EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
SENTENÇA
EMBARGOS
FACTO EXTINTIVO OU MODIFICATIVO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
CAUSA PREJUDICIAL
MOTIVO JUSTIFICADO
DESEQUILÍBRIO DAS PRESTAÇÕES
ABUSO DO DIREITO PELO EXEQUENTE
Sumário

I - Por respeito à força do caso julgado que se formou sobre a sentença exequenda, o facto extintivo ou modificativo da obrigação a que alude a al. g) do artº 729º do CPC tem de ser o objetivamente posterior aquela, e refletir um direito já adquirido, que não apenas possível e incerto, vg., o meramente peticionado em ação.
II - A suspensão da execução por causa prejudicial – artº 272º nº1, 1ª parte do CPC - não é admissível, mantendo-se em vigor a doutrina do Assento de 24/05/60 (BMJ n. 97, de Maio de 1960.
III - A suspensão por outro motivo justificado – 2ª parte do cit. artº - apenas é possível em função de causa ponderosa da qual dimane que a continuação da tramitação possa causar ao executado prejuízo grave e de difícil reparação, e que não seja extrínseco – vg. ação autónoma – mas antes seja intrínseco/inerente ao processo executivo, vg. nulidade de um título executivo, ou um problema com a liquidação da quantia exequenda.
IV- A conclusão pela atuação com abuso de direito, na modalidade do desequilíbrio das prestações, exige a prova de factos que patentemente inculquem não só a má fé do exercente, como um efeito danoso na esfera jurídica global do devedor desmesurado e irreversível, por reporte à vantagem do credor, e, assim, ético juridicamente inadmissível; e não sendo bastante uma simples disparidade de valores entre o benefício do exequente e o prejuízo do executado.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Relator: Carlos Moreria
Adjuntos: Fernando Monteiro
Vítor Amaral

*

ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

AA deduziu oposição, por meio de embargos, à execução que contra si foi movida por Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de BB.

Os embargos foram liminarmente rejeitados nos termos do seguinte despacho:

«A execução para prestação de facto, a que estes embargos estão apensos, tem por título executivo sentença que condenou o Embargante a entregar aos Exequentes, livre de pessoas e bens e em condições de semear e amanhar, sem quaisquer construções, o prédio rústico inscrito sob o art. ...27.º e descrito na CRP ... sob o n.º ...05 da freguesia ..., com área de 589,20m2 e limites e confrontações melhor id. Na fundamentação de facto.

Refere o Embargante que após a prolação dessa decisão (confirmada que foi por Tribunal superior) intentou ação com vista à aquisição, por acessão industrial imobiliária, do prédio em questão, pois só neste momento obteve financiamento para esse efeito; que essa ação implica a desnecessidade /inutilidade da presente execução para prestação de facto; sendo que, o seu prosseguimento representa um elevadíssimo prejuízo para si; pretende prestar caução com vista à suspensão da execução, o que requer, ao abrigo do art. 733.º, al. a) ou subsidiariamente ou paralelamente ao abrigo do art. 269.º, n.º 1, al. c) e 272.º, n.º 1 do CPC.

Como adiantamos no despacho com referência 109500322 de 09 de janeiro, estando em causa a execução de uma sentença, em sede de oposição à execução o Executado apenas pode invocar factos extintivos ou modificativos da obrigação que sejam posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração, atento o princípio da concentração da defesa na contestação – art. 573.º do CPC -, devendo tais factos ser provados através de documento.

Ora, a ação declarativa que o Executado intentou contra os Exequentes não constitui um facto extintivo nem modificativo da obrigação a que foi condenado, visto que, não tendo sido proferida decisão, não se encontra definido qualquer direito do Executado sobre o prédio em causa.

Dito de outra forma: o alegado direito do executado não existe, pois a sua existência está dependente de reconhecimento judicial, por decisão a proferir.

Se, para existir, o direito do executado carece de reconhecimento judicial e, não existe decisão a reconhecê-lo, então inexiste na ordem jurídica qualquer facto apto a extinguir ou modificar a obrigação exequenda.

