EXECUÇÃO DE MÚTUO BANCÁRIO
DECLARAÇÃO DE RESOLUÇÃO DO CONTRATO INOPERANTE
INCUMPRIMENTO DO PERSI
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
Sumário

1. - Com o PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, previsto no DLei n.º 227/2012, de 25-10) pretendeu o legislador estabelecer, mediante normas imperativas, uma ordem pública de proteção do cliente/devedor/consumidor em situação de mora no cumprimento, visto como parte frágil na relação e, por isso, carecido de especial proteção, deixando a cargo da contraparte (uma entidade de crédito) especiais deveres de informação, esclarecimento e proteção.
2. - É nesse âmbito que é imposta a abertura, tramitação e encerramento de um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, que constitui uma fase pré-judicial destinada à composição do litígio, por mútuo acordo, entre credor e devedor, contemplando uma fase inicial, uma fase de avaliação e proposta e uma fase de negociação.
3. - Enquanto não ocorrer implementação e extinção do PERSI, está vedada à entidade de crédito – ou a cessionária sua – a instauração de procedimentos/ações judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito.
4. - Perante contrato de mútuo bancário celebrado com consumidor em 2002, não constitui operante resolução do contrato, por incumprimento do plano prestacional pelo devedor, uma declaração em que se comunica que o contrato “foi denunciado por falta de pagamento”, sem indicação sobre quais as concretas prestações não pagas, respetivos montantes e datas de vencimento e sem expressa menção à extinção do vínculo contratual.
5. - Não sendo a figura jurídica da denúncia aplicável ao caso, a falta de menção à resolução do contrato e a falta de clara motivação para uma resolução por incumprimento implicam a inoperância da resolução.
6. - A instauração da execução em 2023, sem que se mostre extinto o contrato e sem sujeição do devedor ao PERSI, obriga à extinção da instância executiva.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

*
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


***
I – Relatório

A..., S. A.”, com os sinais dos autos,

intentou ([1]) ação executiva para pagamento de quantia certa ([2]) contra

AA, também com os sinais dos autos,

perante o que esta deduziu embargos de executado,

pedindo, para além do mais – quanto ao que importa ao presente recurso –, a extinção da instância executiva por inobservância das obrigações decorrentes da aplicação do DLei n.º 227/2012, de 25-10 – a Exequente teria de integrar a Executada num procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), o que não fez, razão pela qual não poderia avançar para a execução.

Na contestação aos embargos, a Exequente alega:

- para que fosse aplicável o regime do PERSI (art.º 39.º do DLei n.º 227/2012), o cliente bancário teria de se encontrar em mora à data de entrada em vigor desse regime legal (ou seja, 01/01/2013, com aplicação retroativa apenas aos contratos que ainda não estivessem resolvidos);

- no caso, não havia mora, por o contrato já se encontrar resolvido (carta de resolução de 22/08/2003, rececionada em 28/08/2003);

- foi após a remessa da carta de resolução que a livrança assinada foi preenchida, quando não havia obrigação de integração em PERSI, cuja legislação ainda nem sequer existia;

- daí a improcedência desta matéria de exceção.

Sem convocação da audiência prévia, conheceu-se dessa matéria de “exceção dilatória inominada de falta de cumprimento do PERSI”, que veio a ser julgada procedente (saneador-sentença datado de 25/07/2024), razão pela qual se decidiu pela procedência dos embargos de executado, com a consequente extinção da execução.

Inconformada, interpôs recurso a Exequente, apresentando alegação e as seguintes

Conclusões ([3]):

«A. Conforme resulta provado nos autos, a Recorrente intentou ação executiva contra a ora Recorrida AA, com base em livrança, enquanto mero quirografo em 31 de Agosto de 2023,

B. A livrança dada à execução foi emitida em caução e garantia de pagamento de um contrato de mútuo celebrado entre a Recorrida, BB e a B..., S. A., ao qual de atribui internamente a designação “Contrato de Crédito n.º 80...25”,

C. Resulta das «Condições Particulares» que o mesmo foi celebrado no valor de € 3.291,84 (três mil, duzentos e noventa e um euros e oitenta e quatro cêntimos), destinado à aquisição de produtos junto da entidade vendedora «C... LDA»,

D. Das «Condições Gerais» constam, nomeadamente, as seguintes:

“8 – Seguros

O Consumidor deverá subscrever os Seguros aprovados para este Contrato, cujo prémio será incluído no valor da prestação mensal a pagar.

O seguro de vida é obrigatório.

O Segurado é a pessoa designada por Consumidor nas Condições Particulares do Contrato.”

“14 – Antecipação do Vencimento

A B... poderá considerar antecipadamente vencidas todas as prestações emergentes do contrato e exigir o cumprimento imediato, caso ocorra o não cumprimento de qualquer obrigação.

A B... fica autorizada pelo Consumidor a informar a Entidade Vendedora identificada nas Condições Particulares do incumprimento de qualquer obrigação decorrente deste contrato.”

“15 – Penalização por Incumprimento

O não cumprimento de qualquer das obrigações de natureza pecuniária assumidas neste Contrato, implicará a obrigatoriedade do seu pagamento e de todas as prestações vincendas, podendo a B... aplicar, a título de cláusula penal, uma taxa de 4% a acrescentar à taxa de juro que estiver a vigorar para o Contrato, no momento do incumprimento, a qual incidirá sobre a parte do capital das prestações não liquidadas. Serão também aplicados os juros moratórios previstos na Lei, bem como comissões de penalização por atrasos no recebimento de prestações, de acordo com o preçário em vigor.”

E. O Credor originário, B..., S. A., atual Banco 1..., S. A., remeteu uma carta registada com aviso de receção dirigida à Recorrente, datada de 22/08/2003 com o seguinte teor:

“Assunto: Preenchimento de livrança do contrato de crédito n.º 80...50

Exmo(a) Senhor(a),

Vimos por este meio informar que o contrato acima referido, de que V. Exa. é titular, foi denunciado por falta de pagamento. Desta forma, e de acordo com as cláusulas contratuais, é agora exigido o pagamento da totalidade do valor do contrato, incluindo este o montante das prestações em atraso e o montante do capital em dívida até ao final do prazo do empréstimo, acrescido de despesas extra-judiciais, incorridas até à data desta carta.

