i) O art. 662º do NCPC, reporta-se, conforme resulta da sua epígrafe, à modificabilidade da decisão de facto;
ii) O nº 1 desse preceito opera para a Relação imperativamente, se os factos tidos por assentes, a diversa prova produzida – prova plena -, ou um documento superveniente impuserem decisão diversa;
iii) Mas na situação prevista no nº 2, da mesma norma, a modificação da decisão de facto já depende de iniciativa da parte, impondo-se que a mesma impugne a decisão da matéria de facto, de maneira que face a inexistência da dita impugnação não há lugar ao cumprimento ao estatuído nesse referido nº 2;
iv) Se se disputa apenas o valor existente numa conta bancária e valor a relacionar, na respectiva relação de bens, não pode relacionar-se apenas o valor existente à data do óbito do inventariado se o mesmo enquanto vivo foi transferindo verbas em dinheiro dessa conta para o neto, que são potenciais doações, assim afectando a potencial legítima dos seus dois filhos herdeiros legitimários, valor transferido que pode vir a ser objecto de redução por inoficiosidade.
(Sumário elaborado pelo Relator)
I – Relatório
1. Corre inventário, para partilha dos bens deixados por óbito de AA (falecida em ../../1996) e BB (falecido em ../../2021), que foram casados entre si, em que são interessados CC e DD, filhos dos inventariados.
CC, nomeado cabeça de casal, apresentou relação de bens, na qual incluiu uma conta bancária, no Banco 1..., que à data do óbito do BB, tinha uma determinada quantia, mas cujo montante foi muito maior, ali existiriam, pelo menos, mais de 65.000 €.
A interessada DD, impugnou as indicações constantes das declarações daquele, dizendo, em suma, desconhecer qual o destino que possa ter sido dado ao dinheiro referido pelo requerente, sendo certo que nunca se apercebeu que o pai tivesse tais elevados montantes.
O cabeça de casal respondeu, requerendo se oficiasse ao Banco 1... para prestar concretas informações.
Depois das informações bancárias prestadas, veio o interessado CC requerer que a DD (agora nova cabeça de casal), relacionasse o valor de 135.500 €.
*
A final foi proferida decisão que julgou procedente a impugnação da interessada DD, e não ordenou o aditamento à relação de bens do valor pretendido pelo requerente.
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2. O interessado CC recorreu, concluindo que:
1- Estamos em presença da Cumulação de dois Inventários e de uma Sentença da qual se recorre, por ser contraditória, deficientemente fundamentada, violando ou interpretando erradamente as regras do ónus da prova, ignorando documentos inafastáveis e a prova testemunhal, e igualmente ignorando a Lei e o direito nomeadamente o que dispôem os Artigos referidos nestas conclusões que estabelecem regras quanto aos efeitos do òbito e da Partilha, da Sucessão Legítima e Legitimária, prejudicando e afastando o
Recorrente na sua Herança que por direito tem da mãe e do pai ambos falecidos.
2- Um por Inventário e uma Herança por óbito de AA, ocorrida em ../../1996. Artº.2133 C.Civil
3- E outro Inventário e herança por óbito de BB ocorrida em 01 de Março de 2021. Artº.2133 C.Civil.
4- Temos então que com o Decesso da AA sucederam-lhe o cônjuge sobrevivo BB e seus filhos DD e CC Artº.2139 C.Civil.
5- Com o Decesso de BB sucederam-lhe dois filhos a DD e o CC aqui Recorrente nº2 Artº.2139, Red. dada pelo Dec lei496/77 de 25/11.
6- Foram relacionados os bens a partilhar onde constam dois prédios rústicos e uma conta onde em Março de 2021 só existiam 3.334,17 € (o Recorrente não podia relacionar outro valor porque dele não tinha conhecimento integral por ter sido afastado da conta sem saber como, quiçá por magia) e é aqui que os herdeiros não se entendem pois o Recorrente sabia da existência de quantias superiores a 130.000,00 € hoje verifica-se em valores arredondados 135.500,00 €, mas não tinha forma de provar e ou relacionar esta verba correctamnte mas documentação nos autos revela-o agora inequivocamente (ignorada pelo Tribunal)
7- Pois viu o Banco 1... negar-lhe sempre (três vezes) essa informação a quem se dirigiu por carta Registada antes do Inventário.
