Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
COMUNICAÇÃO
LIMITES DA CONDENAÇÃO
Sumário
Sumário: 1. A ausência de qualquer comunicação escrita de resolução do contrato, remetida pelo trabalhador ao empregador, impede o reconhecimento da justa causa de resolução do contrato, tanto mais que, na acção em que for apreciada a ilicitude da resolução, apenas são atendíveis para a justificar os factos constantes de tal comunicação. 2. Fundando o trabalhador a sua causa de pedir, tal como a expressou na petição inicial, na justa causa de resolução do contrato, concluindo a sentença que tal pretensão não podia ser atendida, não podia optar por conhecer da eventual ilicitude de outra causa de cessação do contrato de trabalho, neste caso o abandono do posto de trabalho que veio a ser comunicado semanas depois pela empregadora.
Texto Integral
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
No Juízo do Trabalho de Portimão, AA demandou BB, Unipessoal, Lda., pedindo seja declarada a resolução do contrato de trabalho por justa causa, por iniciativa do A.; o pagamento de uma indemnização de antiguidade, no valor de € 2.481,60; o pagamento de € 12.619.92, referente a prestações pecuniárias vencidas, bem como as vincendas até à data do trânsito em julgado da sentença; e o pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 25.000,00.
A Ré contestou, alegando não ter ocorrido a resolução do contrato pelo trabalhador, mas antes o abandono de trabalho por parte deste, pelo que tomou a iniciativa de lhe transmitir essa cessação.
Após julgamento, a sentença declarou a ilicitude do despedimento do A., condenou a Ré no pagamento das retribuições que este deixou de auferir desde 24.03.2023 até 20.06.2024, no total de € 6.675,33, sem prejuízo do eventual desconto das quantias a que se refere o art. 390.º n.º 2 al. c) do Código do Trabalho, e ainda no pagamento das férias vencidas em 01.01.2024, relativas ao trabalho prestado no ano de 2023, e respectivo subsídio, e ainda os proporcionais do ano da cessação e respectivo subsídio, no valor de € 363,63, bem como € 363,63 pelo proporcional de subsídio de Natal.
Apresenta-se a Ré a recorrer, concluindo:
a) Salvo o devido respeito, entente a Sociedade Apelante que o Meritíssimo Juiz “a quo” decidiu mal, não fazendo uma boa interpretação dos factos, nem uma correcta aplicação do Direito aos factos.
b) Na douta Sentença proferida, o Meritíssimo Juiz “a quo” não valorou, nem teve em consideração, toda a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, assim como a prova documental apresentada.
c) O que fez que o Meritíssimo Juiz “a quo” tivesse proferido uma decisão injusta e desconforme com a prova testemunhal produzida pelas Testemunhas supra identificadas e com a prova documental apresentada nos autos.
d) Como referido na Contestação, a Petição Inicial devia ter sido considerada inepta, pois a mesma difere e contradiz-se entre as mais diversas causas de pedir apresentadas e os pedidos formulados.
e) O Autor refere no seu depoimento que … Daí eu falei assim, se não estiver bom, você manda embora”, “Estou trabalhando no zoologista”, “ Depois, eu fui ao Brasil”, “ se o senhor comunicou depois ao Sr. BB, dizer, (14:34) olha, depois disto não vou trabalhar mais. (14:36) Não, não, não comuniquei. (14:37) Não comunicou. “ E depois, dia 9... (15:33) Dia 9 de Outubro, o senhor diz que não está bem, que está indo ao médico. (15:38) Isso, acho que foi num dia da agressão, não é? (15:42) Foi isso que eu mandei; Foi uns dias depois, foi uns 5 dias depois. Ah, sim. (16:05) Não, não, foi no dia da agressão que eu falei que eu estava indo ao médico.
f) O Autor ora Apelado, caso tivesse entendido que o despedimento por parte da entidade patronal, tinha sido ilícito, tinha logo após a recepção da carta, comparecido no trabalho ou justificando a sua ausência,
g) Aceitando assim que tinha abandonado o trabalho,
h) O trabalhador pretendia a obtenção do fundo de desemprego para se poder ausentar para o Brasil,
i) A carta enviada no final do dia 23 de Outubro, cumpriu todos os prazos e requisitos legais.
