No caso de renúncia expressa a reclamar da conta final e liquidação apresentada pela AE, por banda da executada, aplica-se, por analogia, o regime da renúncia dos recursos, pelo que formalizada aquela, a executada não pode, posteriormente, apresentar reclamação à mesma.
(Sumário elaborado pelo Relator)
I – Relatório
1. AA, residente em ..., intentou acção executiva, para pagamento de quantia certa e entrega de coisa certa, contra BB, residente em ....
Foi penhorado determinado imóvel.
Foi concedido apoio judiciário à executada, com dispensa da taxa de justiça e demais encargos e nomeação de patrono.
A exequente requereu a venda do imóvel penhorado através de leilão electrónico, o que foi determinado pela AE, tendo sido aceite a proposta apresentada.
A AE apresentou (em 17.5.2024) o valor da conta total do processo, sendo 1.853,34 € da responsabilidade da exequente (por honorários e despesas) e 9.795,19 € da responsabilidade da executada (incluindo o devido ao exequente, por capital e juros, custas de parte e dívida aos cofres), conta notificada à exequente e executada (por correio de 17.5.2024).
A executada veio solicitar (em 29.5.2024) discriminação total da conta e devida rectificação, em relação a 4 rubricas, por forma a ser analisada com posterior e eventual reclamação da conta.
A AE corrigiu a conta total (em 28.6.2024), indicando agora, como liquidação final, que 1.863,87 € são da responsabilidade da exequente (por honorários e despesas) e 8.701,81 € da responsabilidade da executada (incluindo o devido ao exequente, por capital e juros, custas de parte e dívida aos cofres), com devolução à executada de 34.560,63 €, conta notificada à exequente e executada (por correio de 28.6.2024).
Mais foi concedido às partes o prazo de 10 dias para reclamarem.
A executada (em 1.7.2024) declarou prescindir do prazo de reclamação. E (em 2.7.2024) veio requerer que, beneficiando de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, bem como nomeação e pagamento de compensação de patrono, os valores apurados como sendo da sua responsabilidade, a título de taxa de justiça e demais encargos, não lhe poderão ser cobrados a final.
Notificada a exequente (por correio de 3.7.2024), veio opor-se, porque a executada prescindiu de reclamação da conta final, não tendo reclamado, não podendo, posteriormente, vir requerer diversamente. Acrescentou, ainda, que no que tange ao pagamento das custas da execução e despesas c honorário de AE tais valores devem ser suportados pela executada na medida em que havendo nos autos produto resultante da penhora a executada mesmo que beneficie de apoio judiciário deve suportar estes encargos por via da precipuidade das custas do art. 541º do NCPC, conforme jurisprudência que indicou, não existindo razão para que a exequente, pela via do apoio judiciário, ter de suportar os custos com a execução a que a executada deu causa.
A AE solicitou, depois (em 4.9.2024), despacho judicial para ser decidido: se a conta elaborada e notificada às partes deve ser aceite, considerando que a patrona da executada prescindiu do prazo de reclamação; se as custas de execução, encargos e honorários do AE saem precípuas do produto da venda; se deve ser considerado o benefício de apoio judiciário da executada quanto a custas processuais, encargos com o processo e honorários da AE.
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Foi proferido despacho que atribuiu a responsabilidade à exequente.
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2. A exequente recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. A executada requereu apoio judiciário, cujo requerimento foi junto aos presentes autos no dia 27 de Junho de 2023 com a referência nº 6013959.
II. No sobredito documento a mesma não declarou a existência de qualquer bem imóvel,
III. Foi com base nesta informação falsa prestada pela executada que foi atribuído apoio judiciário à mesma.
IV. Não podemos deixar de concluir que tendo sido este o único fundamento invocado pelo Tribunal a quo, o mesmo padece de erro na formação da convicção.
