CONTRA-ORDENAÇÃO
LIVRO DE RECLAMAÇÕES
ERRO NOTÓRIO
DOLO
COVID
SUSPENSÃO
Sumário

- Os vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, aplicável às contraordenações por força do artigo 41.º do RGCO, têm que resultar somente do texto da decisão recorrida e não de elementos processuais a ela estranhos;
- Age com dolo a Pessoa Coletiva que, conhecendo as obrigações legais a que estava sujeita, designadamente a obrigação de disponibilizar o livro de reclamações a qualquer cliente que o solicitasse num dos seus estabelecimentos sob pena de incorrer em ilícito contraordenacional, de forma livre, voluntária e consciente não o fez; 
- A suspensão da obrigação de facultar o livro de reclamações em decorrente das “Leis Covid-19”, em “resultado do processo – ainda que lento e gradual – de levantamento das medidas de confinamento”, não se verificou durante todo o tempo em que vigorou o estado de emergência;
 - Aquela suspensão, estabelecida pelo DL n.º 20/2020, de 1 de maio, foi, entretanto, revogada pela Lei n.º 31/2020, de 11 de agosto.

Texto Integral

Acordam na Seção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I - Relatório
Activos 24 – Distribuição, Eventos e Logística, Unipessoal, Lda apresentou recurso de impugnação judicial da decisão proferida pela ANACOM- Autoridade Nacional de Comunicações, que o condenou nos seguintes termos:
“Nos termos do disposto no artigo 63.º do RJCE, e ao abrigo das competência previstas na alínea j) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, subdelegadas nos termos da subalínea i) da alínea o) do n.º 2 da Deliberação n.º 1140/2023, publicada na 2.ª série do Diário da República n.º 217/2023, de 09.11.2023, e da subalínea i) da alínea c) da Parte II do Despacho proferido em 16.02.2024 pelos Diretores-Gerais Adjuntos de Supervisão da Autoridade Nacional de Comunicações, aplica-se à Arguida ACTIVOS 24 – Distribuição, Eventos e Logística, Unipessoal, Lda., uma (1) coima no valor de 7 500,00 euros (sete mil e quinhentos euros), pela prática dolosa de uma (1) contraordenação prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 9º da LLR, pela violação da obrigação prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 3º do mencionado diploma, acrescida da ocorrência da situação prevista no n.º 4 deste último artigo.”
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Por sentença proferida a 11 de novembro de 2024 foi a referida impugnação judicial julgada improcedente, nos seguintes termos:
“Por todo o exposto, decide-se negar provimento ao recurso interposto pela recorrente Activos 24 – Distribuição, Eventos e Logística, Unipessoal, Lda. e, em consequência, manter a decisão da Autoridade Nacional de Comunicações, que aplicou à recorrente, pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 3º, nº 1, alínea b) e 9º, nº 1, alínea a), ambos Decreto-Lei nº 156/2005, de 15/09, a coima de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros).”
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Inconformada com tal decisão, veio Activos 24 – Distribuição, Eventos e Logística, Unipessoal, Lda interpôr recurso da mesma para este Tribunal da Relação, formulando as seguintes conclusões:
“I- A recorrente alegou, na sua impugnação judicial, que não efectuava qualquer serviço postal e apresentou, para prova desse facto negativo a testemunha AA.
II- A douta sentença desconsiderou o depoimento dessa testemunha com indicação de que a mesma não tinha presenciado os factos.
III- O tribunal deveria ter explicado as razões que lhe determinaram a convicção de que o         depoimento  da testemunha foi irrelevante, não bastando dizer que não presenciou alguns factos, tanto mais que a matéria em causa era do conhecimento directo do depoente e nenhuma relação directa tinha com os factos referentes à alegada falta de apresentação do livro de reclamações.
IV- A total desconsideração do depoimento testemunhal, sem uma única referência ao que a testemunha disse, constitui uma nulidade da sentença, que se invoca.
V- A arguida tinha um objecto social extensíssimo que abrange inúmeras actividades.
VI- O objecto social de uma empresa não é limitativo ou indicativo da actividade que a mesma, efectivamente, se dedica.
VII- Nos termos do disposto no nº 3 do CSC, compete aos sócios deliberar sobre as actividades compreendidas no objecto contratual que a sociedade efectivamente exercerá, bem como sobre a suspensão ou cessação de uma actividade que venha sendo exercida.
VIII- Sem a prova de que os sócios da arguida deliberaram exercer a actividade de serviços postais, algo que nunca ocorreu, nunca poderia a douta sentença, com apoio só no seu objecto social publicado, considerar que a arguida exercia a actividade de serviços postais.
IX- No que respeita à alegada titularidade de autorização para a oferta de serviços postais, citada no segundo ponto da douta sentença, a arguida desconhece a mesma e as condições em que foi emitida.
X- Sendo certo que não será por força da titularidade de uma qualquer licença que se demonstra que a arguida, em Dezembro de 2022, e naquelas instalações exercia a actividade titulada na licença.
XI- A douta sentença considerou provado que a arguida tinha sido contratada pela empresa Ibercourier para prestar ao mesmo serviços de transporte.
XII- Desta forma, é óbvio que a arguida não exercia serviços postais da forma como a lei os define. Esses serviços, caso fossem exercidos, sempre o seriam pela Ibercourier.
XIII- A arguida é uma das muitas empresas que presta serviços de transporte à dita IBERCOURIER - Serviço de Transporte Urgente, Unipessoal, Lda. (MRW) não transportando, a nível nacional, quaisquer mercadorias, nem possuí serviços postais.
XIV- O que a douta sentença considerou como provado no ponto 3, entra em absoluta contradição com o que a douta sentença entendeu a final.
XV- Esta contradição inquina a decisão tomada quanto à actividade efectivamente exercida pela arguida, que deve, por isso, ser revogada.
XVI- Por ter desconsiderado o depoimento da testemunha AA, sem explicar o fundamento de tal decisão e sem referir o conteúdo desse depoimento, a decisão tomada quanto a esta matéria ficou inquinada e deve ser revogada.
XVII- Assim, deve ser considerado que a arguida não se encontrava sujeita ao regime jurídico dos serviços postais e como tal à tutela da ANACOM.
XVIII- E, consequentemente, nos termos do disposto no nº 11 do DL 156/05, determinado que a ANACOM não tem competência para instruir o presente processo, anulando-se tudo o que foi processado nos autos.
XIX- Desde o dia 17 de Abril de 2020 com a publicação do Decreto n.º 2-C/2020, de 17 de abril e, pelo menos até à data dos factos, ficou suspensa a obrigação de facultar o livro de reclamações de forma imediata e gratuita, ao consumidor ou utente, bem como o cumprimento do prazo de envio da reclamação, conforme disposto no artigo 15º do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro.
XX- Este diploma legal foi a primeira regulamentação do primeiro estado de emergência declarado em Portugal por força do Covid-19.
XXI- A indicação dada por esse diploma legal era a de que a apresentação do livro de reclamações se encontrava suspensa enquanto durasse o estado de emergência uma vez que era considerada uma forma de transmissão da doença Covid.
XXII- A douta sentença veio indicar que o Decreto-Lei nº 20/2020, de 01/05 veio revogar o Decreto nº 2-C/2020, em 2 de Maio de 2020 e que, nesse momento, se voltou a restabelecer a obrigação de apresentação do livro de reclamações, obrigação essa que não voltou a ser suspensa por qualquer outra legislação temporária determinada pelo estado de emergência.
XXIII- Esta afirmação é totalmente estranha e sem qualquer fundamento no texto do alegado Decreto-Lei nº 20/2020, de 01/05.
XXIV- Em parte alguma se declara que o mesmo revoga o Decreto no 2-C/2020.
XXV- Pelo contrário, o Decreto-Lei nº 20/2020, de 01/05 no seu artigo 35.º-I, sob o título: Suspensão de obrigações relativas ao livro de reclamações em formato físico, ditou o seguinte:
Durante o período em que vigorar o estado epidemiológico resultante da doença COVID-19, são suspensas as seguintes obrigações decorrentes do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, na sua redação atual:
a) A obrigação de facultar imediata e gratuitamente ao consumidor ou utente o livro de reclamações a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º daquele decreto-lei;
b) A obrigação de cumprimento do prazo no envio dos originais das folhas de reclamação a que se refere a alínea e) do n.º 1 do artigo 3.º daquele decreto-lei.
XXVI- Ou seja, ao contrário do que diz a douta sentença, o Decreto-Lei nº 20/2020, de 01/05, também suspende a obrigação de apresentaro livro dereclamações, destafeitaenquantovigorar o estado epidemiológico resultante da doença COVID-19.
XXVII- Esse estado epidemiológicosó terminou em 30 de Setembro de 2022.
XXVIII- Já depois da entrada em vigor desse diploma, Portugal voltou a estar em estado de emergência desde 6 de Novembro a 23 de Novembro de 2020 (Decreto do Presidente da República n.º 51-U/2020).
XXIX- Tendo o Governo regulamentado a aplicação do estado de emergência através do Decreto n.º 8/2020, de 8 de novembro.
XXX- Esse diploma estabelece no seu artigo 14.º que o disposto no presente decreto não prejudica outras medidas que já tenham sido adotadas no âmbito do combate à doença COVID-19, designadamente o disposto na Resolução do Conselho de Ministros n.º 92-A/2020, de 2 de novembro, prevalecendo sobre as mesmas quando disponham em sentido contrário.
XXXI- Ou seja, independentemente de terem cessado os estados de emergência anteriores, todas as medidas que já tenham sido adotadas no âmbito do combate à doença COVID-19 mantêm-se, nomeadamente as fixadas no Decreto n.º 2-C/2020, de 17 de abril ou seja a suspensão da obrigação de facultar o livro de reclamações de forma imediata e gratuita, ao consumidor ou utente.
XXXII- O Estado de Emergência foi mantido de 9 a 23 de Novembro de 2020, posteriormente de 24 de Novembro a 8 de Dezembro de 2020 e ainda a Assembleia da República debateu e aprovou a Resolução n.º 89-A/2020, através da qual autorizou o Presidente da República a renovar a declaração do estado de emergência até ao dia 23 de dezembro (Decreto do Presidente da República n.º 61-A/2020).
