EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
INDEFERIMENTO LIMINAR
CONCLUSÕES
OBJECTO DO RECURSO
Sumário

I- O objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões, não podendo o Tribunal “ad quem” conhecer de questões que delas não constem, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso.
II- Se o recorrente nas conclusões – mas também ao longo da alegação – não invocou quaisquer fundamentos susceptíveis de determinar a modificação ou revogação da decisão recorrida, tem o recurso que ser julgado improcedente.

Texto Integral

Acordam na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I – RELATÓRIO
AA apresentou-se à insolvência e requereu a exoneração do passivo restante, por entender estarem verificados os requisitos previstos no artigo 237º do CIRE.
Foi proferido despacho, convidando o devedor a proceder à junção dos seguintes documentos:
a) Certidão de assento de nascimento (art.º 23º, nº 2, al. d), do CIRE);
b) Relação por ordem alfabética de todos os credores, com indicação dos respectivos domicílios, dos montantes dos seus créditos, datas de vencimento, natureza e garantias de que beneficiem e da eventual existência de relações especiais, nos termos do artigo 49.º; (art.º 24.º, n.º 1, al. a), do CIRE);
c) Relação e identificação de todas as acções e execuções que contra si estejam pendentes; (art.º 24.º, n.º 1, al. b), do CIRE);
d) Documento em que se explicita a actividade ou actividades a que se tenha dedicado nos últimos três anos e os estabelecimentos de que seja titular, bem como o que entenda serem as causas da situação em que se encontra; (art.º 24.º, n.º 1, al. c), do CIRE).
e) Relação de bens que o devedor detenha em regime de arrendamento, aluguer ou locação financeira ou venda com reserva de propriedade e de todos os demais bens e direitos de que seja titular, com indicação da sua natureza, lugar em que se encontrem, dados de identificação registral, se for o caso, valor de aquisição e estimativa do seu valor actual (art.º 24.º, n.º 1, al. e), do CIRE).
O devedor veio juntar a relação de credores e do bem que é proprietário.
Foi proferida sentença, indeferindo liminarmente a petição inicial.
O devedor interpôs recurso, tendo, por acórdão de 08/02/2022, sido julgada procedente a apelação, revogada a decisão recorrida e determinado o prosseguimento dos autos para apreciação do pedido de reconhecimento da situação de insolvência trazida a juízo pelo requerente.
Em 19/05/2022 foi proferida sentença declarando a insolvência do devedor.
A Sra. Administradora da Insolvência apresentou o relatório do art.º 155.º do CIRE e, a propósito do pedido de exoneração do passivo restante, pronunciou-se da seguinte forma: “entende-se que, por ora não se encontra a signatária munida das necessárias informações para emitir Parecer sobre o pedido de exoneração do passivo restante deduzido pelo devedor, dado que, compulsados os autos não se mostra junto o certificado de registo criminal do insolvente, o que já requereu ao seu I. Mandatário por comunicação remetida em 18.07.2022 – cf. Documento n.º 10, sendo que reveste tal documento especial relevância para a emissão do referido, bem como a acrescer ao facto de se desconhecer a razão pela qual o insolvente se encontra de momento privado da liberdade, por que período e à razão de processo e de que crime (s), que se aguardam. Mais foi requerido em tal comunicação que seja devidamente identificado a composição do agregado familiar do insolvente. Pelo que, logo que a signatária disponha de tais esclarecimentos e documento procederá à junção do seu Parecer.” (ref.ª 12598500).
Por email datado de 18-07-2022, a Sra. Administradora da Insolvência solicitou ao Il. Mandatário do devedor as enunciadas informações, incluindo o envio do certificado do registo criminal do devedor (ref.ª 12598500).
Em 27-09-2022 foi proferido despacho, determinando a notificação do devedor para juntar o certificado do registo criminal, atento o disposto no art.º 238.º, n.º 1, al. f), do CIRE (ref.ª 154121410).
Em resposta, o devedor declarou que se encontrava preso e requereu que “seja oficiosamente requerido o registo Criminal” (ref.ª 12978269).
