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EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
CESSAÇÃO
NOTIFICAÇÃO AO MANDATÁRIO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
NULIDADE DE SENTENÇA
Sumário
(da relatora) – artigo 663.º, n.º 7, do CPC[1] 1. Não dispondo o CIRE de qualquer preceito referente ao modo pelo qual deverão as notificações ser efectuadas no âmbito do incidente de exoneração do passivo restante, impõe-se recorrer ao previsto no CPC, designadamente no seu artigo 247.º, n.º 1, devendo aquelas ocorrer na pessoa do mandatário do devedor. 2. A notificação do despacho pelo qual se adverte o devedor que o não fornecimento de informações poderá acarretar recusa da exoneração do passivo restante nos termos do n.º 3 do artigo 243.º do CIRE tem que ser notificado à mandatária do devedor, sob pena de estarmos em face de uma irregularidade que influi no exame ou desfecho da causa, nessa medida configurando nulidade – artigo 195.º, n.º 1, parte final, do CPC. 3. Sendo tal mandatária quem se mostra apta a melhor defender os interesses do devedor, a omissão da sua notificação para os devidos efeitos acarreta violação do princípio do contraditório – artigo 3.º, n.º 3 do CPC. 4. E, ao assim ter sucedido, resultando a referida omissão dos autos e tendo o tribunal considerado o devedor notificado para os termos daquele despacho e, em consequência, declarado a cessação antecipada do incidente de exoneração do passivo restante, a referida nulidade reflecte-se na própria decisão, a qual a acobertou, passando ela própria a estar viciada, nessa medida se impondo a sua anulação. _______________________________________________________ [1] Por opção da relatora, o presente acórdão não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem.
Texto Integral
Acordam as juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa.
I - RELATÓRIO
AC apresentou-se à insolvência, a qual foi declarada por sentença proferida em 27/10/2021, já transitada em julgado.
Simultaneamente, deduziu pedido de exoneração do passivo restante.
Com a petição inicial foi junta procuração forense pelo mesmo outorgada a favor da Sra. Advogada Dra. HS.
Em 14/12/2021, pelo Sr. Administrador da Insolvência (AI) foi apresentado o relatório a que alude o artigo 155.º do CIRE[2].
Por sentença proferida em 21/01/2022, já transitada em julgado, foram julgados verificados e graduados os créditos reclamados e reconhecidos pelo AI, os quais ascendem ao montante global de 91.679,69€ (cfr. apenso A).
Sobre o pedido de exoneração do passivo restante recaiu despacho liminar de admissão, proferido em 17/03/2022, no qual se decidiu: “(…) Pelo exposto: III.5.a // Admito liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante; // Durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, determino a cessão do rendimento que exceda: - 1,5 retribuição mínima garantida; // Nomeio Fiduciário o Administrador da Insolvência. III.5.b // Durante o período da cessão, o Devedor fica obrigado: // - A não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado; // - A exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo justificado, e a procurar diligentemente tal profissão se ficar desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto; // - Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objeto de cessão; // - Informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respetiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego, caso, entretanto, fique desempregado; // - Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores. // Durante o período de cessão, o Devedor deve enviar ao Sr. Fiduciário, conforme o caso, recibos de vencimento / pensão / subsídio / retribuições, declarações de IRS, comprovativos de liquidação, comprovativo de inscrição no Centro de Emprego. (…)”
Simultaneamente foi o processo encerrado nos termos do disposto na al. e) do artigo 230.º e declarado o carácter fortuito da insolvência.
Deste despacho foi notificado o insolvente, na pessoa da sua mandatária, nada tendo sido requerido.
Em 28/06/2023, requereu o Sr. Fiduciário: “Vem requerer a V/ Exa o prazo excecional de 5 dias para a junção aos autos do relatório anual – Art.º 240º, nº 2 do CIRE, visto o signatário ainda não ser detentor de todos os dados necessários para a elaboração do mesmo, tendo já solicitado os mesmos aos insolventes aguardando a remessa deste.”
Com o requerimento juntou mensagem electrónica enviada nesse dia à mandatária do insolvente, pela qual solicitava a junção de documentos[3].
E, em 10/07/2023, informou: “(…) Até à presente data o Insolvente não diligenciou pela entrega de qualquer documento que permita ao fiduciário elaborar mesmo que de forma sucinta qualquer relatório nos Termos do Art.º 240, nº 2 do Cire // Pelo que vem o fiduciário solicitar que o douto tribunal determine o que tiver por conveniente quanto ao incumprimento do Insolvente”.
Este segundo requerimento foi notificado à mandatária do insolvente.
Em 26/10/2023, o tribunal a quo, para além do mais, determinou: “Relatou o(a) Sr.(a) Fiduciário(a) o incumprimento pelo(a) Devedor(a) da obrigação de informação – artigo 239.º/4, al. a), do CIRE. // Notifique aos Credores, com cópia do relato.”
Deste despacho foi também notificada a mandatária do insolvente.
Em 19/12/2023, pronunciaram-se os seguintes credores:
- Oney Bank – Sucursal em Portugal: “(…) requerer a V. Exa. se digne a ordenar a notificação do Insolvente AC, quer na sua pessoa, quer na pessoa da sua M.I. Mandatária, para, no prazo máximo de 10 (dez) dias, vir juntar aos autos os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, ou da sua ausência, no decorrer do 1.º ano do período de cessão, com a cominação de que a sua inatividade será equacionada à luz da cessação antecipada do instituto de exoneração do passivo restante, nos termos e para oe efeitos do disposto no artigo 243.º, n.º 1, alínea a) do CIRE.”; e
- SD Debt Portfólios 2, SA: “vem na sequência do requerimento apresentado pela credora Oney Bank - Sucursal Em Portugal, datado de 19.12.2023 informar que adere ao teor do mesmo.”