XXXIII- O Governo regulamentou a aplicação do estado de emergência através do Decreto n.º 11/2020, de 6 de dezembro.
XXXIV- Ou seja, à data dos factos, 22 de Dezembro de 2020 estava-se em pleno Estado de Emergência.
XXXV- O armazém da arguida situava-se em Rio de Mouro, Sintra, zona, na altura, classificada como de risco elevado.
XXXVI- Essearmazém, como resulta do depoimento da testemunha AA, não se encontrava aberto ao público nem era local de atendimento do mesmo.
XXXVII- Mas, mesmo que o fosse, nos termos do disposto no artigo 13º do mesmo diploma, era proibido o contacto físico, mesmo através de objectos.
XXXVIII- Assim, na data indicada nos autos, 22 de Dezembro de 2020, estava em vigor o estado de emergência e o estado epidemiológico resultante da doença COVID-19, em Portugal, com absoluta limitação de contactos e de deslocações e, nos termos do artigo 35º I do Decreto-Lei nº 20/2020, de 01/05 e do artigo 60º do Decreto n.º 11/2020, de 6 de dezembro a obrigação de facultar o livro de reclamações de forma imediata e gratuita encontrava-se suspensa.
XXXIX- Desta forma,por se encontrar suspensa a obrigação, a arguida não incumpriu a disposição indicada na acusação e a douta sentença tem que ser revogada.
XL-    Os factos 1 e 2      da matéria provada estão em absoluta contradição entre si e com os fundamentos da sentença.
XLI- Ou seja, se a Recorrente presta serviços postais de exploraçao de centros de troca de documentos, serviços de correio expresso, os mesmos teriam, para assim serem considerados, que ser prestados ao público em geral.
XLII- Essa situação é incompatível com o facto 2., ou seja, que a recorrente presta serviços para a Ibercourier.
XLIII- Com a prova do facto 2. nunca poderia ser proferida uma decisão a considerar que a arguida presta serviços postais de exploração de centros de troca de documentos, serviços de correio expresso pois tal facto colide com o disposto nos artigos 10º a 13º, 24º e seguintes da Lei no 17/2012 que prevê que esse serviço seja público e que as licenças para o serviço são emitidas de forma individual pelo prestador do serviço.
XLIV- Se a arguida exercesse o serviço em causa teria que efectuar o serviço em seu nome e a todo o público.
XLV- Nunca seria possível à arguida exercer essa actividade tendo um único cliente (Ibercourier) ou através de uma rede detida por um terceiro (Ibercourier).
XLVI- A contradição insanável entre a matéria provada e a decisão provoca a nulidade da sentença nos termos do artigo 410º do CPC, o que se invoca.
XLVII- Indica a douta sentença que deu factos 3, 4 e 5 como provados, exclusivamente, porque os mesmos resultam do auto de notícia.
XLVIII- Da leitura do auto de notícia percebemos que que os factos dos pontos 3. e 4. chegaram ao conhecimento do agente autuante por indicação verbal de terceiros.
XLIX- O valor probatório do auto de notícia, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 169º do Código de Processo Penal e 371º, n.º 1, do Código Civil, se circunscreve aos comportamentos presenciados e ao que foi percecionado diretamente pela autoridade policial, não se estendendo a outros contributos, mormente às declarações de terceiros aí eventualmente vertidas.
L- A valoração de declarações produzidas, na qualidade de lesado, de arguido ou de testemunha, antes da audiência de julgamento, e reproduzidas no auto de notícia, apenas pode ocorrer nos casos expressamente previstos e desde que verificados os necessários pressupostos, conforme estipulado nos artigos 355º, 356º e 357º do Código de Processo Penal.
LI- Assim, nunca poderia a douta sentença, com fundamento exclusivo no teor do auto de notícia, dar como provados os pontos 3 e 4.
LII- Sem essa prova, a acusação caí por base e nunca poderia a douta sentença ter indeferido o recurso apresentado.
LIII- No que respeita ao ponto 5., também nunca douta sentença poderia ter dado como provado que a recorrente foi interpelada, pois não é isso que consta do auto de notícia ou da acusação.
LIV- Nunca a recorrente foi interpelada e mais uma vez, no que respeita às alegadas declarações, sempre se trataria do que um terceiro afirmou, matéria que não pode servir como prova.
LV-  Quanto aos factos indicados nos pontos 6 a 9, não se pode aceitar que os mesmos possam ter sido dados como provados.
LVI- Quanto à forma como adquiriu a convicção sobre esta matéria, a douta sentença indica que a mesma lhe chegou ao conhecimento por a ter extraído dos factos objectivos provados, tendo em conta as regras da experiência comum, e com base em presunção natural.
LVII- Mais afirma que: não pode colher o argumento de que havia confusão legislativa na altura, uma vez que a suspensão da obrigação de apresentação do livro de reclamações terminou em Maio de 2020 (sendo que apenas esteve apenas cerca de 1 mês vigente), conforme se analisou supra, e os factos em causa são do final de Dezembro de 2020, pelo que não poderia a recorrente ignorar que inexistia, à data, qualquer suspensão da obrigação de apresentação do livro físico, na medida em que a mesma já não existia há 8 meses.
LVIII- Como se viu antes, até a douta sentença, 4 anos depois, ainda desconhece o início e duração da suspensão de apresentação de livro de reclamações, assim como desconhece quais os diplomas que foram revogados e a sucessão legislativa referente à suspensão da apresentação do livro de reclamações.
LIX- Se assim é quanto a um Tribunal, o que se dirá de um comum cidadão, a viver um estado de emergência, nunca antes conhecido, com muitas pessoas a morrer nos hospitais, com alterações legislativas quase diárias.
LX- Ou seja, nem a douta sentença, para extrair estas conclusões, utilizou as regras da experiência comum nem a presunção natural.
LXI- Assim, essa matéria não pode ser dada como provada.
LXII- A douta sentença parece desconhecer, em absoluto, o estado de emergência vivido no país em Dezembro de 2020, as limitações e imposições feitas aos cidadãos e a generalizada confusão causada pelas constantes alterações legislativas.
LXIII- Se a obrigação tinha sido suspensa poucos meses antes com o fundamento de que estávamos perante um estado de emergência e de pandemia, quando esse estado voltou a ser declarado, normal e razoável seria acreditar que as medidas do passado se manteriam ou seriam repostas.
LXIV- Todo o país encontrava-se em estado de emergência e estava generalizado o pânico e o incentivo à ausência de contactos pessoais.
LXV- Não era sequer permitida a entrega presencial de objectos e todos os cidadãos evitavam contactos.
LXVI- Tudo o que se indicou sempre seria uma causa de exclusão da ilicitude, nomeadamente o exercício de um direito de necessidade.
LXVII- Quando, numa situação de emergência nacional, com a declaração de um epidemia altamente contagiosa pelo contacto humano e com objectos, causadora de morte ou doença grave, não criada pela arguida, esta, eventualmente, se recusou a entregar um objecto que depois lhe seria restituído, eventualmente contagiado, e existindo uma forma alternativa do terceiro fazer valer o seu direito (reclamação online), estamos, claramente numa situação de direito de necessidade prevista no artigo 34º do CP e que exclui a ilicitude do acto.
LXVIII- A desconsiderar-se tudo o que antes foi referido sempre a medida da pena é excessiva.
LXIX- Não agiu a arguida com dolo.
LXX- O nº1 do artigo 9º do Decreto-Lei no 156/2005, de 15 de Setembro, na redação em vigor à data dos autos dada pelo DL 9/2020 de 10/3 não indica que se trata de uma infracção económica grave.
LXXI- Até prevê, no seu número 2 a possibilidade de redução das coimas a metade quando a conduta é negligente.
LXXII- O artigo 51º do RGCO prevê, como alternativa às coimas, a admoestação do agente.
LXXIII-  Tal solução, caso não se dê por provada a defesa da arguida, é a que melhor se adequa ao caso.
LXXIV-  Mas,  mesmo  que  assim  não  se entenda, sempre, por força do nº 2 do citado artigo 9º do Decreto-Lei no 156/2005, a coima poderia ser reduzida a metade e a o valor a aplicar seria de 3.750 euros.
LXXV- A douta sentença violou o disposto nos artigos nº 3 do CSC nº 2 do artigo 9º do Decreto-Lei no 156/2005, nº 11 do DL 156/05, nº 15 do Decreto n.º 2-C/2020, nº 35º-I do Decreto-Lei nº 20/2020, 10º a 13º, 24º e seguintes da Lei no 17/2012, 169º do Código de Processo Penal e 371º, n.º1,doCódigo Civil, 125º,127º,128º,355º, 356ºe 357º, 374º, 379º do Código de Processo Penal”
Concluiu:
“Termos em que se requer que sejam conhecidas as invocadas nulidades da sentença e que o presente recurso seja julgado procedente e revogada a douta sentença ou alterada a coima fixada para uma admoestação ou fixação em 3.750 euros.”
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Admitido o recurso, respondeu a Autoridade Nacional de Comunicações, apresentando as seguintes conclusões:
“I. A decisão ora recorrida não é nula por ilegitimidade da ANACOM. Aliás, a própria alegação trazida pela Recorrente não pode ser objeto de recurso por constituir violação do disposto no n.º 1 do artigo 75.º do RGCO, considerando o teor do artigo 1.º da matéria de facto provada: “1) A recorrente presta serviços postais de exploração de centros de troca de documentos, serviços de correio expresso, bem com todos os serviços fora do âmbito do serviço universal nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 12.º da Lei n.º 17/2012, de 26/04, não sujeitos ao regime de licença individual.”
II. À data da prática dos factos em análise nos presentes autos a obrigação de disponibilização do livro de reclamações mantinha-se em vigor, pelo que a alegação da Recorrente de que se encontrava excecionada da apresentação do mesmo em virtude da situação de estado de emergência não procede.
III. No mais, sempre se dirá que a douta sentença recorrida fixou como matéria de facto provada n.º 6 e 7, que: “6) A recorrente conhecia e conhece bem as obrigações que impendem sobre si, designadamente as que respeitam à disponibilização do livro de reclamações que está sujeita por força do Decreto-Lei n.º156/2005, de 15/09.” e, “7) A recorrente sabia que estava obrigada a facultar imediatamente o livro de reclamações a qualquer cliente que o solicitasse num dos seus estabelecimentos.”, pelo que, o Tribunal de recurso não pode sequer conhecer estas alegações.