V. A executada além de ter prestado falsas declarações para lograr obter apoio judiciário nas modalidades que lhe foram concedidas, também não deixa qualquer duvida de o seu património integrava um bem imóvel que foi, inclusivamente vendido nos presentes autos,
VI. Ora, foi, sem sombra de duvidas esta mesma atribuição (consequência daquelas falsas declarações) que levou o Tribunal a quo a formar a sua convicção e a optar por esta decisão da qual agora se recorre (não existe qualquer outro fundamento invocado em tal Despacho).
VII. Razão pela qual, entende a aqui Apelante que a decisão deverá ser revertida, e se impõe por uma questão de Justiça Material que se aplique aos presentes autos a regra da precipuidade das custas (541º do CPC),
VIII. Devendo os honorários da Sra. Agente de Execução e demais encargos com o processo serem suportados, igualmente, pelo produto da venda.
IX. Na medida em que as custas do processo, que incluem os honorários e despesas do agente de execução, só deverão ser asseguradas pela exequente nos termos do disposto no artigo 45.º, nº 1, da Portaria nº 282/2013, de 29/09, quando não exista produto dos bens penhorados, devendo aplicar-se o princípio da precipuidade previsto no artigo 541.º do Código de Processo Civil, mesmo quando o executado beneficie de apoio judiciário.
X. Mas acresce dizer ainda que a Executada aceitou a conta descriminada apresentada pela Sra. Agente de Execução,
XI. Em primeiro lugar porque prescindiu, expressamente, do prazo para reclamar da mesma,
XII. Segundo porque, após essa renuncia expressa a tal direito, vem deduzir um requerimento que mais não é do que uma verdadeira reclamação encapotada,
XIII. E que não respeita os tramites processuais legalmente previstos para o efeito!
XIV. Com o devido respeito, que é muito, e salvo melhor opinião em contrário, esta situação configura desde logo um “venire contra factum próprio”
XV. Pois que, ou a exequente prescinde do prazo para reclamação da conta e aceita a mesma nos exactos termos em que esta é apresentada pela Sra. Agente de Execução e com todos os cálculos que lhe estão inerentes, como de resto fez!
XVI. Ou reclama da mesma, nos termos legalmente previstos pela lei.
XVII. Devendo o Tribunal a quo ter-se pronunciado sobre esta situação, tal como requerido pela Exequente, o que também não logrou fazer.
XVIII. Pelo que se deve entender como aceite a conta apresentada pela Sra. Agente de Execução, nos exactos termos em que foi elaborada e não reclamada!
XIX. E nesse sentido serem, também por esta via, imputados os honorários da Agente de Execução e demais encargos com o processo saírem precípuos do produto da venda.
XX. Mas reitere-se, sem conceder que o requerimento da executada se trata de uma verdadeira reclamação da conta que não respeitou o procedimento previsto, e que desde já importará reverter,
XXI. Será sempre de concluir que de acordo com o nosso regime de custas processuais (abrangendo a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte), é condenado quem tiver decaído na acção ou quem do processo tirou proveito (artigo 527.º, nº 1 e 2) - princípio da justiça gratuita para o vencedor.
XXII. Ora, nos presentes autos o produto da venda mostra-se mais que suficiente para cobrir tais custos
XXIII. Tanto assim é que, de acordo com a conta descriminada, mesmo com o pagamento deste valor por parta da executada a mesma ainda terá a receber a quantia de € 34.560,63.
XXIV. “Significa, portanto que no pagamento dos honorários ao agente de execução a primeira regra é a precipuidade dos honorários (artigo 541.º) e a segunda regra, ou seja, na falta de produto da venda, é a que resulta do artigo 45.º, n.º 1 da portaria 282/2013, isto é, aqueles honorários, são da responsabilidade do exequente.