Em 16-01-2023, foi proferido o seguinte despacho:
“A circunstância de se encontrar preso não fundamenta, por si, impossibilidade ou dificuldade séria na obtenção de certificado do registo criminal.
Notifique, novamente, o devedor para juntar o certificado do registo criminal em falta, em dez dias, sob pena de indeferimento liminar por falta de colaboração com o Tribunal (art.º 238.º, n.º 1, al. g), do CIRE)”.
Notificado o insolvente, o mesmo apresentou o seguinte requerimento:
“AA, insolvente, vem informar os autos de que se encontra preso, pelo que se requer que oficiosamente seja solicitado o seu crc”.
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Em 06.03.2023 foi proferido o seguinte Despacho:
«Ref.ª 155335992 e ss
Incidente de exoneração do passivo restante – Despacho liminar
AA apresentou-se à insolvência e formulou pedido de exoneração do passivo restante.
Por sentença de 19-05-2022, transitada em julgado, foi declarado em estado de insolvência.
A Sra. Administradora da Insolvência apresentou o relatório do art.º 155.º do CIRE e, a propósito do pedido de exoneração do passivo restante, pronunciou-se da seguinte forma: “entende-se que, por ora não se encontra a signatária munida das necessárias informações para emitir Parecer sobre o pedido de exoneração do passivo restante deduzido pelo devedor, dado que, compulsados os autos não se mostra junto o certificado de registo criminal do insolvente, o que já requereu ao seu I. Mandatário por comunicação remetida em 18.07.2022 – cf. Documento n.º 10, sendo que reveste tal documento especial relevância para a emissão do referido, bem como a acrescer ao facto de se desconhecer a razão pela qual o insolvente se encontra de momento privado da liberdade, por que período e à razão de processo e de que crime (s), que se aguardam. Mais foi requerido em tal comunicação que seja devidamente identificado a composição do agregado familiar do insolvente. Pelo que, logo que a signatária disponha de tais esclarecimentos e documento procederá à junção do seu Parecer.” (ref.ª 12598500).
Por email datado de 18-07-2022, a Sra. Administradora da Insolvência solicitou ao Il. Mandatário do devedor as enunciadas informações, incluindo o envio do certificado do registo criminal do devedor (ref.ª 12598500).
Por despacho de 27-09-2022, determinou-se a notificação do devedor para juntar o certificado do registo criminal, em vista do disposto no art.º 238.º, n.º 1, al. f), do CIRE (ref.ª 154121410).
Em resposta, o devedor refere que se encontra preso e “requer que seja oficiosamente requerido do registo Criminal” (ref.ª 12978269).
Por despacho de 16-01-2023, foi determinada nova notificação do devedor para juntar o certificado do registo criminal, sob pena de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, por falta de colaboração com o Tribunal, nos termos do art.º 238.º, n.º 1, al. g), do CIRE (ref.ª 155335992).
Mais se fez constar que “A circunstância de se encontrar preso não fundamenta, por si, impossibilidade ou dificuldade séria na obtenção de certificado do registo criminal”.
Em resposta, o devedor “vem informar os autos de que se encontra preso, pelo que se requer que oficiosamente seja solicitado o seu crc” (ref.ª 13260139).
Cumpre decidir.
Os fundamentos de indeferimento liminar previstos no art.º 238.º, n.º 1, do CIRE, constituem matéria de natureza exceptiva, cujo ónus de alegação e prova, em regra, incumbe aos credores/administrador da insolvência (art.º 342.º, n.º 2, do CCivil), conforme jurisprudência pacífica, sem prejuízo, acrescenta-se, do conhecimento pelo Tribunal dos factos que resultarem do decurso do processo de insolvência, no que respeita, nomeadamente, ao cumprimento dos deveres legais do devedor para com o Tribunal e/ou o Administrador da Insolvência.