Em ambos os requerimentos foi dado cumprimento ao disposto no artigo 221.º do CPC, nessa medida tendo sido notificada a mandatária do insolvente.
Por despacho de 26/02/2024, o tribunal a quo determinou: “19-12-2023 // 19-12-2023 // Notifique o Devedor, na sua pessoa, por carta registada. // Junte cópia do último relatório do(a) Sr.(a) Fiduciário(a), 10-07-2023. Advirto: // “(…) a exoneração é sempre recusada se o devedor, sem motivo razoável, não fornecer (…) informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações, (…)” – art.º 243.º/3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).”
Com relação a este despacho, não foi expedida notificação à mandatária do devedor, mas apenas a este último.
Em 20/05/2024, o tribunal a quo proferiu despacho final a declarar a cessação antecipada do incidente de exoneração do passivo restante, no mesmo se podendo ler: “Cessação antecipada do incidente de exoneração do passivo restante, com fundamento no incumprimento do dever de informação, cfr. artigos 243.º, n.º 1, al. a), e 239.º, n.º 4, al. a), do CIRE (…) // No caso em apreço, o Devedor foi notificado, quer pelo(a) Sr.(a) Fiduciário(a), quer pelo Tribunal, para informar dos seus rendimentos. // Não sobreveio resposta. // Tal omissão consubstancia incumprimento do dever de informação previsto no artigo 239.º/4, al. a). // “(…) neste caso, não se exige que a omissão de prestação de informações determine prejuízo para a satisfação dos direitos dos credores, constituindo a recusa de exoneração uma sanção para o devedor inadimplente (…). // Como tal, ainda que efectivamente não apurado aquele prejuízo, uma vez que teve lugar a violação da referida obrigação de informação nos termos sobreditos, há que, ao abrigo do disposto naquela segunda parte do nº3 do artigo 243º do CIRE, recusar a exoneração do passivo restante. (…)”. // Reunidos os pressupostos da cessação antecipada do incidente, cfr. artigos 243.º, n.º 1, al. a), e 239.º, n.º 4, als. a), impõe-se a recusa antecipada da exoneração. // IV. Decisão final // Pelo exposto, com fundamento no incumprimento do dever de informação, defiro a cessação antecipada do incidente de exoneração do passivo do Devedor, e, em consequência, recuso a exoneração. (…)”.
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Inconformado com este despacho, dele interpôs RECURSO o insolvente, tendo formulado as CONCLUSÕES que aqui se transcrevem: “a) No dia 19 de Dezembro de 2023, a credora ONEY BANK – SUCURSAL EM PORTUGAL, requerer (…); b) Na mesma data a credora SD Debt Portfólios 2, S.A., veio aos autos informar que aderia ao requerimento apresentado pela credora Oney Bank - Sucursal Em Portugal, datado de 19.12.2023; c) Na sequência de tais requerimentos, em 26 de Fevereiro de 2024, foi proferido Despacho com o seguinte teor: (…) d) O ora Recorrente não foi notificado de tal Despacho e nem o foi pessoalmente nem na pessoa da sua mandatária; sendo certo que tendo mandatária constituída nos autos não se alcança o fundamento legal para que a mesma não tenha sido notificada do Despacho de 26 de Fevereiro de 2024, cujas consequências gravosas só a mesma estava em condições de saber e não o Insolvente (ainda que tivesse sido notificado); e) O Insolvente/Recorrente também não foi notificado pelo Sr. Fiduciário, conforme consta da sentença recorrida; f) Pelo que, sem que o ora Recorrente tenha sido notificado quer na sua pessoa quer na pessoa da sua mandatária, é a sua mandatária surpreendida pela notificação datada de 4 de Julho de 2024 com a decisão recorrida da cessação antecipada do incidente de exoneração do passivo restante, com fundamento no incumprimento do dever de informação, cfr. artigos 243.º, n.º 1, al. a), e 239.º, n.º 4, al. a), do CIRE; g) Ou seja, pela notificação de 4 de Julho é a mandatária do insolvente notificada da sentença proferida no dia 20 de Maio, alegadamente como consequência de não se ter dado cumprimento ao Despacho de 26 de Fevereiro, do qual não foi notificada! h) Acerca da cessação antecipada da exoneração do passivo restante, dispõe o nº 1 do Artigo 243º do CIRE (…) i) Ora a decisão recorrida foi proferida na sequência do requerimento de 19/12/2023, da credora ONEY BANK – SUCURSAL EM PORTUGAL, cujo conteúdo acima se transcreveu e no qual não consta qualquer pedido de cessação antecipada do incidente de exoneração do passivo restante; j) Como se constata, o que esta credora requereu foi que o Tribunal a quo ordenasse a notificação do Insolvente AC, quer na sua pessoa, quer na pessoa da sua M.I. Mandatária, para, no prazo máximo de 10 (dez) dias, vir juntar aos autos os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, ou da sua ausência, no decorrer do 1.º ano do período de cessão; k) Mais requereu que tal notificação, para junção aos autos documentos, fosse acompanhada da cominação de que a sua inatividade será equacionada à luz da cessação antecipada do instituto de exoneração do passivo restante, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 243.º, n.º 1, alínea a) do CIRE; l) Ou seja, não foi requerida a cessação antecipada da exoneração do passivo restante; m) Não se pode confundir o requerimento para se notificar o Insolvente para juntar documentos aos autos, n) Com o requerimento da cessação antecipada da exoneração do passivo restante, o) Este último não existiu, p) Muito menos fundamentado como a Lei expressamente impõe! q) Nos termos do n.