Por outro lado, a circunstância de a prestação de facto representar, para o Executado, um prejuízo consideravelmente superior ao que seria sofrido pelo exequente com a falta da prestação não constitui, como tem vindo a ser largamente referido pela jurisprudência fundamento de oposição à execução.

No que tange à suspensão da execução, o Tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta (272.º, n.º 1, primeira parte) ou quando ocorrer outro motivo justificado (272.º, n.º 1, segunda parte), a menos que haja fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão (272.º, n.º 2).

No que tange à ocorrência de causa prejudicial deve comprovar-se uma efetiva dependência, de tal modo que a apreciação do litígio esteja efetivamente condcionada pelo que venha a decidir-se na ação prejudicial, a qual constitui pressuposto de uma outra decisão.

Deste modo, o critério aferidor dessa relação ou nexo de dependência reside em vir controvertida na causa prejudicial uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica relevante para a de outro pleito ou destruir o fundamento ou razão de ser da segunda

O outro motivo justificado ocorre quando o Tribunal entenda que há utilidade ou conveniência processual em que a instância se suspenda

Será este preceito aplicável à ação executiva?

“Embora a lei não distinga no artigo 279.º entre a ação declarativa e a ação executiva, e que se trate de uma norma geral sobre a suspensão da instância, a redação da primeira parte do n.º 1 torna inaplicável esse comando à execução propriamente dita. (…)”

Tanto mais que o artigo 733.º prescreve a suspensão potestativa mediante a prestação de caução e legitima que noutros casos seja decretado o mesmo efeito

No vertente caso, o Executado pretende a suspensão, não dos embargos (fase declarativa da execução), mas da própria execução o que, face ao vindo a referir, é inadmissível.

Com os fundamentos de facto e de direito enunciados, indefiro liminarmente os presentes embargos de executado e, assim, serem manifestamente improcedentes – art. 732.º, n.º 1, al. b) e c), ex vi, art. 868.º, n.º 2, do CPC.

Custas a cargo da Embargante.»

2.

Inconformado recorreu o executado/embargante.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1ª. O Tribunal recorrido proferiu despacho sentença que, rejeitou liminarmente os embargos deduzidos por inadmissibilidade legal.

2ª. Para tanto considerou que, não se verificam os pressupostos no artigo 729º do CPC.

Todavia,

3ª. Em tal, entendimento expendido pela Meritíssima Juiz a quo, não atendeu na circunstância de o Executado como reconhecidamente decorre do título aqui, dado à execução ter um direito potestativo de acessão imobiliária sobre a parcela de 112m2 cuja entrega é pedida.

Pelo que,

4ª. O Recorrente deduziu pretensão alicerçada nesse direito potestativo unilateral invocável a todo tempo.

5ª. Verifica-se, a existência de um facto extintivo da pretensão deduzida na presente execução nos termos do artigo 729 alínea g) do CPC.

6ª. Pelo exposto, não se verifica inadmissibilidade legal dos embargos; a verificar-se, tal entendimento a execução da pretensão dos Exequentes configura um claro e inequívoco abuso de direito atenta a desproporcionalidade da pretensão e, estar pedida a aquisição da referida parcela e terreno no âmbito da ação declarativa sob processo nº 9/25...., Juízo local Cível de Pombal, Juiz 1.

7ª. Além da admissão dos embargos atenta a prestação de caução não resultar qualquer prejuízo para a pretensão que pretendem exercer.

8ª. A decisão proferida de, não admissão destes embargos viola as disposições legais previstas nos artigos 1340 do Código Civil e artigos 272º; 729º alínea g) ambos, do Código de Processo Civil;

Termos em que,

Deve, o presente recurso merecer provimento e, o despacho sentença ser revogado e, em consequência serem os embargos admitidos e,  os autos prosseguirem os seus ulteriores termos até, final.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs  635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda  é a seguinte:

Prosseguimento dos embargos por:

a) Se ajustarem à previsão do artº 729~al. g) do CPC;

b) Por quadrarem na previsão do artº 272º nº1 do CPC;

c) Por o prosseguimento da execução constituir abuso de direito.

5.

Apreciando.

5.1.

