1- O incidente de invocação de nulidade de citação, em processo pendente, não se faz em processo autónomo ou apenso e não tem regras processuais próprias.
2 -Não sendo caso de incidente “processado autonomamente”, o recurso da sua decisão não cabe em qualquer das previsões de apelação autónoma.
3- A impugnação dessa decisão faz-se nos termos do art.644º, nº 3, do Código de Processo Civil.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
Estão em causa as seguintes decisões:
A decisão do relator, para a qual se pediu a conferência em coletivo:
“Decisão do relator (art.652, nº 1, a) e b), do Código de Processo Civil (CPC):
Os Recorrentes suscitaram a nulidade da sua citação.
O Tribunal recorrido não reconheceu tal nulidade e fez avançar o processo nos termos e para os efeitos previstos no art.567 do CPC.
Os Recorrentes recorreram.
O recurso foi admitido pelo Tribunal recorrido pela alínea h) do art.644, nº 2, do CPC.
Porém, não sendo caso de incidente “processado autonomamente”, o recurso daquela decisão não cabe em qualquer das previsões de apelação autónoma.
O incidente de invocação de nulidade de citação, em processo pendente, não se faz em processo autónomo ou apenso e não tem regras processuais próprias. Processado nos autos, como incidente geral, ele não acarreta qualquer diminuição dos direitos e garantias do interessado.
Por seu lado, o critério legal subjacente à expressão “absolutamente inútil” tem sido entendido como não bastando “que a transferência da impugnação para um momento posterior comporte o risco da inutilização de uma parte do processado, ainda que nesta se inclua a sentença final.”
Ou “a inutilidade…há-de produzir um resultado irreversível quanto ao recurso, retirando-lhe toda a eficácia dentro do processo, não bastando, por isso, uma inutilização de actos processuais para justificar a subida imediata do recurso.” (Ver A. Geraldes, Recursos, 6ª Edição, Almedina, 2010, página 250.)
No caso, o processo já avançou para a decisão final, o que, a deferir-se o pedido do recurso, acarreta sempre inutilização dos atos praticados.
Agora ou mais tarde, o recurso deferido acarreta sempre a repetição de atos processuais.
O recurso também pode ser prematuro porque, a posteriori, pode verificar-se que a questão nenhuma influência teve para o resultado final, sendo favorável aos Recorrentes.
Em conclusão, a impugnação da decisão em questão faz-se nos termos do art.644º, nº 3, do CPC.
Pelo exposto, decide-se não admitir o recurso (como apelação autónoma).” (Fim da citação.)
A decisão do Tribunal recorrido, sujeita a recurso:
“Os réus vieram, no requerimento mencionado em epigrafe, suscitar a nulidade da citação e a consequente nulidade do processado subsequente. Alegam, para o efeito, que não lhes foi dado conhecimento da totalidade dos documentos, designadamente do teor de “folhas dois, três, seis e nove, que se encontram totalmente omissas”.
Convidados a esclarecer a que “folhas omissas” se referem, se i) às folhas 2, 3, 6 e 9 da petição inicial; ii) às folhas 2, 3, 6 e 9 de algum documento; ou iii) a cada um dos documentos nºs 2, 3, 6 e 9, com a expressa advertência de que nada dizendo nos autos, no referido prazo, ser indeferida a sua pretensão, os réus vieram referir que tal omissão respeita às folhas da petição inicial, cfr. Ref. 37669122 de 2024/10/02 e 3750761 de 2024/10/17 do p.e.
Devidamente notificada, a autora nada disse no prazo legal.
Apreciando e decidindo:
Como bem refere Abrantes Geraldes “a par da inserção, em termos objetivos, de determinadas omissões ou atos que interferem na regularidade da citação efetuada, deve colocar-se a exigência legal de que as falhas possam acarretar um prejuízo para a defesa do citado” (in, Temas Judiciários, Volume I, 1998, Almedina, p. 106).
Além disso, como salienta o mesmo autor “considerando a redação da norma (n º 4 do artigo 191º do C.P.C.), não se julga necessário fazer a prova da efetiva existência de prejuízos para a apresentação da defesa, bastando a simples possibilidade de a falha processual poder ter interferência relevante na defesa do citado.