º 1 do artigo 243.º do CIRE a cessação antecipada do procedimento de exoneração envolve a recusa da exoneração pelo juiz, a qual deve ser pedida mediante requerimento apresentado por quem tenha legitimidade, dentro de certo prazo. Para este efeito têm legitimidade, segundo esta mesma disposição legal, qualquer credor, o administrador da insolvência, se ainda estiver em funções e o fiduciário, caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor e exige ainda a lei que o requerimento seja fundamentado, o que significa que o requerente deve invocar e provar as causas justificativas da cessação antecipada do procedimento; r) Nem o Fiduciário, nem nenhum dos credores requereu a cessação antecipada da exoneração; s) O Tribunal a quo não tinha, assim, legitimidade para iniciar o processo de cessação antecipada da exoneração, porque não o pode fazer oficiosamente, como decorre da leitura do artigo 243.º, n.º 1, do CIRE; t) Pelo que a decisão recorrida terá de ser revogada, porque ilegal; u) Por outro lado, o Insolvente não foi notificado pessoalmente do despacho de 26/02/2024, nem o mesmo foi notificado à sua mandatária; v) A audição do Insolvente devia ter sido feita, em cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 243.º do CIRE; o que não sucedeu; w) Nos termos da primeira parte do n.º 3 do artigo 243.º do ClRE, impõe-se ao juiz o dever de ouvir o devedor quando o requerimento se baseie nas alíneas a) e b) do n.º 1 (no caso baseou-se na alínea a); x) E a segunda parte da mesma norma prevê que o juiz possa recusar a exoneração se o devedor, sem motivo razoável, não fornecer no prazo que lhe seja fixado informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações, ou se, devidamente convocado, faltar injustificadamente à audiência em que devia prestá-las; y) Ora, o despacho para além de não ter sido notificado ao devedor não fixava nenhum prazo para o mesmo fazer a entrega de documentos, nem sequer concretizava que documentos deveriam ser entregues; z) Acresce que o Insolvente não tinha, nem tem, quaisquer valores a entregar, pelo que, nenhum prejuízo pode ter causado aos credores; Mais, aa) A verificação da violação da condição prevista no artigo 239.º, n.º 4, als. a) e c), do CIRE, só por si, não conduz ao preenchimento do requisito constante do n.º 1, al. a), do artigo 243.º do CIRE, pois é exigido que o devedor tenha actuado com dolo ou negligência grave e, por esse facto, tenha prejudicado a satisfação dos créditos sobre a insolvência; bb) A decisão recorrida fundamenta a decisão da cessação antecipada da exoneração na violação pela devedora do estipulado do disposto no artigo 243.º, n.º 1, alínea a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas; cc) Porém o Recorrente não violou nenhum dos deveres previstos pelo nº 4 do Artigo 239º do CIRE; dd) Mas ainda que se considere que existiu violação, pelo insolvente, do dever de informação, para que esta violação conduza ao preenchimento da situação prevista no artigo 243.º, n.º 1, alínea a), do CIRE, torna-se imprescindível que essa infracção tenha sido cometida com dolo ou grave negligência e que esse facto tenha prejudicado a satisfação dos créditos sobre a insolvência; ee) Não se mostra demonstrado na decisão recorrida que o comportamento do insolvente, Recorrente, tenha sido voluntariamente encetado, no sentido de ter querido violar as imposições que lhe foram impostas e, consequentemente, violar a norma legal; e também não se mostra demonstrado que o insolvente o tenha feito, voluntária e conscientemente com a intenção de prejudicar os credores e que efectivamente os tenha prejudicado; ff) Na verdade, na decisão recorrida, nenhuma alusão se faz ao prejuízo que teria resultado para os créditos da insolvência em virtude do alegado incumprimento; gg) Ainda que tivesse havido algum incumprimento por parte do Insolvente, não se prova nem demonstra nos autos que do mesmo tenha resultado prejuízo para os créditos sobre a insolvência, não podendo, assim, ser declarada a cessação antecipada do procedimento de exoneração, como se fez na decisão recorrida; hh) Acresce que a decisão recorrida decretou a cessação antecipada do procedimento de exoneração sem tal lhe haver sido requerido pelo fiduciário ou por qualquer credor; ii) Impulsionando ex officio um procedimento que a lei coloca na disponibilidade dos credores, do administrador da insolvência ou do fiduciário, o Tribunal a quo violou o princípio da disponibilidade da tutela jurisdicional especialmente prevista no n.º 1 do artigo 243.º do CIRE, o que significa que, também por esta razão, a decisão recorrida, deve ser revogada; jj) A cessação antecipada da exoneração do passivo restante tem de ser requerida e devidamente fundamentada por um dos interessados (cf. o corpo do n.º 1 do artigo 243.º do CIRE); e o Tribunal tem de ouvir, além dos demais interessados, o próprio devedor, de modo a poder formular um juízo valorativo sobre o respetivo comportamento (cf. A primeira parte do n.º 2 do mesmo preceito); ora no caso sub judice nada disso sucedeu. Nestes termos, Nos melhores de Direito e sempre com o Mui Douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente, com todas as devidas e legais consequências, nomeadamente ser substituída a decisão recorrida por outra que mantenha o incidente de exoneração do passivo restante, com o que farão, V. Exas., Venerandos (as) Desembargadores (as), a já costumada JUSTIÇA.”