Nos termos da al. f) do n.º 1, do art.º 238.º, o pedido de exoneração do pedido restante será indeferido se o devedor tiver sido condenado por sentença transitada em julgado por algum dos crimes previstos e punidos nos artigos 227.º a 229.º do Código Penal nos 10 anos anteriores à data da entrada em juízo do pedido de declaração da insolvência ou posteriormente a esta data.
A relevância da junção do certificado registo criminal resulta da necessidade de verificação da (in)existência das condenações a que se refere esta alínea, de modo a se decidir pela (in)admissão liminar do pedido, consoante o caso.
E, quanto a este concreto fundamento de verificação liminar do pedido, pela sua natureza, torna-se evidente, salvo melhor opinião, que a junção do certificado do registo criminal constitui um ónus para o devedor que pretende beneficiar do instituto – assim se procede na generalidade dos processos -, pois que é ele o principal interessado na demonstração da não verificação do indicado pressuposto do indeferimento liminar.
O devedor não procedeu a esta junção e requereu que fosse o Tribunal a solicitar certificado do registo criminal, referindo que se encontra preso.
Não se vislumbra base legal – nem foi alegada - para a exclusão do dever de cumprimento do ónus de junção do certificado do registo criminal com fundamento na condição de privação da liberdade, por um lado, e para fundamentar/legitimar a intervenção, nesse sentido, pelo Tribunal, por outro.
Na lei, encontra-se um regime especial, tendo em conta a situação de privação da liberdade invocada, no que respeita a custas, consagrando-se a isenção de custas em processos em que o requerente seja arguido – que não é, manifestamente, o caso -, prevista no art.º 4.º, n.º 1, al. j), do Regulamento das Custas Processuais.
Por sua vez, a circunstância de se encontrar preso, por si, não constitui impossibilidade ou dificuldade séria na obtenção do documento em falta para fundamentar a intervenção do Tribunal, substituindo-se ao devedor (cfr. o art.º 7.º, n.º 4, do CPCivil: “4 - Sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo.”).
O devedor, embora privado de liberdade, não está inibido do exercício dos seus direitos/deveres civis, entre os quais o do acesso à documentação que lhe respeita, tendo, inclusivamente, instaurado a presente acção especial de insolvência, representado por Il. Advogado que constituiu para o efeito. Nem o devedor invoca essa inibição ou outro constrangimento.
Fez-se constar no despacho de 16-01-2023, ref.ª 155335992, da falta de fundamento do invocado, de cujo teor o devedor, notificado, fez absoluta tábua rasa, tendo respondido nos exactos termos do requerimento anterior, sem acrescentar outro fundamento.
Notificado por três vezes, uma pela Sra. Administradora da Insolvência, duas, pelo Tribunal, o devedor não junta o certificado do registo criminal (nem prestou as informações pretendidas pela Sra. Administradora da Insolvência) e, mesmo depois de notificado do despacho que refere que o fundamento invocado não serve à intervenção oficiosa do Tribunal, o devedor persiste na não junção do documento e na invocação do mesmo fundamento, sem aduzir outro argumento ou justificação.
Nos termos da al. g) do n.º 1, do art.º 238.º, o pedido de exoneração do passivo restante será indeferido se o requerente/insolvente, com dolo ou culpa grave, violou os deveres de informação, apresentação e colaboração que para ele resultam do CIRE, no âmbito do processo de insolvência.
O CIRE impõe ao devedor insolvente apertados deveres de apresentação e de colaboração e, entre estes, a obrigação de “fornecer todas as informações relevantes para o processo que lhe sejam solicitadas pelo administrador da insolvência, pela assembleia de credores, pela comissão de credores ou pelo tribunal” (art.º 83.º, nº 1, al. a)); de “Apresentar-se pessoalmente no tribunal, sempre que a apresentação seja determinada pelo juiz ou pelo administrador da insolvência, salva a ocorrência de legítimo impedimento ou expressa permissão de se fazer representar por mandatário (83.º, n.º 1, al. b)); e de “Prestar a colaboração que lhe seja requerida pelo administrador da insolvência para efeitos do desempenho das suas funções” (art.º 83.º, n.º 1, al. c))).