Informamos ainda que, igualmente ao abrigo do clausulado contratual, foi efectuado o preenchimento da livrança caução entregue para o efeito por V. Exa., com o montante de 2.825,75 EUR. Este valor encontra-se a pagamento na B..., S.A., sita na Av. ..., em ..., ou na Rua ..., no ... até 05/09/2003 (data de vencimento da livrança). O valor em dívida refere-se às seguintes parcelas:

CAPITAL EM DÍVIDA 2.674,62EUR

JUROS VENCIDOS 131,73EUR

IMPOSTO DE SELO 120/A 5,27EUR

SELAGEM DO TÍTULO 14,13EUR

TOTAL DA LIVRANÇA A PAGAR 2.825,75 EUR

Para efectuar o pagamento, poderá utilizar uma caixa Multibanco com os dados abaixo indicados, ou dirigir-se pessoalmente às nossas instalações. Caso o pagamento não ocorra até à data indicada, solicitaremos aos nossos Advogados para proceder à cobrança através de uma acção judicial.

Estamos a proceder a idêntica notificação a todos os intervenientes do presente contrato (titulares e avalistas).”

F. Foi o aviso de receção da referida carta assinado por CC em 28/08/2003,

G. Ademais, e conforme decorre da Douta sentença, a Recorrida deduziu Embargos de Executado invocando, para o efeito, três exceções, designadamente: a) de ineptidão do Requerimento Executivo; b) da exceção de ilegitimidade processual ativa; c) exceção dilatória de falta de cumprimento do PERSI,

H. Das três exceções invocadas pela ora Recorrida, julgou o Tribunal a quo improcedentes por não provadas as exceções de ineptidão da petição inicial (Requerimento Executivo) e de ilegitimidade processual ativa,

I. Julgando procedente, todavia, a exceção dilatória de falta de cumprimento do PERSI invocada,

J. O que, salvaguardando o devido respeito, não se compreende,

K. A decisão de procedência do apenso embargos de executado vertida na Douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, fundamenta-se na questão fundamental de saber se o Contrato ora controvertido, celebrado em 2002, 10 (dez) anos antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, se inclui no seu âmbito de aplicação,

L. Decorre da Douta Sentença que com a entrada em vigor do referido Decreto-Lei “pretende o legislador que, em momentos patológicos da vida do contrato, sejam apresentadas propostas de regularização adequadas à situação financeira, aos objectivos e às necessidades do consumidor, ao invés do habitual e tradicional recurso às vias judiciais, aliás vedada nos termos do art. 18.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10.

Mas isto pressupõe, evidentemente, que o contrato esteja ainda vigente, uma vez que sentido algum faria a repristinação de contratos resolvidos ou denunciados a pretexto da sua regularização” (sublinhado e negrito nossos),

M. Acrescenta ainda a Douta Sentença que “Assim, e quanto à questão de saber se a “mora” a que se refere o art. 39.º está prevista em termos estritamente técnico-jurídicos ou apenas por contraposição com os contratos “extintos”, entendemos que a interpretação que melhor assegura os objectivos do regime legal é a segunda, i.e. defendemos uma leitura ampla para serem enquadráveis no PERSI tanto os contratos em mora como aqueles que em que a mesma já foi convertida em incumprimento definitivo, mas ainda não resolvidos”,

N. A suprarreferida carta foi recebida por CC em 28/08/2003, cfr avisos de recepção juntos ao processo.

O. Entende a Recorrente que o Contrato foi devidamente antecipado nos termos do art. 881.º C.C em 05/09/2003, data de vencimento da livrança que constitui título da presente execução, havendo um completo incumprimento definitivo e não uma mera mora.

Veja-se,

P. Na referida carta, oportunamente o credor informou a Recorrida de que deveria proceder ao pagamento devido até ao dia 05/09/2003, alertando-a precisamente de que caso o pagamento não fosse feito, seria dada entrada de ação judicial para cobrança de valores,

Q. Todavia, foi entendimento do Tribunal a quo que a referida carta não constitui resolução do contrato uma vez que o credor originário utilizou o termo “denunciado” e não a designação «resolvido»,

R. Neste sentido, retira-se da Douta Sentença que “por um lado, em momento algum se fala, ainda que implicitamente, da extinção do contrato; em segundo lugar, não se repercute os efeitos da putativa cessação a uma data futura”,

S. Ora, salvaguardando o devido respeito, conforme supra melhor se demonstrou, a carta de resolução remetida à Recorrida tinha como assunto “Preenchimento de livrança do contrato de crédito n.º 80...50”, indicou a data de vencimento da mesma e alertou a Recorrida de que a consequência da falta de pagamento seria a propositura da competente ação judicial.

T. A forma legalmente exigida para a resolução contratual está prevista no n.º 1 do artigo 436.º do Código Civil:

“1. A resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte.”

U. Assim, entende a Recorrente que, do conteúdo da carta remetida à Recorrida e supra melhor escrutinada, resulta claro que o contrato foi resolvido, mais não sendo exigível nos termos da lei,

V. Refere o Tribunal a quo na Douta Sentença que “Sabendo-se que a nomem iuris não vincula o julgador (cf. art. 5.º n.º 3 do CPC), a primeira indagação a fazer é a de saber se, ao referir-se a “denúncia”, o mutuário quis empregar essa expressão no seu sentido técnico-jurídico. E a resposta é negativa”,

W. Assim, vem o Tribunal a quo julgar que, enquanto o credor originário não pretendeu utilizar o termo «denúncia» no seu sentido técnico-jurídico, também não pretendeu reconduzir o mesmo ao significado de «resolução contratual»,

X. Salvaguardando o devido respeito, importa ainda mencionar que, contrariamente ao que resulta da Douta sentença previu o Contrato uma cláusula resolutiva expressa, nomeadamente a Cláusula 14 das Condições Gerais supratranscrita e parte integrante da factualidade dada como provada na Sentença,

Y. Ademais, sempre se dirá que foi a referida livrança executada pelo Banco 1..., S.A., em 08/09/2003, cerca de 9 anos antes da entrada em vigor do referido Decreto-Lei. Assim, à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, já estava incumprido definitivamente e resolvido mediante denuncia o contrato que serve de relação subjacente, o que torna, desde logo impossível a aplicação do 39.º do referido Decreto-Lei ao contrato.