Clama o recorrente que a sua pretensão de extinção da execução  com fundamento na al. g) do artº 729º do CPC, tem por base o pedido que em ação declarativa  deduziu para a aquisição da parcela de terreno em causa   de 112m2, pois que o mesmo é alicerçado no direito potestativo unilateral de aquisição  por acessão imobiliária industrial, o qual é invocável a todo tempo.

Esta argumentação, meridianamente, não colhe.

Como dimana do segmento normativo em causa, são dois os requisitos da mesma, a  saber:

i) Que o facto extintivo ou modificativo da obrigação seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração;

 ii)  que tal facto se  prove por documento.

Na verdade:

«A exigência de que o facto seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração justifica-se pelo respeito pela força do caso julgado que se formou sobre a sentença exequenda, e decorre do princípio da concentração da defesa na contestação (art. 573º do CPC), ónus que vale para todos os fundamentos da defesa, nomeadamente para as excepções peremptórias» -  Ac. STJ de 31.03.2022, p. 9380/18.0T8LSB-A.L1 .S1, in dgsi.pt., como os infra cits.

Ora pela própria argumentação do recorrente, este primeiro requisito não está presente.

Pois que, desde logo,  dela decorre que já antes da formação do título executivo, ele poderia invocar a aquisição por acessão imobiliária industrial.

Sendo aliás de notar que:

«A superveniência que interessa para efeitos da alínea g) do art. 814.º do CPC é a objectiva, sendo irrelevante a superveniência subjectiva. Na verdade, se o facto extintivo ocorreu antes do encerramento da discussão, mesmo que a embargante dele não tivesse tido conhecimento ou não dispusesse de documento para o provar não pode servir de fundamento de oposição à execução fundada em sentença.» - Ac. do  STJ de 02.12.2008, p. 08A3355.

Ademais, e como bem se refere na decisão, presentemente inexiste qualquer direito conferido ao recorrente, decorrente da mencionada ação declarativa.

Existe apenas um pedido feito na ação no sentido da sua concessão.

Mas, obviamente, é manifesto que esse pedido se apresenta aleatório e incerto, não se sabendo se tal direito vai, ou não, ser concedido.

Pelo que, manifestamente, a sua simples pretensão de querer ver reconhecido tal direito, que  até pode não ser atendida, não tem qualquer força ou relevância para infirmar um título executivo dimanante de uma sentença transitada em julgado.

E, assim,  falece-lhe  jaez e dignidade bastantes para  preencher a previsão do segmento normativo invocado.

5.2.

Quanto aos restantes fundamentos, eles, no rigor dos princípios, não poderiam ser apreciados.

Isto porque apenas foram invocados no seguimento do despacho de 09 de janeiro.

Mas este despacho apenas notificou o embargante para se pronunciar quanto ao indeferimento dos embargos em função do fundamento único invocado no requerimento inicial e que apenas foi o da al. g) do artº 729º.

Pelo que, atento o princípio da concentração dos fundamentos da ação e da defesa apenas, por via de regra – de que o caso não constitui exceção – na petição inicial e na contestação, vedado estava ao ora recorrente vir invocar, na resposta ao despacho aludido, novas formas de defesa.

Porém, e como na sentença os mesmos são abordados, sempre se dirá o seguinte.

5.2.1.

Quanto ao artº 272º  do CPC.

Estatui este preceito no que ora interessa:

«Suspensão por determinação do juiz ou por acordo das partes

1 - O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.

2 - Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.»

No atinente à suspensão por causa prejudicial urge ter presente que a relação de dependência entre uma ação e outra já proposta assenta no facto de, na segunda ação, se discutir em via principal uma questão que é essencial para a decisão da primeira.

Vemos assim, conforme dimana do  nº 2,   que quanto à suspensão por virtude de causa prejudicial, a lei, mesmo nas ações declarativas, impõe limites substantivos – 1ª parte -  e temporais -2ª parte.

Se assim é nestas ações, como bem se refere na sentença, nas ações executivas,  e por maioria de razão – argumento a fortiori -  a conclusão a retirar é que a sua  suspensão não pode ser declarada, máxime quando o titulo executivo nelas apresentado é uma sentença transitada em julgado.