XXV. Ora, estando depositada a totalidade da quantia exequenda resultante do produto dos bens penhorados à executada, torna-se evidente que tem de funcionar a primeira regra atrás enunciada, isto é, as custas da execução, incluindo os honorários e despesas suportadas pelo agente de execução, apensos e respectiva acção declarativa saem precípuas do produto dos bens penhorados.” Tribunal da Relação do Porto, processo Nº 2835/13.5TBGDM-D.P1
XXVI. E o funcionamento da referida regra não pode, como nos parece evidente, ser afastada pela circunstância de executada ter sido concedido o apoio judiciário na modalidade acima referida.
XXVII. “Se o direito do credor comum é satisfeito sem que tal inculque a ideia de que o devedor fica afectado na satisfação das suas necessidades básicas–o que é obviado através da regra da impenhorabilidade-artigos 737.º e 738.º do CPCivil-não faria sentido que o crédito do Estado, contrapartida da prestação de um serviço comunitário essencial, eivado de cariz eminentemente social, qual seja a administração da justiça, ficasse por satisfazer.
É que o artigo 541.º do CPCivil acaba por ser um mero reflexo do disposto nos artigos 738.º, nº 1 e 746.º do C. Civil, que estabelecem um privilégio creditório por despesas de justiça feitas para conservação, execução ou liquidação desses bens directamente no interesse comum dos credores, como aqui acontece, o qual tem preferência sobre os demais privilégios ou outras garantias que onerem esses bens.” Tribunal da Relação do Porto, processo Nº 2835/13.5TBGDM-D.P1
XXVIII. Mais ainda, “o apoio judiciário é o mecanismo encontrado pelo legislador para assegurar aos mais carentes no plano económico um efetivo ”acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos (...) direitos e interesses legalmente protegidos“, uma vez que a justiça não pode ”ser denegada por insuficiência de meios económicos“.
Não há direito algum que a executada, a quem foi concedido apoio judiciário, deixe de poder exercer se, pelo produto da venda do imóvel penhorado, também forem pagos os honorários e despesas da agente de execução e do mandatário da exequente. Consequentemente, não há qualquer colisão entre o fim tido em vista pelo apoio judiciário e o princípio da precipuidade consagrado no artigo 541.° do Código de Processo Civil,- eles são conciliáveis. Inexiste, assim, motivo que justifique que o Estado e/ou a exequente acabem por arcar com encargos que podem ser suportados pelo produto da venda do bem penhorado na execução”. Tribunal da Relação de Guimarães, processo n. 393/17.0T8VCT-D. G1
XXIX. No mesmo sentido foi ainda o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09/10/2023 (Processo nº 2511/11.3TBPNF-A.P1, relator Mendes Coelho), «havendo produto de bens penhorados na execução, o executado, ainda que com apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, suporta as despesas e honorários do agente de execução por via da regra da precipuidade das custas prevista no art. 541º do CPC.
XXX. “O princípio da precipuidade previsto no art. 541.º do CPC em nada contende com o direito de acesso ao direito e aos tribunais. Com efeito, quando se chega à venda executiva é porque não houve oposição à execução ou esta foi julgada improcedente, pelo que nesta fase do processo executivo já se sabe que o executado é o responsável final pelas custas do processo, pelo que o seu direito a defender-se no processo não é afetado pelo facto de o seu património responder pelas custas do processo executivo. Por conseguinte, o direito de acesso ao direito e aos tribunais, que o apoio judiciário na modalidade de dispensa total de taxa de justiça e demais encargos com o processo visa garantir, já não será postergado pelo facto de se retirar do produto da venda dos bens penhorados os valores necessários ao pagamento das custas do processo. Tribunal da Relação de Évora, Processo nº 2004./16.2T8LLe-C.E1
XXXI. Será, portanto, imperioso concluir que, o sistema de apoio judiciário não tem como finalidade substituir-se a quem tenha dificuldades económicas no cumprimento das suas obrigações ou a eximi-lo das consequências do seu incumprimento,
XXXII. Antes tem como finalidade não impedir ou dificultar o exercício ou a defesa de direitos, por parte de quem não tem condições económicas para o fazer.