j) Não se entende, a interpretação do Meritíssimo Juiz “a quo”, que perante todo o julgamento só valorou o depoimento do Autor, mas nesta parte e por forma a dar-lhe razão, não considerou o seu depoimento, conforme descrito anteriormente.
k) As testemunhas indicadas pela Ré e o depoimento do seu representante legal, foram credíveis e reais face ao que aconteceu no dia 4 de Outubro,
l) Quanto aos valores a que a Ré, ora Apelante foi condenada, entendemos que a mesma não poderia ter sido condenada nos referidos termos, por um lado, a Ré cumpriu as formalidades a prazos legais para o despedimento por abandono ao trabalho,
m) Por outro, desconhecemos e não temos forma de saber, se o Autor esteve a usufruir de subsídio de desemprego, e pelo que foi dito pelo mesmo no seu depoimento, logo depois foi trabalhar no Zoomarine, não pode assim, o Autor, beneficiar duas vezes dos mesmos rendimentos,
n) Deveria, nestes termos, o Meritíssimo Juiz “a quo” ter julgado a acção como não provada e improcedente, sendo consequentemente, a Ré absolvida dos pedidos contra si formulados.
o) Ao não decidir assim, salvo o devido respeito, o douto Tribunal “a quo” não fez a devida aplicação da Lei, nem valorou toda a prova testemunhal e documental produzida e os factos.
Não foi oferecida resposta.
Produziu o Ministério Público parecer no sentido da confirmação do decidido.
Cumpre-nos decidir.
Antes do mais, anota-se que, apesar da Ré declarar que a sentença “não valorou, nem teve em consideração, toda a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, assim como a prova documental apresentada”, certo é que não indica qualquer ponto da matéria de facto que considere estar incorrectamente decidido, nem indica a decisão alternativa que deveria ter sido proferida sobre quaisquer questões de facto.
Resulta do art. 640.º n.º 1 do Código de Processo Civil que, entre outros requisitos, o recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: “a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Pelo menos os requisitos das als. a) e c) não foram cumpridos e, do que se depreende ao ler as alegações, é o inconformismo da Recorrente quanto à solução jurídica da causa, não propriamente ao modo como foi estabelecido o elenco de factos provados e não provados.
De todo o modo, quanto à impugnação da matéria de facto, há apenas que declarar a sua rejeição – art. 640.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
Mantém-se, pois, o elenco fáctico declarado provado na sentença, que é o seguinte:
1. O Autor foi admitido ao serviço a 21 de Junho de 2023, na categoria de pintor, para exercer a actividade profissional sob as ordens e direcção da Ré, através do contrato junto com a p.i. e de cujas cláusulas 1ª a 10ª (referindo-se a cláusula 11ª a protecção de dados) consta: “CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO (…) Entre: BB Unipessoal Lda., com sede (…), Armação de Pêra, actividade de construção civil, com o CAE nº 41200 e contribuinte fiscal (…) daqui em diante designado como Primeiro outorgante: E: AA, de nacionalidade Brasileira, residente na Rua (…), Albufeira com passaporte N° (…) contribuinte n° (…) e nº da segurança social (…) designado como Segundo outorgante:\ É celebrado o presente contrato de trabalho a termo certo, que se regerá pelas seguintes cláusulas Primeira O Primeiro Outorgante admite o Segundo Outorgante com categoria de pintor de 2ª a fim de desempenhar as funções da sua especialidade, ou quaisquer outras, desde que compatíveis com a sua qualificação profissional. Segunda O 2º Outorgante desempenhará a actividade profissional para que é contratado na sede ficando desde já reconhecida ao 1º outorgante a faculdade de transferir o 2º outorgante, sem prejuízo das deslocações a instalações de clientes que tiver de realizar para cumprimento das suas funções. Terceira A remuneração ilíquida do 2º outorgante é de 770:00€ (setecentos e setenta euros), passível dos descontos legais, mais 6.50€ (seis euros e cinquenta cêntimos) de subsídio de alimentação diários, bem como subsídio de férias e Natal, pagos em duodécimos. Quarta O período normal de trabalho diário e semanal do 2º outorgante são, respectivamente