De modo que a recusa de informações ou de colaboração é avaliada livremente pelo juiz para efeitos de qualificação da insolvência como culposa (art.º 83.º, n.º 3) e se o incumprimento for reiterado constitui presunção iuris et de iure de insolvência culposa [art.º 186.º, n.º 2, al. i)].
O que está em causa nas normas conjugadas dos arts. 83.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, al. g), CIRE, conexiona-se com os deveres gerais de cooperação e de actuação com boa fé processual.
E só a conduta do devedor insolvente indiciadora da sua rectidão é pressuposto da possibilidade de beneficiar da exoneração do passivo e das Processo: 2529/21.8T8ST vantagens que tal instituto proporciona (Ac. da Relação de Coimbra, de 10-03- 2015, proc. 586/14.2TBFIG-C.C1, disponível em www.dgsi.pt).
Incumpre o dever de informação – tal como previsto no referido n.º 1 al. g) – o devedor que, solicitado por várias vezes, a última sob cominação de indeferimento liminar, não juntou aos autos o seu certificado de registo criminal, sem qualquer explicação plausível e fundamentada para o efeito.
Em sentido idêntico, numa situação em que estava em causa a não junção do documento referente a RSI e do certificado do registo criminal, decidiu o Acórdão da Relação do Porto de 15-12-2021, proc. 2253/21.1T8VNG.P1, acessível em www.dgsi.pt., onde se pode ler: “O desprezo pelo prosseguimento dos autos, neste tocante, é pois evidente, não sendo sequer necessário que os credores tenham ficado efetivamente lesados, quando um dos elementos que está em causa – o certificado de registo criminal – é condição sine qua non do prosseguimento do incidente. A ausência de junção dos documentos em causa não poderia senão desembocar no indeferimento liminar do pedido de exoneração, não se verificando qualquer menos cabo do princípio da proporcionalidade previsto no art.º 18.º Const., uma vez que à requerente foram concedidas diversas e sucessivas oportunidades de apresentação que a mesma, sem qualquer justificação plausível, pura e simplesmente, desperdiçou. Sendo assim, diremos, com o ac. RC., de 7.3.2017, Proc. 2891/16.4T8VIS.C1 que a “A excepcionalidade desse instituto exige que o recurso ao mesmo só possa ser reconhecido ao devedor que tenha pautado a sua conduta por regras de transparência e de boa-fé, no tocante às suas concretas condições económicas e padrão de vida adoptado, à ponderação e protecção dos interesses dos credores, e ao cumprimento dos deveres para ele emergentes do regime jurídico da insolvência, em contrapartida do que se lhe concede aquele benefício excepcional. Com efeito, a devedora destes autos incumpriu de forma dolosa a sua obrigação de informação aos autos das condições concretas em que receberá RSI e, bem assim, do seu passado criminal, de modo a aferir-se se deve beneficiar de uma medida excecional que ela própria requereu”.
Para se concluir que o insolvente actuou com dolo ou culpa grave, importa que dos autos constem factos dos quais se retire essa intenção. Dolo é intenção de fazer. Culpa grave é negligência grosseira, não fazer o que faz a generalidade das pessoas, que não observa os cuidados que todos, em princípio, observam – cf. Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1973, pg. 453.
Se, notificado para o efeito, por três vezes, o devedor omite a junção de um documento essencial à apreciação do pedido por si formulado, a coberto de uma justificação que o Tribunal não acolheu e, sabendo disso, persiste na não junção do documento e na apresentação da mesmíssima justificação, não sofre dúvida que age, pelo menos, com culpa grave, em violação dos deveres de colaboração, de informação e de boa fé processual a que está adstrito no decurso do processo de insolvência.
Assim sendo, verifica-se a previsão do disposto no art.º 238.º, n.º 1, al. g), do CIRE, que constitui fundamento de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, que se decidirá.
Neste quadro, indefere-se liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante apresentado pelo devedor/insolvente AA  
Custas pelo devedor.