XXXIII. Contudo, não pode a executada vir socorrer-se desse benefício de que dispôs num momento em que, ALEGADAMENTE, não tinha recursos para se “defender” para agora se imiscuir das suas obrigações e mais uma vez prejudicar gravemente a exequente.
XXXIV. Deste modo, quando não esteja em causa o exercício ou a defesa de direitos da executada, não existe razão para que o Estado ou a própria exequente, pela via do apoio judiciário, terem de suportar os custos com a execução a que a executada deu causa,
XXXV. Sobretudo quando, objetivamente, a mesma tem património (sempre teve, na verdade), para suportar o seu incumprimento e os custos que o seu incumprimento gerou.
XXXVI. Concluindo-se, assim que a executada não tem o direito a ver-lhe devolvidos os valores relativos aos honorários e despesas do agente de execução porquanto os mesmos quais devem sair precípuos dos valores depositados nos autos nos termos previstos no artigo 541.º do CPC, valores resultantes de uma penhora!
Nestes Termos e nos melhores de Direito, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o despacho Recorrido, devendo os honorários da Agente de Execução e demais encargos com o processo serem suportados de acordo com a regra da precipuidade, a cargo da Executada.
3. A executada contra-alegou, concluindo que:
1. a 3. (questão neste momento ultrapassada, face à decisão do tribunal recorrido).
4. Sem conceder e por mero dever de patrocínio, conforme resulta da decisão proferida pelo Núcleo de Apoio Judiciário datada de 08/08/2023, junta aos presentes autos: “O agregado familiar apresenta ativos patrimoniais, nomeadamente Bem Imóvel e Conta Bancária, no montante total de 12.160,00€”;
5. Pelo que o bem imóvel, objeto de penhora e subsequente venda, foi considerado no apuramento do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica.
6. Não obstante, sempre se dirá que o requerimento de protecção jurídica é sempre sustentado, entre outros documentos, com a declaração de existência/inexistência de património, emitida pela Autoridade Tributária.
7. Pelo que, ainda que decorresse do formulário informação diversa, o pedido apenas seria objeto de deferimento ou indeferimento uma vez juntos os documentos de suporte à análise financeira do requerente do Apoio Judiciário. O que aconteceu.
8. O referido imóvel foi objeto de penhora no dia 08/03/2023, isto é, 3 meses antes da submissão do pedido de Apoio Judiciário, pelo que dúvidas não restam que tal averbamento era do conhecimento da Segurança Social.
9. A Recorrente foi notificada da Decisão de Deferimento do Apoio Judiciário no dia 21/08/2023, não tendo apresentado, no prazo que lhe foi concedido para o efeito, qualquer impugnação da referida decisão, pelo que, não pode agora fundamentar o presente Recurso com base numa decisão já transitada em julgado.
10. Por ofício datado de 28/06/2024, foram as partes notificadas da “Conta Corrente Discriminada da Execução”, tendo a recorrida prescindido do prazo de reclamação, considerando que já aguardava a restituição do excedente do produto da venda há mais de dois meses e se encontrava em situação de carência económica.
11. Pese embora a Recorrida tenha aceite os valores apurados como estando em dívida a título de custas e honorários devidos ao Agente de Execução, tal não significa que seja responsável pelo seu pagamento ou tão pouco que tenha aceite essa responsabilidade.
12. A Recorrida encontra-se isenta do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, conforme decisão transitada em julgado.
13. Pelo que, independentemente da aceitação do cálculo de tais encargos, não pode a Recorrida ser condenada ao seu pagamento uma vez que tal encargo deverá ser suportado pela Recorrente, e, no que diz respeito á taxa de justiça paga solicitar o reembolso ao IGFEJ.