Isto porque naquele processo não há que proferir decisão sobre o mérito da causa, antes ele se alicerça em título executivo que comprova e define o direito exequendo em termos tendencialmente definitivos, máxime, reitera-se, se foi apreciado, concedido e declarado por sentença.

Efetivamente:

« Não é aplicável à ação executiva a suspensão da instância por existência de causa prejudicial nos termos do art.º 272º-n.º1, 1ª parte, do CPC, por não ser uma causa a decidir mas antes um direito já efetivamente declarado; mantendo-se em vigor a doutrina do Assento de 24/05/60 (publicado no Boletim do Ministério da Justiça n. 97, de Maio de 1960, a págs. 173 e ss.).» -  Ac. do TRG de 25.02.2021, p. 4079/17.8T8VNF-A.G1. No mesmo sentido, vide, entre muitos, o  Ac. do STJ de 31.05.2007, p. 07B864;  o Ac. do TRG de 10.07.2018, p. 4698/17.2T8VNF-B.G1; e  o Ac. do TRC de 09.04.2024, p. 1185/23.3T8ANS-A.C1, de que este relator também o foi.

Mas a suspensão por outro motivo justificado já é possível – cfr.  vg, estes dois últimos Acordãos.

Obviamente, dado o cariz reparador, último e tendencialmente definitivo, do processo executivo, não é qualquer motivo que justifica a sua suspensão.

 Mas antes e apenas um motivo ponderoso em função do qual se conclua ou vislumbre suficientemente que os direitos e interesses do executado possam ser injustamente afetados, e afetados de uma forma definitiva ou dificilmente reversível e reparável.

E mais ainda.

«Na verdade, o motivo justificado, suscetível de determinar a suspensão de uma execução, é apenas o que é inerente ao próprio processo executivo, e não abrangendo motivo externo como seja a pendência de uma causa. – cfr.  inter alia, Ac. RC. 19.05.2020, p. 1075/09.2TBCTB-E.C1.» - Ac. TRC de 09.04.2024, sup. cit.

(sublinhado nosso)

Pois que se assim não fosse, e atribuindo-se tal jaez a uma outra causa autónoma, estar-se-ia na mesma a funcionar, no fundo, como uma verdadeira causa prejudicial, o que a lei não permite – cfr. Acs. do TRG de 17.02.2022, p. 391/17.4T8VCT-D.G1 e de 02.04.2025, p. 4403/24.7T8GMR-A.G1.

Assumem tal inerência à execução, v.g., a arguição de nulidade de um título executivo, um problema que surja em matéria de liquidação da quantia exequenda ou mesmo a pendência de uma ação de simulação do título executivo – Ac. do STJ de 16/04/2009, apud Ac. TRG de 02.04.2025, cit.

Ora  estes dois requisitos não se encontram presentes in casu.

Aquele porque não dimana dos autos que a continuação da execução possa constituir prejuízo irreparável ou de difícil reparação.

Estamos no domínio do dano meramente patrimonial  no âmbito do qual a reparação/indemnização por sucedâneo pecuniário se apresenta, por via de regra – de que o presente caso não apresenta elementos que o coloquem no rol da exceção –possível.

Este porque a ação declarativa invocada pelo recorrente, na qual impetra o direito ao terreno por acessão imobiliária industrial, não é inerente à execução antes a ela sendo totalmente externa/extrínseca.

5.2.2.

Do abuso de direito.

Estatui o artº 334º do CC:

Abuso do direito

«É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.»

A figura do abuso de direito é uma válvula de escape do sistema jurídico que tem por fito obstar a soluções, que, se  apenas oriundas da estrita perspetivação das normas legais, se assumiriam de tal modo injustas que atingiriam o patamar da iniquidade e imoralidade.

Na verdade:

«I - O abuso do direito, consagrado no art. 334.º do Código Civil, corresponde, sobretudo, a uma manifestação concreta do princípio da boa fé.

 II - O comportamento, manifestamente atentatório da boa fé, deve ser repudiado pela ordem jurídica, qualificando como ilegítimo o exercício do direito baseado nesse comportamento e obstando à concretização da respetiva pretensão jurídica».- Ac. do STJ de 28-09-2017,  proc. n.º 97/14.6T8ACB-A.C1.S1.