IV. Ao contrário do que a Recorrente pretende fazer crer, o facto de se servir da rede postal da Ibercourrier – sendo dela franchisada – e ter sido subcontratada por esta para a prestação de transporte (de encomendas e serviços postais),em nada invalida a sua atividade como prestadora de serviços postais, ao invés, até a cimenta – pelo que de modo nenhum o ponto 3 da matéria de facto provada é incongruente com os pontos 1 e 2, ou com o teor da sentença recorrida.
V. Torna-se evidente que o que a Recorrente pretende mais uma vez, de modo particularmente ardiloso – mas sem sucesso –, é colocar em causa os factos que se encontram assentes nos termos do n.º 1, 2 e 3 do artigo 75.º do RGCO, o que sabemos não poder ser objeto de recurso, e por isso, não poder ser conhecido pelo Tribunal ad quem.
VI. Não existe nulidade de sentença por desconsideração do depoimento da testemunha trazida pela Recorrente, uma vez que se trata de um “depoimento indireto (…) não pode ser valorado, nos termos do disposto no artigo 129.º do Código de Processo Penal, aplicável ex vi artigo 41.º do RGCO”.
VII. Foi evidente, não só durante a inquirição da testemunha em sede administrativa, mas também durante a audiência de discussão e julgamento, que a testemunha não assistiu a nenhum dos factos dos autos, limitando o seu depoimento a reproduzir o que ouviu dizer de terceiros, o que constitui depoimento indireto e por isso, proibido.
VIII. Não existe nulidade da sentença por valoração indevida do auto de notícia – tornando-se evidente (novamente) que a Recorrente procura apenas uma forma de trazer ao objeto do recurso a matéria de facto provada, nomeadamente os factos 3 e 4, pelo que a alegação não deverá ser objeto de conhecimento pelo Tribunal ad quem, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 75.º do RGCO.
IX. Na decisão ora recorrida o TCRS julgou como matéria de facto provada, o conhecimento por parte da recorrente das “obrigações que impendem sobre si, designadamente as que respeitam à disponibilização do livro de reclamações que está sujeita por força do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15/09.”
X. Determinando que a Recorrente “sabia que estava obrigada a facultar imediatamente o livro de reclamações a qualquer cliente que o solicitasse num dos seus estabelecimentos” e que, “(…) sabia também que a violação dessas obrigações constituía uma contraordenação”, agindo “de forma livre e consciente” ao não disponibilizar imediata e gratuitamente o livro de reclamações à utente assim que o solicitou.
XI. Mais uma vez, a Recorrente procura, com níveis de astúcia muito pouco subtis, colocar em causa a matéria de facto provada, em clara violação do que dispõe o n.º 1 do artigo 75.º do RGCO – pelo que a alegação de que não atuou com dolo não deve ser conhecida pelo Tribunal ad quem.
XII. A alegação da Recorrente de que o Tribunal a quo deveria ter optado pela aplicação de uma admoestação não deve proceder, e desde logo, porque a contraordenação praticada pela Recorrente nos presentes autos é especialmente gravosa, designadamente pelo facto de ter sido necessário o recurso às autoridades policiais para remoção da recusa da disponibilização do livro de reclamações.
XIII. Note-se também a este respeito, que o legislador – ao contrário do alegado pela Recorrente - na alteração introduzida ao Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro, estabeleceu que a violação da obrigação constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º daquele diploma constitui contraordenação económica grave, sendo que, atento o disposto no artigo 25.º do RJCE, apenas se admite a decisão de admoestação se a infração consistir em contraordenação classificada como leve e a reduzida culpa do arguido o justificar.
XIV. Ora, ainda que no RJCE tal classificação não exista, tal como demonstrado a contraordenação em causa nunca seria de reduzida gravidade, uma vez que dificultou que a utente em causa pudesse exercer, no imediato, o seu direito de queixa. E, nesse sentido, uma pena de admoestação nunca seria adequada.
XV. Assim, a pretendida aplicação de admoestação deve ser afastada, uma vez que, além de casos manifestamente excecionais – que aqui não se verificam –, quer o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão quer o Tribunal da Relação de Lisboa têm sido unânimes em determinar que as infrações legalmente qualificadas como graves e muito graves – e a verdade é que se trata de uma contraordenação grave – não devem ser punidas com sanções de admoestação.”
Concluiu:
“Termos em que, tudo visto e ponderado, deverão V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, rejeitar provimento ao recurso apresentado pela ACTIVOS 24 – Distribuição, Eventos e Logística, Unipessoal, Lda., pelos motivos melhor explicitados na MOTIVAÇÃO que antecede, mantendo-se a Sentença ora recorrida na ordem jurídica, assim se fazendo JUSTIÇA!”
*
O Ministério Público também respondeu, o que fez nos seguintes termos:
“…
Inconformada com o assim determinado vem agora a visada interpor recurso para este Tribunal da Relação, invocando, num arrazoado, salvo o devido respeito, pouco inteligível, supostas nulidades, a par de uma impugnação da matéria de facto que, face aos poderes de cognição previstos para este Tribunal em fase de recurso – artigo 75º do RGCO – não tem qualquer cabimento.
De qualquer modo, face ao que se encontra exposto nas conclusões oferecidas pela recorrente, tem-se por certo que, ao contrário do que ali suposto, a douta sentença não enferma de quaisquer vícios lógicos ou de fundamentação, mostrando-se escorreita e assertiva quer na enunciação da matéria de facto dada como assente, quer na própria da questão-de-facto e também da questão-de-direito.
Diga-se ainda que, nos tempos actuais, a questão de saber se a obrigação de apresentação indiscriminada do livro de reclamações recai invariável e imperativamente sobre um determinado operador económico, com contacto com o público em geral, o que não pode deixar de suceder, logo pela sua natureza intrínseca, com aquele que tem como actividade económica a prestação de quaisquer serviços postais (onde, justamente sempre se configura na sua essência a existência de uma comunicação entre um remetente e um destinatário, que é concretizada por um ou mais intermediários1 que chamam a si essa responsabilidade de preservar tal ‘circuito’ – e que por isso estão sujeitos à sindicâncialogo inicial dos próprios utentes/consumidores) – é algo que já se encontra por demais pacificado na jurisprudência.
De facto, por muito que a recorrente se esforce – atalhando por argumentos que contrariam a normatividade vigente – todas as normas atinentes à apresentação do livro de reclamações não deixa de ter como ratio maxima a protecção dos consumidores relativamente a disrupções de serviços que, quer a legislação da União Europeia, como o próprio Direito de Regulação Nacional, vêem como de carácter essencial.
Pelo que, de tudo quanto é dito, e da própria leitura da sentença que pela visada é posta em crise, bem se vê que, em lado algum, o tribunal recorrido – com jurisdição plena sobre todo os elementos de prova e sempre depositário de uma livre convicção legalmente prevista – se desviou de tal pressuposto;
Tendo apresentado as necessárias premissas, quer fácticas, quer jurídicas, para concluir pela prática pela visada da assinalada infracção.
Por outro lado, e já no que tange a um erro de direito – alegado, em todo o caso, de forma incipiente – quanto às normas de excepção advindas da chamada «Legislação Covid19», crê-se, salvo melhor opinião e melhor juízo, que razão alguma assiste à visada, porquanto, na data dos factos em causa, não estava em vigor qualquer norma transitória que dispensasse o cumprimento da obrigação de facultar o livro de reclamações a qualquer consumidor que o solicitasse.
Deste modo repita-se: todo o percurso lógico-argumentativo do tribunal recorrido, exposto na sentença aqui em análise, mostra-se transparente, coerente e não tributário de qualquer interpretação enviesada da lei;
Sendo certo que, a partir dos factos dados como provados, o tribunal recorrido expendeu uma fundamentação irrepreensível, tendo ditado ao caso concreto o direito aplicável, sem mais.
Pelo que, também ao nível do dispositivo, não se descortina qualquer contradição com as considerações tecidas em sede de fundamentação.”
Em síntese, CONCLUI-SE, que a douta sentença proferida não padece de qualquer vício de interpretação da lei aplicável, ou de qualquer contradição na sua fundamentação, ou entre esta e a decisão, e muito menos se observa que possa ter incorrido em qualquer erro de julgamento.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, e a douta sentença ser confirmada na sua íntegra.”
*
Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Senhor Procurador Geral Adjunto, apôs o seu visto, aderindo aos argumentos constantes da resposta apresentada pelo Ministério Público na primeira instância, pugnando pela improcedência do recurso.
*
A Recorrente não respondeu ao parecer. 
*
Após exame preliminar, foram os autos aos vistos e, de seguida, à conferência.
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II - Questões a decidir
Considerando que o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. os artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2 e 410º, n.º 2, als. a), b) e c) do Código de Processo Penal) e considerando que nos termos do artigo 75.º, n.º 1, do RGCO, este Tribunal apenas conhece de matéria de direito, importa conhecer das seguintes questões:
Nulidade da sentença.
- contradição insanável entre os factos provados e entre os factos provados e a decisão;
- erro notório na apreciação da prova;
Erro de direito.
- (in)competência da Anacom para instruir os presentes autos;
- tipo legal (não estar abrangida; estar suspensa a obrigação de facultar o livro de reclamações em resultado das Leis Covid-19; estado de necessidade; dolo);
- medida da coima (excessiva; admoestação; reduzida a metade).
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III - Fundamentação
A - Factos provados
A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos:
1) A recorrente presta serviços postais de exploração de centros de troca de documentos, serviços de correio expresso, bem como todos os serviços fora do âmbito do serviço universal nos termos do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 12º da Lei nº 17/2012, de 26/04, não sujeitos ao regime de licença individual.
2) A recorrente é uma empresa franchisada da marca MRW, que presta serviços de transporte postais para empresa Ibercourrier – Serviços de Transporte Urgente, Unipessoal, Lda, detentora da marca MRW, suportando-se na rede postal da MRW.
3) No dia 22 de dezembro de 2020, a utente (…) esteve no estabelecimento comercial da recorrente sito na Rua …, em Rio de Mouro, e solicitou o Livro de Reclamações.