8- Porém em Sede de Inventário e também continuando com as dificuldades junto do Banco 1..., mas satisfazendo pedido (ORDEM) do Tribunal eis que chegam abundantemente documentos comprovativos
de que existiam 135.500,00 € e que para além de outras novidades, a conta foi movimentada até 01 de Março de 2021 e que em 27 de Outubro de 2020 (6 meses antes do óbito do BB) as últimas movimentações de relevo são em 27/07/2020 …. 12.000,00 € (quatro dias depois) em 31/07/2020 ...12.000,00 €.
9- A questão que separa os herdeiros (e o Tribunal “à quo”) é então saber (a 1ª instância decidiu contraditória e ilegalmente) se deve ou não ser relacionada (pela (o) cabeça de casal , a DD apenas defende a existência de 3.334,17€, e para o CC 135.500,00 €), na nossa opinião terá de ser a segunda quantia como já se demonstrou porque estamos em presença de DOIS INVENTÁRIOS e DUAS HERANÇAS, abundantes documentos que revelam a existência desses valores o que não foram afastados por quem tinha essa obrigação legal (Artº.342 C.Civil) em sede de prova e ainda o testemunho de EE.
10- O Tribunal com esta decisão prolatada ignora os argumentos factuais e legais e os documentos nos autos que a própria Sentença dá como provados (a prova documental e o depoimento da testemunha EE, transcreve-os exaustivamente para a decisão e rigorosamente, baliza as transferências com datas e a própria movimentação da conta e após “embrulha o “Ónus da Prova” e decide mal, sem quaisquer fundamento.
11)- Afirma inclusivamente que existe a conta enumera os montantes levantados e ou transferidos, que ponderou a prova documental e testemunhal, sabe que o destino do dinheiro foi a conta do Neto FF PT 50...4.6 não contestada pela DD a outra herdeira, logo aceite e decide erradamente noutro sentido fazendo uma interpretação “ Sui Generis “ do Ónus da Prova (artº342 do C.Civil), quando ninguém afastou nomeadamente a Recorrida aquilo que os documentos revelam inequivocamente ---- a quantia existia naquela conta e era no mínimo Acervo Hereditário a Partilhar.
12)-Pelo que a Douta Sentença é contraditória, não ponderou a prova documental nos autos, a prova testemunhal, interpretou de forma errada as regras do Ónus da Prova pelo que se encontra violado o Artº342 do C.Civil e Art 615 do CPC, pelo que face a Contraditoriedade da mesma, deve, em atenção ao que dispôe o nº2 alínea a), b) e c) do Art 662 do CPC, ordenar-se o que dispôe o nº3 do mesmo item legal e suas alíneas a) a d), solicitando -se à Instituição Bancária Banco 1... que informe conforme se alegou nos itens 14 e 20 destas alegações.
13)- Noutra vertente (A LEGAL) a Douta Sentença ignora a Lei e o Direito Sucessório nos seus Capítulos I “Da Sucessão Legítima“ “Titulo III da Sucessão Legitimária “ e Capítulo II Artº.2131, 2133, 2139, 2156 e segs. e 2168 e 2169 todos do C.Civil.
14- De facto a Douta Sentença ao ignorar não só a prova documental, testemunhal, ao fazer uma errada interpretação do ónus da Prova e ao não aplicar o Direito convenientemente viola não só estes preceitos legais que têm como consequência a lesão da esfera jurídica patrimonial do Recorrente, como lhe retira direitos imperativos que uma Sentença lhe não pode retirar, NUNCA.
15)- Como já se alegou cumulam-se dois Inventários e duas Heranças distintas com partilhas de quinhões hereditários distintos, primeiro com o Óbito de AA (../../1996) sucederam-lhe o cônjuge BB e dois filhos DD e CC.