Z. Esta circunstância inibe, desde logo, que se lograsse o objetivo subjacente ao PERSI,

Senão, vejamos,

AA. Decorre do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, que “com o presente diploma pretende-se estabelecer um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas” (sublinhado e negrito nossos).

BB. Prescreve o artigo 12.º do referido Decreto-Lei que “As instituições de crédito promovem as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito” (sublinhado e negrito nossos).

CC. Retira-se do artigo 13.º do mesmo diploma que “No prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, a instituição de crédito informa o cliente bancário do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolve diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado” (…).

DD. Acrescenta o n.º 1 do artigo 14.º do mesmo diploma que “Mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa” (…).

EE. Ademais, sempre se dirá que decorre desde logo da interpretação a contrario sensu do artigo 39.º, no qual o legislador previu as normas transitórias aplicáveis a contratos celebrados antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, permite concluir que este deixou de fora do integração no PERSI os contratos resolvidos em data anterior.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que V/ Exas. Doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso,

Devendo a Sentença recorrida ser revogada, com todas as consequências legais, e substituído por Sentença que julgue o apenso de Embargos de Executado totalmente improcedentes por não provados, ordenando o prosseguimento da presente execução até pagamento integral da quantia exequenda.

ASSIM FAZENDO, V/ EXAS, JUÍZES DESEMBARGADORES,

A COSTUMADA JUSTIÇA!».

Na sua contra-alegação, a Executada pugna, com acervo conclusivo, pelo não provimento do recurso e manutenção da decisão impugnada.


***

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa do processo a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime determinado.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.


***

II – Âmbito recursivo

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([4]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, CPCiv.) –, cabe decidir, sobre matéria de direito:

a) Se deve improceder a dita “exceção dilatória inominada de falta de cumprimento do PERSI”;

b) Caso improceda, se deve conhecer-se de outras questões (meios de defesa) suscitadas pela Embargante, consideradas prejudicadas na decisão recorrida, e em que termos decisórios.


***

III – Fundamentação

A) Matéria de facto

É a seguinte a factualidade julgada assente pela 1.ª instância:

«1. Em 31 de Agosto de 2023, a exequente A..., S.A. intentou execução sumária contra a executada AA, com base livrança, enquanto mero quirógrafo.

2. No requerimento executivo, a exequente alegou, entre o mais, o seguinte:

“6. A Cedente primária, no âmbito da sua actividade, celebrou com a ora executada, o contrato ao qual foi atribuído o n.º ...50, conforme Documento N.º 7.

7. O referido contrato tinha como objeto, um mútuo.

8. No contrato ora mencionado, o valor concedido foi de 3291,84€ (três mil duzentos e noventa e um euros e oitenta e quatro cêntimos), a ser liquidado em 48 (quarenta e oito) prestações mensais, iguais e sucessivas no valor de € 68,58 cada, perfazendo o valor total das prestações em € 3291,84 cfr. doc. n.º 7.

9. Conforme o “Descritivo do Bem e Condições de Financiamento”, o vencimento da primeira prestação dar-se-á no dia 02/05/2002, ou seja, no mês seguinte ao da celebração do contrato, sendo que as restantes prestações vencer-se-ão ao mesmo dia dos períodos sucessivos.

10. Os pagamentos efetuavam-se através de débito automático da conta de que os clientes eram titulares do Banco 2..., o que no caso em apreço, o débito era efetuado da conta n.º  ...5 conforme condições particulares.

11. Face ao incumprimento reiterado do aqui Executado, foi resolvido o contrato e preenchida a livrança pelo valor de 2825,75€ não tendo havido posteriormente qualquer pagamento, conforme documento n.º 8 e 9.

12. Uma vez que, até à presente data, a ora executada não pagou qualquer quantia, são devidos juros de mora, calculados sobre o capital 2825,75€, à taxa legal de 4%, desde a data de vencimento da livrança (05/09/2003) até à presente data (31/08/2003), acrescido de despesas advindas da interposição da presente acção.”

3. A livrança dada à execução foi emitida em caução e garantia de pagamento de um acordo celebrado entre a executada, BB e a B..., S.A. denominado “Contrato de Crédito n.º 80...50.

4. Consta das “Condições Particulares” do referido acordo, entre o mais que aqui se dá por reproduzido, o seguinte:

5. Consta das Condições Gerais do referido acordo, entre o mais que aqui se dá por reproduzido, o seguinte:

15 – Penalização por Incumprimento

6. A B..., S.A. remeteu uma carta registada com aviso de recepção dirigida à embargante, datada de 22/08/2003 com o seguinte teor:

Assunto: Preenchimento de livrança do contrato de crédito n.º 80...50

Exmo(a) Senhor(a),

Vimos por este meio informar que o contrato acima referido, de que V. Exa. é titular, foi denunciado por falta de pagamento. Desta forma, e de acordo com as cláusulas contratuais, é agora exigido o pagamento da totalidade do valor do contrato, incluindo este o montante das prestações em atraso e o montante do capital em dívida até ao final do prazo do empréstimo, acrescido de despesas extra-judiciais, incorridas até à data desta carta.

Informamos ainda que, igualmente ao abrigo do clausulado contratual, foi efectuado o preenchimento da livrança caução entregue para o efeito por V. Exa., com o montante de 2.825,75 EUR. Este valor encontra-se a pagamento na B..., S.A., sita na Av. ..., em ..., ou na Rua ..., no ... até 05/09/2003 (data de vencimento da livrança). O valor em dívida refere-se às seguintes parcelas:

CAPITAL EM DÍVIDA 2.674,62EUR

JUROS VENCIDOS 131,73EUR

IMPOSTO DE SELO 120/A 5,27EUR

SELAGEM DO TÍTULO 14,13EUR

TOTAL DA LIVRANÇA A PAGAR 2.825,75 EUR

Para efectuar o pagamento, poderá utilizar uma caixa Multibanco com os dados abaixo indicados, ou dirigir-se pessoalmente às nossas instalações. Caso o pagamento não ocorra até à data indicada, solicitaremos aos nossos Advogados para proceder à cobrança através de uma acção judicial.

Estamos a proceder a idêntica notificação a todos os intervenientes do presente contrato (titulares e avalistas).

7. A carta referida em “6” foi recebida por CC em 28/08/2003.» ([5]).

B) Impugnação de Direito

Pugna a Recorrente pela alteração da decisão de direito proferida, entendendo que o contrato de consumo em questão não se inclui no âmbito de aplicação do regime legal do PERSI, instituído pelo dito DLei n.º 227/2012, de 25/10.