4) O livro de reclamações não foi facultado de forma imediata à utente, razão pela qual esta solicitou a presença da autoridade policial.
5) Chegada ao local a Polícia de Segurança Pública interpelou a recorrente, que referiu ter-se tratado de um lapso dos seus funcionários, tendo de imediato cedido o livro de reclamações à utente.
6) A recorrente conhecia e conhece bem as obrigações que impendem sobre si, designadamente as que respeitam à disponibilização do livro de reclamações que está sujeita por força do Decreto-Lei nº 156/2005, de 15/09.
7) A recorrente sabia que estava obrigada a facultar imediatamente o livro de reclamações a qualquer cliente que o solicitasse num dos seus estabelecimentos.
8) E sabia também que a violação dessas obrigações constituía uma contra-ordenação, uma vez que tal se encontra previsto no mencionado diploma.
9) Assim, ao adoptar a conduta descrita, não tendo deliberadamente disponibilizado de forma imediata àquela cliente o livro de reclamações quando esta o solicitou, bem sabendo que a isso estava legalmente obrigada e que essa conduta constituía contra-ordenação, a recorrente agiu de forma livre e consciente.
10) Em 2020 a recorrente teve um volume de negócios de € 4.015.728,94, com um resultado líquido de € 189.275,66 e tinha 34 trabalhadores ao seu serviço.
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B - Factos não provados
A decisão recorrida não deu como provado o seguinte facto:
a) A recorrente não presta serviços postais.
b) A recorrente não negou a apresentação do livro de reclamações.
c) A utente apenas solicitou a apresentação do livro de reclamações após a chegada da PSP.
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Tendo ainda consignado que:
Tudo o mais que tenha sido alegado e não conste nos factos provados e não provados é matéria de direito, de natureza conclusiva ou irrelevante.
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IV - O Direito
Importa desde já assinalar que a Recorrente, no essencial, fundamentou as suas pretensões, sejam de índole processual, material ou substantiva, com base em factos que não constam do âmbito dos elencados pela sentença como provados ou mesmo retirando factos desta.
Efetivamente, ao longo da sua exposição, o seu enfoque, diríamos principal, está direcionado à factualidade fixada pelo Tribunal a quo, pondo em causa a apreciação feita da prova ou referindo a existência de contradição entre a mesma.
Naturalmente, como já referimos e também deram conta o MP e a Recorrida, existem limites legais à sindicância da decisão em crise que se colocam a este Tribunal de recurso.
Vejamos então.
- Nulidade da sentença por contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova.
Estando em causa o recurso da sentença que conheceu da impugnação judicial de uma decisão administrativa proferida em processo de contraordenação, o disposto no artigo 75º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27/10 (RGCO) estabelece que “se o contrário não resultar deste diploma, a 2.ª instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões”.
Não obstante, o artigo 410.º, n.º 2, do Código Processo Penal, aplicável por força do artigo 41.º do RGCO, determina que “mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) erro notório na apreciação da prova.”
Ora, é também com base nestas disposições que o Recorrente suscita a intervenção deste tribunal.
Vejamos se lhe assiste razão.
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A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, apenas se verificará quando, analisada a matéria de facto, se chegue a conclusões antagónicas entre si e que não possam ser ultrapassadas, ou seja, quando se dá por provado e como não provado o mesmo facto, quando se afirma e se nega a mesma coisa ao mesmo tempo, ou quando simultaneamente se dão como provados factos contraditórios ou quando a contradição se estabelece entre a fundamentação probatória da matéria de facto, sendo ainda de considerar a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão.
O STJ, sobre a alínea b) do n.º 2 do artigo em análise, decidiu que abrange “dois vícios distintos:
- A contradição insanável da fundamentação; e
- A contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.
No primeiro caso incluem-se as situações em que a fundamentação desenvolvida pelo julgador evidencia premissas antagónicas ou manifestamente inconciliáveis. Ocorre, por exemplo, quando se dão como provados dois ou mais factos que manifestamente não podem estar simultaneamente provados ou quando o mesmo facto é considerado como provado e como não provado. Trata-se de “um vício ao nível das premissas, determinando a formação deficiente da conclusão”, de tal modo que “se as premissas se contradizem, a conclusão logicamente correcta é impossível”.
Por seu turno, a contradição entre a fundamentação e a decisão abrange as situações em que os factos provados ou não provados colidem com a fundamentação da decisão. É o vício que se verifica, por exemplo, quando a decisão assenta em premissas distintas das que se tiveram como provadas.
O erro notório na apreciação da prova “consiste num vício de apuramento da matéria de facto, que prescinde da análise da prova produzida para se ater, somente, ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum.
Na lição do Prof. Germano Marques da Silva, regras da experiência comum, “são generalizações empíricas fundadas sobre aquilo que geralmente ocorre. Tem origem na observação de factos, que rotineiramente se repetem e que permite a formulação de uma outra máxima (regra) que se pretende aplicável nas situações em que as circunstâncias fáticas sejam idênticas. Esta máxima faz parte do conhecimento do homem comum, relacionado com a vida em sociedade.”. In " Curso de Processo Penal", Verbo, 2011, Vol. II, pág. 188.
Verifica-se o erro notório na apreciação da prova quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.
Existe, designadamente, “... quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida”. - Cf. Conselheiros Leal-Henriques e Simas Santos, obra citada, 2.º Vol., pág. 740 e, no mesmo sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 4-10-2001 (CJ, ASTJ, ano IX, 3º, pág.182) e acórdão da Rel. Porto de 27-9-95 (C.J., ano XX, 4º, pág. 231).
Por esta razão, na fundamentação da sentença, para além da enumeração dos factos provados e não provados, deve constar uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal (art.374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal).
Este erro na apreciação da prova tem de ser ostensivo, que não escapa ao homem com uma cultura média.
Dito de outro modo, o requisito da notoriedade do erro afere-se pela circunstância de não passar despercebido ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente Cf. Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341) (cfr. Ac. TRC de 10 de julho de 2018, proferido no âmbito do processo n.º 26/16.2GESRT.C1, in www.dgsi.pt).
Tais vícios têm, como se assinalou, que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da decisão que, por isso, quanto a eles, terá que ser autosuficiente.
Mas não pode incluir-se na insuficiência da matéria de facto, no erro notório na apreciação da prova, ou na contradição insanável da fundamentação, a sindicância que os recorrentes possam pretender fazer/efectuar à forma como os factos dados como provados foram julgados ou enquadrados juridicamente ou sequer àquela como o Tribunal Recorrido valorou a prova produzida perante si, valoração que aquele tribunal é livre de fazer, de harmonia com o preceituado no artigo 127.º, do Código Processo Penal.
Dito de outra forma, aqueles vícios têm de resultar do texto da decisão recorrida e não de elementos processuais a ela estranhos, ainda que produzidos no âmbito da discussão judicial do caso, designadamente depoimentos testemunhais, pelo que, a insuficiência da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação, ou contradição entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova devem resultar de per si do texto da decisão recorrida e ser analisados em função do aí consignado, conjugado com as regras de experiência.
“Por isso, fica excluída da previsão do preceito toda a tarefa de apreciação e ou valoração da prova produzida, em audiência ou fora dela, nomeadamente a valoração de depoimentos, mesmo que objecto de gravação, documentos ou outro tipo de provas, tarefa reservada para o conhecimento do recurso em matéria de facto” (CCP Comentado, 3.ª Ed revista, António Henriques Gaspar e outros, p. 1291), objecto de recurso que em matéria contraordenacional está excluído do Tribunal de 2ª instância, conforme decorre do referido art.º 75º nº 1 do RGCO.
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Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.
A Recorrente pugna que a decisão padece de contradição insanável entre os factos provados, tendo, para o efeito, alegado que:
“XIV - O que a douta sentença considerou como provado no ponto 3, entra em absoluta contradição com o que a douta sentença entendeu a final.
XV - Esta contradição inquina a decisão tomada quanto à actividade efectivamente exercida pela arguida, que deve, por isso, ser revogada.”

XL-      Os factos 1 e 2      da matéria provada estão em absoluta contradição entre si e com os fundamentos da sentença.
XLI- Ou seja, se a Recorrente presta serviços postais de exploração de centros de troca de documentos, serviços de correio expresso, os mesmos teriam, para assim serem considerados, que ser prestados ao público em geral.
XLII- Essa situação é incompatível com o facto 2., ou seja, que a recorrente presta serviços para a Ibercourier.
XLIII- Com a prova do facto 2. nunca poderia ser proferida uma decisão a considerar que a arguida presta serviços postais de exploração de centros de troca de documentos, serviços de correio expresso pois tal facto colide com o disposto nos artigos 10º a 13º, 24º e seguintes da Lei no 17/2012 que prevê que esse serviço seja público e que as licenças para o serviço são emitidas de forma individual pelo prestador do serviço.
XLIV- Se a arguida exercesse o serviço em causa teria que efectuar o serviço em seu nome e a todo o público.
XLV- Nunca seria possível à arguida exercer essa actividade tendo um único cliente (Ibercourier) ou através de uma rede detida por um terceiro (Ibercourier).
O Ministério Público, reportado a esta temática, refere que:
“… a douta sentença não enferma de quaisquer vícios lógicos ou de fundamentação, mostrando-se escorreita e assertiva quer na enunciação da matéria de facto dada como assente, quer na própria da questão-de-facto e também da questão-de-direito.
… a partir dos factos dados como provados, o tribunal recorrido expendeu uma fundamentação irrepreensível, tendo ditado ao caso concreto o direito aplicável, sem mais.”
Por sua vez, a ANACOM, a este respeito, refere que:
“IV. Ao contrário do que a Recorrente pretende fazer crer, o facto de se servir da rede postal da Ibercourrier – sendo dela franchisada – e ter sido subcontratada por esta para a prestação de transporte (de encomendas e serviços postais),em nada invalida a sua atividade como prestadora de serviços postais, ao invés, até a cimenta – pelo que de modo nenhum o ponto 3 da matéria de facto provada é incongruente com os pontos 1 e 2, ou com o teor da sentença recorrida.