16)- Com o Óbito de BB (01/03/2021) no estado de viúvo, abre-se outra sucessão e outra herança para partilhar e sucedem-lhe ambos os herdeiros legítimos, a DD e seu irmão CC (Artº2131 C.Civil) pelo que há que relacionar e partilhar entre estes o património deixado por ambos os “de cujus.”
17)- Apenas falta saber qual o património a partilhar, e nesta matéria além dos dois prédios a quantia em dinheiro apurada (135.500,00 €) e ainda que se admita que o conjuge sobrevivo podia fazer doacções (pois ele era meeiro) não podendo na outra parte a sua quota ser inferior a ¼ da HERANÇA (Artº2139 C.Civil) ao fazer doacções “directamente” o que não acredita o recorrente, despiu ou despiram a conta e foi e foram além do que deviam e podiam dispôr ofendendo a quota do recorrente, pelo que ofendeu a LEGÍTIMA do Herdeiro Legitimário (violando o Artº. 2168 Ccivil com a Douta Sentença) pelo que nos termos do Art.2169 do C.Civil, estas liberalidades (acreditando ou não que foi o BB o Autor, o Recorrente não acredita) têm de ser reduzidas em tanto quanto o necessário para que a LEGÍTIMA deste Sucessor seja preenchida.
18)- Não temos assim quaisquer dúvida face às alegações produzidas, face à prova documental e testemunhal nos autos às normas violadas já enunciadas sobejamente nesta peça processual, nos itens cfr.10,11,12,13,14 e 15 que assiste razão ao Recorrente, solicitando que esta decisão seja revogada na totalidade e substituída por outra que ordene que baixem os autos á 1ª.intância para cumprimento do que dispôe o Artº.662 do CPC e o que solicita o recorrente no item 20 alíneas a), b) e c) destas alegações. OU,
19- Se assim senão entender V.Exªs acompanhem a TESE do Recorrente pois que nos autos já existem elementos abundantes de prova documental e testemunhal para que a decisão de que se recorre seja revogada na totalidade e substituída por outra que determine que na Relação de Bens seja relacionada a verba de 135.500,00 € (centro e trinta e cinco mil e quinhentos euros) que faz parte do Acervo Hereditário a Partilhar na medida legal que se defende e que a Lei oferece.
Assim se fazendo UT PAR EST.
3. Inexistem contra-alegações.
II – Factos Provados
1. Em ../../1996, faleceu sem deixar Testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, AA, casada que foi com BB, no regime da comunhão geral de bens, em primeiras núpcias de ambos;
2. Deixou como herdeiros o cônjuge sobrevivo BB e seus filhos CC e DD;
3. No dia ../../2021 faleceu BB, no estado de viúvo de AA, deixando como únicos herdeiros CC e a sua irmã DD;
4. Por Escritura de Partilha de 19 de Dezembro de 2006 no Cartório Notarial de
..., os herdeiros da inventariada procederam a Escritura Parcial dos bens que faziam parte do acervo hereditário a dividir, ficando de fora dois imóveis:
a) Prédio Rústico, sito nas ..., composto de vinha e pastagem natural da União de Freguesias ... e ..., a confrontar do Norte com caminho, do Sul com GG, do Nascente com HH e que corresponde o actual artigo matricial ...09 (antigo ...62), não registado na Conservatória do Registo Predial;
b) Prédio rústico sito em ... da freguesia ..., composto de
pastagem com 8 oliveiras, a confrontar do Norte com ..., do Sul com II, do Nascente com caminho e do Poente com JJ que corresponde o artigo matricial nº ...17, não registado na Conservatória do Registo Predial;
5. Os inventariados eram titulares da conta nº ...59 do Banco 1...;
6. À data da morte do inventariado tal conta tinha o saldo de € 3.334,17;