Argumenta, para tanto, que, contrariamente ao entendimento exarado na decisão em crise, a carta remetida à Recorrida (datada de 22/08/2003) era uma (verdadeira) “carta de resolução” do contrato celebrado, pelo que o contrato em discussão ficou então resolvido/extinto.

Por isso, ao tempo da entrada em vigor do DLei n.º 227/2012, de 25/10, “já estava incumprido definitivamente e resolvido mediante denuncia o contrato que serve de relação subjacente, o que torna, desde logo impossível a aplicação do 39.º do referido Decreto-Lei ao contrato”, inibindo “que se lograsse o objetivo subjacente ao PERSI” [cfr. conclusões Y) e Z)].

Ou seja, ficaram de fora do PERSI os contratos resolvidos em data anterior [art.º 39.º daquele diploma legal e conclusão EE)].

Por sua vez, na decisão recorrida foi dado – de forma incontroversa – como assente, no plano fáctico (pontos 6 e 7), que a “B...” remeteu uma carta registada com A/R à Embargante/Recorrida, datada de 22/08/2003 (recebida pela destinatária em 28/08/2003), com o seguinte teor relevante:

«Vimos por este meio informar que o contrato acima referido, de que V. Exa. é titular, foi denunciado por falta de pagamento. Desta forma, e de acordo com as cláusulas contratuais, é agora exigido o pagamento da totalidade do valor do contrato, incluindo este o montante das prestações em atraso e o montante do capital em dívida até ao final do prazo do empréstimo, acrescido de despesas extra-judiciais, incorridas até à data desta carta.

Informamos ainda que, igualmente ao abrigo do clausulado contratual, foi efectuado o preenchimento da livrança caução entregue para o efeito por V. Exa., com o montante de 2.825,75 EUR. Este valor encontra-se a pagamento na B... (…), sita na Av. ..., em ..., ou na Rua ..., no ... até 05/09/2003 (data de vencimento da livrança). O valor em dívida refere-se às seguintes parcelas:

(…)

Para efectuar o pagamento, poderá utilizar uma caixa Multibanco com os dados abaixo indicados, ou dirigir-se pessoalmente às nossas instalações. Caso o pagamento não ocorra até à data indicada, solicitaremos aos nossos Advogados para proceder à cobrança através de uma acção judicial.

(…).» (destaques aditados).

E foi ali entendido, na fundamentação de direito, que o PERSI é aplicável a contratos de formação anterior à entrada em vigor do DLei n.º 227/2012, em que, tendo ocorrido situação de mora ou incumprimento de obrigações a cargo do consumidor, não tenha, porém, havido válida resolução do vínculo contratual (pelo credor). 

Em decorrência, e quanto a matéria de resolução, consta assim da fundamentação de direito da decisão impugnada:

«(…) resta perceber se o contrato de que emerge o crédito exequendo foi efectivamente resolvido (…).

[…]

Sabendo-se que [o] nomem iuris não vincula o julgador (cf. art. 5.º n.º 3 do CPC), a primeira indagação a fazer é a de saber se, ao referir-se a “denúncia”, (…) quis empregar essa expressão no seu sentido técnico-jurídico. E a resposta é negativa, pelas razões que se passa a expor.

Como é consabido, a denúncia é uma forma de extinção unilateral dos contratos por via da qual um dos contraentes exprime a sua vontade negocial de fazer cessar a vigência de um negócio jurídico por referência ao seu termo (quando seja prevista uma renovação automática nessa data) ou para a data indicada pelo denunciante. Por conseguinte, trata-se de uma forma imotivada de extinção dos contratos – ad nutum - não amparada no seu incumprimento (…).

Pedro Romano Martinez alude a três tipos de denúncia, ainda que ressalvando alguma divergência na doutrina a esse respeito: “Num primeiro sentido, que será designado por técnico, a denúncia é uma forma de cessação de relações contratuais estabelecidas por tempo indeterminado. Neste caso, não estando definido o prazo de vigência do contrato, o vínculo poderá perdurar até que uma das partes lhe pretenda pôr termo, denunciando-o.

Noutro sentido, a denúncia corresponde a uma declaração negocial por via da qual se obsta à renovação automática do contrato. Tendo o vínculo um prazo de duração limitado, renovável automaticamente, qualquer das partes pode inviabilizar a renovação por um novo período, recorrendo à denúncia.

Nestes dois tipos, a ideia é a mesma: pretende-se impedir a subsistência de um vínculo contratual que se protela por um período indefinido.

Num terceiro sentido, alude-se ainda à denúncia como meio de desvinculação, por uma das partes, apesar de se encontrar vinculada, desiste da execução do contrato. Trata-se de situações excepcionais em que se confere a uma das partes a possibilidade de desistir de cumprir o acordo firmado atendendo a uma previsão legal específica.” - Da Cessação do Contrato”, 3.ª edição, 2017, Almedina, p. 62.

Nada disso é possível retirar da declaração da embargada acima transcrita: por um lado, em momento algum se fala, ainda que implicitamente, da extinção do contrato; em segundo lugar, não se repercute os efeitos da putativa cessação a uma data futura, sendo certo que não existe qualquer disposição contratual que preveja a renovação automática do contrato (nem tal faria sentido, por se tratar de um mútuo); em terceiro lugar, o mutuário motiva a “denúncia” com o incumprimento contratual dos mutuários, o que é conceptualmente incompatível com tal forma de extinção contratual, pelas razões expostas.

Não estamos, pois, perante uma denúncia em sentido técnico-jurídico, pelo que é seguro afirmar que o contrato de mútuo em análise não se extinguiu por essa via. A própria embargada reconhece-o, já que alega que a missiva remetida aos mutuários se reconduz a uma resolução contratual. Mas também não é esse o caso, como agora se verá.

A resolução é um modo de cessação obrigacional autonomamente consagrado e traduz-se numa manifestação de vontade tendente à dissolução de um vínculo obrigacional com base no incumprimento ou cumprimento defeituoso pela contraparte, com efeitos imediatos e tendencialmente retroactivos (cf. artigos 433.º e 434.º do C. Civil), só sendo admitida com esteio na lei ou em convenção, de harmonia com o disposto no art. 432.º do C. Civil. Com efeito, nada obsta a que as partes convencionem “cláusulas resolutivas expressas”, que se poderá definir como aquelas em que “as partes convencionam que, se ocorrer determinado facto, uma delas terá o direito de, se assim o entender, resolver o contrato.” (…).