V. Torna-se evidente que o que a Recorrente pretende mais uma vez, de modo particularmente ardiloso – mas sem sucesso –, é colocar em causa os factos que se encontram assentes nos termos do n.º 1, 2 e 3 do artigo 75.º do RGCO, o que sabemos não poder ser objeto de recurso, e por isso, não poder ser conhecido pelo Tribunal ad quem.”
Importa desde já referir que não se alcança qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.
Relativamente ao facto 3), que, recorde-se, dispõe que “No dia 22 de Dezembro de 2020, a utente (…) esteve no estabelecimento comercial da recorrente sito na Rua …, em Rio de Mouro, e solicitou o Livro de Reclamações”, está em consonância com a conclusão a que a decisão em crise chegou, ou seja, que a Recorrente negou à cliente identificada o livro de reclamações, e que só o disponibilizou quando interpelada pela PSP, sendo que tal ocorreu no estabelecimento comercial da Recorrente onde desenvolvia a atividade de “fornecedor de bens ou prestador de serviços ao público”.
Recordando que a pugnada contradição se tem que apurar – exclusivamente – do texto da decisão, impõe-se referir que não se vislumbra qualquer contradição.
Assim, como no caso dos factos 1) e 2) também não se vislumbra qualquer contradição entre estes, ou destes com a decisão.
Efetivamente, não se alcança em que medida seja incompatível uma Pessoa Coletiva, ainda que “franchisada da marca MRW”, prestar serviços postais de exploração de centros de troca de documentos, serviços de correio expresso, bem como todos os serviços fora do âmbito do serviço universal nos termos do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 12º da Lei nº 17/2012, de 26/04, não sujeitos ao regime de licença individual, tendo, inclusivé, um estabelecimento aberto ao público, e, simultaneamente, prestar serviços de transporte postais para a detentora da marca MRW.
A circunstância de existir uma relação comercial entre a Recorrente e a Ibercourrier não invalida, como é bom dever, que aquela mantenha a sua identidade, nomeadamente em termos de autonomia e, em particular, de responsabilidade pelos seus atos.  
Acresce referir que a conclusão a que chegou a decisão em crise também não se afasta destes pressupostos, ou seja, que a Recorrente no âmbito da sua atividade incumpriu com a obrigação assinalada.
Finalmente, cumpre ainda dar conta que não se compreende a posição Recorrente, particularmente perante a constatação feita pela sentença, de que é titular de uma autorização emitida pela ANACOM para distribuição de envios postais de correspondência, encomendas postais e mercadorias.
Assim, consideram-se inexistentes as pugnadas contradições.
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O erro notório na apreciação da prova.
A Recorrente pugna que a decisão padece de erro notório na apreciação da prova, tendo, para o efeito, alegado que:
“II- A douta sentença desconsiderou o depoimento dessa testemunha com indicação de que a mesma não tinha presenciado os factos.
III- O tribunal deveria ter explicado as razões que lhe determinaram a convicção de que  o  depoimento  da testemunha foi irrelevante, não bastando dizer que não presenciou alguns factos, tanto mais que a matéria em causa era do conhecimento directo do depoente e nenhuma relação directa tinha com os factos referentes à alegada falta de apresentação do livro de reclamações.

VI- O objecto social de uma empresa não é limitativo ou indicativo da actividade que a mesma, efectivamente, se dedica.
VII- Nos termos do disposto no nº 3 do CSC, compete aos sócios deliberar sobreas actividades compreendidas no objecto contratual que a sociedade efectivamente exercerá, bem como sobre a suspensão ou cessação de uma actividade que venha sendo exercida.
VIII- Sem a prova de que os sócios da arguida deliberaram exercer a actividade de serviços postais, algo que nunca ocorreu, nunca poderia a douta sentença, com apoio só no seu objecto social publicado, considerar que a arguida exercia a actividade de serviços postais.

XLVIII - Da leitura do auto de notícia percebemos que que os factos dos pontos 3. e 4. chegaram ao conhecimento do agente autuante por indicação verbal de terceiros.
XLIX- O valor probatório do auto de notícia, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 169º do Código de Processo Penal e 371º, n.º 1, do Código Civil, se circunscreve aos comportamentos presenciados e ao que foi percecionado diretamente pela autoridade policial, não se estendendo a outros contributos, mormente às declarações de terceiros aí eventualmente vertidas.
L- A valoração de declarações produzidas, na qualidade de lesado, de arguido ou de testemunha, antes da audiência de julgamento, e reproduzidas no auto de notícia, apenas pode ocorrer nos casos expressamente previstos e desde que verificados os necessários pressupostos, conforme estipulado nos artigos 355º, 356º e 357º do Código de Processo Penal.
LI- Assim, nunca poderia a douta sentença, com fundamento exclusivo no teor do auto de notícia, dar como provados os pontos 3 e 4.

LIII- No que respeita ao ponto 5., também nunca douta sentença poderia ter dado como provado que a recorrente foi interpelada, pois não é isso que consta do auto de notícia ou da acusação.

LV- Quanto aos factos indicados nos pontos 6 a 9, não se pode aceitar que os mesmos possam ter sido dados como provados.
LVI- Quanto à forma como adquiriu a convicção sobre esta matéria, a douta sentença indica que a mesma lhe chegou ao conhecimento por a ter extraído dos factos objectivos provados, tendo em conta as regras da experiência comum, e com base em presunção natural.
LVII- Mais afirma que: não pode colher o argumento de que havia confusão legislativa na altura, uma vez que a suspensão da obrigação de apresentação do livro de reclamações terminou em Maio de 2020 (sendo que apenas esteve apenas cerca de 1 mês vigente), conforme se analisou supra, e os factos em causa são do final de Dezembro de 2020, pelo que não poderia a recorrente ignorar que inexistia, à data, qualquer suspensão da obrigação de apresentação do livro físico, na medida em que a mesma já não existia há 8 meses.
LVIII- Como se viu antes, até a douta sentença, 4 anos depois, ainda desconhece o início e duração da suspensão de apresentação de livro de reclamações, assim como desconhece quais os diplomas que foram revogados e a sucessão legislativa referente à suspensão da apresentação do livro de reclamações.
LIX- Se assim é quanto a um Tribunal, o que se dirá de um comum cidadão, a viver um estado de emergência, nunca antes conhecido, com muitas pessoas a morrer nos hospitais, com alterações legislativas quase diárias.
LX- Ou seja, nem a douta sentença, para extrair estas conclusões, utilizou as regras da experiência comum nem a presunção natural.”
O Ministério Público, reportado a esta temática, refere que:
“… tudo quanto é dito, e da própria leitura da sentença que pela visada é posta em crise, bem se vê que, em lado algum, o tribunal recorrido – com jurisdição plena sobre todo os elementos de prova e sempre depositário de uma livre convicção legalmente prevista – se desviou de tal pressuposto;
Tendo apresentado as necessárias premissas, quer fácticas, quer jurídicas, para concluir pela prática pela visada da assinalada infracção.”
Por sua vez, a ANACOM, a este respeito, refere que:
“VI. Não existe nulidade de sentença por desconsideração do depoimento da testemunha trazida pela Recorrente, uma vez que se trata de um “depoimento indireto (…) não pode ser valorado, nos termos do disposto no artigo 129.º do Código de Processo Penal, aplicável ex vi artigo 41.º do RGCO”.
VII. Foi evidente, não só durante a inquirição da testemunha em sede administrativa, mas também durante a audiência de discussão e julgamento, que a testemunha não assistiu a nenhum dos factos dos autos, limitando o seu depoimento a reproduzir o que ouviu dizer de terceiros, o que constitui depoimento indireto e por isso, proibido.
VIII. Não existe nulidade da sentença por valoração indevida do auto de notícia – tornando-se evidente (novamente) que a Recorrente procura apenas uma forma de trazer ao objeto do recurso a matéria de facto provada, nomeadamente os factos 3 e 4, pelo que a alegação não deverá ser objeto de conhecimento pelo Tribunal ad quem, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 75.º do RGCO.
IX. Na decisão ora recorrida o TCRS julgou como matéria de facto provada, o conhecimento por parte da recorrente das “obrigações que impendem sobre si, designadamente as que respeitam à disponibilização do livro de reclamações que está sujeita por força do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15/09.”
X. Determinando que a Recorrente “sabia que estava obrigada a facultar imediatamente o livro de reclamações a qualquer cliente que o solicitasse num dos seus estabelecimentos” e que, “(…) sabia também que a violação dessas obrigações constituía uma contraordenação”, agindo “de forma livre e consciente” ao não disponibilizar imediata e gratuitamente o livro de reclamações à utente assim que o solicitou.”
XI. Mais uma vez, a Recorrente procura, com níveis de astúcia muito pouco subtis, colocar em causa a matéria de facto provada, em clara violação do que dispõe o n.º 1 do artigo 75.º do RGCO – pelo que a alegação de que não atuou com dolo não deve ser conhecida pelo Tribunal ad quem.
A respeito da desconsideração da testemunha, como dão conta as Recorridas, não se verificam os pressupostos para, sequer, se considerar o apontado vício.
Efetivamente, a Recorrente mais não faz que questionar a ponderação efetuada pelo Tribunal a quo reportada ao depoimento da testemunha, pois que alude ao que supostamente disse e à respetiva razão de ciência.
Estes argumentos, como é bom de ver, correspondem, antes, ao erro de julgamento, corrigível por via da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, que, como já dissemos, não cabe manifestamente no artigo 410.º do CPP.
Não obstante, julgamos que se impõe fazer uma breve referência à pugnada necessidade de “referência ao que a testemunha disse”, pois que, ao contrário do que a Recorrente refere, ela, apesar de entendermos não ser um imperativo legal, sendo antes uma prática seguida por muitos, mas no caso mostra-se efetuada, conforme evidencia a citação colocada entre aspas do que a testemunha disse.
Relativamente à prova da atividade desenvolvida, ou, à alegada necessidade da prova da deliberação dos sócios da arguida, não vemos, com todo o respeito, que exista meio de prova “vinculado”, em particular no âmbito das contraordenações, para se dar como provado a atividade desenvolvida.
Dito de outra forma, a factualidade em análise prova-se por qualquer meio, desde que, está claro, seja demonstrativo da sua verificação e o julgador a considere plausível e convincente para o efeito.