14. Veja-se, nesse sentido, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 27.05.2021, relativo ao Proc. nº 94/13.9TBVMS-A.G1: “I - No que se refere ao pagamento dos honorários e despesas ao agente de execução, a primeira regra é a da precipuidade destes montantes (art. 541º do CPC); a segunda regra é a que resulta do art. 45º, n.º 1, da Portaria n.º 282/2013 – coincidente com o disposto non.º 1 do art. 721º do CPC –, nos termos da qual se aqueles encargos não puderem ser satisfeitos com o produto dos bens penhorados ou com os valores depositados decorrentes do pagamento voluntário, compete ao exequente suportar o seu pagamento, sem prejuízo do direito ao respetivo reembolso do executado, em sede de custas de parte(art. 26, n.º 3, als. b) e d) do RCP). II - Contudo, se o executado beneficiar do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, não tem de suportar, nem as custas da execução, nem os honorários devidos ao agente de execução, nem quaisquer despesas por este efetuadas no âmbito do processo executivo, não funcionando, por conseguinte, a regra da precipuidade consagrada no art. 541.º do CPC.”
15. E ainda o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 17.11.2020, relativo ao Proc. nº 500/09.7TBSRT.1.C1: “O executado a quem foi concedido o apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e dos encargos do processo não terá de pagar custas, não lhe podendo ser cobradas as quantias devidas a título de honorários e despesas como agente de execução – seja pela via do seu pagamento prioritário pelo produto dos bens penhorados (art. 541º CPC), seja por reclamação do exequente a título de custas de parte art. 721º) –, não devendo ser incluídas na liquidação da responsabilidade do executado no caso de pagamento voluntário da quantia exequenda(artigo 847º).”
Nestes termos e nos melhores de Direito deverá:
(questão agora ultrapassada, face à decisão do tribunal recorrido);
b) Sem conceder e na hipótese meramente académica de o mesmo vir a ser admitido, ser o mesmo declarado
improcedente por falta de fundamento legal, considerando que o mesmo se funda em decisão já transitada em julgado;
c) Manter-se o despacho recorrido
II – Factos Provados
A factualidade a considerar é a que decorre do relatório supra.
III – Do Direito
1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.
Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.
- Renúncia à reclamação da liquidação final apresentada pelo AE.
- Responsabilidade das custas, encargos e honorários.
2. No despacho recorrido exarou-se que:
“Nos termos do artigo 26.º, n.º3 do RCP, se a parte vencida beneficiar de apoio judiciário na modalidade de assistência judiciária, o reembolso das taxas de justiça pagas pela parte vencedora na causa é suportado pelo IGFEJ.
Assim, o exequente poderá ao abrigo de tal disposição legal requer o reembolso da taxa de justiça paga. Este reembolso, apenas diz respeito à taxa de justiça e já não inclui pagamento de encargos nomeadamente os honorários do Sr. Agente de Execução, os quais deverão ser suportados pelo exequente, considerando o beneficio de apoio judiciário concedido à executada, independentemente de se verificar o excedente do produto da venda do imóvel penhorado, pois que o bem imóvel já existia no património da executada à data da concessão do apoio judiciário pelo ISS,IP.”.
A AE solicitou (em 4.9.2024), despacho judicial para serem decididas três questões, sendo a primeira, se a conta elaborada e notificada às partes deve ser aceite, considerando que a patrona da executada prescindiu do prazo de reclamação. Inexplicavelmente a 1ª instância, no despacho recorrido, nada disse, certo que essa questão era prejudicial em relação às outras. Conheçamos, então, desta questão.
A AE corrigiu a conta total (em 28.6.2024), indicando agora, após nova liquidação os novos valores da responsabilidade da exequente e da responsabilidade da executada, com devolução à executada de determinada importância. Conta notificada à exequente e executada (por correio de 28.6.2024), tendo sido assinalado o prazo de 10 dias para reclamarem.
A executada, em 1.7.2024, declarou prescindir do prazo de reclamação. Mas, em 2.7.2024, veio requerer que, beneficiando de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, bem como nomeação e pagamento de compensação de patrono, os valores apurados como sendo da sua responsabilidade, a título de taxa de justiça e demais encargos, não lhe poderão ser cobrados a final.