[…]

A regra geral é a de que a resolução legal seja fundamentada no incumprimento, ainda que seja igualmente prevista em caso de quebra de equilíbrio contratual, como é o caso da alteração das circunstâncias (artigos 437.º e ss. do C. Civil). Contudo, no caso em tela releva apenas a resolução com base no incumprimento contratual.

A resolução motivada no incumprimento de prestações contratuais implica o incumprimento definitivo da obrigação, seja ele decorrente da perda objectiva de interesse do credor na prestação em consequência da mora, da falta de cumprimento dentro do prazo admonitório razoavelmente fixado pelo credor para o efeito (cf. art. 808.º do C. Civil), de declaração expressa do devedor que seja inequívoca de que não pretende cumprir, ou da adopção de um comportamento manifestamente incompatível com o cumprimento. Retomando a lição de Pedro Romano Martinez, “[n]o caso de resolução fundada em incumprimento, devem ter-se em conta requisitos específicos. Por via de regra, só o incumprimento definitivo e o cumprimento defeituoso atribuem à contraparte o direito de resolver o contrato, não ocorrendo o mesmo com a mora, em que se torna necessário recorrer à previsão do art. 808.º do CC para se preencher o pressuposto do art. 801º do CC; isto é, só depois de a mora se transformar em incumprimento definitivo poderá o contrato ser resolvido” – ob. cit, p. 127. (…).

[…]

No caso dos autos, as partes não estipularam qualquer cláusula resolutiva expressa, pelo que a cessação do contrato por resolução estava sujeita às regras supletivas legais acima enunciadas, impondo-se a conversão da mora dos mutuários em incumprimento definitivo, independentemente de o atraso de pagamento se verificar quanto a parte das prestações ou à totalidade da quantia mutuada, por força da perda do benefício do prazo quanto às vuncendas.

Percorrido o requerimento executivo, fácil é constatar que a exequente não alegou qualquer factualidade demonstrativa do incumprimento definitivo dos mutuários, bastando-se com a alegação sem natureza factual (mas sim de direito) de que o contrato foi “resolvido”: não alegou a perda objectiva de interesse na prestação devida; não alegou a realização da interpelação admonitória e não invocou qualquer comportamento por parte dos mutuários que se reputasse manifestamente incompatível com o cumprimento. O mesmo se verifica com a contestação aos presentes embargos, em que, sintomaticamente, a embargada alega de forma conclusiva que “perante uma situação de incumprimento definitivo, procedeu em 22/08/2003 ao envio da respetiva carta de resolução” (art. 100.º). Porém, em momento algum a embargada densificou factualmente esse propalado incumprimento definitivo, não o concretizando em termos factuais. Pelo contrário, com o devido respeito, parece mesmo confundir institutos, ao alegar no art. 127.º da contestação que “[o] incumprimento pela Embargante das prestações a que estava obrigada deu origem à resolução do referido contrato que importou o vencimento de todo o crédito concedido, nos termos do disposto no artigo 781.º do Código Civil.”. O vencimento do crédito concedido, com assento no art. 781.º do C. Civil ou nas cláusulas 14.ª e 15.ª das Condições Gerais não é consequência da extinção do contrato, antes pressupondo a sua vigência.

Aqui chegados, resta saber se estamos, ainda assim, perante uma resolução contratual ilícita, por realizada em contravenção com o respectivo regime legal (aqui aplicável por não afastado pela vontade das partes) - ou seja, sem que se verificasse o incumprimento definitivo da obrigação de reembolso das prestações de capital - ou se, diversamente, não ocorreu sequer a dissolução contratual, ao contrário do conclusivamente alegado pela embargada (que, aliás, não é a autora da suposta declaração resolutiva).

[…]

O mutuário remete para o teor das cláusulas contratuais para exigir o pagamento da totalidade do valor do contrato (capital vencido e vincendo), acrescido de despesas extrajudiciais. Ora, as únicas cláusulas contratuais a que o declarante se poderá estar a referir são os pontos 14.º e 15.º das Condições Gerais, já que são os únicos que têm por escopo a regulação de situações de incumprimento. (…).

O teor destas cláusulas não franqueia espaço de dúvida quanto ao seu propósito: enquanto a primeira se limita a prever a perda do benefício do prazo relativamente às prestações vincendas, em termos paralelos aos previstos no art. 781.º do C. Civil (ou seja, não produzindo o vencimento imediato das mesmas, mas sim a possibilidade de o credor as exigir na íntegra), já na segunda o que se prevê, no cenário de falta de cumprimento de qualquer prestação contratual pecuniária, é a obrigação de pagamento de todas as prestações vincendas, o que equivale dizer que as mesmas se consideram antecipadamente vencidas e automaticamente exigíveis, sem necessidade de ulterior interpelação para esse efeito. Afasta-se, pois, o regime supletivo legal do art. 781.º do C. Civil, em favor do credor.

(…) nenhuma das citadas cláusulas (recorde-se, as únicas a que o mutuante se poderia ter referido na carta remetida à executada no dia 22/08/2003) versa sobre a extinção do contrato, seja por via resolutiva ou por qualquer outra. Dispõem – isso sim – sobre a exigibilidade das prestações vincendas, automática ou não, decorrente de incumprimento de obrigações contratuais. Donde, ao declarar que o contrato havia sido denunciado por falta de pagamento e, nos termos contratuais, era “exigido o pagamento da totalidade do valor do contrato”, o mutuante mais não fez do que privilegiar-se do disposto na cláusula 15.ª (porque estava em causa o incumprimento de uma prestação pecuniária), exigindo o pagamento das prestações vencidas e o reembolso integral do capital remanescente, relativamente ao qual operara a perda do benefício do prazo.

Ademais, a referência feita na missiva ao montante de capital em dívida “até ao final do prazo do empréstimo” é mais compatível com a manutenção da vigência do contrato do que com a sua extinção, reforçando a ideia de que o mesmo não foi resolvido (ainda que ilicitamente) por efeito dessa missiva.