de 8 horas e 40 horas semanais e distribuídas da seguinte forma: de segunda a sexta feira, com intervalo de 1h para almoço das 12:00h as 13.00h, sendo sábado e domingo descanso semanal. Quinta O presente contrato de trabalho entra em vigor em 23 de Junho de 2023 e terminará a 22 de Junho de 2024 destina se a execução de trabalhos de pintor de 2ª nas instalações dos nossos clientes, e justifica-se ao abrigo da alínea h) do n° 2 do artº 140º do Código do trabalho. Sexta O período experimental do 2º outorgante terá a duração de 30 dias, podendo qualquer das partes, no decurso deste período denunciar o contrato sem aviso prévio nem necessidade de invocação de justa causa, não havendo direito a indemnização. Sétima O presente contrato caducará em 22 de Junho de 2024, desde que o 1º outorgante ou o 2º outorgante comunique, respectivamente, 15 ou 8 dias antes daquela data, por forma escrita, a vontade de o fazer cessar. Oitava O direito a férias da 2ª outorgante rege-se pelo disposto no Código do Trabalho, aprovado pela lei n° 7/2009, de 12 de Fevereiro. Nona A cessação do contrato por qualquer dos Outorgantes rege-se pelo disposto no Código do Trabalho, aprovado pela lei nº 7/2009 de 12 de Fevereiro. Décima No omisso regularão as normas legais aplicáveis, nomeadamente o Contrato de Trabalho para a construção civil, bem como a regulamentação interna e demais condições em vigor para a generalidade dos funcionários ao serviço do 1º outorgante”.
2. O Autor faltou ao serviço nos dias 11/09/2023, 22/09/2023, 23/09/2023, 26/09/2023 e 27/09/2023, justificando-se com problemas dentários e entregando ao gerente da R. documentos emitidos por uma clínica dentária.
3. No dia 25/09/2023, o Autor, tendo voltado ao trabalho, porém, referindo continuar com dores, acabou por ir embora.
4. No dia 27/09/23, após o A. enviar à R. uma justificação de falta, o gerente da R., BB referiu o seguinte: “Quando poderes vens a armação para termos uma conversa muito seria que eu não aceito esse tipo de comportamento na minha empresa”.
5. Tendo o A. de imediato respondido, “manda embora”.
6. No dia 28/09/2023, o A. voltou a não comparecer ao serviço.
7. No dia 29/09/2023, o Autor enviou à R. um documento denominado “Atestado”, o qual se encontra junto com a contestação como documento n.º 5, e que declara uma incapacidade por um período previsível de 3 dias, não sendo, no entanto, no mesmo visível qualquer data.
8. No dia 02/10/2023, foi extraído um dente ao Autor e este não foi trabalhar, nem o foi no dia 03, ainda com dores da extracção.
9. Ainda em 02/10/2023, o A. enviou mensagem ao referido BB, gerente da R., dizendo: “Olha é assim precizo saber se é pra eu ir trabalhar amanhã ou é so pra busca a cartinha”.
10. No dia 04/10/2023, o Autor apresentou-se ao trabalho.
11. O Autor chegou ao ponto de encontro e o gerente da R. disse-lhe para este se dirigir para o lado de fora e esperar por ele, o que o Autor fez.
12. O gerente da R. dirigiu-se, após alguns minutos, ao A. e disse-lhe: “você abandonou o serviço e não disse nada”.
13. O Autor disse então ao gerente da R. que se ele quisesse bastava-lhe dispensá-lo, após o aquele o agarrou pela gola da camisa e, em acto contínuo, o encarregado da R., de nome Wilker, foi directo ao Autor e desferiu um murro no seu rosto.
14. Após isto, os outros funcionários, separaram o A., o gerente da R. e o referido Wilker.
15. No entanto, o Autor sentiu ainda um outro murro, que não conseguiu ver de onde proveio, mas que os colegas de trabalho informaram ter sido desferido por outro encarregado da R., de nome Yuri.
16. O Autor pegou em alguns tijolos e acabou por os arremessar na direcção do gerente da R..
17. Após o referido em 13, o Autor chamou “gordo” ao gerente da R., BB.
18. Em seguida, a situação acalmou, tendo o gerente da R. abandonado o local, seguido pelos seus funcionários, ali deixando o Autor.
19. O Autor sofreu lesões na face e na vista.
20. E ficou constrangido perante seus colegas de trabalho, já que foi agredido na frente de todos e humilhado.
21. O Autor, nada mais disse à entidade Patronal, até dia 09/10/2023, em que enviou outra mensagem a dizer “não estou bem estou indo ao medico”.
