i) A regra da alçada limitativa de recurso, fixada no art. 629º, nº 1, do NCPC, do texto da lei, não se faz qualquer distinção entre decisões que ponham termo ao processo e decisões interlocutórias ou decisões que possam gerar caso julgado formal ou material, para distinguir o que seria recorrível segundo essa alçada e o que não seria recorrível de acordo com a mesma alçada;
ii) O espírito da lei e a possibilidade de restringir, adequadamente, em matéria de recursos, a admissibilidade de recursos em função do valor, desde que de forma não arbitrária, faz todo o sentido constitucional, pois as limitações derivam, em última análise, da própria natureza das coisas, da necessidade imposta por razões de serviço e da própria estrutura da organização judiciária de não sobrecarregar os tribunais superiores com eventual apreciação de todas as decisões proferidas pelos restantes tribunais.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Acórdão
1. O A recorreu.
Atento o valor da causa – 5.000 € - e o disposto no art. 629º, nº 1, do NCPC, sobre a alçada do tribunal de 1ª instância, afigurou-se que o recurso era inadmissível.
Assim, ordenou-se a audição das partes, em 10 dias.
2. Só o recorrente se pronunciou, defendendo, no essencial, que: o artigo 629º, nº 1, é apenas aplicável às decisões que ponham termo ao processo e não a decisões interlocutórias; revela-se desconformidade com o princípio constitucional do direito ao recurso, o qual é um corolário do princípio do acesso ao Direito e da tutela jurisdicional efetiva decorrente do artigo 20º, nº 1, da C.R.P.
3. Proferiu-se despacho que não admitiu o recurso.
No mesmo escreveu-se que:
“A 1ª objecção não tem qualquer fundamento legal, dada a redacção cristalina do mencionado art. 629º, nº 1, que não faz qualquer diferença entre decisões que ponham termo ao processo e decisões interlocutórias. É uma interpretação sem qualquer lógica e que não faz sentido !
Quanto à 2ª objecção, é sabido que a regra da alçada tem sido impugnada no plano da sua constitucionalidade. Todavia a jurisprudência constitucional tem reiteradamente sustentado que o legislador ordinário goza, no processo civil, de uma ampla possibilidade de conformação em matéria de recursos, podendo restringir a sua admissibilidade de forma não arbitrária (vide Lebre de Freitas, em CPC Anotado, Vol. 3º, T. I, 2ª Ed., nota 2. ao art. 678º, do CPC = ao actual 629º, nº 1, págs. 13/14). Foi o que o legislador efectivou ao estabelecer a regra geral constante do dito art. 629º, nº 1.”.
4. O recorrente requereu a intervenção da conferência, solicitando a admissão do recurso, concluindo assim:
18. Entende o reclamante que o artigo 629º nº 1 do C.P.C. não será aplicável às apelações autónomas de decisões interlocutórias que não põem termo ao processo e nas quais apenas se forma caso julgado formal.
19. A aplicação dos rígidos limites do artigo 629º nº 1 do C.P.C. às decisões interlocutórias restringe, de forma irrazoável e desproporcionada, o direito ao recurso, devendo, portanto, considerar-se que as apelações autónomas previstas no artigo 644º do C.P.C. não estarão sujeitas a este regime.
20. O entendimento, segundo o qual as apelações autónomas previstas no artigo 644º do C.P.C. estariam sujeitas ao regime restritivo do artigo 629º nº 1 do C.P.C., afigura-se desconforme com o princípio constitucional do acesso ao Direito, nas suas vertentes de tutela jurisdicional efetiva e direito ao recurso, decorrente do artigo 20º nº 1 da C.R.P.
21. A liberdade de conformação do legislador está balizada pelos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, razão pela qual a dimensão interpretativa, segundo a qual o artigo 629º nº 1 do C.P.C. seria igualmente aplicável às apelações autónomas é desconforme aos princípios constitucionais acima referidos.
22. Deste modo, deverá recair um acórdão acerca da reclamação ora exposta e que foi objeto de apreciação por parte da douta decisão singular ora reclamada
Com o que se fará Justiça!
5. As objecções erguidas pelo A./requerente já foram apreciadas na decisão singular, nada de novo decorrendo da insistência do mesmo no seu requerimento. Ainda se acrescentará o seguinte:
- o texto da lei não faz qualquer distinção entre decisões que ponham termo ao processo e decisões interlocutórias ou decisões que possam gerar caso julgado formal ou material. É uma interpretação sem qualquer apoio literal.
Nem se entende racionalmente e aceita que as decisões interlocutórias do art. 644º, nº 2, escapariam à regra da alçada, quando as decisões finais previstas no nº 1, já estariam submetidas a tal limite, quando, são mais relevantes. É um contrassenso de interpretação finalística.
A regra da alçada vale para todas, porque o espírito da lei é a possibilidade de restringir, adequadamente, em matéria de recursos, a admissibilidade de recursos, desde que de forma não arbitrária (vide CRP Anotada, de Gomes Canotilho e Vital Moreira, Vol. I, 4ª Ed., nota XIV ao art. 20º, pág. 418).
Isto porque, como salienta Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª Ed., notas 2. e 3. ao art. 678º, do anterior ao actual art. 629º, nº 1, do NCPC, págs. 35/36), como sucede com a generalidade das opções no campo do direito processual civil e da organização judiciária, com a regulação da recorribilidade em função do valor visou o legislador compatibilizar o interesse da segurança jurídica, potenciada pelo duplo ou mesmo o triplo grau de jurisdição, com outros ligados à celeridade processual, à racionalização dos meios humanos e materiais e à dignificação e valorização da intervenção de tribunais superiores. Como refere Lopes do Rego (O direito fundamental do acesso aos tribunais e a reforma do processo civil, em Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues) as limitações derivam, em última análise, da própria natureza das coisas, da necessidade imposta por razões de serviço e da própria estrutura da organização judiciária de não sobrecarregar os tribunais superiores com eventual apreciação de todas as decisões proferidas pelos restantes tribunais.
Não procede, pois, o requerimento do A./recorrente.
6. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC): (…)
7. Decisão
Pelo exposto, indefere-se o requerimento para a conferência, mantendo-se a decisão singular de não admissibilidade do recurso.
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Custas pelo A./requerente
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Coimbra, 27.5.2025
Moreira do Carmo
Fonte Ramos
Fernando Monteiro