Conclui-se, por conseguinte, que o contrato em crise não havia sido resolvido, denunciado, ou cessado a sua vigência por outra via legal ou contratual à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10. Equivale dizer que, de harmonia com a interpretação que se propugna do art. 39.º desse diploma, o contrato de mútuo celebrado com a executada estava em vigor naquela data e, por consequência, impunha-se a sua integração no PERSI, no caso nos termos do n.º 1 desse preceito.

[…]

Tudo conjugado, concluímos que a relação bancária sub iudicio estava sujeita ao regime do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, por não se ter provado que o contrato foi extinto antes de 1 de Janeiro de 2023.

Por fim, a circunstância de a exequente ser uma cessionária não obsta ao cumprimento ao PERSI, sob pena da total desprotecção do cliente bancário que, com a introdução do PERSI, se visou proteger. (…).».

A Recorrente, não aceitando tal motivação, vem defender que da aludida carta remetida à Recorrida, e por esta recebida, “resulta claro que o contrato foi resolvido, mais não sendo exigível”.

Para tanto, fundamenta-se no facto de a carta se reportar ao assunto do “Preenchimento de livrança do contrato (…)”, indicando “data de vencimento da mesma” e alertando “de que a consequência da falta de pagamento seria a propositura da competente ação judicial”.

Nesta senda, entende que, efetuada tal comunicação, ocorreu a declaração de resolução contratual a que alude o art.º 436.º, n.º 1, do CCiv..

Mais defende que a cláusula 14.ª das condições gerais do contrato configura uma cláusula resolutiva expressa, sendo que a livrança aludida foi executada pelo “Banco 1...” em 2003, cerca de 9 anos antes da entrada em vigor do DLei n.º 227/2012, implicando efetivo incumprimento definitivo e “resolução mediante denúncia do contrato” [conclusão Y)].

Vejamos, então, começando por uma breve referência ao regime do PERSI.

Está em causa o mencionado DLei n.º 227/2012, em cujo preâmbulo pode ler-se que visa «promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários», sendo que no âmbito do PERSI «as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor» (itálico aditado).

Quer dizer, pressupondo reais “assimetrias de informação entre consumidores e instituições de crédito”, que importa compensar/superar, de molde a recuperar o equilíbrio de posições entre as partes, tutelando o interesse da parte considerada frágil na relação creditícia (os devedores/consumidores em dificuldades financeiras), o legislador veio implementar medidas tendentes à “prestação de informação, do aconselhamento e do acompanhamento nos procedimentos de negociação que estabeleçam com as instituições de crédito”, em que quis envolver o credor/instituição de crédito, impondo-lhe deveres de suporte da contraparte fragilizada ([6]).

Um dos princípios consagrados apresenta a seguinte formulação (art.º 4.º, n.º 1):

«No cumprimento das disposições do presente diploma, as instituições de crédito devem proceder com diligência e lealdade, adotando as medidas adequadas à prevenção do incumprimento de contratos de crédito e, nos casos em que se registe o incumprimento das obrigações decorrentes desses contratos, envidando os esforços necessários para a regularização das situações de incumprimento em causa» (itálico aditado) ([7]).

Bem se compreende, pois, nesta perspetiva, que a tais instituições de crédito caibam deveres de avaliação e apresentação de propostas (art.º 10.º), tendentes a, nas situações legalmente previstas (quando ocorram indícios de degradação da capacidade financeira do cliente bancário ou este mostre risco de incumprimento), desenvolver “as diligências necessárias para avaliar esses indícios, tendo em vista aferir da existência de risco efetivo de incumprimento e da respetiva extensão”.

Assim, quando verifique, em resultado da avaliação referida, “que o cliente bancário dispõe de capacidade financeira para cumprir as obrigações decorrentes do contrato de crédito, nomeadamente através da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito, a instituição de crédito apresenta-lhe uma ou mais propostas que se revelem adequadas à sua situação financeira, objetivos e necessidades” (n.º 4 do art.º 10.º), o que deve fazer (n.º 5) “ao cliente bancário através de comunicação em suporte duradouro” ([8]) e com observância dos “deveres de informação previstos na legislação e regulamentação específicas”.

Cabe, então, às instituições de crédito promover as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, como impõe o art.º 12.º, começando – preliminarmente –, verificada a mora, por informar, em prazo, o cliente do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolvendo diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento (art.º 13.º).

Se o “incumprimento” persistir, o cliente é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa (cfr. art.º 14.º).

Segue-se a importante “Fase de avaliação e proposta”, a que se reporta o art.º 15.º:

«1 - A instituição de crédito desenvolve as diligências necessárias para apurar se o incumprimento (…) se deve a circunstâncias pontuais e momentâneas ou se, pelo contrário, esse incumprimento reflete a incapacidade do cliente bancário para cumprir (…).

2 - (…) a instituição de crédito procede à avaliação da capacidade financeira do cliente bancário

(…)

4 - No prazo máximo de 30 dias após a integração do cliente bancário no PERSI, a instituição de crédito, através de comunicação em suporte duradouro, está obrigada a:

a) Comunicar ao cliente bancário o resultado da avaliação desenvolvida nos termos previstos nos números anteriores, quando verifique que o mesmo não dispõe de capacidade financeira para retomar o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, nem para regularizar a situação de incumprimento, (…) sendo inviável a obtenção de um acordo no âmbito do PERSI; ou

b) Apresentar ao cliente bancário uma ou mais propostas de regularização adequadas à sua situação financeira, objetivos e necessidades, quando conclua que aquele dispõe de capacidade financeira para reembolsar o capital ou para pagar os juros vencidos e vincendos do contrato de crédito através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito.

5 - Na apresentação de propostas aos clientes bancários, as instituições de crédito observam os deveres de informação previstos na legislação e regulamentação específicas”.

Passa-se depois para a “Fase de negociação” (art.º 16.º), podendo o cliente bancário recusar as propostas apresentadas ou propor alterações, cabendo à instituição de crédito, quando considere que existem outras alternativas adequadas, apresentar nova proposta ou aceitar ou recusar as alterações, sendo-lhe lícito apresentar nova proposta, tudo em prazos legalmente estabelecidos.

Por fim, o art.º 18.º (“Garantias do cliente bancário”) deixa claro que, no “período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de:

a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento;

b) Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito;

(…)” (n.º 1).