Notifique, publicite e registe – arts. 37.º, 38.º e 230.º, n.º 2 aplicável ex vi art.º 247.º do CIRE.»
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Notificado da decisão de indeferimento liminar que antecede, o insolvente apresentou o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se reproduzem:
1. A sentença recorrida viola o art.º 238º, nº 1, alínea d), do CIRE;
2. Pois tem de existir cumulativamente três requisitos para que fosse possível proferir tal decisão;
3. O prejuízo para os credores consiste na desvantagem económica diversa do simples vencimento de juros, que não são a consequência normal do incumprimento;
4. O prejuízo a que se refere o art.º 238º, nº 1, alínea d), deverá corresponder a um prejuízo concreto que, nas concretas circunstâncias do caso, tenha sido efectivamente sofrido pelos credores em consequência do atraso à apresentação a insolvência;
5. Cabia aos credores, o dever de virem reclamar tais prejuízos o que não aconteceu;
6. Nem fizeram efectiva prova desse prejuízo;
7. Quanto ao terceiro requisito, existe omissão pois o credor tentou por todas as formas melhorar a sua vida, o que infelizmente não conseguiu;
8. Qualquer dos três requisitos não foram devidamente valorados e se o fossem a decisão seria certamente diferente;
9. Além de que a insolvência já foi decretada há mais de 6 anos;
10. O insolvente não pode com o que não tem.
Terminou peticionando que seja revogado “o despacho que fez cessar a exoneração do passivo restante por não se encontrarem reunidos os pressupostos legais para o efeito…”.
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 Não foram apresentadas contra-alegações.
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A Mma Juiz a quo proferiu despacho admitindo o recurso.
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Foram colhidos os vistos das Exmªs Adjuntas.
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II– OBJECTO DO RECURSO
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo Código). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelo recorrente, importa decidir se há fundamento para revogar a decisão do tribunal a quo de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante formulado pelo mesmo.   
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III – FUNDAMENTAÇÃO
A) De Facto
Atentos os elementos que constam dos autos, encontram-se provados, com interesse para a decisão a proferir e como decidiu o tribunal a quo, os factos que constam do relatório que antecede e cujo teor se dá por reproduzido.
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B) De Direito
A fase da interposição do recurso rege-se pelos princípios do dispositivo e da concentração dos actos processuais.
Como diz Rui Pinto, in Manual do Recurso Civil, Vol. I, AAFDL, 2020, pág. 292:
«Efetivamente, a função processual civil de tutela das situações jurídicas privadas dita necessariamente que o impulso recursório de rega, desde logo, pelo princípio do dispositivo e inerentes ónus temporais: querendo recorrer os sujeitos dão início aos recursos por requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão recorrida (cf. artigos 637º, nº1, 697º, nº1 e 699º, nº1) ou ao relator (no caso do artigo 692º, nº1), dentro dos prazos dos artigos 638º e 677º (recursos ordinários), 630º, nº1 (recurso de uniformização de jurisprudência) e 697º (recurso de revisão) e na formas do artigo 144º. É pelo requerimento que o sujeitos processual exprime a vontade de interposição do recurso».
Estabelece o artigo 639º do CPC:
«1- O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2- Versando o recurso sobre matéria de direito as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada
3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
(…)».
De acordo com as disposições conjugadas dos artigos 635º, n.ºs 3 a 5 também do C.P.Civil e 639º, n.ºs 1 e 2, supra citados, como já se disse supra, são as conclusões que delimitam o objecto do recurso.
É esta a posição da doutrina, mas também da jurisprudência.
Na doutrina, podemos ver António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª edição, Almedina, página 147, «[a]s conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do artigo 635º, n.º 3, do CPC. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo Tribunal a quo.»