7. Os inventariados eram pessoas humildes, poupadas, regradas e não faziam gastos supérfluos;
8. O inventariado encerrou a conta bancária que detinha no seu próprio nome e de ambos os filhos;
9. Depois de anular essa conta bancária, o inventariado abriu uma nova conta em nome dele e da filha DD;
10. O inventariado doou um tractor;
11. Entre 22/09/2011 e 01/03/2021 a conta referida em 5 foi movimentada;
12. Entre 20/10/2015 e 17/12/2015, foram levantados ou transferidos da citada conta 95.000,00, sempre em quantias não inferiores a para além de outros pagamentos de menor valor, a saber:
a) Em 20/10/2015 – € 5.000,00;
b) Em 22/10/2015 – € 5.000,00;
c) Em 23/10/2015 – € 5.000,00;
d) Em 27/10/2015 – € 5.000,00;
e) Em 30/10/2015 - € 5.000,00;
f) Em 03/11/2015 – € 5.000,00;
g) Em 06/11/2015 – € 5.000,00;
h) Em 09/11/2015 - € 5.000,00;
i) Em 12/11/2015 - € 5.000,00;
j) Em 17/11/2015 - € 5.000,00;
k) Em 18/11/2015 - € 5.000,00;
l) Em 26/11/2015 - € 5.000,00;
m) Em 01/12/2015 - € 5.000,00;
n) Em 03/12/2015 - € 5.000,00;
o) Em 04/12/2015 - € 5.000,00;
p) Em 07/12/2015 - € 5.000,00;
q) Em 10/12/2015 - € 5.000,00;
r) Em 16/12/2015 - € 5.000,00;
s) Em 17/12/2015 - € 5000,00;
13. Entre 20/12/2016 e 27/10/2020, foram levantados ou transferidos 40.500,00, isto é:
a) 20/12/2016 - € 1.000,00;
b) 23/08/2017 - € 500,00;
c) 29/08/2017- € 3.000,00;
d) 14/05/2018 - € 1.000,00;
e) 27/08/2008 - € 1.000,00;
f) 20/12/2018 - € 2.000,00;
g) 05/09/2019 - € 4.000,00;
h) 23/04/2020 - € 2.000,00;
i) 27/07/2020 - € 12.000,00;
j) 31/07/2020 - € 12.000,00;
k) 27/10/2020 - € 2.000,00;
14. As transferências realizadas entre 20.10.201(por lapso escreveu-se 2)5 e 17.12.2015 tiveram como destino o IBAN ...46, o qual pertence ao Banco 2..., cujo titular é FF (neto dos inventariados).
III – Do Direito
1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.
Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.
- Cumprimento do art. 662º do NCPC.
- Relacionamento da verba de 135.500 € que faz parte do acervo hereditário.
2. Defende o recorrente que em atenção ao que dispõe o nº 2 alínea a), b) e c) do art. 662º do NCPC, seja ordenado, como dispõe o nº 3 do mesmo item legal e suas alíneas a) a d), ao Banco 1..., que informe conforme se alegou nos itens 14 e 20, alíneas a), b) e c) das alegações (cfr. conclusões de recurso 12. e 18).
Pretensão que não pode ser acolhida. Expliquemos brevemente.
O art. 662º do NCPC, reporta-se, conforme resulta da sua epígrafe, à modificabilidade da decisão de facto.
O nº 1 desse preceito opera para a Relação imperativamente, se os factos tidos por assentes, a diversa prova produzida – prova plena -, ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Nenhuma das três situações ocorre no nosso caso concreto.
Mas na situação prevista no nº 2, da mesma norma, a modificação da decisão de facto já depende de iniciativa da parte, impondo-se que a mesma impugne a decisão da matéria de facto. O que não acontece no nosso caso – em lado algum, corpo das alegações ou conclusões de recurso, tal decisão se mostra impugnada. De maneira que face à dita inexistência de impugnação não há lugar ao cumprimento ao estatuído no referido comando legal, seu nº 2.
Não obstante, sempre se acrescenta que se tal impugnação da decisão de facto se verificasse, a pretensão do recorrente, com base nas apontadas alíneas a) a c) não poderia ser deferida. Sumariamente se justifica esta última asserção.
