Legitimação pelo Dano, Coimbra Editora, 2011, pág. 315.
[8] Carneiro da Frada (“Nos 40 anos do Código Civil…”, cit., pág. 56) afirma que o que integra o dano existencial é a ablação da liberdade de “continuar o passado feliz e tranquilo”.