Não consta que tenham sido apresentadas Contra-alegações/Resposta.
O recurso foi admitido por despacho proferido em 24/02/2025, tendo sido remetido a esta Relação em 29/04/2025.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II – DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, ressalvadas as questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, sem prejuízo de o tribunal ad quem não estar limitado pela iniciativa das partes- artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2, 635.º e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC.
Assim, as questões a apreciar são:
a) Se o devedor foi notificado do despacho de 24/02/2024;
b) Se a respectiva mandatária teria que ter sido notificada do mesmo despacho e, na afirmativa, quais as consequências jurídicas para o não ter sido;
c) Verificação dos pressupostos do artigo 243º para que haja lugar à cessação antecipada do incidente de exoneração do passivo restante.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Atentos os elementos que constam dos autos, as incidências fáctico-processuais relevantes são as constantes do relatório que antecede, cujo teor, por brevidade, se dá aqui por reproduzido.
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Como refere Catarina Serra[4], o instituto da exoneração do passivo restante consiste “na afectação, durante certo período após a conclusão do processo de insolvência, dos rendimentos do devedor à satisfação dos créditos remanescentes, produzindo-se, no final, a extinção daqueles que não tenha sido possível cumprir, por essa via, durante esse período.”
Durante tal período fica o devedor obrigado a cumprir com as obrigações que lhe forem impostas, sob pena de, não o fazendo, poder ter lugar a cessação antecipada ou a recusa da exoneração (podendo ainda ter lugar a sua revogação) – artigos 243.º a 246.º.
Caso cumpra com o estipulado, não sendo a sua conduta passível de censura ao longo de todo esse período, fica, então, liberto do remanescente do seu passivo, sem excepção dos créditos que não tenham sido reclamados e verificados (passivo que não tenha sido liquidado no âmbito do processo insolvencial, nem durante o período de cessão subsequente – artigo 235.º -, ressalvadas as situações a que alude o artigo 245.º). Se, pelo contrário, a exoneração for recusada, manter-se-ão na esfera jurídica do devedor e a seu cargo os créditos não satisfeitos pelas forças da massa insolvente.[5]
Entre as obrigações que o devedor terá de cumprir encontra-se a de informar sobre os rendimentos auferidos (na forma e no prazo em isso que lhe seja solicitado) e a de ceder os rendimentos disponíveis, os quais serão afectados aos fins previstos no artigo 241.º e determinados por contraposição com os rendimentos necessários a uma subsistência humana e socialmente condigna e que cabe ao juiz quantificar e fixar (o chamado rendimento indisponível).
Com efeito, prescreve o artigo 239º: “1 – Não havendo motivo para indeferimento liminar, é proferido o despacho inicial, na assembleia de apreciação do relatório, ou nos 10 dias subsequentes a esta ou ao decurso dos prazos previstos no n.º 4 do artigo 236.º. 2 - O despacho inicial determina que, durante os três anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado período de cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, neste capítulo designada fiduciário, escolhida pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores de insolvência, nos termos e para os efeitos do artigo seguinte. 3 - Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão: a) dos créditos a que se refere o art.º 115º cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz; b) do que seja razoavelmente necessário para: (i) o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional; (ii) o exercício pelo devedor da sua actividade profissional; (iii) outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor. 4 - Durante o período da cessão, o devedor fica ainda obrigado a: a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado; b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto; c) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão; d) Informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respectiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego; e) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores. (…)”.
Se é certo que à data da prolação do despacho liminar o período de cessão era de 5 anos, com a entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 9/2022, de 11/01, ou seja, a partir de 11/04/2022, o mesmo foi reduzido para 3 anos, sendo este o aplicável no caso[6] – cfr. artigos 10.º e 12.º da referida Lei.
E, uma vez findo o período de cessão, o juiz poderá prorrogar tal período, conceder a exoneração ou recusá-la – cfr. artigo 244.º.
Do regime legal referente a este incidente resulta, assim, que a sua tramitação comporta dois momentos decisivos – o despacho inicial - no qual se aprecia da existência de fundamento para o indeferimento imediato da pretensão do devedor ou se, pelo contrário, o incidente pode prosseguir (iniciando-se, então, o período de cessão) - e o despacho de exoneração final - exoneração definitiva do passivo restante (das eventuais dívidas que ainda existam), caso o devedor tenha cumprido as condições que lhe tenham sido impostas durante o período de cessão.
Porém, o artigo 243.º prevê a hipótese de ocorrer cessação antecipada do procedimento de exoneração, estipulando na al. a) do seu n.º 1 a circunstância de ter o devedor “dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239.º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência”, mais acrescentando no seu n.º 3 que “Quando o requerimento se baseie nas alíneas a) e b) do n.º 1, o juiz deve ouvir o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência antes de decidir a questão; a exoneração é sempre recusada se o devedor, sem motivo razoável, não fornecer no prazo que lhe seja fixado informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações, (…)”.
Feita esta nota introdutória, cumpre conhecer das questões anteriormente elencadas.