Nessa medida, o que a Recorrente visa, tal como no caso anterior, é ver sindicada a opção efetuada pelo Tribunal a quo, quando é certo que, repete-se, é diverso a “apreciação da prova errada” do “erro notório”.
No que diz respeito ao auto de notícia, além de invocar normas do CPP, cuja aplicação deve ser adaptada ao âmbito das contraordenações, nomeadamente à reconhecida jurisdição alargada e, em particular, ao poder/ dever que se coloca ao juiz de busca da verdade na prova produzida nas fases administrativa e judicial.
Porém, mais relevante, diríamos, a pretensão da Recorrente, ao fazer apelo ao conteúdo do auto de notícia para justificar a sua divergência quanto às conclusões retiradas pelo Tribunal a quo, como é bom de ver, está novamente a impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Relativamente à interpelação, ou seja, ao facto 5), porque as premissas adiantadas são as mesmas, pois refere-se ao conteúdo do auto de notícia.
Não obstante, refere ainda que tal facto não consta da acusação, porém, compulsada a decisão administrativa, resulta no ponto 7) dos factos (matéria de facto dada como provada) que “Chegada ao local, a Polícia de Segurança Pública interpelou a arguida, que então alegou ter-se tratado de um lapso dos seus funcionários, e que de imediato cedeu o livro de reclamações à utente”, pelo que não se compreende a sua posição.
Finalmente, no que diz respeito aos factos 6) a 9), põe em causa a forma como o Tribunal “adquiriu a convicção sobre esta matéria”.
O Tribunal fundamenta a sua posição da seguinte forma:
“No que respeita ao elemento subjectivo enformador da conduta em análise, referido em 6) a 9) dos factos provados, e porque insusceptível de prova directa, dada a sua natureza, extrai-se dos factos objectivos provados que, tendo em conta as regras da experiência comum, e com base em presunção natural, permitem de forma segura inferir tal factualidade. Tendo em conta a actividade desenvolvida pela recorrente era-lhe exigível que facultasse de forma imediata o livro quando tal lhe foi solicitado, independentemente de a utente ter a faculdade de também poder fazer a reclamação via on-line, sendo que tal configura uma faculdade do utente (cfr. artigo 5º-C do diploma legal), pelo que, tendo a reclamante optado por solicitar o livro de reclamações este deveria ter-lhe sido facultado de imediato, o que a recorrente bem sabia. Não obstante manteve tal recusa mesmo quando a utente informou que chamaria ao local a PSP, o que demonstra a clara intenção de não facultar o livro de reclamações à utente, o que apenas veio a suceder após a presença da PSP no local. Por outro lado, não pode colher o argumento de que havia confusão legislativa na altura, uma vez que a suspensão da obrigação de apresentação do livro de reclamações terminou em Maio de 2020 (sendo que apenas esteve apenas cerca de 1 mês vigente), conforme se analisou supra, e os factos em causa são do final de Dezembro de 2020, pelo que não poderia a recorrente ignorar que inexistia, à data, qualquer suspensão da obrigação de apresentação do livro físico, na medida em que a mesma já não existia há 8 meses.”
A explicação dada pelo Tribunal a quo, salvo o devido respeito, afasta qualquer pretensão que se possa ter de a “colar” à figura do erro notório na apreciação da prova.
Efetivamente, o Tribunal conclui que a Recorrente conhecia e conhece as suas obrigações, nomeadamente a necessidade de disponibilizar o livro de reclamações, naturalmente ao cliente que o solicitasse, como foi o caso, as consequências de não o fazer e, por fim, que ao não o ter disponibilizado agiu de forma livre e consciente.
A explicação dada pelo Tribunal a quo, ao nível da fundamentação, é coerente e conforme às regras da experiência. 
Aliás, não é natural que uma pessoa, singular ou coletiva, em particular uma coletiva que atua no âmbito de uma determinada atividade, conheça as suas obrigações legais, bem como que alcance as consequências do seu incumprimento, julgamos que sim.
Assim como também julgamos conforme às regras da experiência que uma pessoa coletiva que tem 34 trabalhadores ao seu serviço e um volume de negócios de Euros 4.015.728,94 (facto 10), ou seja, uma Pessoa Coletiva com uma dimensão assinável, certamente meritória para o atingir, tenha, ou deva ter, uma organização capaz e responsável. 
Nessa medida, consideramos que o desenvolvimento fático a que se chegou não apresenta nada de anormal do ponto de vista de um homem de formação média, à lógica mais elementar e às regras da experiência, não sendo, por isso, evidente qualquer erro crasso ou clamoroso.  
Dito isto, improcede, pois, a pugnada nulidade.
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Erro de direito.
Chegados a este ponto, importa verificar se a decisão em crise padece de outro vício que comprometa a sua validade.
Da (in)competência da Anacom para instruir os presentes autos.
A decisão do Tribunal a quo a respeito da competência da Anacom, face à factualidade apurada e ao disposto nos artigos 11.º, n.º 1, al. j) do DL 156/2005, de 15 de setembro, e 10.º, al. e), do respetivo Anexo, merece a nossa total concordância.
Efetivamente, perante a constatação da atividade desenvolvida, reforçada, certamente, pelo objeto societário e pela circunstância de dispor de licença para o efeito, não vemos que seja defensável a posição da Recorrente.
Nessa medida, improcede a pretensão da Recorrente.
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Do tipo legal da infração.
A Recorrente pugna não ter violado a obrigação de disponibilizar o livro de reclamações conforme previsto nos artigos 11.º, n.º 1, al. j) do DL 156/2005, de 15 de setembro, e 10.º, al. e), do respetivo Anexo.
A sua posição encontra fundamento na divergência já assinalada relativamente à matéria de facto apurada.
Porém, assente que se mostra a factualidade, provada e não provada, é com esta que se impõe aquilatar as demais questões suscitadas.
Vejamos então o tipo legal pelo qual foi condenada.
Estabelece o artigo 3.º do DL n.º 156/2005, de 15 de setembro, na versão decorrente do DL n.º 9/2020, de 10 de março, sob a epígrafe “Obrigações do fornecedor de bens ou prestador de serviços”, que:
“1 - O fornecedor de bens ou prestador de serviços é obrigado a:
a) Possuir o livro de reclamações nos estabelecimentos a que respeita a atividade;
b) Facultar imediata e gratuitamente ao consumidor ou utente o livro de reclamações sempre que por este tal lhe seja solicitado, sem prejuízo de serem observadas as regras da ordem de atendimento previstas no estabelecimento comercial, com respeito pelo regime de atendimento prioritário;
c) Afixar no seu estabelecimento, em local bem visível e com caracteres facilmente legíveis pelo consumidor ou utente, a seguinte informação:
i) «Este estabelecimento dispõe de livro de reclamações»;
ii) «Entidade competente para apreciar a reclamação: [identificação e morada completas da entidade]».
d) Manter, por um período mínimo de três anos, um arquivo organizado dos livros de reclamações que tenha encerrado;
e) Proceder ao envio dos originais das folhas de reclamação e documentos a que se refere o n.º 2 do artigo 5.º
2 - O fornecedor de bens ou prestador de serviços não pode, em caso algum, justificar a falta de livro de reclamações no estabelecimento onde o consumidor ou utente o solicita pelo facto de o mesmo se encontrar disponível noutros estabelecimentos, dependências ou sucursais, ou pelo facto de disponibilizar o formato eletrónico do livro de reclamações.
3 - O fornecedor de bens ou o prestador de serviços não pode impor qualquer meio alternativo de formalização da reclamação antes de ter disponibilizado o livro de reclamações, nem condicionar a apresentação da reclamação, designadamente, à necessidade de identificação do consumidor ou utente.
4 - Quando o livro de reclamações não for imediatamente facultado ao consumidor ou utente, este pode requerer a presença da autoridade policial a fim de remover essa recusa ou de que essa autoridade tome nota da ocorrência e a faça chegar à entidade competente para fiscalizar o setor em causa.
5 - O prestador de serviço público essencial, a que se refere a Lei n.º 23/96, de 26 de julho, alterada pelas Leis n.ºs 12/2008, de 26 de fevereiro, 24/2008, de 2 de junho, 6/2011, de 10 de março, 44/2011, de 22 de junho, e 10/2013, de 28 de janeiro, é obrigado a responder ao consumidor e utente no prazo máximo de 15 dias úteis a contar da data da reclamação lavrada no livro de reclamações.”
A subsunção da factualidade apurada ao citado artigo é inequívoca, sendo certo que não parece ser essa a divergência da Recorrente.
A divergência existe quanto ao tipo subjetivo, pois considera que não agiu com dolo.
Porém, relembrando a factualidade apurada, não podemos deixar de considerar preenchidos os elementos objetivo e subjetivo do tipo legal, sendo este último a título doloso, na modalidade mais grave, ou seja, direto.
Efetivamente, para efeitos do tipo subjetivo, julgamos ser relevante considerar os factos provados 6) a 9).
Resulta destes factos que a Recorrida conhecia as obrigações legais a que estava sujeita, designadamente a obrigação de disponibilizar o livro de reclamações a qualquer cliente que o solicitasse num dos seus estabelecimentos e que a sua inobservância constituía contraordenação.
Mais resulta que ao adotar a conduta apurada, ou seja, não tendo deliberadamente disponibilizado de imediato o livro à cliente, ciente da sua obrigação, agiu de forma livre, voluntária e consciente.
Prosseguindo.
A conclusão a que chegamos pressupõe, naturalmente, que se considere que a obrigação de disponibilização do livro de reclamações persistia ou, como refere a Recorrente, não se mostrasse suspensa.
Vejamos então.
Da suspensão da obrigação de facultar o livro de reclamações em resultado das Leis Covid-19.
A Recorrida, em síntese, entende que “desde o dia 17 de Abril de 2020 com a publicação do Decreto n.º 2-C/2020, de 17 de abril e, pelo menos até à data dos factos, ficou suspensa a obrigação de facultar o livro de reclamações de forma imediata e gratuita, ao consumidor ou utente, bem como o cumprimento do prazo de envio da reclamação, conforme disposto no artigo 15º do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro.”
