I – O rol de testemunhas apresentado num requerimento formulado num Incidente de Anulação da Partilha a que são aplicáveis as regras dos incidentes de instância [cf. art. 293º, nº1 do n.C.P.Civil, aplicável ex vi do disposto no art. 1127º, nº2 do mesmo normativo], pode ser alterado nas condições definidas no artigo 598º, nº 2 do n.C.P.Civil (aplicável ao abrigo do artigo 549º, nº1 do mesmo n.C.P.Civil), mais não seja por analogia.
II – Ora, resulta expressamente do disposto no art. 598º, nº2 do n.C.P.Civil, que o rol de testemunhas só pode ser alterado ou aditado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final
III – Não tendo sido respeitado tal prazo regressivo, o requerimento de adicionamento ao rol de testemunhas é incontornavelmente intempestivo.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]
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1 – RELATÓRIO
Em autos inventário instaurados para partilha da herança aberta por óbito de AA, veio BB em 20.10.2023 deduzir Incidente de Anulação da Partilha nos mesmos efetuada e homologada, no final do qual, em termos de Prova, indicou 2 testemunhas.
Por despacho datado de 6.11.2024, a Exma. Juíza de 1ª instância designou o dia 15.01.2025 para inquirição das ditas duas testemunhas arroladas.
Notificada que foi a Requerente da devolução das cartas enviadas para notificação dessas testemunhas, a mesma, por requerimento de 23.12.2024, para o que ora releva, alegando que «(…) as testemunhas indicadas são pais da ora Requerente e tendo essa qualidade poderão eventualmente vir a usar do direito previsto no artigo 497.º n.º 1, alínea A) do CPC vem aditar as seguintes testemunhas, a apresentar, (…)», sendo que, mais concretamente, se tratava de duas novas testemunhas.
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Pronunciando-se sobre tal, por despacho datado de 08.01.2025, a Exma. Juíza de 1ª instância indeferiu esse requerimento, mais concretamente nos seguintes termos literais:
«Reqt.º de 23.12.2024:
Segundo o disposto no n.º 2 do art.º 1127.º do CPC, “O pedido de anulação constitui incidente do processo de inventário, ao qual se aplicam as regras gerais dos incidentes da instância.” (sublinhado nosso), previstas nos art.ºs 292.º a 295.º do CPC.
E, analisadas estas, temos que as mesmas não contemplam a possibilidade de aditamento ao rol de testemunhas, possibilidade prevista apenas no âmbito do processo comum – cfr. art.º 598.º do CPC.
É certo que se as testemunhas arroladas pela Requerente, no reqt.º inicial, usarem da faculdade de se recusarem a depor, ficará esta sem qualquer prova testemunhal.
No entanto, não é menos verdade que a possibilidade de tais testemunhas se recusarem a depor se coloca já desde a apresentação do reqt.º inicial, ou seja, desde o momento que a Requerente decidiu arrolá-las - não constituindo uma questão nova, com a qual a Requerente apenas agora tenha sido confrontada -, razão pela qual a indicação de outras testemunhas deveria ter sido inicialmente ponderada pela Requerente.
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, decide-se indeferir o pedido de aditamento ao rol de testemunhas, apresentado pela Requerente.»
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Inconformada com tal despacho, apresentou a Requerente recurso de apelação contra o mesmo, cujas alegações finalizou, com a apresentação das seguintes conclusões:
«A) A Recorrente requereu, vinte dias antes da data designada para a audiência, o aditamento de duas testemunhas ao rol apresentado com o requerimento em que deduziu o incidente de anulação da partilha.
B) Notificado o requerimento aos demais interessados, não foi deduzida oposição ao pedido aditamento.
C) Pelo douto despacho recorrido, a M.ª Juiz indeferiu o pedido aditamento, fundamentando, no essencial, a decisão recorrida nos seguintes termos:
«Segundo o disposto no n.º 2 do art.º 1127.º do CPC, “O pedido de anulação constitui incidente do processo de inventário, ao qual se aplicam as regras gerais dos incidentes da instância.” (sublinhado nosso), previstas nos art.ºs 292.º a 295.º do CPC. E, analisadas estas, temos que as mesmas não contemplam a possibilidade de aditamento ao rol de testemunhas, possibilidade prevista apenas no âmbito do processo comum – cfr. art.º 598.º do CPC»
D) Não se questiona que o pedido de anulação constitui, nos termos do citado artigo 1127.º, n.º 2, do CPC, incidente do processo de inventário, ao qual se aplicam as regras gerais dos incidentes da instância.