O simples facto de o réu apresentar contestação e, através dela, aparentemente, se defender na plenitude relativamente à pretensão do autor, não obsta a que, apesar disso, possa considerar-se relevante a arguição da nulidade do ato de citação” (in, Temas Judiciários, Vol. I, Almedina, 1998, p. 106/107).
Refere, ainda, Abrantes Geraldes que, “deve notar-se que como princípio geral, aplicável também em matéria de citação, os erros e omissões praticados pela secretaria judicial (e/ou Agente de Execução) não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes, como consta do artigo 157º, n º 6, e que as citações devem ser acompanhadas de todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do litígio” (in, obra citada, p. 109).
Analisado o teor do expediente relativo à citação dos réus constatamos a petição inicial enviada aos réus está completa não tendo “folhas omissas”, cfr. Ref.ª 36678104, 36678113 e 36678117, todas de 2023/12/27 do p.e., pelo que é meramente consequencial concluir pela regularidade da citação dos réus.
Assim sendo, julgando-se não verificada a nulidade de citação, o Tribunal decide indeferir o requerido e consequentemente considerar os réus AA, BB e CC regularmente citados.” (Fim da citação.)
1. No dia 27.02.2024 foi deduzido incidente de nulidade de citação, a que coube a referência CITIUS 3517762 e no qual foi desde logo indicada prova testemunhal.
2. Foi proferida decisão judicial na qual entendeu o douto Tribunal a quo que: “Analisado o teor do expediente relativo à citação dos réus constatamos a petição inicial enviada aos réus está completa não tendo “folhas omissas”, cfr. Ref.ª 36678104, 36678113 e 36678117, todas de 2023/12/27 do p.e., pelo que é meramente consequencial concluir pela regularidade da citação dos réus.” e ainda “Assim sendo, julgando-se não verificada a nulidade de citação, o Tribunal decide indeferir o requerido e consequentemente considerar os réus AA, BB e CC regularmente citados.”
3. Ora, não podem os recorrentes colher tal entendimento,
4. O pressuposto de existência de normalidade, faz pressupor e admitir também, a
existência de uma anormalidade ou de uma putativa situação extraordinária, no sentido de algo que foge à normalidade.
5. Existem as tais situações “anormais”, que podem ter variadíssimas razões, erros
de impressão, falta de tinteiros, erro de comunicação entre equipamento informático e equipamento de impressora, erro de equipamento de impressora ao imprimir ou até o simples cair de uma ou mais folhas aquando do transporte da impressora para um qualquer outro local onde é efectuada a preparação da expedição.
6. Erros estes que na verdade, que todo o despacho decisão ora em crise, até ao momento da decisão, vem reconhecer conforme supra melhor se encontra transcrito, mas porém, vem decidir em sentido diametralmente oposto.
7. E mais, sem se socorrer de qualquer meio de prova, senão o de compulsar eletronicamente, por base a referências CITIUS, ficheiros informáticos, que se encontram completos, contudo, tais ficheiros informáticos não foram remetidos aos recorrentes, mas sim, folhas em papel.
8. Assim e na verdade, a decisão do douto Tribunal comete o erro de errónea subsunção dos factos ao direito (por defeito), o que de per si, sempre determina desde logo a procedência do presente recurso, o que desde já se requer para todos os devidos efeitos legais.
9. Não obstante, todo o supra alegado, demonstra também de forma cabal, que a
decisão não se encontra devidamente fundamentada isto porquanto, vir alegar que o expediente está completo porque os ficheiros informáticos estão completos, não é uma fundamentação, ou a sê-lo, apresenta-se como gravemente insuficiente, cfr. Ac. TR de Guimarães, Proc. 42/14.9TBMDB.G1, o que de per si, sempre determina desde logo a procedência do presente recurso, o que desde já se requer para todos os devidos efeitos legais.
10. Da mesma forma e concebendo sem conceder, o supra alegado, permite ainda
ser subsumido na figura de uma decisão judicial obscura, porquanto é ininteligível como da confirmação da existência de ficheiros informáticos integrais se permite concluir que em papel, existem todas as folhas que existem nos ficheiros informáticos, o que de per si, sempre determina desde logo a procedência do presente recurso, o que desde já se requer para todos os devidos efeitos legais.