Das invocadas omissões de notificação do despacho de 24/02/2024
Como resulta da decisão recorrida, a Mma. Juíza a quo recusou a exoneração com fundamento no incumprimento do dever de informação previsto na al. a) do n.º 4 do artigo 239.º, para tanto tendo realçado: “o Devedor foi notificado, quer pelo(a) Sr.(a) Fiduciário(a), quer pelo Tribunal, para informar dos seus rendimentos. Não sobreveio resposta.”
Compulsados os autos, constata-se que nenhuma informação pelo devedor foi prestada ao processo, sendo que desse dever havia o mesmo sido advertido aquando da sua notificação do despacho liminar proferido em 17/03/2022, o que foi reiterado aquando da mensagem electrónica enviada pelo Sr. Fiduciário em 28/06/2023 (notificações efectuadas na pessoa da sua mandatária).
Alega agora o recorrente não ter sido notificado do teor do despacho proferido em 26/02/2024 (com relação ao qual foi ordenada a sua notificação pessoal).
Porém, para além de a notificação ter sido dirigida para a morada do insolvente (constante dos autos), consta da cota lavrada no processo em 16/05/2024, que a carta expedida foi recepcionada em 17/04/2024 por “VC” (que, em face da procuração junta aos autos com a petição inicial, se presume ser a pessoa com quem está casado).
Logo, tendo a notificação sido recebida, e nada constando em sentido contrário, considera-se o mesmo notificado do referido despacho (presunção não ilidida)[7].
Sucede que, como resulta dos autos, a mandatária do devedor não foi notificada do despacho de 24/04/2024, pelo que importa ajuizar se o deveria ter sido.
Não dispondo o CIRE de qualquer preceito referente ao modo pelo qual deverão as notificações ser efectuadas no âmbito do incidente de exoneração do passivo restante, impõe-se recorrer ao previsto no CPC.
Ora, nos termos prescritos pelo artigo 247.º, n.º 1, deste código, as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais, não obstante também a parte o tenha que ser quando se trate do chamamento para a prática de um acto pessoal (n.º 2 do mesmo preceito).
Estando o recorrente devidamente patrocinado, por mandatária constituída desde que se apresentou à insolvência (e na pessoa da qual, até então, sempre foram efectuadas as notificações ao mesmo dirigidas), carece de fundamento não ter a mesma sido notificada para os efeitos previstos no despacho de 26/02/2024.
E a que assim se conclua não obsta o facto de, no referido despacho, se ter expressamente determinado a notificação pessoal do insolvente, porquanto tal determinação não dispensa a notificação que à mandatária deveria também ter sido endereçada.
Assim não tendo sucedido, ter-se-á de concluir que foi omitido um acto legalmente prescrito, omissão essa que poderá integrar nulidade processual nos termos previstos no n.º 1 do artigo 195.º do CPC. As nulidades processuais verificam-se quando ocorre desvio entre o formalismo legalmente previsto e aquele que foi adoptado no processo.
Resulta deste n.º 1, no que aqui interessa, que a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva produzirá nulidade se a irregularidade cometida puder influir no exame ou na decisão da causa.
Tal regime importa, no entanto, que o vício seja invocado pelo interessado na observância da formalidade ou na repetição (ou eliminação) do acto – artigos 196.º, 2.ª parte, e 197.º, n.º 1, do CPC -, sendo que, nesta matéria, deverá igualmente proceder-se a uma análise casuística (tendo subjacente as circunstâncias que do caso concreto).
Reportando ao caso, tendo o despacho recorrido declarado a cessação antecipada do incidente de exoneração do passivo restante com fundamento na não prestação de informações pelo devedor (o qual teve por pressuposto o despacho de 26/02/2024, no qual se advertia o insolvente para tal desfecho), dúvidas inexistem de ser o mesmo prejudicial para o recorrente.
Reitera-se que a notificação efectuada na pessoa do insolvente não dispensava a notificação da sua mandatária, porquanto será esta última quem se encontra incumbida de assegurar a defesa dos interesses daquele e quem está em melhores condições para o fazer (desde logo ajuizando das consequências que para o devedor poderão advir na sequência do não cumprimento do ordenado em 26/02/2024).
Conclui-se, assim, que a irregularidade cometida é susceptível de influir na decisão da causa, nessa medida acarretando nulidade nos termos previstos pela parte final do n.º 1 do citado artigo 195.º.
Mas poderá tal nulidade ser agora conhecida, em sede de recurso?[8]
Para que juiz conheça de qualquer nulidade processual, tem a mesma que ser arguida nos moldes previstos no artigo 199.º, n.º 1, do CPC – se, no momento em que a falta é cometida, a parte estiver presente (por si ou por mandatário), a arguição será feita enquanto o acto não terminar (1.ª parte); se não estiver presente, o prazo de arguição (10 dias – artigo 149.º, n.º 1, do mesmo diploma) conta-se a partir do momento em que, depois de cometida a irregularidade, a parte intervier no processo ou em que for notificada para qualquer efeito posterior, desde que, no último caso, possa presumir-se que tomou conhecimento do vício ou podia ter tomado, se agisse com diligência (2.ª parte)[9].
Ou seja, a nulidade tem que ser reclamada junto da 1.ª instância e apenas do despacho que dela conhecer poderá ser interposto recurso[10] (dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se).
Assim não sucedeu.
No entanto, importa atender às concretas circunstâncias do caso.