E) Porém, ao contrário do que conclui o douto despacho recorrido, não decorre dos referidos artigos 292.º a 295.º do CPC, que nos incidentes da instância não seja permitida a alteração/aditamento ao rol apresentado com o requerimento em que o incidente é deduzido.
F) Como, entre outros, em situação similar, decidiu o douto Acórdão da Relação de Guimarães, datado de 04-06-2013, no Proc. 418/10.7TBBCL-C-G1 (disponível in www.dgsi.pt), as partes, querendo oferecer testemunhas, têm o ónus de apresentar o respetivo rol no requerimento em que deduzem o incidente.
G) Mas tendo oferecido, como foi o caso, prova testemunhal no requerimento em que foi deduzido o incidente, e respeitado o comando do artigo 598., n.º 2, do CPC, ou seja, como foi o caso, que tenha lugar “até vinte dias antes da data em que se realize a audiência final”, nada obsta a que a parte requeira a substituição ou o aditamento ao rol de testemunhas regularmente apresentado no processo incidental.
H) O princípio da descoberta da verdade material e da justa composição do litígio impõe-se também na decisão incidental.
I) Há, pois, que aplicar aos incidentes da instância, por analogia, as regras de alteração e aditamento do rol de testemunhas previstas no artigo 598.º do CPC.
J) Contanto que respeitado o comando do citado artigo 598.º, n.º 2, ou seja, que tenha lugar “até vinte dias antes da data em que se realize a audiência”, nada obsta a que a parte requeira a substituição ou o aditamento ao rol de testemunhas regulamente apresentado no processo incidental.
K) Uma vez que existe aquela antecedência, com conhecimento aos demais interessados e a possibilidade destes, querendo, usarem de igual faculdade, e passando a incumbir à parte interessada a apresentação das testemunhas indicadas em consequência do adicionamento ou alteração do rol (n.º 3 daquele normativo processual), sem necessidade de serem notificadas pelo tribunal, não fica sequer prejudicada a proibição da indefesa, o contraditório, ou mesmo, a celeridade processual.
L) Sendo que no presente caso o pedido aditamento do rol foi requerido com a referida antecedência de vinte dias da data designada para a realização da diligência de prova.
TERMOS EM QUE, sempre com o douto suprimento, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o despacho recorrido, e admitindo-se o pedido aditamento do rol de testemunhas.»
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Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.
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Cumprida a formalidade dos vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte: (des)acerto da decisão de indeferimento de pedido de aditamento do rol de testemunhas num Incidente de Anulação da Partilha.
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3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A matéria de facto a ter em conta para a decisão do presente recurso é, no essencial, a que consta do relatório que antecede
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4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Importa no presente recurso aferir e decidir do (des)acerto da decisão de indeferimento de pedido de aditamento do rol de testemunhas num Incidente de Anulação da Partilha.
Recorde-se que o fundamento do despacho recorrido para um tal indeferimento consistiu na invocação de que o pedido de anulação da partilha constitui incidente do processo de inventário, ao qual se aplicam as regras gerais dos incidentes da instância, previstas nos arts. 292º a 295º do n.C.P.Civil, as quais não contemplam a possibilidade de aditamento ao rol de testemunhas, possibilidade prevista apenas no âmbito do processo comum – cfr. art. 598.º do mesmo n.C.P.Civil.
Vejamos.
É efetivamente incontroverso e inquestionável que o pedido de anulação da partilha constitui, nos termos expressos e literais do dito art. 1127º, nº 2, do n.C.P.Civil, “incidente” do processo de inventário, ao qual “se aplicam as regras gerais dos incidentes da instância”.
Por outro lado, constitui interpretação admissível a de que o rol de testemunhas apresentado num requerimento a que são aplicáveis as regras dos incidentes de instância (cf. art. 293º, nº1 do n.C.P.Civil), pode ser alterado nas condições definidas no artigo 598º, nº 2 do n.C.P.Civil (aplicável ao abrigo do artigo 549º, nº1 do mesmo n.C.P.Civil).
Na verdade, por força deste último normativo vindo de citar, «[O]s processos especiais regulam-se pelas disposições que lhes são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo o quanto não estiver prevenido numas e noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo comum.»
Porém, como já foi doutamente sublinhado a este propósito, «[E]mbora não constituam processos especiais (…), os incidentes e os procedimentos cautelares também levam à aplicação das normas do processo comum nos casos omissos, na medida em que a analogia das situações o impuser.»[2]
Temos presente que o art. 293º, nº1 do n.C.P.Civil dispõe que «[N]o requerimento em que se suscite o incidente e na oposição que lhe for deduzida, devem as partes oferecer o rol de testemunhas e requerer os outros meios de prova.»