E o art.º 19.º (quanto a “Deveres procedimentais”) obriga o credor a elaborar um documento interno que descreva, em linguagem simples e clara, os procedimentos adotados no âmbito da implementação do PERSI, especificando, designadamente: a) os procedimentos para o contacto com os clientes bancários nas várias fases do PERSI; b) os procedimentos para a recolha, tratamento e análise da informação referente aos clientes bancários; c) as soluções suscetíveis de serem propostas aos clientes bancários em incumprimento.

No caso dos autos, deve começar por atentar-se em que a Recorrente não deduziu impugnação contra a decisão relativa à matéria de facto, embora a decisão recorrida contenha, discriminado, o elenco dos factos assentes em que se baseou.

Por isso, por incontroversos, são esses – e não quaisquer outros – os factos provados a considerar para decisão do recurso.

De tais factos resulta que o contrato de crédito/mútuo foi celebrado em abril de 2002, ocorrendo o vencimento da primeira prestação em 02/05/2002, enquanto que a discutida carta alusiva a “contrato” que “foi denunciado” é datada de 22/08/2002.

Só mais de vinte anos depois é que foi intentada a ação executiva em causa – 31/08/2023 (facto 1) –, sendo a Exequente já uma cessionária do crédito (não o banco financiador).

De permeio – perante tão alargada inércia/demora quanto à cobrança coerciva da dívida – surgiu a dita legislação de pendor imperativo, que consagrou o regime especial do PERSI, na perspetiva, já referida, da proteção, em conhecido contexto social e económico desfavorável (em que Portugal mergulhou, após a crise económica e financeira que abalou os mercados mundiais), da parte tipicamente considerada débil, o consumidor/mutuário perante a contraparte, a entidade financiadora.

Não imaginavam as partes, por certo, em 2002, que surgiria, uma década depois, um regime legal destinado a promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento, obrigando as instituições de crédito a aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor.

Ou seja, impondo às instituições de crédito, na execução do contrato, deveres de prestação de informação, aconselhamento e acompanhamento ao consumidor, numa inafastável esfera de proteção/suporte da contraparte fragilizada.

À luz de um tal regime protetivo, é de aceitar que as comunicações à parte débil sempre teriam de ser claras e esclarecedoras, designadamente em matéria de resolução contratual.

Porém, a pretendida resolução, localizada temporalmente em 2003, não pode ser aferida à luz das exigências, mormente quanto a deveres de comunicação e proteção, do regime do PERSI, ao tempo ainda não em vigor.

Mas a determinação da aplicabilidade deste, perante execução intentada em 2023 e respetivos meios de defesa do consumidor/executado, depende de saber se a extinção do contrato operou, ou não, na data invocada pela Recorrente (em 2003).

Só no caso de não ter operado – isto é, de o contrato não ter sido extinto – é que se poderá aplicar ao caso o regime do PERSI.

E, vigorando tal regime, o respetivo credor atual, ao intentar a presente execução, não o poderia olvidar, mesmo sendo o contrato e a eventual resolução muito anteriores no tempo (uma década de diferença para o regime legal do PERSI e duas décadas para a ação executiva), antes havendo de aferir se estava em condições de avançar, sem mais, para a execução.

E o mesmo juízo tem de realizar o Tribunal, uma vez que foi deduzido em embargos de executado o respetivo meio de defesa.

Prosseguindo, cabe, então, perguntar: ocorreu a resolução do contrato ou, ao invés, a declaração de 22/08/2003 não é idónea para tanto?

Deve começar por dizer-se que se concorda integralmente com a explanação do Tribunal recorrido quanto à distinção entre as figuras jurídicas da “resolução” e “denúncia” do contrato, motivo pelo qual não se carecerá de maiores desenvolvimentos nesta matéria.

Note-se, apenas, que, embora ambas de feição extintiva do vínculo contratual, elas diferem quanto, desde logo, aos seus pressupostos, âmbito de aplicação e efeitos concretos (veja-se, quanto à resolução, o disposto nos art.ºs 432.º a 434.º do CCiv.).

Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, a «resolução distingue-se da denúncia, que apenas impede a continuação do contrato para o futuro e, por isso, carece de efeito retroactivo»; já, por regra, «a resolução importa a destruição do negócio e a consequente restituição de tudo o que as partes houverem recebido» ([9]).

De acordo com Mário Júlio de Almeida Costa, a resolução é «o acto de um dos contraentes dirigido à dissolução do vínculo contratual, em plena vigência deste, e que tende a colocar as partes na situação que teriam se o contrato não se houvesse celebrado», podendo ser operada extrajudicialmente, através de declaração à contraparte, ou pela via judicial, exigindo-se, por regra, «que o autor invoque e prove o fundamento da resolução» ([10]), como acontece nos casos de «inadimplemento definitivo do contrato imputável ao devedor» (op. cit., p. 320).

Já a revogação e a denúncia, diversamente, «extinguem a relação contratual apenas para o futuro» (op. cit., p. 321). A denúncia, por seu lado, «analisa-se na manifestação da vontade de uma das partes, em contratos de prestações duradouras, dirigida à sua não renovação ou continuação. Apresenta, assim, duas características: é exclusiva dos contratos com prestações duradouras e deve fazer-se para o termo do prazo da renovação destes, salvo tratando-se de contratos por tempo indeterminado» (op. cit., p. 322).

Desta operação distintiva logo se extrai que o caso dos autos – relação contratual de mútuo mercantil/bancário – não contemplava, manifestamente, em termos de aplicabilidade, a figura da denúncia (uma simples “não renovação ou continuação” do contrato, designadamente para o final do prazo de vigência, evitando a renovação), como bem explicitado também na decisão recorrida, mas, isso sim, a da resolução, baseada em incumprimento contratual, resultante da conversão da mora debitoris em incumprimento definitivo (cfr. art.ºs 781.º e 808.º, n.º 1, ambos do CCiv.).

Ou seja, a denúncia é, desde logo, inaplicável ao caso dos autos (contrato de mútuo liquidável em prestações), sendo que, num tal âmbito, a alusão/comunicação a que “o contrato foi denunciado” se torna mesmo vaga/ambígua e até, de algum modo, ininteligível para o comum cliente/consumidor (declaratário), tipicamente um leigo em matérias jurídico-contratuais.

Com efeito, a utilização da forma verbal a apontar para o passado reporta o destinatário para um ato de pretérito, já consumado (algo que já aconteceu, uma denúncia já verificada, o que se reveste de irrealidade in casu).