Desde logo importa realçar que, no despacho proferido em 24/02/2024, apenas se determinou a notificação pessoal do devedor e já não da sua mandatária (que deveria igualmente ter sido notificada), a qual apenas tomou conhecimento dessa omissão quando veio a ser notificada do teor do despacho recorrido - notificação certificada datada de 04/07/2024 (5.ª feira), pelo que a mesma se considera efectuada no dia 09 (Ref.ª/Citius 161592270) -, tendo então interposto o presente recurso em 17/07/2024 (Ref.ª/Citius 15469803)[11]. Por outras palavras, apenas com a notificação do despacho recorrido a mandatária se inteirou do anterior processado (designadamente do facto de não ter a mesma sido notificada do teor do anterior despacho), contra o mesmo podendo então reagir.
Mas, mais relevante, é a particularidade de a notificação em falta se reportar a um despacho que se assume crucial para a decisão que veio depois a ser proferida (declaração da cessação antecipada do incidente de exoneração unicamente com fundamento em não ter o devedor prestado as informações, como determinado em 26/02/2024), sendo que sempre a defesa do recorrente terá que ser (e é) assegurada pela sua mandatária (a qual ficou coartada de exercer cabalmente as suas competências funcionais).
Como decidido em acórdão desta Relação de 08/10/2024, “A partir do momento em que a parte está patrocinada por mandatário constituído ou por patrono nomeado, a sua defesa jurídica está cometida àquele pelo que as notificações devem ser feitas ao mandatário/patrono por ser este quem está mais habilitado a percecionar o objetivo e âmbito da notificação e, sobretudo, as consequências desfavoráveis que poderão advir designadamente da inércia subsequente a uma notificação para o exercício de um direito. (…). IV. A notificação do mandatário/patrono dá maiores garantias de um exercício pleno e efetivo do direito de defesa/contraditório (acesso a um processo equitativo) (…)”.[12]
A prolação da decisão recorrida teve, assim, subjacente uma prévia violação ao princípio do contraditório.
Com efeito, actualmente, vigora no nosso ordenamento jurídico uma concepção ampla do princípio do contraditório[13], estando o mesmo associado, não apenas a uma efectiva participação das partes no desenvolvimento do litígio, mas também ao poder de as mesmas influírem o que no processo se decide (o contraditório não se limita à mera defesa/oposição, abrangendo igualmente o direito de participação activa na tramitação e no desfecho do processo). Nessa medida, não é lícito ao tribunal conhecer de quaisquer questões (de facto ou de direito) sem que as partes tenham oportunidade de sobre elas se pronunciarem (inclusive quanto aos fundamentos de direito nos quais a decisão se sustente)[14].
Em suma, à parte tem que ser permitido fazer valer as suas razões (de facto e de direito), só então devendo o tribunal decidir. E, para que a mesma se pronuncie, terá que ser devidamente notificada para esse efeito, designadamente na pessoa do seu mandatário (não bastando que o tenha sido na sua pessoa).
A não se proceder desse modo, estamos em face de uma violação ao prescrito no artigo 3.º, n.º 3, do CPC[15], sendo que não se poderá defender estarmos perante uma situação em que o cumprimento do contraditório se afigure manifestamente desnecessário.
E tendo sido proferida a decisão sem que o contraditório tenha sido assegurado na sua plenitude, na mesma se afirmando, inclusive, que o devedor se encontrava notificado do teor do despacho de 24/02/2024 – quando, insiste-se, assim não se poderá considerar, não lhe tendo sido assegurado o efectivo exercício do direito ao contraditório (o qual, a ter sido respeitado, ter-lhe-ia permitido agir pela forma que entendesse ser a mais conveniente à defesa dos seus interesses) -, quando dos autos resultava claramente a omissão de notificação da sua mandatária, sempre a referida nulidade se refletirá na própria decisão, a qual a acobertou (pressupondo o acto viciado, acto esse relevante para o desfecho do incidente), passando ela própria a estar viciada.
Ora, assim sucedendo, o modo de reagir é através da interposição de recurso, nos moldes em que aqui ocorreu, inexistindo impedimento a que a nulidade seja declarada por esta Relação.[16]
Como já defendido no acórdão desta Secção de 15/10/2024[17], “A irregularidade processual cometida na tramitação da ação e acobertada pelo juiz na prolação de sentença, se relevante por apta a influir na apreciação da causa, consubstancia vício intrínseco da própria decisão que só pode ser impugnada através de recurso sustentado na nulidade da própria decisão, e já não pela reclamação incidental da nulidade procedimental.”
Consequentemente, terá a decisão recorrida que ser anulada por forma a que seja cumprido o contraditório omitido.
Dito de outro modo, ter-se-á de cumprir a formalidade em falta, a saber: ser a mandatária do devedor notificada nos termos e para os efeitos do despacho proferido em 24/02/2024 (por forma a um cabal exercício do contraditório omitido), só depois sendo proferida (nova) decisão, sem prejuízo de a mesma poder ainda ser precedida de outras diligências que a 1.ª instância repute de necessárias para que emita tal pronúncia.
Termos em que se anula a decisão recorrida, devendo conceder-se prazo ao insolvente (o qual deverá, agora, ser notificado na pessoa da sua mandatária), para que se pronuncie nos termos e para os efeitos exarados no despacho de 26/02/2024, observando-se, de seguida, a ulterior tramitação legal.
Consequentemente, prejudicado ficou o conhecimento da última questão elencada em sede de objecto do recurso.