Destarte, não é qualquer solução legal, se admissívelmente alicerçada e escorada numa possível interpretação e aplicação de uma norma jurídica, mesmo que possa ser suscetível de não consecutir com o rigor ou amplitude exigíveis a justiça do caso,  que permite ou clama o chamamento da figura/instituto do abuso de direito.

Assim, a conduta que tem virtualidade de consubstanciar este abuso não pode ser uma qualquer, injusta, desadequada ou desproporcionada até.

 Antes se tendo de assumir como manifestamente ou clamorosamente contrária a certas normas ou princípios jurídicos, como a boa fé,  intoleravelmente inquinadora dos bons costumes, ou inadmissivelmente desproporcionada atento o fim social ou económico do direito em dilucidação.

O abuso de direito assume diversas modalidades.

As mais relevantes, são: o venire contra factum propium,  proprium, a exceptio doli, as inalegabilidades formais, a supressio e a surrectio, o tu quoque e o desequilíbrio no exercício de posições jurídicas.

O desequilíbrio reporta-se  ao exercício de um direito que devido a circunstâncias extraordinárias dá origem a resultados totalmente estranhos ao que é admissível pelo sistema, quer por contrariar a confiança ou aquilo que o outro podia razoavelmente esperar, quer por dar origem a uma desproporção manifesta e objetiva entre os benefícios recolhidos pelo titular ao exercer o direito e os sacrifícios impostos à outra parte resultantes desse exercício (aqui se incluem o exercício danoso inútil, a exigência injustificada de coisa que de imediato se tem de restituir e o puro desequilíbrio objetivo).

No caso sub judice.

O recorrente escora a sua pretensão nesta modalidade do desequilíbrio.

Pois que alega:

«…a desproporcionalidade dos custos necessários à demolição parcial – com a garantia de estabilização edificativa do armazém serem em muito superiores ao valor da parcela de terreno rústica a entregar aos Exequentes para exploração agrícola. Verifica-se…o evidente o desequilíbrio do sacrifício que, os Exequentes pretendem impôr com a execução da sentença proferida quando, existe o contra-direito do Recorrente em requerer o pagamento da parcela ocupada de boa-fé durante a construção do armazém.»

Esta tese não colhe.

Há que reter que com os embargos o recorrente não pretende a mera suspensão da execução, mas antes a sua extinção.

Destarte, para que este efeito, extremo e definitivo, fosse concedido com base no abuso de direito desta modalidade do desequilíbrio, mister se impunha que estivessem assentes factos concretos dos quais se pudesse retirar que  os exequentes estão a agir com má fé.

 E, bem assim, se provasse que  da tramitação final da execução  e dos concretos e objetivos efeitos materiais dela dimanantes, resultassem prejuízos patrimoniais para ele que, comparados com os benefícios que a exequente obtivesse, seriam, de modo irreversível,  intoleravelmente desproporcionados e, ademais, negativamente afetantes da sua esfera jurídico-patrimonial global em termos e grau tais que, ético juridicamente, se revelariam iníquos e, assim, inadmissíveis, por abusivos.

Ora estes requisitos não se encontram presentes.

O recorrente alega valores substancialmente díspares do armazém por ele erigido e da parcela de terreno da exequente por ele ocupada.

Mas alegação não corresponde a prova.

E mesmo que tais valores se provassem, não estão alegados factos- vg. com indicação de valores concretos -  dos quais se pudesse concluir que o recorrente ficasse irremediável e intoleravelmente afetado/prejudicado no seu status económico financeiro global.

Nem estão alegados e provados factos dos quais dimanasse que a exequente instaurou a execução de má fé, ou seja,  com o intuito fulcral de causar-lhe aquele prejuízo eticamente inadmissível.

A exequente está a exercer/executar um direito, ademais declarado e concedido por sentença, pelo que o seu tolhimento pelo abuso de direito apenas poderia ser concedido nestes rigorosos e restritos termos, os quais, como se vê, não estão presentes.

Improcede o recurso.

6.

Deliberação.

Termos em que se acorda julgar o recurso improcedente e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pelo recorrente.

Coimbra, 2025.05.27.