A alusão a “denúncia” reporta/reconduz, juridicamente ([11]), para a não renovação/continuação do contrato, ou seja, uma extinção pelo decurso do tempo e vontade de não renovar, que nada tem a haver com uma situação de incumprimento de obrigações contratuais no âmbito de um contrato de mútuo. Daí que, nessa linha, surja disforme/desconexa a invocação de “falta de pagamento”, que já se prende com o incumprimento do contrato de mútuo.

E aí seria, então, caso de invocação/comunicação de resolução contratual, e não de denúncia.

Porém, a resolução, no plano extrajudicial, tem que ser expressamente invocada/comunicada à contraparte, como resulta do art.º 436.º, n.º 1, do CCiv.. E, tratando-se de causa extintiva do vínculo contratual, por via unilateral, tem de ser motivada: a parte que declara a resolução deve comunicar à outra o motivo da extinção do vínculo contratual.

Assim, invocando-se a resolução por incumprimento do contrato, deve identificar-se esse inadimplemento, como no caso de um contrato de mútuo liquidável em prestações, em que deve ser esclarecido quais as prestações em dívida e se ocorre, por força disso, o vencimento de todas (as vincendas).

Ora, no caso, o credor nem aludiu à “resolução” do contrato – antes invocou a “denúncia”, que não colhe aplicação –, nem fundamentou devidamente o motivo da extinção do vínculo contratual, posto não ter esclarecido quais as concretas prestações não pagas, respetivas datas de vencimento e correspondente montante total em dívida, nem quais as vincendas e respetivos montantes, que se tornassem imediatamente devidas (por perda do benefício do prazo e efeito resolutivo).

Ou seja, falta uma declaração resolutiva clara e inequívoca, que o declaratário pudesse entender (em toda a sua amplitude).

Optando pela resolução extrajudicial, impendia o ónus da comunicação/declaração resolutiva sobre o credor, que se deveria expressar claramente, de modo a poder ser entendido pelo declaratário/consumidor, o que no caso não se mostra ter ocorrido – se houve declaração, que chegou ao destinatário, o seu conteúdo não era claro, nem inequívoco, antes ambíguo ou mesmo equivoco, impedindo a compreensão ao comum declaratário leigo em matérias contratuais/jurídicas, atenta a confusão de conceitos e a deficitária motivação.

Daí que, acompanhando a fundamentação do Tribunal recorrido, se deva concluir, também aqui, que não ocorreu válida/operante resolução do contrato de mútuo através da comunicação de 22/08/2003, o que bem se compagina com um hiato de duas décadas até à instauração da execução de que os presentes embargos constituem oposição.

Por isso, quando entrou em vigor, aproximadamente uma década depois daquela declaração/comunicação, o regime legal do PERSI, não pode ter-se o contrato como extinto (nem por denúncia, nem por resolução).

Daí a aplicabilidade daquele regime legal à relação contratual dos autos, razão pela qual a Executada deveria ter sido integrada em PERSI, o que não ocorreu.

Sem isso, estava vedado à credora inicial (instituição de crédito) ou às subsequentes cessionárias (importa a ora Exequente) intentar, sem mais, a execução, motivo para absolvição da instância executiva.

Efetivamente, pressupondo reais “assimetrias de informação entre consumidores e instituições de crédito”, que importa compensar/superar, de molde a recuperar o equilíbrio de posições entre as partes, tutelando o interesse da parte considerada frágil na relação creditícia (os devedores/consumidores em dificuldades financeiras), o legislador veio impor a prestação de informação, do aconselhamento e do acompanhamento nos procedimentos de negociação que estabeleçam com as instituições de crédito, em que quis envolver o credor/instituição de crédito, impondo-lhe deveres de suporte da contraparte fragilizada. O que no caso, salvo sempre o devido respeito, não ocorreu.

Deverá, pois, a parte consumidora ser previamente sujeita a PERSI, só depois, se for o caso, podendo a contraparte/exequente propor nova execução.

De referir, por fim, que a invocada cláusula 14.ª das condições gerais do contrato não configura uma cláusula resolutiva expressa, posto apenas dispor quanto à possibilidade de o credor considerar antecipadamente vencidas todas a prestações, e exigir o respetivo cumprimento integral e imediato, em caso de incumprimento (intitulada “Antecipação do Vencimento”).

Porém, uma coisa é a dita antecipação do vencimento (que se prende com a perda do benefício do prazo), outra a resolução do contrato (a extinção do vínculo contratual), posto ser sabido que o próprio incumprimento não implica a imediata/automática resolução do contrato, já que esta é uma faculdade que cabe ao credor/adimplente exercer, optando, ou não, pela extinção do respetivo vínculo, e, se por esta optar, tendo de declarar a resolução, de forma motivada e clara, à contraparte.

Em suma, inexistindo violação de lei, improcede a apelação.

Vencida no recurso, cabe à Recorrente suportar as custas da apelação (cfr. art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do CPCiv.).


***

IV – Sumário: (…).


***

V – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em, julgando a apelação improcedente, manter a decisão recorrida.

Custas da apelação pela Recorrente.

Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).
Assinaturas eletrónicas.

Coimbra, 27/05/2025

Vítor Amaral (relator)

Fernando Monteiro

Fonte Ramos


([1]) Em 31/08/2023.
([2]) Montante exequendo de 5.361,85.
([3]) Cujo teor se deixa transcrito, com destaques retirados.
([4]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([5]) Juízo positivo este baseado na prova documental e por acordo das partes. Quanto a matéria não provada, nada foi mencionado.
([6]) Como também claramente se refere no art.º 1.º, n.º 1, do dito diploma legal, este “estabelece os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito:
a) No acompanhamento e gestão de situações de risco de incumprimento; e
b) Na regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários, respeitantes aos contratos de crédito referidos no n.º 1 do artigo seguinte” (itálico aditado).
([7]) Promovendo, nos termos do disposto no art.º 5.º, n.º 2, “sempre que possível, a regularização, em sede extrajudicial, das situações de incumprimento”.
([8]) Por «Suporte duradouro» entende-se “qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas” [art.º 3.º, al.ª h)].
([9]) Cfr. Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 410.
([10]) Direito das Obrigações, 11.ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, p. 319.
([11]) Diverso é o sentido comum/vulgar da palavra, a apontar para uma “acusação ou revelação da responsabilidade de um crime ou de uma falta” [cfr. Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, Porto (Dicionários Modernos), 2012, p. 230].