***
IV - DECISÃO
Perante o exposto, acordam as Juízas desta Secção do Comércio em julgar a apelação procedente e, nessa sequência, anula-se a decisão recorrida, devendo conceder-se prazo ao insolvente (o qual deverá, agora, ser notificado na pessoa da sua mandatária), para que se pronuncie nos termos e para os efeitos exarados no despacho de 26/02/2024, observando-se, de seguida, a ulterior tramitação legal.
Sem custas.
Lisboa, 27 de Maio de 2025
Renata Linhares de Castro
Ana Rute Costa Pereira
Fátima Reis Silva
_______________________________________________________ [1] Por opção da relatora, o presente acórdão não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem. [2] Diploma ao qual nos estaremos a referir sempre que se invocar algum artigo sem menção à respectiva origem. [3] Mais se podendo ler nessa mensagem: “As solicitações requeridas devem ser entendidas como válidas no decurso do tempo em que permanece o período de cessão pelo prazo de 3 anos, a iniciar em 31/03/2022, e atualizadas sempre que se verifiquem alterações. // Considerando ainda o despacho proferido deverá entregar de imediato ao fiduciário, quando recebida, a parte dos seus rendimentos objeto de cessão, no caso o valor que exceda mensalmente o montante líquido correspondente a 1,5 (um e meio) salários mínimos nacionais obtido por 12 meses. O valor em causa implica a transferência para a fidúcia de todos os rendimentos a receber pela sua parte, incluindo-se os subsídios de férias e de Natal, que superem o montante supra indicado, e ainda os eventuais reembolsos de IRS recebidos. // Relativamente à disponibilização dos rendimentos será posteriormente, se assim o justificar, indicada a conta bancária e o IBAN respetivo, devendo juntar comprovativo mensal do seu cumprimento. //O incumprimento do disposto incorre nas penalizações nos termos dos arts. 243º e 246º do CIRE. // Atenta a publicitação do despacho inicial de exoneração do passivo restante e o encerramento do processo, a presente notificação tem efeitos imediatos e perduráveis pelo período de cessão (3 anos), não sendo V.Exa passível de notificação suplementar, uma vez que é ato que lhe é imposto legalmente, cabendo-lhe a si o controlo do prazo para cumprimento, sob pena de cessão antecipada da exoneração do passivo restante (art.º 717º, nº 1 do C.P.C.) // Prazo de prestação de informações a partir da presente notificação (5 Dias)”. [4] In Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 3.ª edição, 2025, pág. 772. [5] O instituto em apreço surge justificado no preâmbulo do diploma que aprovou o CIRE como uma conjugação inovadora do “princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas e assim lhes permitir a sua reabilitação económica”, acrescentando-se que “a efectiva obtenção de tal benefício supõe, portanto, que, após a sujeição a processo de insolvência, o devedor permaneça por um período de cinco anos – designado período da cessão – ainda adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos. Durante esse período ele assume, entre várias outras obrigações, a de ceder o seu rendimento disponível (tal como definido no Código) a um fiduciário (entidade designada pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência) que afectará os montantes recebidos ao pagamento dos credores. No termo desse período, tendo o devedor cumprido, para com os credores, todos os deveres que sobre ele impendiam, é proferido despacho de exoneração, que liberta o devedor das eventuais dívidas ainda pendentes de pagamento. A ponderação dos requisitos exigidos ao devedor e da conduta recta que ele teve necessariamente de adoptar justificará, então, que lhe seja concedido o benefício da exoneração, permitindo a sua reintegração plena na vida económica.” [6] Segundo o artigo 10.º da Lei n.º 9/2022 (regime transitório): “1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a presente lei é imediatamente aplicável aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor. 2 (…). 3 - Nos processos de insolvência de pessoas singulares pendentes à data de entrada em vigor da presente lei, nos quais haja sido liminarmente deferido o pedido de exoneração do passivo restante e cujo período de cessão de rendimento disponível em curso já tenha completado três anos à data de entrada em vigor da presente lei, considera-se findo o referido período com a entrada em vigor da presente lei. 4 - O disposto no número anterior não prejudica a tramitação e o julgamento, na primeira instância ou em fase de recurso, de quaisquer questões pendentes relativas ao incidente de exoneração do passivo restante, tais como as referentes ao valor do rendimento indisponível, termos de afetação dos rendimentos do devedor ou pedidos de cessação antecipada do procedimento de exoneração.”. À data da entrada em vigor de tal diploma (11/04/2022 – cfr. artigo 12.º da mesma Lei), o período de cessão aqui em causa ainda não havia completado os exigidos três anos. [7] Como se refere no acórdão da Relação de Coimbra de 09/01/2018 (Proc. n.