Na Portaria 282/2013, de 29.8 (que regulamenta vários aspectos das acções executivas cíveis), prevê-se aquele prazo de 10 dias, notificada a liquidação final feita pela AE para reclamar para o juiz, da nota discriminativa de honorários e despesas devidas ao AE (art. 46º).
A executada não reclamou, antes declarou (em 1.7.2024) prescindir do prazo de reclamação. Mas no dia seguinte já veio reclamar, tomando posição diferente.
Tal Portaria, não prevê expressamente a renúncia à reclamação. Mas não devemos ficar com dúvidas e em dificuldade, porque a lei processual civil regula a renúncia a recursos, pelo que, por analogia, dada a semelhança da situação, se deve aplicar tal regime.
Ora, no art. 632º, nº 1, 1ª parte, do NCPC, prevê-se que é licíto às partes renunciar aos recursos (no nosso caso à reclamação). Como a executada fez e depois tentou desfazer. Portanto a pergunta que se segue é, o que acontece quando uma parte renuncia ao recurso (ou a uma reclamação) ? Pode modificar, posteriormente a sua posição ? A resposta intuitiva é que não, face à preclusão operada.
Perscrutemos.
A caducidade do direito de recorrer pode resultar do decurso dum período de tempo de inactividade do afectado pela decisão, mas também de actos de vontade de uma ou ambas as partes. A renúncia expressa não se confunde pois com a simples omissão de interposição do recurso no prazo legal. De sorte que feita a renúncia expressa pela parte, como ocorreu no nosso caso, caducou a possibilidade de afinal num 2º momento querer recorrer ou afinal querer reclamar (cfr. L. Freitas, CPC Anotado, Vol. 3º, T.I, 2ª Ed., nota 2. ao anterior art. 681º = ao actual art. 632º, pág. 31).
Isto porque o efeito prático da renúncia ao recurso se manifesta essencialmente através da antecipação do trânsito em julgado da decisão, sem necessidade de esperar pelo decurso do prazo previsto para a impugnação, o que pode revelar-se importante, por exemplo, nos casos de transacção judicial, em que a renúncia promove a consolidação da decisão homologatória e impede que alguma das partes interponha recurso para evitar o trânsito em julgado (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª Ed., 2008, nota 3. ao art. 681º do anterior CPC = ao actual art. 632º, pág. 72).
Ou seja, a decisão transita em julgado na data da renúncia. Isto é, uma vez eficaz, a renúncia segue o regime dos negócios jurídicos: não pode ser revogada (sem prejuízo dos vícios de vontade) – cfr. Rui Pinto, Manual do Recurso Civil, AAFDL, Vol. I, 2020, pág. 272, e nota 1129).
Quer isto significar, que a renúncia apresentada pela executada, no nosso caso, importou – em 1.7.2024 - a caducidade da possibilidade de reclamar num 2º momento posterior, tendo a liquidação final apresentada pelo AE “transitado em julgado” – em 1.7.2024 -, não podendo ser revogada em 2.7.2024, como a executada recorrida pretendeu.
Procede esta parte do recurso.
3. Em face do que explanámos e do que se vai decidir, fica prejudicada a apreciação da remanescente questão (art. 608º, nº 2, 1ª parte, ex vi do art. 663º, nº 2, do NCPC).
4. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):
i) No caso de renúncia expressa a reclamar da conta final e liquidação apresentada pela AE, por banda da executada, aplica-se, por analogia, o regime da renúncia dos recursos, pelo que formalizada aquela, a executada não pode, posteriormente, apresentar reclamação à mesma.
IV – Decisão
Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, assim se revogando a decisão recorrida, e, em consequência, se mantendo a conta final e liquidação apresentada pela AE (em 28.6.2024).
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Coimbra, 27.5.2025
Moreira do Carmo
Fonte Ramos
Luís Cravo