11. Por último, existe ainda nova nulidade insanável que conduz à nulidade do acto omitido e de todo o processado subsequente, i e, a omissão de pronúncia quanto à requerida produção de prova testemunhal, ínsita no incidente de nulidade de citação, sobre a qual não se pronúncia o douto Tribunal a quo, cfr. Ac. STJ, Proc. 602/15.0T8AGH.L1-A.S1, o que também por sua vez, determina desde logo a procedência do presente recurso, o que desde já se requer para todos os devidos efeitos legais.
12. Também o indeferimento (ainda que tácito) do meio de prova testemunhal requerido, comporta também em si, uma nulidade que afeta não só o acto, mas como todo o processado subsequente, cfr. Ac. TR de Lisboa, Proc. 906/17.8PTLSB.L1-5.
13. O que de per si, sempre determina desde logo a procedência do presente recurso, o que desde já se requer para todos os devidos efeitos legais, o que implica a nulidade de todo o processado subsequente, em particular, a aplicação aos autos do disposto no artigo 567.º CPC – confissão dos factos por inexistente contestação – o que desde já se requer para todos os devidos efeitos legais.
5. Atente-se que o recurso versa sobre uma invocada nulidade de citação.
6. O que irremediavelmente a ser determinado procedente,
7. Afeta todo o processo ab initio.
8. Vir assim alegar a decisão singular que, como o processo já avançou para a decisão final, o recurso pode ser prematuro porque a posteriori pode verificar-se que nenhuma influencia teve no resultado final, sendo favorável aos recorrentes,
9. É um contrassenso e,
10. É um desvirtuar da própria lei processual,
11. Onde não se pode aplicar a lei processual só porque é mais conveniente ou,
12. Deixar de aplicar a lei, porque o resultado final pode ainda assim, ser conveniente.
13. Não estamos perante uma questão de conveniência,
14. Mas perante uma questão de aplicação de Lei Processual.
15. Termos pelos quais, deverá a lei processual ser aplicada, devendo a decisão singular ser substituída por outra que de facto e de Direito determine a aceitação do recurso interposto...
Os Recorrentes suscitaram a nulidade da sua citação.
O Tribunal recorrido não reconheceu tal nulidade e fez avançar o processo nos termos e para os efeitos previstos no art.567 do CPC.
Os Recorrentes recorreram.
O recurso foi admitido pelo Tribunal recorrido pela alínea h) do art.644, nº 2, do CPC.
Porém, não sendo caso de incidente “processado autonomamente”, o recurso daquela decisão não cabe em qualquer das previsões de apelação autónoma.
O incidente de invocação de nulidade de citação, em processo pendente, não se faz em processo autónomo ou apenso e não tem regras processuais próprias. Processado nos autos, como incidente geral, ele não acarreta qualquer diminuição dos direitos e garantias do interessado.
Por seu lado, o critério legal subjacente à expressão “absolutamente inútil” tem sido entendido como não bastando “que a transferência da impugnação para um momento posterior comporte o risco da inutilização de uma parte do processado, ainda que nesta se inclua a sentença final.”
Ou “a inutilidade…há-de produzir um resultado irreversível quanto ao recurso, retirando-lhe toda a eficácia dentro do processo, não bastando, por isso, uma inutilização de actos processuais para justificar a subida imediata do recurso.” (Ver A. Geraldes, Recursos, 6ª Edição, Almedina, 2010, página 250.)
No caso, o processo já avançou para a decisão final, o que, a deferir-se o pedido do recurso, acarreta sempre inutilização dos atos praticados.
Agora ou mais tarde, o recurso deferido acarreta sempre a repetição de atos processuais.
O recurso também pode ser prematuro porque, a posteriori, pode verificar-se que a questão nenhuma influência teve para o resultado final, que poderá ser favorável aos Recorrentes.
Neste particular, não é de conveniência que se trata, mas de utilidade, o que é próprio do princípio da economia processual.
Em conclusão, a impugnação da decisão em questão não se faz em apelação autónoma, mas faz-se nos termos do art.644º, nº 3, do CPC.
Confirma-se a decisão recorrida, não se admitindo o recurso como apelação autónoma.
Custas pelos Recorrentes.
Coimbra, 2025-05-27
(Vítor Amaral)
(Moreira do Carmo)