º 808/09.1TBFIG-B.C1, relator Vítor Amaral), pese embora versando sobre um caso de citação, “assinado, nos moldes legais, pelo recetor – mesmo que terceiro – o aviso de receção referente à citação, esta será de considerar efetuada na pessoa do citando, presumindo-se que ocorreu oportuna entrega ao destinatário, cabendo então a este ilidir a presunção da lei, demonstrando o contrário, isto é, que a carta não lhe foi entregue.” [8]Sendo certo que o recorrente não invocou expressamente a existência de nulidade, sempre se terá de considerar que, implicitamente, não deixou de o fazer. É o que decorre do ponto 48 das alegações - “pela notificação de 4 de Julho é a mandatária do insolvente notificada da sentença proferida no dia 20 de Maio, alegadamente como consequência de não se ter dado cumprimento ao Despacho de 26 de Fevereiro, do qual não foi notificada” – e das conclusões U) - “Por outro lado, o Insolvente não foi notificado pessoalmente do despacho de 26/02/2024, nem o mesmo foi notificado à sua mandatária” - e JJ) - “A cessação antecipada da exoneração do passivo restante tem de ser requerida e devidamente fundamentada por um dos interessados (cf. o corpo do n.º 1 do artigo 243.º do CIRE); e o Tribunal tem de ouvir, além dos demais interessados, o próprio devedor, de modo a poder formular um juízo valorativo sobre o respetivo comportamento (cf. a primeira parte do n.º 2 do mesmo preceito); ora no caso sub judice nada disso sucedeu.” [9] Cfr. ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2.ª edição, 2020, pág. 249, acrescentando os autores a fls. 253: “Do que se trata aqui é de um juízo acerca daquilo que, num quadro de normalidade e de diligência, é suposto a parte apreender em face de uma concreta notificação.” [10] Cfr. ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, Almedina, 6.ª edição, 2020, pág. 24: “A ocorrência de nulidades processuais pode derivar da omissão de ato que a lei prescreva ou da prática de ato que a lei não admita, ou admita sob uma forma diversa daquela que foi executada. Sem embargo dos casos em que são de conhecimento oficioso, tais nulidades devem ser arguidas perante o juiz (arts. 196º e 197º) e é a decisão que for proferida que poderá ser impugnada pela via recursória, agora com a séria limitação constante do n.º 2 do art.º 630.º (…). Tal solução deve ser aplicada aos casos em que tenha sido praticada uma nulidade processual que se projete na sentença, mas que não se reporte a qualquer das als. do n.º 1 do art.º 615.º.” [11] O recurso foi, assim, intentado dentro do prazo previsto para que a nulidade pudesse ser invocada (10 dias – artigo 149.º do CPC) e a sua apresentação correspondeu também à primeira intervenção no processo (por parte do recorrente), após a prolação do despacho de 26/02/2024 [12] Proc. n.º 1673/19.6T8CSC-C.L1-7, relator Luís Filipe Pires de Sousa.
Cfr., ainda, acórdão desta Relação de 13/02/2025 (Proc. n.º 21905/24.8T8LSB-A.L1-2, relator Arlindo Crua), “I – O mandatário judicial constituído no decurso do processo, sempre que o juiz ou a lei o determinem, deve ser notificado dos actos que nele se vão praticando, de forma a poder desempenhar, plenamente, as suas obrigações e competências funcionais. II – De acordo com o prescrito no art.º 247, do Cód. de Processo Civil, (…), pelo que, na situação em que a notificação é efectuada na própria parte, em substituição da prevista no n.º 1 daquele normativo, tal não determina o efeito do afastamento da necessidade da primeira; III – efectivamente, e desde logo, a própria parte pode nem sequer comunicar ao seu mandatário o recebimento de tal notificação, confiando que o mesmo terá recebido idêntica, e que, caso seja necessário, não deixará de tomar posição processual adequada à defesa dos seus interesses. (…)”. [13] Princípio que tem consagração legal e constitucional - cfr. artigos 3.º e 4.º do CPC e artigo 20.º, n.º 1 da CRP. [14] Como escrevem TEIXEIRA DE SOUSA/CASTRO MENDES, in Manual de Processo Civil, Vol. I, AAFDL Editora, 2022, pág. 633, a decisão é nula quando “o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (excesso de pronúncia: art.º 615.º, n.º 1, al. d)); a não possibilidade do conhecimento de uma questão pode ser absoluta, se o tribunal não pode conhecer, em circunstância alguma, dessa questão (…), ou relativa, se o tribunal não pode conhecer, em certas condições, dessa questão, mas poderia conhecê-la em outras circunstâncias (por exemplo: (…) o tribunal não pode proferir uma decisão-surpresa (art.º 3.º, n.º 3) (…)”. [15] Prescreve o n.º 3 do artigo 3.º do CPC que “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”, sendo que o artigo seguinte impõe que o tribunal deverá assegurar, “ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais”, com isso se visando impedir o tratamento privilegiado ou discriminatório de alguma das partes, designadamente quanto ao exercício de determinadas faculdades ou uso de certos meios de defesa.
Cfr., também, ABRANTES GERALDES, in Recursos em Processo Civil, já citado, pág. 98. [16] Cfr. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA E PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, obra citada, págs. 249 - “A reclamação e o recurso não são meios de impugnação concorrentes, cabendo à parte reclamar previamente para suscitar a prolação de despacho sobre a arguida nulidade. Mas se houver um despacho a ordenar ou autorizar a prática de um acto ou se determinada decisão (máxime a sentença) for precedida de nulidade de conhecimento oficioso ou tiver faltado alguma formalidade de cumprimento obrigatório, ajustar-se-á a imediata interposição de recurso.” – e 776 –, após aludir à distinção entre nulidades de procedimento e nulidades da decisão, afirmam: “nem sempre esta distinção é evidente, como sucede nos casos em que a omissão de determinada formalidade obrigatória (v.g. cumprimento do contraditório antes de apreciar ex officio uma determinada questão) acaba por se traduzir numa nulidade da própria decisão, ajustando-se, então, a interposição de recurso no âmbito do qual essa nulidade seja suscitada”. [17] Proc. n.º 3654/22.3T8LSB-A.L1, relatora Amélia Sofia Rebelo (sendo a aqui relatora segunda adjunta).