Fundamenta a sua interpretação no citado Decreto, 2-C/2020, de 17 de abril, no artigo 35.º I do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, no Decreto do Presidente da República n.º 51-U/2020, no Decreto 8/2020, de 8 de novembro, na Resolução do Conselho de Ministros n.º 92-A/2020, de 2 de novembro, na Resolução n.º 89-A/2020, no Decreto do Presidente da República 61-A/2020 e no artigo 60.º do Decreto n.º 11/2020, de 6 de dezembro.
O Ministério Público, reportado a esta temática, refere que:
“Por outro lado, e já no que tange a um erro de direito – alegado, em todo o caso, de forma incipiente – quanto às normas de excepção advindas da chamada «Legislação Covid19», crê-se, salvo melhor opinião e melhor juízo, que razão alguma assiste à visada, porquanto, na data dos factos em causa, não estava em vigor qualquer norma transitória que dispensasse o cumprimento da obrigação de facultar o livro de reclamações a qualquer consumidor que o solicitasse.”
Por sua vez, a ANACOM, a este respeito, refere que:
12. Na verdade, a conclusão que a Recorrente procura firmar está completamente ferida de sentido ou lógica, pois que se agarra à fixação, que só pode ser considerada um apriorismo sem qualquer respaldo no ordenamento jurídico, de que a existência de um estado de emergência implicaria necessária e automaticamente a suspensão da obrigação de apresentação imediata e gratuita do livro de reclamações, quando sabemos que não foi isso que sucedeu na realidade.
13. De facto, e como demonstrou-se na decisão administrativa, o artigo 15.º do Decreto n.º 2-C/2020, de 17 de abril, estabelecia que “durante o período em que vigorar o estado de emergência, são suspensas as seguintes obrigações decorrentes do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, na sua redação atual: a) a obrigação de facultar imediata e gratuitamente ao consumidor ou utente, o livro de reclamações a que se refere a alínea e) do n.º 1 do artigo 3.º daquele diploma.”
14. Porém, o Decreto n.º 2-C/2020, de 17 de abril, foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, que procedeu à sétima alteração do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março. De acordo com este diploma, a partir das zero horas de 2 de maio de 2020, o Decreto n.º 2-C/2020, de 17 de abril, deixou de vigorar, uma vez que o Decreto do Presidente da República n.º 20-A/2020, de 17 de abril, que este veio regulamentar, também deixou de estar em vigor.
15. Já o Decreto do Presidente da República n.º 61-A/2020, de 4 de dezembro, que a Recorrente refere como sendo fundamento para a exceção de disponibilização do livro de reclamações, não inclui a obrigação de disponibilização do livro de reclamações no leque de direitos suspensos.
16. Nem sequer dispõe em lado algum que a declaração de um estado de emergência anda de mãos dadas com a suspensão da obrigação de apresentação do livro de reclamações – essa é tão somente uma conclusão a que a Recorrente se agarra para tentar justificar a sua evidente violação da obrigação em causa.
17. Posto isto, à data da prática dos factos em análise nos presentes autos a obrigação de disponibilização do livro de reclamações mantinha-se em vigor, pelo que a alegação da Recorrente segundo a qual se encontraria excecionada da apresentação do mesmo em virtude da situação de estado de emergência não procede.”
Finalmente, a sentença, a este respeito, decidiu que:
“O Decreto nº 2-C/2020, de 17 de Abril estabeleceu no artigo 15º que “durante o período em que vigorar o estado de emergência, são suspensas as seguintes obrigações decorrentes do Decreto-Lei nº 156/2005, de 15 de setembro, na sua redação atual: a) a obrigação de facultar imediata e gratuitamente ao consumidor ou utente, o livro de reclamações a que se refere a alínea e) do nº 1 do artigo 3º daquele diploma.”. É, assim, um facto que a obrigação de apresentação do livro de reclamações se encontrou efectivamente suspensa.
No entanto, o Decreto-Lei nº 20/2020, de 01/05 veio revogar o Decreto nº 2-C/2020, o que aconteceu a partir das 00.00 horas de 2 de Maio de 2020, momento a partir do qual se voltou a restabelecer a obrigação de apresentação do livro de reclamações, obrigação essa que não voltou a ser suspensa por qualquer outra legislação temporária determinada pelo estado de emergência.
Pelo exposto, julga-se improcedente a excepção de obrigação de apresentação do livro de reclamações à data da prática dos factos.”
Vejamos então se, em 22 de dezembro de 2020, data da prática dos factos em análise, a obrigação estava ou não suspensa.
Existe consenso quanto ao facto de o Decreto 2-C/2020, de 17 de abril, suspender a obrigação em análise, ou seja, a obrigação de facultar imediatamente e gratuitamente ao consumidor ou utente, o livro de reclamações.
Centremo-nos, então, em 22 de dezembro de 2020.
O DL n.º 20/2020, de 1 de maio, no respetivo preâmbulo, além do mais, dá conta que Atento ao facto de o último Decreto do Presidente da República que decreta o estado de emergência cessar os seus efeitos às 23:59 h do dia 2 de maio, o Decreto n.º 2-C/2020, de 17 de abril, que regulamentava este estado de emergência, vai igualmente deixar de vigorar.
Não obstante o fim da sua vigência, no Decreto n.º 2-C/2020, de 17 de abril, constavam várias normas cuja aplicabilidade - desde que com respeito dos direitos, liberdades e garantias consagrados na Constituição da República Portuguesa - se torna essencial manter, embora agora sob forma de decreto-lei, na medida em que tais normas são fundamentais para mitigar o risco de um retrocesso no sucesso das medidas adotadas desde 13 de março de 2020.
É igualmente intenção do Governo iniciar o processo - ainda que lento e gradual - de levantamento das medidas de confinamento. Neste contexto, importa assim acautelar que a forma gradual como deve operar a retoma da normalidade possível seja refletida do ponto de vista legislativo. Para o efeito, a título exemplificativo, devem ser implementadas regras que assegurem a retoma gradual do funcionamento dos serviços públicos ou a forma como devem ser atendidos documentos expirados que não puderam, entretanto, ser renovados em face do contexto vivido, bem como deve ser assegurado que as autoridades competentes continuam a ter condições para assegurar o escrupuloso respeito pelos direitos dos trabalhadores.
Deste modo, o objeto do presente decreto-lei é constituído, por um lado, pelas normas que constavam dos decretos do Governo que regulamentavam o estado de emergência - e cuja admissibilidade nesta sede se afigura possível - e, por outro lado, pelas normas que se afiguram como importantes para assegurar a reposição - ainda que gradual e lenta - da normalidade possível.”(destaques nossos)
Dispõe o artigo 3.º, sob a epígrafe “Aditamento ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março”, que:
“São aditados ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, na sua redação atual, os artigos 13.º-A a 13.º-C, 15.º-A, 25.º-A a 25.º-C, 34.º-A e 34.º-B e 35.º-A a 35.º-I, com a seguinte redação: 

Artigo 35.º-I
Suspensão de obrigações relativas ao livro de reclamações em formato físico durante o período em que vigorar o estado epidemiológico resultante da doença COVID-19, são suspensas as seguintes obrigações decorrentes do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, na sua redação atual:
a) A obrigação de facultar imediata e gratuitamente ao consumidor ou utente o livro de reclamações a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º daquele decreto-lei;
b) A obrigação de cumprimento do prazo no envio dos originais das folhas de reclamação a que se refere a alínea e) do n.º 1 do artigo 3.º daquele decreto-lei.»”
Estabelece o artigo 6.º, sob a epígrafe “Produção de efeitos”, que:
O presente decreto-lei produz efeitos a 3 de maio de 2020, salvo no que concerne ao disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, com a redação dada pelo presente decreto-lei, que produz efeitos a 13 de março de 2020.”
Dispõe o artigo 7.º, sob a epígrafe “Entrada em vigor”, que:
“O presente decreto-lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.”
Por sua vez, a Lei n.º 31/2020, de 11 de agosto, procedeu à alteração do DL n.º 20/2020, de 1 de maio.
Estabelece o artigo 2.º, sob a epígrafe “Alteração ao Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio”, que:
“…
Artigo 35.º-I
(…)
(Revogado)»”
Dispõe o artigo 3.º, sob a epígrafe “Norma revogatória”, que:
É revogado o artigo 35.º-I do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio.” (destaque nosso)
Estabelece o artigo 4.º, sob a epígrafe “Produção de efeitos”, que:
“1 – Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a presente lei produz efeitos a 3 de maio de 2020.
2 – A redação dada pela presente lei ao artigo 28.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo Decreto-Lei n.º 20-C/2020, de 7 de maio, produz efeitos a 8 de maio.”
Finalmente, o Decreto do Presidente da República n.º 61-A/2020, de 4 de dezembro, “Renova a declaração do estado de emergência, com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública”, consignado no respetivo preâmbulo que:
“…
Esta renovação habilitará o Governo a manter e tomar as medidas que considere adequadas para combater a pandemia e continuar a atenuar os riscos de contágio.
Estabelece o artigo 3.º que “a renovação do estado de emergência tem a duração de 15 dias, iniciando-se às 00h00 do dia 9 de dezembro e cessando às 23h59 do dia 23 de dezembro de 2020, sem prejuízo de eventuais renovações, nos termos da lei.” 
Da conjugação das citadas disposições legais resulta, pois, que em 22 de dezembro 2020 se mantinha o estado de emergência.
Porém, também resulta que a norma legal que havia suspendido a obrigação a que nos vimos referindo, foi revogada e, nessa medida, a suspensão decretada cessou.
A circunstância de ter sido renovado o estado de emergência, ao contrário do que parece ser o entendimento da Recorrente, não faz renascer as medidas que nesse mesmo âmbito haviam sido revogadas.
Aliás, o decreto preambular citado dá conta desse caminho, pois que assinala a “intenção do Governo iniciar o processo - ainda que lento e gradual - de levantamento das medidas de confinamento”, sendo sobejamente conhecidas medidas que ao longo do estado de emergência foram sendo abandonadas pelo legislador, nomeadamente na área da administração da justiça.
Nessa medida, julgamos que improcede a pretensão da Recorrente de se considerar suspensa, em 22 de dezembro de 2020, a obrigação de disponibilização do livro de reclamações.