Sucede que o regime dos incidentes de instância não diz mais nada sobre o assunto.
Pelo que, na medida em que a necessidade de aditamento do rol de testemunhas pode aparecer nestes incidentes como em qualquer processo comum, é adequado e juridicamente sustentado pugnar pela aplicação do regime previsto para estes [no art. 598º do n.C.P.Civil] a um qualquer incidente de instância, mais não seja através da analogia.[3]
Não obstante o vindo de dizer, surge um obstáculo intransponível à procedência do recurso: é ele o decorrente do prazo com que o adicionamento do rol de testemunhas na circunstância foi apresentado.
Senão vejamos.
Resulta expressamente do disposto no art. 598º, nº2 do n.C.P.Civil, que o rol de testemunhas só pode ser alterado ou aditado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final.
Do antecedente Relatório resulta que a audiência/diligência de inquirição de testemunhas se mostrava designada para o dia 15/01/2025, tendo sido formulado o requerimento de “adicionamento” do rol de testemunhas em 23/12/2024.
Tendo em conta que se trata de um prazo regressivo[4], contínuo e que se suspende durante as férias judiciais, temos que este requerimento só poderia ser apresentado até ao dia 13/12/2024.
Consabidamente, quando o legislador estabeleceu nas normas (equivalentes ou com idêntica redação) do nº 2 do artigo 423º ou no nº 2 do artigo 598.º do n.C.P.Civil que o acto deve ser praticado “até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final”, aquilo que visou foi evitar o protelamento ou a inoportunidade da apresentação de documentos e de alteração/aditamento do rol de testemunhas e a consequente perturbação que lhe é inerente ou, pela positiva, estabilizar estes meios de prova com certa antecedência em relação à realização da audiência final.[5]
Ora, se apenas foi apresentado esse requerimento em 23/12/2024, manifesta e incontornavelmente que o foi apresentado intempestivamente.[6]
Nestes termos improcedem as alegações recursivas e o recurso.
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5 - SÍNTESE CONCLUSIVA (…)
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6 - DISPOSITIVO
Pelo exposto, decide-se a final, julgar a apelação interposta improcedente, assim se mantendo o sentido da decisão recorrida.
Custas pela Requerente/recorrente.
Coimbra, 27 de Maio de 2025
Luís Filipe Cravo
Vítor Amaral
Fonte Ramos
[1] Relator: Des. Luís Cravo
1º Adjunto: Des. Vítor Amaral
2º Adjunto: Des. Fonte Ramos
[2] Assim por J. LEBRE DE FREITAS / ISABEL ALEXANDRE, in “Código de processo Civil Anotado”, Vol. 2.º, 3.ª edição, Livª Almedina, 2017, a págs. 475.
[3] Neste sentido o acórdão do TRL de 13/07/2023, proferido no proc. nº 27175/20.0T8LSB-A.L1-2, acessível em https://outrosacordaostrp.com/2023/07/13/ac-do-trl-de-13-07-2023-proc-27175-20-0t8lsb-a-l1-2.
[4] De referir que por “prazo regressivo” ou “com contagem regressiva” se entende o prazo que se conta para trás por referência a certa data ou que tem como termo ad quem uma data futura, sendo exemplos deste tipo de prazos os fixados precisamente nos artigos 423º, nº 2, e 598º, nº 2, do n.C.P.Civil.
[5] Cfr., globalmente no mesmo sentido, ABRANTES GERALDES / PAULO PIMENTA / PIRES DE SOUSA, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração – Artigos 1.º a 702.º, Coimbra, Livª Almedina, 2018, a págs. 499 e págs. 705.
[6] Donde, no caso em apreço, é irrelevante a questão de se saber se a este prazo se aplica ou não o disposto no art. 138º, nº2 do n.C.P.Civil, questão tratada em sentido negativo por Miguel Teixeira de Sousa, in https://blogippc.blogspot.com (2-10-19), que considerou «não ser aplicável o regime do art. 138º a prazos regressivos, ou seja a prazos que se contam de modo inverso, como se verifica no prazo de 20 dias previsto no nº2, do art.423º, nº2 e no nº2, do art. 598º»; Já no sentido de que este preceito é plenamente aplicável vide o acórdão do STJ de 12/09/2019, proferido no proc. nº 587/17.9T8CHV-A.G1-A.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.