22. O A. não se queixou perante a R. de que tinha sido agredido, nem apresentou qualquer carta de despedimento com justa causa, ou de outra qualquer natureza.
23. Como o Autor não regressava ao trabalho nem apresentava qualquer justificação, a entidade patronal no dia 23 de Outubro de 2023, endereçou-lhe a carta junta com a contestação como documento nº 9, com o seguinte teor: “RESCISÃO CONTRATO TRABALHO POR JUSTA CAUSA Armação de Pêra 23 Outubro de 2023 Para os devidos efeitos a empresa BB UNIPESSOAL LDA, com sede (…), com NIF (…) declara que o Sr. AA, de nacionalidade brasileira e NIF (…) exerce funções de pintor de 2ª de construção civil na nossa empresa desde o dia 23 de Junho de 2023, declaramos rescisão unilateral do contrato trabalho, por justa causa por motivos de abandono do trabalho, sendo que o trabalhador não se apresenta ao trabalho desde o dia 6/10/23 sem qualquer justificação entregue na empresa que justifique esta ausência, sendo assim ao abrigo art.403º nº 2, por abandono voluntário do trabalho. Vimos por este meio informar V. Exa a cessação do contrato por justa causa, com fundamento no abandono do trabalho.”
24. Foi emitido recibo e efectuada transferência bancária da R. para o A., em 8 de Outubro de 2023, tendo sido pago o mês de Setembro, por a R. ter considerado que o A. não efectuou qualquer trabalho no mês de Outubro.
25. O Autor apresentou queixa-crime contra BB (originando o processo que corre seus termos no DIAP de Silves, com o NUIPC …) e existe igualmente queixa contra o Autor apresentada pelo BB (originando o NUIPC …).
APLICANDO O DIREITO Do despedimento unilateral
O despedimento é uma forma de cessação unilateral do contrato de trabalho, da iniciativa da entidade patronal, que se consubstancia numa declaração dirigida ao trabalhador, comunicando-lhe a cessação do contrato de trabalho. A propósito deste tema, Pedro Romano Martinez[1] afirma que “o despedimento é uma forma de cessação unilateral do contrato de trabalho em que a iniciativa cabe ao empregador. Exige-se uma declaração de vontade da entidade empregadora nos termos da qual se comunica ao trabalhador que o contrato cessa para o futuro, sem eficácia retroactiva. Esta declaração de vontade é receptícia (art. 224.º do Código Civil), pelo que o efeito extintivo do contrato só se verifica depois de a mesma ser recebida pelo trabalhador e, a partir desse momento, como qualquer declaração negocial, é irrevogável (art. 230.º do Código Civil).”
Essa declaração tem sempre de ser inequívoca no sentido de colocar termo ao contrato, e deve ser interpretada segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário e que, como tal seja entendida pelo trabalhador. Esta exigência de inequivocidade visa evitar tanto o abuso de despedimentos efectuados com dificuldade de prova para o trabalhador como obstar ao desencadear das suas consequências legais quando não se mostre claramente ter havido ruptura indevida do vínculo laboral por parte da entidade patronal.[2]
Expostos, sucintamente, os aspectos jurídicos essenciais da questão, a sentença recorrida reconheceu que assistia ao A. o direito de resolver o seu contrato de trabalho, com justa causa, mas como o A. não dirigiu à Ré qualquer comunicação comunicando a resolução, o crédito reclamado não pode ser reconhecido com esse fundamento.
Assim é.
A ausência de qualquer comunicação escrita de resolução do contrato ao empregador, com indicação sucinta dos factos que a justificariam, enviada nos 30 dias subsequentes ao seu conhecimento, tal como exigido pelo art. 395.º n.º 1 do Código do Trabalho, impede o reconhecimento da justa causa de resolução do contrato, tanto mais que, na acção em que for apreciada a ilicitude da resolução, apenas são atendíveis para a justificar os factos constantes de tal comunicação (art. 398.º n.º 3).