*
Relativamente à pugnada verificação do estado de necessidade, que exclui a ilicitude, conforme resulta do artigo 34.º do CP, a Recorrente alega que:
“LXII- A douta sentença parece desconhecer, em absoluto, o estado de emergência vivido no país em Dezembrode 2020, as limitações e imposições feitas aos cidadãos e a generalizada confusão causada pelas constantes alterações legislativas.
LXIII- Se a obrigação tinha sido suspensa poucos meses antes com o fundamento de que estávamos perante um estado de emergência e de pandemia, quando esse estado voltou a ser declarado, normal e razoável seria acreditar que as medidas do passado se manteriam ou seriam repostas.
LXIV- Todo o país encontrava-se em estado de emergência e estava generalizado o pânico e o incentivo à ausência de contactos pessoais.
LXV- Não era sequer permitida a entrega presencial de objectos e todos os cidadãos evitavam contactos.
LXVI- Tudo o que se indicou sempre seria uma causa de exclusão da ilicitude, nomeadamente o exercício de um direito de necessidade.
LXVII- Quando, numa situação de emergência nacional, com a declaração de um epidemia altamente contagiosa pelo contacto humano e com objectos, causadora de morte ou doença grave, não criada pela arguida, esta, eventualmente, se recusou a entregar um objecto que depois lhe seria restituído, eventualmente contagiado, e existindo uma forma alternativa do terceiro fazer valer o seu direito (reclamação online), estamos, claramente numa situação de direito de necessidade prevista no artigo 34º do CP e que exclui a ilicitude do acto.”
Vejamos então se se verifica a causa de exclusão da ilicitude.
Estabelece o artigo 34.º do CP, sob a epígrafe “Direito de necessidade”, que:
“Não é ilícito o facto praticado como meio adequado para afastar um perigo actual que ameace interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro, quando se verificarem os seguintes requisitos:
a) Não ter sido voluntariamente criada pelo agente a situação de perigo, salvo tratando-se de proteger o interesse de terceiro;
b) Haver sensível superioridade do interesse a salvaguardar relativamente ao interesse sacrificado; e
c) Ser razoável impor ao lesado o sacrifício do seu interesse em atenção à natureza ou ao valor do interesse ameaçado.
Novamente, cumpre verificar a pretensão da Recorrente reportada à realidade factual apurada nos autos.
Esta, salvo o devido respeito, não preenche, de todo, os requisitos da citada norma. 
Efetivamente, não resulta da factualidade que a pretensão da cliente foi negada por forma a se evitar afastar um perigo atual.
Já vimos que esse perigo, em abstrato, face à evolução legislativa reportada ao estado de emergência, se mostrava inexistente, logo, para se verificar, importava a verificação de circunstâncias demonstrativas do mesmo.
Porém, repetindo-nos, não se mostrando provado, improcede também a pretensão da Recorrente.  
*
Da coima. (excessiva; admoestação; reduzida a metade).
A Recorrente pugna que devia ter sido aplicada a admoestação ou, em alternativa, a redução da coima a metade.
Para o efeito alega que não agiu com dolo e que não se trata de infração económica grave. 
Por sua vez, a ANACOM, a este respeito, refere que a contraordenação praticada é especialmente gravosa, designadamente pelo facto de ter sido necessário o recurso às autoridades policiais para remoção da recusa da disponibilização do livro de reclamações, sendo, igualmente, face à dimensão e experiência, bastante censurável o comportamento da Recorrente.
Mais refere, que as exigências de prevenção gerais são elevadas, o que importa que se afaste a aplicação da admoestação.
Finalmente, que o legislador através do DL n.º 9/2021, de 29 de janeiro, que alterou o DL n.º 156/2005, passou a considerar grave a contraordenação objeto dos autos.
A sentença proferida pelo Tribunal a quo, como vimos, manteve a decisão administrativa que condenou a Recorrida, além do mais, na coima de Euros 7.500,00 pela prática dolosa de 1 (uma) contraordenação, prevista e punida pelos artigos 3.º, n.º 1, al. b) e 9.º, n,º 1, al. a), ambos do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, em vigor à data dos factos.
Vejamos.
Importa assinalar que, estando perante uma contraordenação punível com coima de Euros 7.500,00 a Euros 15.000,00.
Efetivamente, não se mostrando qualificada como grave ou muito grave, o legislador, reportado à legislação em vigor aquando da prática dos factos, “quando o livro de reclamações não for imediatamente facultado ao consumidor ou utente e este requerer a presença da autoridade policial a fim de remover essa recusa ou de que essa autoridade tome nota da ocorrência e a faça chegar à entidade competente para fiscalizar o setor em causa”, estabelece que o montante da coima a aplicar não pode ser inferior a metade do montante máximo da coima prevista.
Por sua vez, o Regime Quadro das Contraordenações do Setor das Comunicações (Lei n.º 99/2009, de 4 de setembro), no n.º 4 do artigo 1.º, reportado ao objeto e âmbito, dispõe que “as normas constantes da presente lei não são aplicáveis aos ilícitos previstos na … e no Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, sem prejuízo da competência neles atribuída ao ICP-ANACOM.”     
Nessa medida, não prevendo o DL 156/2005 critérios para a escolha da sanção e para a sua dosimetria e mostrando-se afastado o RQCSC, importa fazer apelo ao DL 433/82, de 27 de setembro, na qualidade de regime geral das contraordenações.
Estabelece o artigo 18.º, sob a epígrafe “Determinação da medida da coima”, que:
“1 - A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação.
2 - Se o agente retirou da infracção um benefício económico calculável superior ao limite máximo da coima, e não existirem outros meios de o eliminar, pode este elevar-se até ao montante do benefício, não devendo, todavia, a elevação exceder um terço do limite máximo legalmente estabelecido.
3 - Quando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade.”
Dispõe o artigo 51.º, sob a epígrafe “Admoestação”, que:
“1 - Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.
2 - A admoestação é proferida por escrito, não podendo o facto voltar a ser apreciado como contra-ordenação.”
O Tribunal a quo, tendo feito apelo ao citado artigo, bem como ao artigo 60.º do Código Penal, aplicável enquanto regime subsidiário, por força do artigo 41.º do RGCO, e citado jurisprudência, afastou a aplicação da admoestação ao caso sub judice.
Referiu então que:    
“No presente caso, atenta a qualificação legal da infracção imputada como sendo grave, e decorrente da moldura sancionatória aplicável, a intensidade da lesão dos interesses protegidos pela norma de previsão que contende com a protecção do consumidor, impele o julgador à escolha de uma sanção mais gravosa do que a sanção de admoestação, atenta a necessidade de maior assertividade no sancionamento destas condutas.
O Tribunal entende que, além da culpa demonstrada, a natureza grave da contra-ordenação confrontada com as finalidades de prevenção especial e geral, não justificam que se faça uso da sanção de admoestação, por se entender que a solene censura a proferir oralmente não se reputaria adequada à responsabilização contra-ordenacional da recorrente.”
Importa desde já referir que se concorda com a opção de afastar a sanção de admoestação, ainda que discordando de que a infração seja legalmente qualificada de grave.
Efetivamente, como vimos, no âmbito do DL 156/2005, o legislador não qualificou a contraordenação, mesmo quando fixou o limite mínimo da coima em valor superior decorrente da intervenção da autoridade policial.
Porém, não estando então afastada a sua aplicação por força da qualificação como grave, a verdade é que se concorda que em concreto, conforme a factualidade apurada o demonstra, a gravidade da infração não se pode considerar reduzida, em particular pelo facto de conduta ter persistido no tempo, e, em especial, a culpa do agente, que se mostra elevada, não justifica o recurso à admoestação.
No que respeita à pugnada redução da coima a metade, que a Recorrente justificou com a prática da mesma a título negligente e o regime previsto no n.º 2 do artigo 9.º do DL n.º 156/2005, a factualidade apurada afasta essa possibilidade, pois, como vimos, resultou provada a sua prática a título doloso, pelo que tem de improceder a sua pretensão. 
Finalmente, importa agora sopesar a factualidade apurada conforme determina o citado artigo 18.º do RGCO.
Porém, considerando que a coima aplicada pelo Tribunal a quo se pautou pelo mínimo legal e que apenas a Arguida recorreu da mesma, julgamos que se afigura inútil proceder à aludida operação. 
Nessa medida, julgamos adequado manter a coima de Euros 7.500,00, pela prática dolosa de uma contraordenação, prevista e punida pelos artigos 3.º, n.º 1, al. b) e 9.º, n.º 1, al. a), ambos do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15de setembro. 
*
Lei no tempo.
Finalmente, importa dar conta que na pendência da presente ação, em resultado do DL n.º 9/2021, de 29 de janeiro, foi alteração o DL n.º 156/2005, de 15 de setembro, nos termos da qual a punição da contraordenação, com a revisão operada, tendo mantido o respetivo número e redação, viu alterada a qualificação para muito grave e determinando a  punibilidade ao abrigo do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas a que corresponde uma coima entre Euros 8.000,00 e 30.000,00 (cfr. artigos 18.º, al. c, iii) e 19.º, n.º 1, al. b), do RJCE).
Assistindo-se, assim, a uma sucessão de leis no tempo entre as datas do cometimento da contraordenação e o momento presente, nos termos do art.º 3.º, n.º 2, do DL 433/82, de 27 de outubro, impõe-se determinar qual das duas leis se revela, em concreto, mais favorável ao agente.
Porém, para o que releva para os presentes autos, não havendo diferenças de assinalar ao nível dos critérios para a escolha e determinação da coima e, como vimos,  sendo a coima aplicável de valor superior, quer em termos do mínimo quer do máximo, é possível desde já determinar, em abstrato, que a da prática dos factos é mais favorável, pelo que se mantém válida a subsunção legal efetuada, não havendo, por isso, a necessidade de ponderar a sua aplicação.  
*
Por todo o exposto, julgamos improcedente o recurso apresentado pela recorrente ACTIVOS 24 – Distribuição, Eventos e Logística, Unipessoal, Lda, mantendo a decisão do tribunal a quo.
*
V - Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso apresentado, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.
Notifique.
***
Lisboa, 28 de maio de 2025
Bernardino Tavares
José Paulo Abrantes Registo
Alexandre Au-Yong Oliveira