- renovar a prova por dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sentido do seu depoimento não acontece, porque o apelante nada refere neste âmbito;
- ordenar, em caso de dúvida sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova, também não se divisa, já que a prova documental em poder de terceiro, neste caso o Banco 1..., já foi efectuada, e até está reflectida nos factos provados;
- anular a decisão de facto proferida na 1ª instância, por eventual deficiência, obscuridade ou contraditoriedade de determinados pontos da matéria de facto, também não se descortina, nem o apelante indica em concreto qualquer uma dessas patologias;
- anular a decisão de facto proferida na 1ª instância, por ser indispensável a ampliação desta, só seria possível e pertinente para averiguação do saldo da referida conta bancária à data do óbito da AA (falecida em ../../1996), 1ª inventariada e cujo inventário está cumulado.
Todavia, neste âmbito o ora recorrente e requerente do inventário, aquando da relação de bens nenhuma factualidade alegou no sentido pretendido. E, por outro lado, na sequência processual o Banco 1... já informou por 5 vezes (em 22.6.2023, 12.12.2023, 14.2.2024, 26.3.2024 e 20.52024) que é desconhecido o valor, pois a prova documental que retém só dura por 20 anos, prazo que já há muito foi ultrapassado. Assim, seria inútil tal diligência probatória.
De modo que improcede esta parte do recurso.
3. Na decisão recorrida escreveu-se que:
“Dispõe o artigo 342º do Código Civil que àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
(…)
A regra geral sobre a prova no ordenamento jurídico português é a de que, não havendo presunção legal a favor de alguém (caso em que escusa de provar o facto, sendo esta apenas ilidível mediante prova do contrário), à prova produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos. Se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova (artigos 346º e 350º do Código Civil).
Conforme refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30.11.2022 (disponível em www.dgsi.pt) O processo de inventário tem por função, entre o mais, fazer cessar a comunhão hereditária e proceder à partilha de bens (artigo 1082.º, alínea a), do Código do Processo Civil)
(…)
Para isso, é necessário efectuar-se uma descrição e avaliação dos bens, com o objectivo final da partilha equitativa pelos respectivos interessados.
Tal concretiza-se com a apresentação da relação de bens, cuja elaboração cabe ao cabeça de casal, podendo os interessados dela reclamar, caso com ela não concordem (artigos 1098.º, n.ºs 1 a 7, e 1104.º, n.º 1, alínea d) do Código do Processo Civil), como refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães supra citado.
De acordo com o disposto nos artigos 2024º e 2025º do Código Civil, a herança é integrada pelos bens deixados à data do óbito do de cujus.
(…)
No caso concreto, estamos perante uma cumulação de inventários por óbito de AA, falecida em ../../1996 e BB, falecido no dia ../../2021.
Ficou provado que os inventariados foram casados um com o outro no regime da comunhão geral de bens, em primeiras núpcias de ambos, sendo herdeiros os seus filhos CC e DD, ora interessados.
A única questão que cumpre apreciar relativamente à presente reclamação contra a relação de bens é saber qual o montante que deve ser relacionado relativamente à conta do Banco 1... com o nº ...51.
A cabeça de casal entende que deve ser relacionado o montante de existente na conta à data do óbito do inventariado.
Por sua vez, o interessado CC entende que deve ser relacionado o valor de € 135.500,00.
Resulta dos factos provados que à data da morte do inventariado a conta bancária tinha, efectivamente, € 3.317,34.
Sucede que entre 22/09/2011 e 01/03/2021 a referida conta foi movimentada, sendo que entre 20/10/2015 e 17/12/2015, foram levantados ou transferidos da citada conta 95.000,00.
Por outro lado, ficou provado que entre 20/12/2016 e 27/10/2020, foram levantados ou transferidos € 40.500,00.
Todavia, os levantamentos e/ou transferências bancárias foram efectuados ainda em vida do inventariado, razão pela qual tais quantias não têm que fazer parte da relação de bens.
Assim sendo, no âmbito do presente inventário, para além dos dois bens imóveis identificados na relação de bens, apenas tem que ser relacionada a quantia existente na conta bancária, ou seja, a quantia de € 3.334,17.