Neste sentido, já se decidiu – maxime, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.07.2016 (Proc. 1085/15.0T8VNF.G1.S1). publicado na página da DGSI – o seguinte: “1. A carta de resolução do contrato enviada pelo trabalhador à empregadora em que se faz consignar como justa causa da resolução, apenas, a «falta de pagamento do trabalho suplementar prestado e da retribuição legal» e o «incumprimento das obrigações legais relativas ao tempo de trabalho e descanso do trabalhador», não especifica qualquer facto concreto, mas antes afirmações de natureza conclusiva, reproduzindo fórmulas legais. 2. A indicação dos factos concretos e da temporalidade dos mesmos, na carta de resolução do contrato de trabalho, mostra-se indispensável para, além do mais, se aferir se o direito foi exercido no prazo legal, condição formal de que, também, depende a licitude da resolução. 3. A verificada preterição dos requisitos de natureza procedimental previstos no n.º 1 do artigo 395.º do Código do Trabalho, determina a ilicitude da resolução operada pelo trabalhador, ainda que por razões meramente formais, incorrendo este, nos termos dos artigos 399.º e 401.º do mesmo Código, em responsabilidade perante a empregadora.”
Tendo o A. omitido por completo o envio de tal comunicação, no prazo legalmente previsto de 30 dias após o conhecimento dos factos, ocorridos no dia 04.10.2023 e nos quais teve intervenção directa, e tratando-se de uma formalidade da qual depende a invocabilidade em juízo dos factos atendíveis para justificar a justa causa de resolução do contrato, a causa de pedir, tal como o A. a expressou na sua petição inicial, não podia proceder.
No entanto, a sentença decidiu declarar a ilicitude da comunicação de abandono do posto de trabalho remetida pela Ré em 23.10.2023, apesar do A. não fazer qualquer menção a tal causa de pedir ao longo da sua petição inicial.
Com efeito, analisando a petição inicial, ali é descrita a formação da relação contratual, os factos ocorridos durante o mês de Setembro de 2023 e nos primeiros dias de Outubro, culminando nos acontecimentos do dia 04.10.2023, para se concluir pela justa causa de resolução do contrato, com fundamento no disposto no art. 394.º n.º 2 al. f) do Código do Trabalho – ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei.
Mas em ponto algum desse articulado se invoca a ilicitude da comunicação de abandono do posto de trabalho remetida pela Ré em 23.10.2023 – que apenas surge mencionada na contestação, em sede de impugnação motivada, onde se alega que a resolução do contrato de trabalho nunca lhe foi comunicada e que a relação contratual findou por outro motivo, o abandono do posto de trabalho, que comunicou ao trabalhador por esse meio.
Ora, a sentença não podia conhecer de uma causa de pedir não invocada expressamente pelo trabalhador na sua petição inicial.
Na verdade, de acordo com o 609.º n.º 1 do Código de Processo Civil, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
A propósito, Alberto dos Reis – in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra Editora, 1984 (reimpressão), pág. 56 – ensinou o seguinte: “Não basta que haja coincidência ou identidade entre o pedido e o julgado; é necessário, além disso (…), que haja identidade entre a causa de pedir (causa petendi) e a causa de julgar (causa judicandi). (…). A causa petendi (e debendi) é uma causa juridicamente relevante; não é um facto natural, puro e simples, mas um facto ou um complexo de factos aptos para pôr em movimento uma norma de lei, um facto ou complexo de factos idóneos para produzir efeitos jurídicos.”
A causa de pedir exerce, pois, uma função individualizadora do objecto do processo, conformando-o. Deste modo, se a causa de pedir formulada na petição inicial tinha por fundamento a justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, concluindo o tribunal que tal pretensão não podia ser atendida, não podia optar por conhecer da eventual ilicitude de outra causa de cessação do contrato de trabalho, neste caso o abandono do posto de trabalho que veio a ser comunicado semanas depois pela empregadora.
Procede, pois, o recurso, com total improcedência da causa.
DECISÃO
Destarte, concede-se provimento ao recurso e julga-se a acção totalmente improcedente.
Custas pelo A., sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.
Évora, 22 de Maio de 2025
Mário Branco Coelho (relator) Emília Ramos Costa Paula do Paço
__________________________________________________ [1] In Direito do Trabalho, 3.ª ed., 2006, pág. 951. [2] Neste sentido se pronunciaram os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17.03.2016 (Proc. 216/14.2TTVRL.G1.S1), de 07.09.2017 (Proc. 2242/14.2TTLSB.L1.S1) e de 11.04.2018 (Proc. 19318/16.4T8PRT.P1.S1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.