No mesmo sentido Rui Pinto, in ob. cit, pág. 293:
«Dentro das alegações, há uma função lógica que apenas cabe às conclusões: individualizar o objeto do recurso, ao indicar o(s) fundamento(s) específico(s) da recorribilidade (cf. artigo 637º, nº2) e, sendo o caso, o segmento decisório concretamente impugnado (cf. Artigo 635º nº4). Daí ser pacífico o entendimento da jurisprudência que é pelas conclusões que o recorrente delimita, efetivamente, o objeto do recurso. Simetricamente, a presença das conclusões permite a “viabilização do exercício do contraditório, de modo a não criar dificuldades acrescidas à posição da outra parte, privando-a de elementos importantes para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações” (STJ 26-5-2015/Proc. 1426/08.7TCSNT.L1.S1 (HÉLDER ROQUE):
Depois de formular conclusões, o recorrente termina deduzindo um pedido de revogação, total ou parcial, de uma decisão judicial.
Deste modo, o objeto do recurso é composto pelo pedido, individualizado pelas conclusões, com que se fecham as alegações.
a. A falta de alegações ou de conclusões não admite aperfeiçoamento e determina a rejeição liminar do recurso (cf artigo 641º, nº 2, al. b)) ou o seu não conhecimento pelo tribunal ad quem (cf. Artigo 652º nº 1 al. b)).»     
Na jurisprudência, podemos ver, entre outros, o Acórdão do STJ de 18.08.2013, proferido no processo n.º 483/08.0TBLNH.L1.S1, in www.dgsi.pt:
“1. O recorrente deve terminar as suas alegações de recurso com conclusões sintéticas (onde indicará os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida).
2. Essas conclusões devem ser idóneas para delimitar de forma clara, inteligível e concludente o objeto do recurso, permitindo apreender as questões de facto ou de direito que o recorrente pretende suscitar na impugnação que deduz e que o tribunal superior cumpre solucionar.”
O recorrente pode restringir o âmbito do recurso no requerimento de interposição a determinado(s) segmento(s) decisório(s) e pode ainda fazer maior restrição nas conclusões da alegação. Basta para tal que não inclua nas conclusões alguma ou algumas questões, uma vez que o Tribunal de recurso só poderá conhecer das que constem dessas conclusões.
In casu, o tribunal a quo indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelo insolvente com fundamento no facto de este, mesmo após ter sido notificado para o efeito, não ter procedido à junção aos autos do respectivo Certificado de Registo Criminal. Entendeu o tribunal que, apesar de ter sido notificado do despacho que indeferiu o pedido de requisição oficiosa do CRC, o devedor continuou sem proceder a tal junção, agindo “com culpa grave, em violação dos deveres de colaboração, de informação e de boa fé processual a que está adstrito no decurso do processo de insolvência”. Concluiu que se encontra verificada a previsão do disposto no art.º 238.º, n.º 1, al. g), do CIRE e que tal constitui fundamento de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.
Nas conclusões do recurso o apelante sustentou que a decisão não se pode manter, mas os fundamentos invocados – também ao longo de toda a alegação - em nada a infirmam. As razões de facto e de direito da divergência invocada pelo apelante não são susceptíveis de levar à alteração do decidido. O mesmo diz, no essencial, que não incumpriu o dever de apresentação à insolvência e que, não tendo existido prejuízos para os credores pela não apresentação em data anterior, não há fundamento para o indeferimento liminar da exoneração do passivo restante, atento o disposto no art.º 238º, nº1, d), do CIRE.
O fundamento invocado pelo tribunal a quo para justificar o indeferimento foi diverso e este não foi colocado em “crise”.
Deste modo e como se referiu, os fundamentos resumidos ou condensados pelo apelante não são aptos a determinar a modificação ou revogação da decisão proferida pelo tribunal a quo.  
O convite ao aperfeiçoamento das conclusões só é consentido para as hipóteses expressamente previstas no artigo 639.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, que não correspondem à situação verificada nos autos.
Estando o tribunal ad quem limitado pelas conclusões do recurso, não há fundamento para revogar a decisão recorrida.
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IV - DECISÃO
Por todo o exposto, acordam os Juízes deste coletivo em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Registe e Notifique.

Lisboa, 27.05.2025
Manuela Espadaneira Lopes
Paula Cardoso
Isabel Maria Brás Fonseca