No caso concreto, não logrou o requerente provar qual o montante que existia na conta bancária da inventariada à data da morte desta.
Por outro lado, cumpre salientar que o inventariado também foi herdeiro da inventariada até à sua morte em ../../2021.
Assim sendo, a única quantia existente na conta do inventariado à data da sua morte é a quantia que foi relacionada pelo requerente, então cabeça de casal.”.
O recorrente discorda, pelos motivos constantes das suas conclusões de recurso
(as 1. a 11., 13. a 17., e 19.). Analisando.
Estamos em presença da cumulação de dois Inventários, um deles relativo à herança por óbito de AA, ocorrida em ../../1996, à qual sucederam o cônjuge sobrevivo BB e seus filhos DD e CC, sendo metade a meação do cônjuge e a outra metade os quinhões hereditários fixados na lei (arts. 2133º, nº 1, a), e 2139º, nº 1, do C.Civil).
Acontece que não se provou, não se conseguiu apurar, relativamente à disputada conta bancária, qual era o saldo à data do óbito da AA, como se salientou na fundamentação jurídica da decisão recorrida. Assim, desconhecendo-se qual o acervo hereditário da dita inventariada nenhum valor há que considerar para a relação de bens.
Com o decesso do BB sucederam-lhe os dois filhos, ora interessados, a DD e o CC.
Sabemos que (facto 6.) à data da morte do inventariado tal conta tinha o saldo de 3.334,17 €. E também sabemos (factos 11. a 14.) que, depois da morte da inventariada AA, entre 22.9.2011 e a data do óbito do BB (../../2021) a conta referida foi movimentada, designadamente entre 20.10.2015 e 17.12.2015, foram levantados ou transferidos da citada conta 95.000 €, com destino à conta bancária do seu neto FF (filho da DD).
E entre 20.12.2016 e 27.10.2020, foram levantados ou transferidos 40.500 € com destino desconhecido. De sorte que relativamente a esta última quantia, não existindo a mesma à data do óbito de BB e desconhecendo-se o seu destino e a sua causa (podem ser variadíssimas causas), a mesma não pode integrar o acervo hereditário do falecido BB.
Quanto aos 95.000 €. A legítima – a porção de bens de que o testador não pode dispor, por ser legalmente destinada aos herdeiros legitimários -, é, no nosso caso, relativamente à conta bancária, por serem 2 filhos, de 2/3 (2156º, 2157º e 2159º, nº 2, do C.Civil). Ou seja, na hipótese que nos ocupa, de 63.334 € (por arredondamento), sendo a fracção disponível de 31.667 € (por arredondamento).
Assim, aquela quantia de 63.334 € tem, para já, de ser relacionada como acervo hereditário do falecido BB, seja ela qualificada ou não como uma doação do falecido ao seu neto (arts. 940º e segs. do CC), qualificação que neste momento e neste âmbito não se nos cura apreciar.
Adiante-se, porém, que se for doação, o donatário neto do falecido terá de intervir no inventário, para cálculo ou determinação da legítima e eventual redução de liberalidades, como resulta das disposições conjugadas dos arts. 1085º, nº 2, a), 1097º, nº 2, c), 1104º, nº 3, 1118º e 1119º do NCPC.
De sorte que importa revogar parcialmente a decisão recorrida e substituí-la por outra que determine que na relação de bens seja relacionada, para já, a verba de 63.334 €, que faz parte do acervo hereditário do BB a partilhar.
4. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC): (…)
IV – Decisão
Pelo exposto, julga-se procedente, parcialmente, o recurso, assim se revogando parcialmente, a decisão recorrida e em consequência, se ordenando que na relação de bens seja relacionada, para já, a verba de 63.334 €, que faz parte do acervo hereditário do BB a partilhar.
*
Custas pelos interessados CC e DD, na proporção do decaimento/ vencimento.
*
Coimbra, 27.5.2025
Moreira do Carmo
Alberto Ruço
Luís Cravo